CAPÍTULO SEIS
Sinto uma onda de ar frio atingir meu corpo assim que me levanto.
Hoje é quarta-feira, vinte e cinco de março. O dia do meu aniversário.
Com o passar dos anos se nota as diferenças dessa data anual. Antes a expectativa de ganhar algo me fazia ficar muito elétrica na véspera da comemoração. Lembro de algumas vezes que não conseguia dormir esperando dar o horário.
Meus pais tinham muita influência sobre isso. Os jogos que eles faziam para encontrar ou adivinhar os presentes me deixavam ansiosa e muito feliz, parecia até Natal. Dou um sorriso lembrando de alguns momentos.
Vou até o banheiro. Paro e observo meu reflexo no espelho.
Nenhuma mudança no rosto. Não pareço mais velha e nem mais alta do que ontem. Oposto a isso, me sinto tão diferente por dentro. Estou em fases de mudanças como todo mundo diz. Esses sentimentos sem definição que as vezes me deixam muito confusa e com raiva, fazem parte do meu eu de agora, para que futuramente saiba enfrentar os problemas que aparecerem.
Admito, mamãe conversou comigo sobre isso ontem à noite. E como sempre, aceito suas sábias palavras.
— Bom dia, princesa. — A ouço caminhar pelo quarto. — Feliz aniversário.
— Bom dia, mãe.
Virei para abraça-la. Ela deu beijos em minha bochecha.
— Meu Deus, não posso acreditar. — Sinto seus braços apertarem mais o meu corpo. — Quero que seja muito feliz. Eu te amo, minha vida.
Lágrimas molharam minhas costas.
— Obrigada, mãe. Eu te amo. — Nos soltamos, encarei seu rosto. — Não precisa chorar.
— Eu sei. Só não me acostumo. — Sorriu me abraçando novamente. — Agora anda, caso contrário irá chegar atrasada.
Tomo banho, visto o uniforme, peguei a mochila e desço para tomar café.
— PAI! — gritei, assim que o vi do outro lado do balcão. — Nem acredito que está aqui.
— Não poderia faltar no primeiro café da manhã dos catorze anos da minha única filha. — Disse ele, caminhando até onde eu estava. — É o evento do ano.
Me abraçou forte.
— Te amo, pai.
— Eu te amo — o escutei sorrir. — Parabéns!
Após o café fui correndo para escola.
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As aulas passaram rapidamente. Recebi abraços de alguns colegas durante toda manhã. Logo depois, espero minha mãe na saída da escola.
— Liv — alguém me chamou. Brenda. — Nem combinamos de fazer algo para comemorar. A gente pode marcar de sair com o pessoal mais tarde, o que acha?
— Pode ser — o carro de Tia Marta se aproximava de nós. — Envie mensagem dizendo o horário.
Ela gesticulou confirmando e nos despedimos. Entrei no carro que parou ao meu lado.
— Você e suas caronas surpresas.
— Vou começar a pensar que não gosta quando venho te buscar.
— Sabe que não é isso.
Sorri e ela me abraçou.
— Feliz aniversário, meu amor. Minha sobrinha favorita — me apertou. — Minha bebê.
— Tia, a data de hoje é a prova de que não sou mais um bebê. — Imitei voz de irritação. Ela sorriu.
— Já te falei, para mim sempre será aquela menininha sapeca que tirava todas as minhas coisas de dentro do armário e fazia sua própria festa. — Marta me olhava demonstrando tanto amor que foi impossível controlar as lágrimas. — Sabe que sempre desejei ser mãe, e sempre cuidei de você como filha. Guardo as melhores lembranças suas. E agora, você está tão crescida. É difícil pensar que daqui a um tempo não precisará mais de mim...
— Tia, sempre vou precisar de você. Eu te amo. Como amiga, sobrinha e filha também. — Disse emocionada.
Ouvimos um som atrás de nós. Estávamos impedindo a passagem de alguns carros.
— Perdão — ela falou, baixo. Duvido alguém além de mim ter escutado. O carro começou a se mover. — Então, pronta para ter um dos melhores dias da sua vida?
Até chegarmos em casa troquei algumas mensagens de texto com meu grupo de colegas. Às duas da tarde Brenda me buscará para encontrar com todos.
Sair com eles vai ser algo diferente, como esse ano prometeu ser desde o início.
Papai estava trabalhando e mamãe na mansão de Clarisse organizando algo sobre o leilão. Fiquei com Marta em casa até dar o horário em que Brenda chegaria. Ela me levou ao shopping da cidade. Dalila e Bianca estavam a nossa espera em uma sorveteria. Paulo não pode vir por algum motivo que não prestei atenção quando disseram.
Depois dali seguimos para vários lugares. Lojas de todos os tipos. Não comprei nada além de dois livros e um caderno de desenho novo, já que faz uma semana que o antigo desapareceu. Diana me chamou dois dias atrás, segundo ela as câmeras do pátio não conseguiram alcançar quem pegou e as do ginásio não focaram a imagem por causa da chuva.
Conclusão, nem as câmeras e muito menos alguém apareceu para dizer algo sobre. Ou seja, perdi meus desenhos.
Respiro fundo.
— Tirando isso, até que foi legal sair com ele.
Percebo estar outra vez completamente alheia ao assunto das meninas. Tento disfarçar.
— Bom, pelo menos Henrique foi educado com você. — Dalila disse.
— Coitado dele se não tivesse sido. — A irmã usou um tom que imitava ameaça, em seguida riu. — Então, para onde vamos agora?
— Está ficando tarde, vou ter que fazer lição para amanhã ainda.
— Nunca aprende, Dalila?
— Você sabe que não é por querer, Bianca. Quando eu percebo a semana já passou e a matéria acumulou. — Justificou.
— Então, obrigada pela tarde meninas. Vou ligar para alguém vim me pegar. — Eu digo.
— Não, não — Brenda protestou. — Vamos te deixar em casa.
— Não quero incomodar.
Elas insistiram e deixei que me trouxessem até em casa.
— Vejo vocês amanhã. — Saio do carro.
— Liv, eu posso entrar para ir ao banheiro? — pediu Bianca. — Eu deveria ter ido antes. Não sei se seguro por mais tempo.
— Claro que pode.
Me acompanhou em direção a minha casa. Brenda e Dalila nos seguiram.
Abro a porta de entrada e me mantenho estática quando fico de cara com aquelas pessoas dentro da minha sala.
Senti lágrimas enxarcarem meus olhos assim que ouvi o grito de surpresa. Não acredito que todos me esconderam isso. Meus pais, tia Marta, alguns colegas da turma, e até Miguel estava aqui.
— Não podíamos deixar passar. — Mamãe disse, caminhando até mim. Me entregou uma caixa pequena. — Herança de família.
Abro a caixinha e me emociono mais ainda. São os brincos da vovó Maria.
— Vovó — sussurrei.
Passo meus dedos sobre os pequenos detalhes. Eles têm o formato de folha e são preenchidos por várias pedrinhas brancas e brilhantes. Mesmo com o tempo de existência, continua uma bela joia.
— Ela gostaria que fosse teu. — Ela disse, emocionada.
— É perfeito!
Tento secar meu rosto que foi molhado pelas lágrimas e vou até onde todos estavam.
Observo uma mesa redonda no canto da parede com bolo e decoração simples.
Recebi alguns presentes seguidos de muitos abraços.
— Vocês são incríveis. Não sei mais o que dizer.
— Antes de bater os parabéns, temos um último presente. — Papai sorriu.
Uma leve sensação de nostalgia fez o sorriso quase cair do meu rosto.
— Terei que adivinhar, como fazíamos?
— Acho que dessa vez você não tem nenhuma chance de acertar.
O que poderia ser?
Arregalo os olhos assim que percebo o cabelo ruivo e o cacheado aparecerem por trás do meu pai.
— Eu não acredito... — Não consegui completar o raciocínio. — O que? Como assim? — meus melhores amigos estavam sorrindo para mim. — Júlia, Pedro, vocês...
Eu estava em choque. Sem palavras concretas. Ambos me abraçaram.
— Que saudade, amiga. — Júlia comentou.
— Quando chegaram?
— Sua mãe ligou perguntando se podíamos participar da surpresa. — Pedro respondeu. — Não tinha como negar isso. Você faz muita falta, Liv.
Abraço eles novamente.
Os dois me entregaram um embrulho. Pelo formato deduzi ser um quadro. Quando abri dei de cada com uma pintura baseada em uma fotografia nossa de alguns meses atrás.
Eu estava sentindo uma felicidade que há muito tempo não sentia.
Júlia foi a primeira amiga que fiz na minha escola anterior. E isso quase um ano depois de mudar para lá. Diferente dessa nova mudança que em menos de um mês já me aproximei de todos esses que estão aqui.
E tem o Pedro, era meu vizinho. Depois de um tempo Júlia, Pedro e eu ficamos inseparáveis. Bom, até esse ano.
— Certo — mamãe se aproximou. — Depois vocês matam a saudade. Agora temos que cantar os parabéns.
Tia Marta tinha razão, esse foi um dos melhores dias da minha vida. As pessoas que eu mais amo estavam aqui, junto com os amigos que fiz. Não poderia ser melhor.
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— Então não está sendo ruim?
— Não, aqui é bem mais tranquilo. — Respondo para Pedro. Estamos perto da escada. As outras pessoas continuam espalhadas pela sala tendo suas conversas aleatórias ao mesmo tempo que comem os doces e salgados feitos pelo meu pai. — E como estão as coisas?
— Melhores impossíveis. — Diz Júlia. — Tem uma coisa que você ainda não está sabendo.
Lançou um olhar para Pedro como se pedisse para ele contar.
— Que mistério, gente. — Dei um sorriso.
— É só que, comecei um relacionamento. — Arregalo os olhos.
— Desde quando? Com quem? Eu conheço? — disparo surpresa.
— Digamos que sim, e muito bem. — Ele responde sorridente. Mas, senti um certo tremor em sua voz.
Franzi a testa. Nenhum nome me passa pela cabeça.
— Fala de uma vez, cara.
O que aconteceu depois dessa minha última fala eu jamais pensei que poderia presenciar. Pedro puxou Júlia pelo braço e a beijou.
Paralisada. Fiquei surpresa demais para formular qualquer coisa. Meus melhores amigos, juntos.
Quando me recupero dou um tapa no braço dos dois.
— Não acredito que me esconderam isso. Como não me dei conta?
— Amiga — Júlia parou em minha frente. — Como você perceberia se nem eu mesma percebi? Apenas aconteceu.
— Estou pouco mais de um mês longe e isso acontece.
— Só estamos juntos há algumas semanas — Pedro diz. — Desde que vi Júlia em sua casa me encantei pelo jeito dela, mas só podíamos ser amigos. Faz pouco tempo que disse sobre meus verdadeiros sentimentos. Conversamos e ela resolveu tentar.
Depois que ele explicou alguns flashs giraram pela minha cabeça. Eu que fui lerda e não percebi os sinais.
Uma grande felicidade se espalhou em mim. Evitei sorrir.
— E por que não me contaram por telefone quando aconteceu? — Uso um tom de reclamação.
— Sua mãe já tinha avisado da surpresa, preferimos dizer pessoalmente. — Júlia estava nervosa. — Está magoada? — dei um largo sorriso.
— Por que acharam que ficaria? — Abraço os dois. — Estou feliz por vocês. Não sei de alguém melhor um para outro, espero que dê certo. Só que assim... — faço uma pausa. Suspirei. — Da próxima vez, me contem na hora que acontecerem as coisas.
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Depois de minutos conversando ali, parecia que tinha voltando no tempo. As lembranças felizes que dividi com eles vieram todas de uma vez. Me permiti chorar.
— Vou pegar água para você, está bem? — Júlia também estava emotiva.
— Não precisa — passo as costas da mão pelo rosto secando as lágrimas. — Eu estou bem. Apenas...sinto falta de vocês.
Pedro me abraçou de lado e fez carinho em meu cabelo.
— Nossa amizade não precisa mudar só porque você não está por perto. — Ele disse. — Você só precisa lembrar sempre de colocar o celular para carregar. Só fazendo esse sacrifício que vamos poder te ligar.
Ri quando ele comentou esse detalhe.
— Vou ficar mais atenta.
Voltamos para o centro da sala. Não vejo meus pais nem tia Marta por aqui.
— Vamos tirar uma foto, Olívia? — pede Brenda. Confirmo.
Tirei fotos não só com ela, mas também com o resto do pessoal que veio.
— Galera, esses são Pedro e Júlia. — disse em uma tonalidade que todos pudessem ouvir.
Uma música não muito alta tocava em alguma parte da sala que não identifiquei.
Procuro apenas com o olhar meus pais, porém, só vejo meus colegas.
Dalila e Bianca conversavam com Júlia junto a outras garotas. Pareciam estar se conhecendo.
Paulo estava sentado no sofá mexendo no celular. Tinha dois garotos lá também.
Vejo Brenda e aquele que ela gosta, Henrique, sentados nos primeiros degraus da escada. Pareciam estar em uma conversa intensa.
Miguel foi o único que vi estar sozinho. Por instinto iria até ele para não deixar ele só, mas Pedro me chamou.
— Certas coisas nunca mudam. — Ele riu. Até imagino ao que se refere.
— Nunca mesmo. Só que não estava longe da realidade. Não agora. — Dei um soco leve em seu ombro e sorri.
Júlia apareceu e me arrastou até o meio das meninas que dançavam uma música que não me lembrei o nome.
Faço movimentos simples para acompanha-las.
Vejo tia Marta trazer uma bandeja com copos. Instantaneamente sinto minha boca seca. Caminho até ela e pego um deles. Dei alguns goles e já fiquei melhor.
— Quem é ele? — Júlia perguntou. Tomei um susto.
— Não chegue assim do nada, quer me matar? — bebo mais uma vez do líquido que percebi ser refrigerante. Em seguida olho para saber de quem se tratava. — Miguel. Ele mora no início da rua. — Ele continuava quieto e sozinho sentado em um canto da sala. Agora mexia no celular. Não é a turma dele, deve não conhecer ninguém e se sentir desconfortável com isso. — Vou lá falar com ele.
— Espera, é só isso?
— Como assim?
— Eu estou vendo coisas, ou percebi ele mudar de postura quando Pedro estava conversando com você. Tem algo entre vocês?
— O que? Não. Nada disso. — Olho para ele novamente. — Claro que é só isso, meu vizinho. — Completei. — Vou lá falar com ele.
Apresso meus passos até Miguel. Quando paro em sua frente, ele ergue o olhar que focava no celular para o meu rosto.
— Por que está aqui sozinho?
Miguel levantou. Sinto sua altura me cobrir.
Ele relaxa os ombros.
— Não estou no clima para danças ou me enturmar.
— Então devo me considerar sortuda pelo dia que te conheci? Já que estava em um bom clima e foi gentil comigo. — Sorri para ele.
— É, aquele foi um dia bom. — Deu um leve sorriso. — Mas não esquenta com isso, vim porque é seu primeiro aniversário aqui. Queria ajudar a fazer uma boa lembrança dessa noite.
— Obrigada por ser tão bom comigo, Miguel — abracei ele. —Você nem me conhece direito.
Se nota de longe a diferença de tamanho entre nós dois. Será que um dia vou crescer?
— Já sei o suficiente — diz ele, me soltando. — Você é educada, tem um brilho no olhar e sorri fácil. Não é preciso de muito tempo para perceber que você é uma boa pessoa. Ficar perto de alguém assim só tem a acrescentar.
Sinto meu rosto virar um tomate. Não sabia o que responder.
— Olívia — ouço a voz da minha tia. — Já tenho que ir — disse quando se aproximou. — Deixei o presente no seu quarto. Sei que vai gostar.
— Obrigada, tia. — Abraço forte. — Amo muito você.
Ando com ela até a porta de entrada e me despeço. Miguel falava ao telefone, então quando voltei fui dançar com as garotas.
Olho para Miguel novamente. Tenho a sensação de estar devendo uma resposta. Eu deveria ter respondido algo, qualquer coisa que fosse. Paralisei ao escutar suas palavras. A verdade é que tia Marta me salvou. Ficaria sem dizer nada por mais tempo, ou seja, depois me enterraria para esconder a vergonha dele.
— Eu sabia — Júlia fala só para mim. — Ele te olhou tão diferente, você que ainda não percebeu.
Balaço a cabeça para evitar possíveis pensamentos.
— Não viaja, Júlia.
Ela entendeu que eu queria ignorar seu comentário. Mas pelo olhar da minha amiga, tenho absoluta certeza que ainda vamos voltar a falar muito sobre isso. Esse assunto não vai se encerrar aqui.
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Mais tarde, como tínhamos aula amanhã, aos poucos meus colegas foram indo embora.
O mesmo aconteceu com Pedro e Júlia. Isso reforça a amizade que tenho por eles, vieram de outra cidade apenas para comemorar o meu dia.
Estava do lado de fora da minha casa me despedindo.
— Não se esqueça de mim, certo?
— E isso é possível, Pedro? — Sorrimos. Depois abracei o meu amigo. — Prometo fazer mais ligações.
— Até logo, amiga. — Júlia me deu um abraço tão forte que quase fiquei sem ar.
— Se você me deixar respirando, né? — Brinquei. — Amo muito vocês.
Após alguns minutos eles se foram dali. Outra vez senti o aperto do até logo.
Em seguida, as meninas vieram até onde eu estava.
— Foi tudo um plano para te distrair, mas foi um belo dia, não foi?
Dalila me abraçou. Agradeço as três e me despeço.
— Então, aquilo que te falei ainda está de pé. — Ouço Miguel, atrás de mim. Virei para encara-lo. — Dar um passeio. — Completou quando notou minha confusão.
— Ah, claro. Podemos sair na segunda, se quiser.
— Para mim está ótimo. — Olhou para o relógio que tinha no pulso. — Agora eu preciso ir. — Se aproximou. — Fique bem, Olívia. — Beijou minha testa e seguiu caminhando na direção em que havia dito que ficava sua casa.
Solto a respiração.
Espera, em que momento foi que prendi?
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Oiê, leitores. Esse foi o sexto capítulo da minha história espero que tenham gostado, pois foi escrito com muita dedicação. Aguardo suas críticas construtivas nos comentários e suas estrelinhas. A humilde autora que te escreve agradece desde já. Boa leitura e até o próximo!
❤️❤️❤️
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