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8. Dívida de Sangue


Diante da pergunta sobre Roberto, Arthur sentiu suas mãos tremerem. Ele estava perdido no rosto angustiado de Helena, o rosto de uma filha que temia pelo pai. O medo era uma serpente enrolada no fundo de seus estômagos, retorcendo-se nos batimentos cardíacos, drenando a cor de seus rostos e substituindo-a por um branco de puro pânico.

Apesar do pavor paralisante que assolava a todos, Helena conseguiu encontrar sua voz novamente, inquirindo:

— O que você quer com meu pai?

A boca do indivíduo se abriu, revelando uma linha de dentes amarelados e irregulares.

— Seu pai, Roberto... pegou uma bolada comigo. Uma bolada..., mas ele não me pagou conforme o combinado. — Sua fala era como vidro sendo arranhado, fria e cortante. — E eu... estou aqui para pegar o que é meu.

— E quem é você? — Helena exigiu, tremendo a voz.

— Acho que seu pai me chamaria de... um velho amigo.

— Meu pai tem amigos como você.

— Não, não, acho que não. — Ele disse, num nível de ameaça que fez a pele de Helena se arrepiar. — Ele prefere me chamar de credor.

— Não, meu pai... ele não é...

— SIM... SEU PAI É UM DEVEDOR, UM MENTIROSO. E ELE VAI PAGAR PELO QUE FEZ!

Os gemidos de Lúcia no fundo deixavam Arthur estupefato assim como o fato de Roberto estar imerso em dívidas perigosas.

— Agora me diga... — O homem grunhiu. — Onde está seu pai?

Ela tentou responder, mas as palavras se perderam em sua angústia. — Ele... ele não mora mais aqui.

A expressão do intruso endureceu, a impaciência contorcendo seu rosto em uma careta de frustração. Lúcia foi empurrada à sua frente, servindo como um escudo humano. O metal afiado reluziu assustadoramente, refletindo sombras no chão.

— Eu só vou dar mais uma chance a vocês. — Ele trouxe a faca para mais perto do pescoço de Lúcia que gemeu, contorcendo-se em choque.

— Ela não está mentindo. — Afirmou Arthur, encarando o medo. Sua tentativa de manter o controle da situação era quase desesperada, mas era a única arma que tinha à disposição. — Ele não está mais aqui.

O intruso apertou o braço de Lúcia com mais força, arrancando um grito abafado de dor da mulher. A súplica em seus olhos era uma adaga no coração de Arthur. E então o homem declarou:

— É mentira.

Num movimento que pareceu ao mesmo tempo instintivo e desesperado, Arthur avançou. O coração rugindo no movimento, mas o medo alimentando sua coragem. Ele se atirou sobre o homem, sua mão estendida em direção à lâmina. Um golpe rápido, preciso. A faca caiu de suas mãos, junto com Lúcia, que desabou no chão, morta. Então, um som cortou o silêncio - um grito. Não um grito qualquer, mas um dilacerante e aterrador. O grito de Helena.

Antes que Arthur pudesse sequer assimilar o que acontecera, ele sentiu um empuxo violento arrastá-lo para trás. Subitamente, ele se viu novamente cara a cara com o homem. Os olhos dele estavam injetados de sangue, cheios de ódio, as emoções refletindo na luz fraca que se infiltrava pela janela. A adrenalina ainda correndo em suas veias, o grito de Helena ainda ecoando em seus ouvidos.

O confronto iniciou-se, os dois homens se lançando um contra o outro com uma violência que parecia abalar os alicerces da casa. Arthur atacou primeiro, empurrando o oponente com toda a força que pôde reunir. A excitação em seu sangue parecia lhe dar um poder que não sabia possuir. Seus punhos se moviam descontroladamente, batendo onde podiam - no rosto, no peito e no estômago do adversário.

Suas mãos tremendo com a potência dos impactos. Podia sentir a pele e os ossos do rosto do invasor cedendo sob seus golpes. Mas, para seu horror, cada soco que desferia parecia apenas alimentar a fúria do homem.

O inimigo rosnou, um som animalesco que enviou um calafrio percorrendo a espinha de Arthur. Os olhos dele estreitados, brilhavam com uma raiva selvagem, um desejo de sangue que o fazia parecer mais fera do que humano. Ele contra-atacou com uma violência que pegou Arthur desprevenido, seus próprios golpes aterrando com um impulso selvagem que tirou o fôlego do rapaz.

Cada impacto sacudia seus ossos como um terremoto, a visão escurecendo nas bordas enquanto a dor, transformada em uma entidade viva, roía seu corpo. A adrenalina que sua aliada, agora mantinha-o terrivelmente consciente de cada ataque.

A luta se prolongava. Os segundo oscilando na delicada corda bamba entre vida e morte. O suor escorria pelo rosto de Arthur, salgado e amargo, enquanto ele se esforçava para se manter de pé, para continuar lutando. O mundo parecia ter reduzido a isso: ele, o intruso, e a dança mortal que os unia. E em algum lugar, uma voz distante e assustada, a voz de Helena, gritava por ele.

Quando o agressor finalmente conseguiu a vantagem, Arthur foi arremessado com uma intensidade desmedida. O chão duro encontrou suas costas com uma brutalidade que expulsou o ar de seu peito, o impacto passou por todo o seu corpo. Por um momento, tudo que ele conseguiu fazer foi arfar por ar, lutando contra a névoa de dor que ameaçava obscurecer seus sentidos.

Enquanto Arthur lutava para recuperar o fôlego, viu o monstro se erguer sobre ele, a luz fraca que vinha da janela criando um halo sinistro ao seu redor. O monstro parecia aumentar enquanto levantava sua mão, A faca erguida para o golpe. A lâmina veio com uma força brutal e o grunhido de raiva do invasor, que então, foi substituído por um grito de dor.

Foi nesse momento que ele a viu. Helena, com fogo de raiva nos olhos, estava atrás do homem. O aço reluzente agora manchando suas mãos de vermelho.

Mas a reação do inimigo foi rápida. Antes que ela pudesse desferir outro golpe, ele se virou, uma mão indo para a ferida, e a outra acertando-a com o restante de suas energias. A arma afiada voou de suas mãos, descrevendo um arco luminoso no ar antes de aterrissar com um baque suave no chão de madeira.

Com o impacto, Helena caiu com os olhos esbugalhados de surpresa e dor, o grito estrangulado que escapou de seus lábios foi abafado pelo som do próprio coração de Arthur batendo em seus ouvidos. O mundo parecia girar, a realidade se torcendo, sendo reduzido a uma sucessão de instantes terríveis.

Arthur se debatia para se erguer, a dor fazendo seu corpo inteiro tremer. Com a visão embaçada de sangue, ele fitou o homem se mover, recuperar a faca caída e focar sua atenção em Helena.

Nesse momento, tudo o que importava para Arthur era ela. Com um esforço desesperado, ele tentou alcançá-la, seus músculos gritando em protesto enquanto ele ignorava a dor e a exaustão. O chão parecia se mover sob seus pés, a distância entre os dois estendendo-se para uma eternidade. Todavia, ele não chegara a tempo. O grito da garota morreu em seus ouvidos, enquanto o homem enterrava a faca no corpo dela.

Uma fúria selvagem e desesperada tomou conta de Arthur. Ignorando a dor que o dominavam, atacou. Ainda assim, o assassino se voltou contra ele.

Então, o último golpe cortou seu grito. Arthur cambaleou para trás, sua visão escurecendo, a faca arrancada de seu corpo caindo no chão, ao mesmo tempo que seu próprio corpo caía ao lado de Helena, o mundo ao seu redor desaparecendo em escuridão e dor.

Um detalhe sombrio, contudo, simbólico, emergiu do horror daquela cena: uma pequena poça de sangue, brotando de seus corpos feridos, começou a se formar ao lado de Helena e Arthur. À medida que a vida os abandonava, o líquido vital se escoava, juntando-se numa única e triste poça, compartilhando seus sangues e unindo-os na morte da mesma forma que estiveram unidos em vida. 

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