CAPÍTULO DOZE
O despertador tocou no horário de sempre. Droga, esqueci que era para desativa-lo já que não iria à escola hoje. Eu estava praticamente afundada no edredom macio ao extremo, muito confortável, não levantaria por nada no momento. Voltei a dormir.
Novamente abro os olhos, mas desta vez já se passavam das onze da manhã. Ligo para mamãe.
— Até que fim, bela adormecida.
— Bom dia, mãe. — Murmurei. — Ainda está na mansão?
— Não. Acabei de sair na verdade, estou levando seus presentes para casa. Não quis te acordar.
— Tudo bem. Eu vou tomar um banho para depois ir para casa. — porque só agora me dei conta que dormi usando o vestido e do jeito que estava.
— Clarisse disse que pode ficar o resto do dia descansando se quiser, que o motorista te trás.
Assim que encerro a ligação caminho em direção ao banheiro. Depois de estar devidamente limpa e vestida com um short e camiseta, saio do quarto atrás de algo para comer. Até chegar a cozinha da mansão, não avistei ninguém nos corredores. O que é esquisito, já que os seguranças sempre estão perambulando por aqui com aqueles fones de um ouvido que não sei se tem outro nome.
— Bom dia, menina. — Mercedes cumprimenta-me. — A Senhora Fernandes pediu para guardar seu café da manhã.
— Obrigada, Mercedes. Vocês como sempre tão atenciosas comigo.
Sento em uma das cadeiras da mesa da cozinha e espero ela colocar as panquecas e o suco em minha frente. Enquanto comia, Mercedes junto a outras duas funcionárias preparavam o almoço. Eu perdi a manhã inteira dormindo, mas ainda assim me sinto exausta. Meus pés doem tanto que acho que tenho calos. No almoço eu quase não toquei no prato, não senti fome já que acabara de tomar café. Porém, estive ali fazendo companhia a Clarisse, pois nem seu marido ou filho estavam presentes. Bernardo deve estar na empresa, Ricardo eu já não sei, pois mesmo que estivesse na escola o horário das aulas tinha encerrado. Esse detalhe me faz pensar. Será que é assim a rotina dela?
O marido é todo sério e responsável pelos negócios. O filho não é um babaca como pensei quando cheguei aqui, porém faz o que bem entende como diz a própria Clarisse. Enfim, Olívia, não é da sua conta.
Havia uma movimentação no salão, estavam retirando a decoração e limpando o espaço que aconteceu a festa. Faz duas horas que estou no enorme sofá da sala de TV não prestando atenção em nada que está passando. Eu deveria ir embora. Quando lembrei da dor nos pés, meu corpo automaticamente relaxou mais ainda naquele sofá e apaguei.
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Mais uma vez meu celular toca me despertando, franzi a testa. Desde quando a bateria dele aguenta tanto tempo? Segundos depois me dei conta que não era o alarme, alguém estava ligando. Olhei a hora, pouco mais das seis da noite. Meu Deus, alguém teria me visto nessa folga toda o dia inteiro? Balanço a cabeça e atendo. Era Ricardo.
— Oi, Ric.
— Ol...Liv... prec..o voc...
Coloco no viva voz para entender melhor.
— O que disse? A ligação está cortando.
— Vo...cê aqui.
— Como? Aqui onde? — Ele não diz nada. — Está me ouvindo Ricardo? O que aconteceu?
— Olí...via... Eu — escuto uma risada alta. — Bati o carro.
Arregalei os olhos. Meu Deus.
— Jesus. Onde você está?
— Acho que... comigo aqui. — Ele ri novamente.
— Ricardo, é sério. Me diz, onde você está? para pedir que te busquem.
— Não, não, não. Não fale...ninguém. Meu pai saber...acaba comigo.
— Você está bêbado? — sinto um nó no estômago quando deduzo.
— Não, não... só tomei...nada. Chama o Charles. Pede trazer você... Eu acho...na praça.
— Tem tantas praças em Canobra, meu Deus do céu. — A essa altura eu tremia demais. Ele não parecia bem.
— Vovó Bern...
— Certo, já chegaremos aí.
Desliguei o celular e corri até a entrada da mansão. Estava escuro, como vou encontrar esse homem, meu Deus? Ele deve estar perto dos portões, nunca andei por lá. Porém, toda vez que passamos de carro dá para ver uma espécie de casa. Acho que onde dormem os seguranças.
Quando percebem que minha movimentação não é em direção ao portão de entrada, dois deles caminham até mim antes mesmo de chegar à aquela casa.
— Senhorita, onde vai? — pergunta-me o mais velho.
— Preciso falar com o Charles.
— Charles? — O outro parece não reconhecer este nome. Agora recordei que os seguranças são chamados pelo sobrenome. E como Ricardo sempre se referiu ao Charles dessa maneira, não faço ideia de como chama-lo.
Ao notar que eu também não sabia o sobrenome, o mais velho põe a mão no ouvido e sussurra algo, parece conversar com alguém.
— Aguarde dois minutos, senhorita.
Menos que isso, logo vejo aquele homem enorme todo de preto surgir do nosso lado.
— Do que precisa, Senhorita Menezes? — Ele faz sinal com a cabeça e os outros dois saem.
— Ricardo bateu com o carro e pediu que você me levasse até ele. — Charles respira fundo e solta um palavrão.
— Venha.
Sigo-o até um carro blindado prata. Charles abre a porta de trás para mim e antes de entrar, consigo ler "Agente Ferraz" no lado esquerdo do peito colado na jaqueta. Esse sobrenome soa familiar para mim.
Disse a localização que Ricardo me passou. Durante o percurso tentei lembrar de onde conhecia esse "Ferraz", e como sempre minha mente não obedece aos meus comandos.
O carro de Ricardo estava parado, ainda não dava para ver em que ele bateu. Escutei mais uns três xingamentos saírem da boca de Charles, eles devem ser próximos mesmo.
Quando o carro é estacionado não espero Charles, saio e corro até onde meu amigo estava. O vidro estava aberto ou quebrado, não foquei nisso. Meu coração disparou quando me deparei com Ricardo sentado no banco do motorista com um corte na cabeça e de olhos fechados.
— Com licença, senhorita. — Charles me afasta e analisa Ricardo. — Ele tem pulso. Deve estar dormindo esse bêbado. — Agora que ele comentou o cheiro de bebida invadiu o ambiente. Charles dá um tapa na cabeça de Ricardo, o mesmo arregala os olhos. — Você tem merda na cabeça, rapaz? Qual é a de beber agora? Já não basta os problemas que tem quer virar alcoólatra? — Ele estava zangado, digo, muito.
— Irmão, não... chamei para...sermão. — Ele segura o rosto de Charles. — Vai...ajuda...irmão. — A porta é aberta, assim que sai ele nota minha presença. — Liv, você. Veio. — Ele cai em uma gargalhada. Ricardo está mesmo mal.
— Vamos, moleque, você precisa de um banho.
— Não, não, não. Casa...não. Vovó. — Acho que eu nunca ouvi tantos palavrões seguidos. Charles estava mesmo puto.
Fomos de carro até a casa de Dona Bernadete, pensei que encontraria Miguel, mas ele não estava. Nem sei como vai ser quando vê-lo novamente, estou envergonhada pela situação de ontem. Ainda não parei para pensar nisso.
Charles levou Ricardo para o banheiro que Dona Bernadete indicou, ela parecia preocupada, mas não fez muitas perguntas.
— Quer um café, menina? — balanço a cabeça positivamente. Ela também me ofereceu biscoitos. Aceitei, minha barriga roncava. Agora estou tranquila, pois meu amigo está bem e seguro.
— Miguel ainda mora com a senhora? — Ousei perguntar, precisava saber se encontraria ele por aqui.
— Desde que viajou com pai, não. O que é uma pena. Sinto falta dele por aqui. — Ela suspira. Imagino, na idade dela ficar sozinha não deve ser bom. Fora a cozinheira e arrumadeira, dona Bernadete quase não tem com quem interagir em seus dias. Isso me deixa triste, ela parece ser uma boa pessoa para ser abandonada desse jeito.
Conversamos um pouco, no tempo que Charles ficou com Ricardo lá em cima. Já eram quase nove da noite e eu tinha que ir, mas antes fui até Ricardo me despedir. Quando entro no quarto, ele olha para mim e não diz nada. Encontrei Charles no corredor, me disse que Ricardo já havia esfriado a cabeça e tomado consciência.
— Como você está?
O cabelo dele estava tão preto que parecia brilhar em contraste com as gotículas de água que ainda pingavam. Vestido com uma bermuda vermelha e uma camiseta também preta, eu diria que nunca o vi tão bonito antes. Se não fosse seus olhos levemente castanhos que demonstravam uma tristeza sem fim.
— Estou bem, Olívia. Obrigada por atender minha ligação. — Seu tom de voz estava seco. Franzi o cenho.
— O que aconteceu? Por que fez isso do nada? — Eu me mantive próxima da porta, ele estava sentado na beirada da cama.
— Não tenho que te dar explicação do que faço, Olívia. — Ele ri sem ter graça.
— Ei, ei. Não seja grosso comigo que só quero te ajudar. — Ele olha para um móvel qualquer.
— Que seja, Olívia. — Ele resmunga. Atravesso o quarto e paro em sua frente.
— Olha para mim, Ric. O que aconteceu com você, cara?
— Caralho, mulher. Deu vontade de beber e eu bebi, não é óbvio?
— Mas você estava bem ontem quando foi embora com a Angélica, deve ter acontecido algo para você ficar tão mal ao ponto de fazer algo assim.
— Entenda, pirralha, não aconteceu nada. Já chega com isso.
— Agora eu voltei a ser pirralha, é? Vamos voltar ao começo?
— Foi você que decidiu isso quando beijou aquele cara.
Olho para ele perplexa. Meu telefone celular toca. É minha mãe.
— Onde você está, Olívia? Clarisse disse que você saiu de lá sem se despedir e já faz horas, quer me matar?
Ela parecia preocupada.
— Mãe — Puxo ar para dentro dos meus pulmões. — Precisei encontrar um amigo, mas já estou indo para casa.
— Venha agora, Olívia. Precisamos conversar. — E desligou.
Ricardo me olhava sério. Eu estava com tanta raiva das coisas que ouvi dele que sai sem dizer mais nenhuma palavra.
— Até logo, Dona Bernadete. Obrigada, Charles.
Quando chego em casa já avisto meu pai sentado em uma das poltronas e mamãe andando de um lado para o outro.
— Olha me desculpem por preocupar vocês, mas é que precisaram de mim e eu fui ajudar. Estou bem, da próxima aviso.
Eles me observavam calados.
— O que aconteceu? Pai?
Escutei daqui quando ele respirou fundo.
— Sente-se, filha, por favor.
Quando sento no sofá, mamãe senta em minha frente. Ela estava tranquila, pelo menos demonstrava. O que era estranho, não era para estar brigando comigo? Então ela me olhou com aquele olhar. O olhar que pela terceira vez lembro-me de receber.
— Não, mãe. — Olho para o meu pai que estava sério. Sinto as lágrimas escorregarem em meu rosto. — Quando?
— Daqui a duas semanas. — Ele responde.
— Meu Deus, não acredito, ainda nem fez dois anos que estamos aqui. Agora que finalmente tudo está bem vocês querem se mudar de novo?
— Filha, você sabe que não somos nós. — Mamãe segura minha mão. — A empresa que nos sustenta vê seu pai como o melhor que eles têm. E sempre...
— Sim, eu sei. A mesma história de sempre. Quando eles inauguram em outro lugar o João que tem que ir organizar tudo. Eu sei. — Passo as mãos no meu rosto limpando as lágrimas. — Mas olha, eu já estou grande. Posso ficar aqui em Canobra até concluir o ensino médio. Tia Marta cuidaria de mim. Por favor.
— Claro que não, Olívia. — Mamãe se levanta. — Sua tia te ama, mas ela tem as coisas dela. Cuidar de alguém é muita responsabilidade. E você tem os seus pais vivos. Onde a gente for você vai junto.
— Mas...pai, por favor.
— Isso não é sua decisão, Liv.
Eu iria desabar em muitas lágrimas. Corri para o meu quarto e chorei como há tempos não chorava. Não acredito que mais uma vez irei deixar tudo para trás. E ainda mais essa cidade, que desde o início fui bem acolhida e tenho muitas pessoas próximas. Meu Deus, esse é meu destino afinal viver de um lado para outro? Tomei um banho quente na tentativa de acalmar meu corpo. Após isso, deitei na cama na esperança de conseguir dormir depois desses dois dias intensos.
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Na manhã seguinte acordo cedo para ir à escola. Estava com uma dor de cabeça terrível. Passei muito tempo pensando como conversar com Miguel sobre sua declaração e como não socar a cara de Ricardo pelas besteiras de ontem à noite. Esse é o resultado. E ainda tem a mudança, nem sei porque vim hoje, vou ter que trocar de Colégio também. Droga.
Hoje tivemos aula teórica com o professor Adriano. Era um dia normal. As gêmeas, Dalila e Paulo como sempre me fizeram companhia na hora do intervalo, agora comíamos no outro lado do refeitório. Era uma conquista nesse Colégio, onde estavam os maiores. Nada de crianças jogando comida ou correndo do nosso lado. Meus olhos lacrimejaram, tentei ter autocontrole ao máximo para não desabar aqui na frente de todos. Ainda não quero contar. Quando estava descendo as escadas para ir embora, recebo uma mensagem de texto de Ricardo Fernandes.
Ric: Estou te esperando em frente ao Colégio, precisamos conversar.
Ignorei. Não estou bem para fazê-lo. Sai da escola e fui onde todos os dias espero minha carona para casa. Ricardo estava mesmo esperando por mim.
— Liv, eu sinto muito mesmo. Voltei a ser um babaca com você ontem. Me desculpa de verdade. — Cruzo os braços, não queria encara-lo. Algo muito forte parecia apertar meu peito. — Liv, eu reconheço que fiz besteira. Eu não deveria ter dito nada, você só me ajudou. E nem deveria cobrar nada de você. Não é meu problema se você beijou o Miguel ou quem quer que seja. — Olhei para ele séria.
— Miguel te disse que eu o beijei?
— Nem precisou, eu voltei porque o Charles disse que levaria a irmã para casa. Então quando te encontrei estava lá com ele.
— Mas você viu alguma coisa? — Ele franze a testa. — Ric — mordo os lábios envergonhada. — Na hora me deu um pânico e eu saí correndo.
Ele precisa de alguns segundos para entender e em seguida solta um riso.
— Quer dizer que você não beijou aquele cara? — Balanço a cabeça negativamente. — Eu não acredito.
Ricardo leva as mãos ao rosto e respira fundo. Algo passa pela minha mente.
— O que você fez ontem foi só por ciúmes, Ricardo? — Ele me olha agora sério. — Sério isso?
— Quem quer sair correndo por vergonha sou eu agora. Olha, Liv. Eu preciso conversar sério com você.
Esse tom de voz dele sempre me faz respirar errado, droga. Tia Marta estaciona perto de nós, salvando-me mais uma vez.
— Agora eu preciso ir.
— Tudo bem. Posso te levar aos Tapetes Dourados hoje? — mordo os lábios. Preciso contar que vou me mudar. Por que sinto como se houvesse uma pedra no peito? Dói tanto, Deus.
— Vou pedir permissão e te aviso.
Entrei no carro. Assim que tia arranca dali, solto as lágrimas que consegui milagrosamente segurar a manhã inteira.
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Então, gente, parece que a Olívia vai ter que ir embora de novo, o que acharam do capítulo??? Será que vem declaração por ai??? O próximo capítulo será o último da primeira fase do livro. Te espero lá!!!
❤️❤️❤️
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