CAPÍTULO CINCO
Hoje faz um mês que estamos morando em Canobra. Passei as primeiras semanas tentando acompanhar as matérias da escola. Saí algumas vezes com Brenda. Ela está sendo muito importante para minha adaptação nesta cidade.
Minha mãe e tia Marta estão participando da organização de um leilão beneficente que irá acontecer dentro de alguns dias. Parece que Clarisse também está fazendo parte disso. Falando nela, desde o primeiro dia de aula não encontrei novamente o filho.
Ricardo ou está se esforçando ao máximo para não cruzar comigo nos corredores, ou simplesmente desapareceu da escola. Nunca mais o vi, o que para mim é maravilhoso. Depois de alguns dias parei com aquela obsessão de ficar pensando nele. E não o ver, facilitou. Porém, algumas noites tenho tido sonhos específicos, como lembranças. Revivo elas, mas não sobra muito quando acordo. Então com o que resta faço alguns esboços no meu caderno de desenho.
Sinto a necessidade de fazer isso, já que não lembro quando consciente.
O barulho de trovão deu susto em algumas pessoas que estavam próximo a mim. Ficar perdida em pensamentos às vezes ajuda em alguma coisa.
Estou na área ao ar livre da escola apenas esperando o intervalo acabar.
O soprar do vento frio fez meu corpo estremecer, por consequência, me abracei. Melhor seria esperar na sala de aula, provavelmente vai chover muito.
Levanto e apresso meus passos em direção as escadas. Não sou a única, vejo muitos alunos fazendo o mesmo.
Lembrei que estava desenhando antes de começar a pensar. Devo ter deixado o caderno no banco.
— Droga!
Me virei para fazer o caminho oposto. Se não correr perderei meus desenhos.
— Cuidado!
Alguém me segurou evitando que eu caísse de cara no chão.
— Meu Deus, obrigada. Devo ter pulado dois degraus sem perceber. — Solto-me. Sinto uma leve dor no pé esquerdo.
— Espera, eu conheço você. — Olhei para ele e me surpreendi. — Se lembra de mim não é... Olívia?
— Claro que lembro. E é Liv, Miguel. — Sorri para ele. — Obrigada mesmo, devo ter pisado de mau jeito.
— Não corra outra vez assim sem olhar por onde anda, principalmente em uma escada. Poderia ter acontecido algo pior.
— Eu sei, não farei mais isso. É só que...
— Você gosta de situações de perigo, eu percebi. — Brincou. — Se contar, essa é a segunda vez que te encontro em quase morte.
— Ei, não é para tanto. Eu só estava...
Um trovão interrompeu minha frase e com ele lembrei que deveria me apressar.
— Olha, muito obrigada, mas eu preciso correr. — disse descendo os últimos degraus que faltavam para chegar ao pátio.
Devo ter esbarrado em alguma criança e acho que escutei Miguel gritar meu nome seguido de um xingamento por eu ter voltado a correr nas escadas. Mas era um mal necessário.
Nem sei como ficaria sem meu caderno. Os desenhos que tenho nele são importantes e deram muito trabalho para fazer.
Quando cheguei próximo a área livre a chuva tinha começado. E quando cheguei próximo ao banco que estava sentada, ela já tinha engrossado. Não, não posso perder tudo aquilo.
Procurei por ele preparada para o encontrar todo molhado, mas algo estranho aconteceu.
— Onde ele está? — pergunto para mim mesma quando não vejo caderno algum no lugar que deixei poucos minutos atrás.
Dei uma olhada ao redor do banco para ver se tinha caído ou voado, mas nada. Nessa altura já estava toda encharcada com a água da chuva.
A sirene tocou. Olhei para o pátio e alguns alunos olhavam para mim. Eu devo estar parecendo uma louca procurando doença em uma chuva como essa.
Olhei novamente, não encontrei o caderno.
__________________________________________
— Alguém deve ter pego antes da chuva começar.
— Isso é ótimo, não é? — Brenda disse, enquanto brincava com meu jogo de varetas. — Significa que ele não estragou.
— É, eu sei. — Respondi, pensativa. — Mas, quem será que pegou?
— Aí já é impossível você acertar. Aquela escola tem tantos alunos, qualquer um pode ter passado por ali e achado.
— Mas, então o que eu faço? — me jogo de costas na cama.
— Fácil. Tem achados e perdidos, e ainda as câmeras. É só você ir amanhã e falar com a diretora. Aparecerá rápido.
Depois do banho de chuva que levei mais cedo, fui obrigada a perder as últimas aulas. Estava congelando e não tinha roupa reserva no armário, coisa que decidi sempre ter a partir de hoje. Papai foi me buscar e agora a tarde Brenda veio até minha casa, trabalho de ciências.
Ouço batidas na porta.
— Entra. Oi, mãe.
— Só vim para avisar que já cheguei e saber se as mocinhas precisam de alguma coisa.
— Por enquanto não, tia Isabela. — Brenda respondeu, sem olhar para minha mãe. Ela estava focada em não tremer a mão.
— Certo, qualquer coisa, gritem. — disse e saiu do quarto.
O restante do dia foi passando lentamente. Estudar sobre algo que você não gosta é muito entediante. Ainda mais se for a matéria favorita da sua dupla. Brenda dizia com tanta empolgação e rapidez que me perdia em pensamentos com mais frequência do que deveria.
__________________________________________
Já era noite. Estava jogada no sofá da sala assistindo algum programa na tv. Papai fazia o jantar enquanto mamãe conversava ao telefone. Acho que com Clarisse. O leilão acontecerá na mansão dela, ou seja, entrarei novamente onde Ricardo mora.
Estou com certo frio na barriga. Ou por curiosidade de ver mais daquela humilde residência, ou para saber o porquê Ricardo está "sumido".
Se bem que, não sei se terei coragem de confronta-lo e perguntar sobre minhas suspeitas. Caso for apenas paranoia da minha mente fértil, passarei vergonha na frente dele se o questionar do porquê evitou me encontrar. Vale lembrar que nossas curtas conversas sempre foram tão... curtas e em forma de defesa. Talvez nem tanto a do último dia. Penso até que Ricardo não gostou do que falei quando estávamos no Jardim. Mas não me arrependo, o que eu disse era verdade. Ele só me tratou bem quando fomos apresentados. Isso eu não irei esquecer.
— Sai da minha mente, seu grosso. — Tapo minha boca com uma almofada, tinha dito em voz alta.
Procuro meus pais e eles pareciam bem distantes da sala. Não devem ter escutado.
A data do leilão está marcada para o primeiro sábado depois do meu aniversário, semana que vem. Desejo que daqui até lá não volte a pensar tanto nesse garoto.
— Falou algo, filha?
Tomo um leve susto.
— Ah, não, mãe. — Penso rápido em alguma resposta. — Deve ter sido a televisão.
— Entendi. E o que você está assistindo? — perguntou, se jogando ao meu lado no sofá.
Por um breve momento esqueci que nem estava sequer olhando para tv.
Olhei rapidamente.
— Nada demais, só para passar o tempo. Sem sono. — Mordo os lábios sem que ela perceba, tentando disfarçar o nervosismo. — Pensando bem, acho melhor ir deitar — disse, para sair logo dali. — Boa noite, mãe. — E corri para meu quarto.
Respiro fundo. Esse evento veio para acabar com minha mente.
Desde que soube agora a noite que o leilão seria na mansão dos pais dele, não consigo evitar não pensar naquele mal educado. Que agora sei que de mal educado não tem nada, somente rebeldia mesmo.
Organizei meus materiais dentro da mochila e coloquei também dois pares de roupas extra por precaução. Depois de hoje, sempre tentarei estar preparada.
— Você subiu sem jantar — ouço uma voz atrás de mim.
— Pai — pus a mão no peito com o susto. — Me assustou. — Ele riu.
— Trouxe algo para você comer. — Colocou uma bandeja sobre minha cama.
— Ah, obrigada, pai.
Fui até a cama e me ajeitei para comer. Nesse momento percebo a fome que estava.
Fiquei exageradamente nervosa com a aproximação da minha mãe lá na sala. Coisa que não compreendo. Sempre tive uma boa relação com meus pais, falávamos sobre tudo. E agora, desde que chegamos a Canobra, não consigo manter uma conversa com eles sem ficar nervosa ou envergonhada.
— Qual o problema? — ele estava olhando para mim. — Está sem apetite?
— Por quê? — questionei.
— Você estava olhando para o prato e girando o garfo sem piscar.
Olho para a bandeja, realmente.
— Ah, não sei. Comi muito lanche hoje a tarde, Brenda esteve aqui. — Tento disfarçar mais uma vez a minha falta de atenção.
— Certo — sentou ao meu lado na cama. — Tem certeza que é só isso, filha? — confirmei. — Ok, se não for comer leve para a cozinha e guarde para amanhã.
— Sim, eu sei. Não ao desperdício.
— Essa é a minha garotinha
E me deixou sozinha. Olho novamente para bandeja.
— Ricardo, jamais te perdoarei por me fazer esquecer de comer a comida do meu pai.
Ataco a refeição.
__________________________________________
No dia seguinte, quinta-feira, era uma manhã fria. Me vesti até os dentes para não congelar. Ficou até engraçado quando olhei meu reflexo no espelho, acho que nunca usei tanto pano em minha vida.
Reparei também que o meu cabelo que tem um tom castanho claro, ficou escuro quando se juntou à touca preta do moletom. Estou, fisicamente, me sentindo outra pessoa.
Entro na escola e sigo andando até as escadas.
Quando chegar o intervalo irei rapidamente à diretoria. Preciso descobrir quem pegou meu caderno. Tenho que recuperar o mais rápido possível.
— Ei, Liv. — Uma voz masculina me chamou. Olhei para trás. Era Miguel. — Está mais calma agora? Ontem você parecia meio... agitada.
Lançou um sorriso para mim. Foi então que mesmo sem querer comecei minha análise.
Alto, cabelos claros, olhos castanhos. Estava vestindo o uniforme da escola e com óculos. Deve estar bem acostumado com o clima daqui, pois levava apenas um casaco fino sobre o ombro direito.
Volto a realidade.
— Ah, sim. Me desculpe por ter deixado você falando sozinho, Miguel. Eu estava com certa pressa.
— Certa pressa? Você quase atropelou algumas crianças enquanto corria. Eu deduzi que era caso de vida ou morte para você ter feito aquilo sem nem perceber.
Penso um pouco. Aqueles desenhos eram sim importantes para tentar não os perder com a chuva.
— Para mim sim.
O soar da sirene indicou que já estava na hora da primeira aula. Miguel e eu continuamos a subir as escadas. Quando chegou no andar da minha turma, nos despedimos e ele continuou seu caminho até o andar do último ano.
Vejo Dalila indo para nossa classe. Apressei meus passos e cheguei ao lado dela.
— Bom dia, Dalila.
— Ah, oi. Bom dia, Liv. — Sorriu. — Que bom que está bem. Se fosse eu que tivesse embaixo daquela chuva, com toda certeza o resfriado não me deixaria vir hoje.
— Tenho sorte, eu acho.
Nada me faz esquecer de ir atrás de quem salvou meu caderno. Estou quase filando aula para ir até a diretoria, mas Diana me expulsaria de lá sem dúvida alguma. Então, não posso correr nenhum risco.
Entramos na sala e o professor de geografia já estava escrevendo em uma parte da lousa.
Sento em uma cadeira aleatória, pego meus materiais e tento prestar o máximo de atenção possível na aula ao mesmo tempo que olho a hora passar no relógio da parede.
__________________________________________
— Não se preocupe, quando isso acontece normalmente trazem até aqui ou levam para o Achados e Perdidos. Irá aparecer de uma forma ou de outra. — Diana disse, isso me tranquilizou. — Mas, irei fazer o que me pede. Assim que tiver um tempo falarei com a segurança para olhar as câmeras do pátio e da parte de fora do ginásio.
— Muito obrigada, diretora.
Saio da sala dela e vou direto ao refeitório encontrar com o pessoal. No caminho vejo Ricardo saindo da outra porta que tem do outro lado do refeitório.
Não esperava encontrar com ele. Aliás sim, já que desde o primeiro dia de aula não voltei a vê-lo. Não que faça alguma diferença em minha vida encontrar com ele ou não. Não me importa. O que me deixou muito curiosa foi ele ter desaparecido da escola. Não buscava ele, apenas me dei conta disso.
Onde será que Ricardo estava esses dias todos? Ou será que ele esteve o tempo todo aqui e que só tive a impressão dele evitar me encontrar?
Era essas perguntas que rondavam em minha cabeça.
E mais uma vez não o vejo sozinho.
Aquela garota que entrou no carro dele outro dia, estava caminhando ao seu lado. Ela era alta, mas ainda assim Ricardo se destacava.
Tinha mais dois garotos também. Um loiro e o outro moreno.
Eles não passavam despercebidos entre os alunos, esse detalhe era estranho.
Sinto algo esbarrar em meu ombro esquerdo. Alguém passou quase correndo por mim. E mais uma vez, me dou conta que estou paralisada o encarando.
Respiro fundo e recomeço a andar entrando no refeitório.
— Aprenda de uma vez, esqueça esse ser humano.
Sussurro repetidas vezes até sentar ao lado de Bianca.
— Não vai comer? — perguntou. Apenas ela e Paulo estavam aqui. Neguei com a cabeça.
— Ficar ansiosa me deixa sem vontade de comer. — Fecho os olhos tentando acalmar as aceleradas e estranhas batidas do meu coração.
— Entendo. Mas coma uma fruta pelo menos. — Entregou-me uma maçã de sua bandeja. — Fique calma. Seu caderno vai aparecer.
Aceitei por educação, realmente estava sem fome.
— Obrigada. — Agradeço. Fito a maçã em minha mão.
Se eu estivesse me sentindo assim apenas pelo sumiço do caderno.
— Vai ter uma festa na piscina no final do mês — Paulo comentou. — Meu aniversário, se quiser pode aparecer lá em casa, Olívia.
— Sabe nadar, não é? — Bianca perguntou.
— Mais ou menos, acho que o suficiente. Irei sim, Paulo. Obrigada.
— Vocês não sabem da melhor — Brenda chegou toda animada. Dalila vinha logo atrás. — Henrique me chamou para ir ao cinema.
Era um garoto da nossa turma. Pelo que ela me disse, gosta dele desde sempre.
— Certo, B2. Vai com calma, não se empolgue demais. — Paulo disse.
— Meu Deus, você gosta mesmo de desanimar as pessoas. — Brenda respondeu, sentando em minha frente.
— Sabe que não é isso. Só tome cuidado para não se machucar.
— É só um primeiro encontro de amigos. Não é como se a gente fosse começar um namoro agora.
E começaram uma discussão sobre o assunto.
Já eu me peguei lembrando da cena que vi minutos atrás. Ricardo, aquela garota, e os outros dois.
— Posso perguntar uma coisa? — falei aleatoriamente, não fazia ideia aonde a conversa tinha chegado no momento. — Quando estava vindo para cá, vi um grupo saindo do outro lado do refeitório. Eles pareciam...sei lá, diferentes.
— Me estranha você não ter visto antes, eles aparecem sempre no jornal da escola. — Dalila disse.
— Aqui tem um jornal? — pergunto surpresa.
— Você não viu ainda? — neguei para Bianca. — Alguns alunos participam. Eles escrevem sobre os eventos e o que acontece por aqui. Nada muito importante. É basicamente uma folha por semana espalhada pelas paredes.
— Ah, não devo ter reparado.
— Enfim, a questão é, todo mundo sabe quem eles são por causa disso. Quase toda semana um deles faz algo e aparece no jornal. — Dalila continuou. — Ou alguém que escreve tem algo particular com esse grupo, porque eles sempre acabam sendo o assunto.
— Claro que tem algo particular — disse Paulo. — De onde eu vim isso se chama interesse. Os caras são podres de ricos.
Não era a informação que eu queria, se bem que não sei qual esperava.
— E então, quem são?
— Estudam no penúltimo ano. — respondeu Dalila. — O loiro é Rafael Tales, o mais baixo Júlio Lemos, a única garota se chama Angélica Ferraz, e o mais alto, rico e gostoso, Ricardo Fernandes.
Ricardo Fernandes, aquele que luto para tirar da minha cabeça.
Por mais que eles tenham respondido o que perguntei, ainda sentia falta de algo. Era como se alguma informação ainda estivesse oculta e eu precisasse dela para continuar meu dia.
No fundo senti qual era essa informação, mas tive vergonha de dizer em voz alta. Não perguntaria aquilo do nada para eles.
— No que tanto pensa? — alguém questionou. Não identifiquei, as vozes delas são muito parecidas.
Eu devo ter feito alguma expressão estranha no rosto, porque todos riram.
— O que foi?
— Você é o tempo todo assim? — Paulo me olhava.
— Assim, defina o assim. — Peço a ele.
— É assim sim. — Brenda responde por mim, sorrindo. — Vocês tinham que ver quando estudamos juntas. A cada quinze minutos eu tinha que dar um beliscão para trazer essa garota de volta à realidade.
— Ei, não exagera, Brenda. — Defendo-me. — Você me deu no máximo três. Mas, já te disse porque estava daquele jeito.
— Uma explicação meio nada haver. Você não parecia com sono, nem com dor de cabeça. Você não prestou atenção na minha parte da apresentação porque pensava em outro coisa.
— Brenda — Bianca chamou. — Sempre te digo que você fala demais quando se empolga. Normal que Olívia ficasse com sono.
Paulo soltou um riso.
— Sim, eu sei. — Brenda responde, ao mesmo tempo que chuta a perna de Paulo por debaixo da mesa. — Mas essa daí — se referiu a mim. — Ficava distante do nada. Como estava há minutos atrás.
Desisto de tentar negar. Ainda não tinha confiança neles o suficiente para falar em voz alta sobre meus pensamentos. E tentar justificar só me complicaria.
Respiro fundo e mordo a maçã.
__________________________________________
Oiê, leitores. Esse é o capítulo cinco do meu livro, espero que gostem. Votem e comentem, agradeço desde já. Boa leitura!❤️
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro