5. A Realidade de Helena
Arthur mal podia acreditar que sua amiga mais próxima, encontrava-se em uma situação extremamente crítica. Sua mente estava em tumulto, pensamentos e emoções se chocando uns contra os outros.
— Mãe... o que houve com ela?
Maria, uma mulher de meia-idade com traços delicados e olhos gentis, parecia tão abalada quanto ele. Ela suspirou, tentando se recompor antes de responder.
— Não me deram muitos detalhes, amor.
Arthur sentiu uma pontada de desespero cortar seu coração. — Eu preciso ver como ela está.
— Filho, já está tarde...
— Não tem problema, eu pego um ônibus.
— Claro que tem, é uma viagem longa.
— Mãe, se fosse eu no lugar dela...
— Não estou dizendo que você não pode ir. Mas você precisa tomar cuidado... e se você se perder?
— Não vou me perder. — Arthur respondeu, confiante. — Eu uso o mapa no meu celular.
— Mas e se a bateria do celular acabar?
— Eu levo meu carregador.
— Mas e se você ficar sem sinal?
— Mãe, por favor...
Maria o olhou preocupada e incerta. Ela sabia o quanto Helena significava para seu filho. Ela sabia que não poderia impedi-lo de fazer essa viagem. Mas também sabia que isso não seria fácil. Ela acenou com a cabeça, cedendo ao desejo dele.
— Ok. Eu vou pedir para Lúcia o endereço do hospital então. — Ela disse, pegando seu celular do bolso. — Mas olha as minhas mensagens quando eu falar com você.
— Tudo bem.
— E não se esquece de arrumar as suas coisas.
Ouvindo a instrução de sua mãe, Arthur levantou-se, caminhando até seu quarto. Lá ele pegou sua mochila e começou a guardar: roupas, itens de higiene, e seu carregador. No entanto, dois itens em particular pareciam carregar um peso maior que todos os outros.
Pegando a ampulheta, Arthur a colocou cuidadosamente em uma pequena caixa acolchoada, para garantir que não seria danificada durante a viagem. Em seguida, ele pegou o livro que Helena havia lhe presenteado, "O Abismo dos Segredos". O livro era um lembrete de sua conexão com ela, e ele sentiu que era certo o colocar na mochila.
Com tudo pronto, ele se voltou para sua mãe, que lhe deu o endereço do hospital. Ela parecia tão preocupada quanto ele, mas havia também um traço de orgulho em seus olhos. Ela abraçou o filho, desejando-lhe boa sorte e segurança na viagem.
Com a mochila nas costas e as emoções à flor da pele, Arthur deixou sua casa e se dirigiu à parada de ônibus mais próxima. O ar da noite estava fresco e a quietude dominava as ruas desertas. Ele caminhou com passos rápidos, impulsionado pela vontade de chegar até Helena.
Ao alcançar a parada de ônibus, Arthur encontrou-se em meio a uma atmosfera silenciosa e vazia. A única luz disponível era proveniente de um poste distante, lançando uma tênue iluminação sobre o local. Ele olhou para a hora em seu celular, constatando que ainda havia alguns minutos até a chegada do ônibus que o levaria até o lugar onde Helena estava hospitalizada.
Enquanto esperava, Arthur sentou-se em um banco solitário, perdido em seus próprios pensamentos. A ansiedade pulsava em seu peito, mas ele se esforçava para manter a calma. Olhava para além da parada, para a escuridão da noite, como se tentasse vislumbrar o futuro incerto que o aguardava.
Os minutos se arrastavam lentamente, e Arthur sentia-se cada vez mais inquieto. Ouvia apenas o som dos grilos, que parecia ecoar no vazio ao seu redor. Finalmente, o farol de um veículo se aproximando iluminou a escuridão, anunciando a chegada do ônibus que ele esperava.
Arthur se levantou do banco frio e avançou incerto em direção ao veículo que se aproximava. As portas automáticas abriram-se com um sonido mecânico, revelando um interior suavemente iluminado e uma mão cheia de passageiros dispersos e silenciosos.
O jovem sentou-se próximo à janela, ansioso pelo início da jornada. Ele fixou o olhar no cenário que começava a se desenrolar do lado de fora. A paisagem noturna passava rapidamente, os pontos de luz se misturando em um borrão indistinto à medida que o ônibus ganhava velocidade. Havia uma beleza única na natureza refletida naquele vidro. Ele observou um velho carvalho solitário, que permanecia orgulhoso em meio a um campo aberto, apesar das marcas visíveis de tempo e clima.
O carvalho, apesar de suas cicatrizes, ainda estava lá, firme e resistente. Isso o fez pensar em Helena e em si mesmo. Ambos estavam enfrentando seus próprios desafios, suas próprias cicatrizes, mas, assim como o carvalho, eles estavam resistindo, enfrentando cada reviravolta da vida.
~-~⌛️~-~
Depois de longas horas a bordo do ônibus, Arthur avistou a placa iluminada: "Vila Nova". O nome da cidade brilhava sob o céu escuro, anunciando sua chegada. A exaustão pesava em seus ombros, seus olhos ardiam devido à tensão e ao cansaço, mas a preocupação com Helena superava todo o resto. Durante a viagem, sua mãe havia ligado para os pais de Helena, informando-os que o jovem estava a caminho. Eles concordaram em esperar por ele no hospital.
Desembarcando do ônibus, Arthur se viu sozinho em uma rua estranha e desconhecida. A noite parecia ter engolido todos os sinais de vida e as construções ao redor eram estranhamente silenciosas.
Ele olhou ao redor, buscando por algum ponto de referência, mas não havia nada familiar. Com o coração acelerado, ele pegou seu celular, ansioso por alguma orientação. Ao abrir o aplicativo de mapa, um aperto de medo o atingiu. O marcador digital estava em constante movimento, de um lugar para outro, sem um padrão discernível.
O sinal de internet estava irregular, tornando o mapa quase inútil. Ele tentou andar em direção à última localização que o mapa mostrava, mas à medida que caminhava, o marcador mudava de posição.
Com o tempo esgotando-se e o último ônibus para o hospital prestes a sair, Arthur estava em uma corrida contra o relógio. A sensação de estar perdido aumentava cada vez mais. Justo quando a desesperança começava a se instalar, o sinal do celular melhorou, e o marcador finalmente se estabilizou, indicando a direção da estação de ônibus.
Arthur aliviou-se como uma onda quando finalmente avistou a estação à distância. Não era tarde demais; correndo, ele alcançou o ônibus no último instante. Com uma mão trêmula, ele estendeu o bilhete ao motorista, antes de se dirigir ao fundo do ônibus. Ali, sentou-se em um assento vazio, suas costas encontrando o apoio do estofado com um suspiro de alívio.
Enquanto o ônibus partia, Arthur pôde sentir, mesmo que apenas por um momento, o peso do medo e da preocupação começando a se dissipar, deixando em seu lugar uma leve sensação de esperança. Afinal, estava a caminho do seu destino, estava a caminho de Helena.
Cada farol que passava, cada sombra que se projetava, cada batida de seu coração parecia aproximar mais e mais o inevitável. Sua mão apertou o tecido de sua mochila, a outra mão firmemente agarrada ao suporte do assento enquanto seus olhos se fixavam na estrada à frente. E então, finalmente, o ônibus parou. Lá estava ele - o hospital. O lugar que ocupou seus pensamentos e medos ao longo da noite.
Arthur podia sentir o peso da caixa acolchoada que continha a ampulheta em sua mochila, lembrando-lhe da responsabilidade imensa que agora descansava sobre seus ombros. Naquele momento era hora de enfrentar o desconhecido, de ver o estado de Helena, e de ser o amigo que ela precisava.
O hospital de Vila Nova, com seu exterior branco como osso e grande como uma fortaleza, se erguia ainda maior e avassalador sob o céu noturno. Enquanto se aproximava, as portas de vidro abriram-se automaticamente, envolvendo-o em uma onda de ar-condicionado frio que contrastava com a mornidão da noite.
Caminhando, Arthur se dirigiu até a recepção, onde uma mulher vestindo um uniforme branco olhava para o computador, os dedos digitando rapidamente. Com a voz meio vacilante, ele explicou quem era e a quem estava ali para visitar. A recepcionista deu a ele um olhar de simpatia e acenou com a cabeça. Enquanto isso, ela falou algo para uma enfermeira próxima.
A enfermeira, uma mulher de aparência gentil com cabelos presos em um coque apertado, se apresentou como Eliane. Com um sorriso reconfortante, ela guiou Arthur pelos corredores do hospital, onde ouvia-se sons distantes de máquinas e conversas abafadas.
Quando eles se aproximaram da unidade de cuidados intensivos, Arthur sentiu seu coração batendo como um tambor. A situação parecia ainda mais palpável ali. O corredor estava mais quieto, a iluminação suave e a atmosfera carregada com a tensão de vidas pendendo na balança.
Foi ali que ele encontrou os pais de Helena, ambos sentados em cadeiras de plástico duras, as expressões cansadas e tensas. Eles levantaram o olhar ao ouvir os passos de Arthur e, apesar do cansaço e da preocupação evidentes, lhe ofereceram um aceno e um sorriso esmorecido, mas genuinamente grato por Arthur ter feito a longa viagem para estar ali.
Lúcia e Roberto se levantaram para receber Arthur. Eles se abraçaram brevemente em silêncio antes de Lúcia rompê-lo.
— Obrigada por vir, Arthur. — Ela retornou ao assento, assim como o marido.
— Como... como ela está?
Roberto passou a mão pelos cabelos grisalhos. — Ela... ela está estável agora. Os médicos fizeram tudo o que podiam. Ela ainda não acordou desde a cirurgia.
— O que aconteceu com ela?
Roberto fez uma pausa, respirando fundo. Seus olhos mostravam a preocupação que carregava em seu coração.
— Ela estava ajudando na loja de conveniência, como sempre fazia. O estabelecimento estava cheio, e ela estava repondo as prateleiras. Porém, uma delas estava cheia de produtos pesados demais, acabou se desequilibrando e caindo... o impacto foi bem forte, e ela bateu a cabeça.
Era difícil crer. Helena, que sempre fora cheia de vivacidade, estava em uma cama de hospital por causa de um acidente inesperado.
Lúcia estava ao lado de Roberto. Mas, em seu rosto, Arthur podia ver a raiva e o ressentimento borbulhando sob a superfície. Ela lançou a Roberto um olhar acusatório.
— Eu ainda me lembro do que você disse quando quis abrir essa loja aqui! Acreditava que seria bom para nós, que a cidade traria mais oportunidades. — A voz dela se elevou, a mágoa e a frustração explodindo para fora.
Roberto pareceu tomado de surpresa pelo súbito ataque, mas depois de um momento sua expressão endureceu.
— E eu estava certo, Lúcia. Você acha que eu sabia que a prateleira cairia?
— Você sabia que ela não queria isso para a vida dela...
Roberto a olhou nos olhos, o cansaço marcado em cada linha de expressão, o arrependimento no olhar se aprofundando.
— Eu sei, Lúcia. Mas ela precisava aprender. Queria ensinar à minha filha responsabilidade e independência... não pensei que...
— Você não pensou! — Lúcia interrompeu. — Você quis decidir o que era melhor para todos. Colocou responsabilidades demais nos ombros dela. E agora... agora olhe para onde estamos!
A atmosfera parecia prestes a explodir novamente quando Arthur, que até então estava em silêncio, decidiu intervir.
— Acho que... a Helena não ia querer ver vocês brigando agora. — De relance, Arthur virou a cabeça para o fim do corredor. — Eu... queria ver ela, se der.
Ao falar, Arthur pareceu dissipar a tensão entre os pais de Helena. Eles olharam para ele, surpresos. Lúcia assentiu, secando as lágrimas dos olhos.
— Claro, Arthur. Vamos ver nossa menina. — Lúcia ofereceu a Arthur um sorriso cansado, mas agradecido.
Roberto apenas assentiu com sua a tristeza ainda pesando nos olhos. A briga parecia ter sido esquecida, pelo menos por enquanto. Com isso, eles seguiram em direção ao quarto de Helena. A quietude era quase sufocante, mas os passos podiam ser ouvidos pelo corredor vazio. Quando chegaram à porta, Lúcia se virou para Arthur, colocando uma mão gentil em seu ombro.
— Vamos te deixar a sós com ela. — Ela pegou a maçaneta. — Talvez ouvir sua voz ajude de alguma forma.
Arthur os agradeceu pela oportunidade. E com um último olhar encorajador, Lúcia e Roberto deixaram o quarto, deixando Arthur sozinho com Helena.
Ele se aproximou da cama, observando a amiga adormecida com a cabeça enfaixada após a cirurgia. Haviam pequenos cortes e hematomas manchando seu rosto; seus braços também estavam marcados, com sinais de arranhões e contusões. Ela parecia tão frágil ali, tão diferente da Helena que ele conhecia. Arthur pegou uma cadeira e se sentou ao lado dela, segurando sua mão com delicadeza.
— Ei, Helena... — sussurrou ele, a voz quase inaudível. — Não sei se você está me ouvindo, mas... eu estou aqui. Vou ficar aqui.
Com um suspiro, ele apertou levemente a mão dela. — Você sempre foi forte, Lê. Tenho certeza de que você vai sair dessa, rapidinho. E quando acordar... eu ainda vou estar aqui, para encher o saco.
Ele riu um pouco, balançando a cabeça. — Lembra da gente correndo pela praia? Aposto que você está sonhando com isso agora. Nós deitados na areia, rindo de alguma piada boba que eu contei... o cheiro de sal, a sensação de liberdade... queria que estivéssemos lá agora... eu sei como você ama aquele mar...
Após um breve momento de silêncio, Arthur revelou o que estava guardando desde o dia da mudança.
— O funeral do meu avô... foi um dia difícil. Não só por causa da despedida, mas também porque eu tive que assistir você ir embora da cidade. Eu estava lá, no meio da multidão, tentando dizer adeus ao meu avô enquanto observava você se afastando com o carro. Eu lembro de ter olhado para o mar e depois para a estrada... E tudo parecia tão surreal. Uma parte de mim se perguntava se eu deveria correr atrás do carro ou me afogar naquela água. Mas eu estava tão cheio de dor, que não pude fazer nada além de assistir enquanto você desaparecia de vista. Era como se, em um único dia, eu estivesse perdendo duas das pessoas mais importantes para mim. E a única coisa que eu conseguia pensar era: Será que eu algum dia vou conseguir lidar com isso?
O olhar de Arthur se perdeu, como se mergulhasse em memórias recém-despertadas.
— Mas daí eu encontrei a ampulheta do meu avô. E eu vi ele mais uma vez.
Um brilho de admiração destacou seus olhos, enquanto um leve sorriso se desenhou em seus lábios.
— Sim, você ouviu direito... eu sei que parece impossível. Mas aconteceu. E não foi em um sonho, ou uma alucinação. Foi real. Ele me disse que eu posso ser descendente dos guardiões do tempo, assim como ele era. Eu não sei exatamente o que isso significa, mas acho que ele só quis dizer que eu tenho a habilidade de voltar no tempo. E a verdade é... Eu voltei. Voltei para ver ele mais uma vez.
Ele engoliu a saliva, tentando manter-se firme.
— Mas meu avô me deu um aviso — revelava Arthur. — Ele me disse que mudar o passado pode ser perigoso. Pode causar um verdadeiro caos.
Ele pausou, uma risada amarga escapando de seus lábios.
— Mas aqui estamos nós. No meio de um.
Ele passou os dedos levemente pelo dorso da mão dela, lutando contra a emoção. Por um momento, ele pensou ter imaginado, mas então viu os cílios dela se mexendo levemente.
E, de repente, ela o fez.
Primeiro, foi a mão dela, apertando a dele. Então, os olhos de Helena se abriram, olhando fixamente para o teto. Arthur soltou um suspiro de alívio.
— Helena... — Ele sorriu, a felicidade.
Helena virou a cabeça na direção da voz dele.
— Arthur... — A voz dela era fraca, mas claramente reconhecível. Seu coração pulou do peito de alívio e um pouco de preocupação.
— Eu... eu não estou vendo nada! — O terror tomou conta dela e sua voz se encheu de desespero. — EU NÃO CONSIGO VER!
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