42. A Velha Orla
Isadora e Kaimbe saíram após Mendes, cobertos do sangue de Aurélia. Soares, logo após, caminhava na areia que grudava seus pés ao chão. O enlutado, de roupas molhadas, mantinha os olhos mortos, fixos na localidade paradisíaca, igualmente morta no seu pensar. O lado bom, era o pequeno milagre que carregava no colo. Esse sobrevivera contra os destinos infortúnios da ampulheta. No entanto, o homem não sofria de solidão pelo recém-nascido, sua cólera era a esposa, cuja perda lhe arrancava a tristeza dos olhos.
Mendes inalou o ar salgado, afundando os pés, formando pegadas nos grãos dourados. E embora o cheiro da cidade fosse similar ao que conhecia, ainda sim, parecia distinto do que se recordava. As casas quase não existiam, a grama era alta, igual as arvores que descansavam atrás da areia. Aquela não era a Orla dos Ventos, era mais uma versão antiga, materializada do passado.
De baixo das acinzentadas nuvens não haviam só os quatro andarilhos, pois enquanto Mendes observava o horizonte, um vulto começou a se formar a distância. A figura corria em sua direção, se tratando de um jovem adulto, de estatura mediana e rosto curtido pelo sol. Vestia velhas roupas de trabalho, e uma boina surrada encimava-lhe a cabeça que expunha o suor que escorria como um riachuelo pela face.
— Senhor Soares! — Gritou este homem, acenando com as mãos. — Não pode ser... senhor Soares!... Era o senhor na tempestade?!
— Quem é esse? — Mendes questionou-se.
O bisavô não concedeu explicação, se silenciou em seu drama enquanto o homem se aproximava.
— Senhor, como está? — Ele os alcançou de frente para o bebê, congelando a vista no pequeno corpo ensanguentado quando o notou. — Meu Deus... esse bebê... ele está...?
— ...bem — Mendes completou.
— Bem?... Mas, ele tá machucado.
— Não está ferido... acabou de nascer.
— Ah é... como assim? Ele nasceu agora?
— A pouquíssimo tempo.
— Na tempestade?
— Por que o interesse? — Um relâmpago tingiu o céu num piscar, suas teias azuis em uma queda livre de eletricidade. — Quem é você?
— Meu nome?... é Carlos...
— Mal o conheço por esse nome — A apresentação faz Antônio sair de sua quietude. — só lhe conheço por Bicudo.
— Bom... — ele ri nervoso desviando para as novas pessoas — vocês devem estar trabalhando para o senhor Soares, não?
— Ãh... não — Mendes estranhou. — Por que?... Estão fazendo o que?
— Estamos construindo... e estamos com pressa, mas achávamos que o Capitão ia chegar só daqui a uns dias.
Antônio treme os lábios e ergue as sobrancelhas. — Voltei antes. Houveram... imprevistos.
— O imprevistos envolvem uma criança?
— Não é da sua conta. — Antônio retruca.
Carlos desvia para Isadora — Você é a mãe?
— Nã-ão... não sou!
— Então se não é seu filho... — Carlos chama por Antônio — chefe! Me lembro que sua mulher tava grávida. Essa criança não é... sua?
Parecendo definitivamente indisposto a verbalizar, ele apenas balançou a cabeça confirmando enquanto um trovão assustava seus ouvidos.
— E-eu não acredito... É-é... Dona Aurélia, o nome dela, não é?
— Pare. — Antônio explodiu. — Pare de fazer perguntas, não iremos falar mais.
— É-é tá bom então. — Ele gagueja — Querem levar o bebê para o alojamento? Alguém pode dar uma olhada nele, não ia ser melhor? Ele pode não estar bem.
— Ele está bem sim — Isadora responde. — E estamos com pressa.
— Pressa? Para onde?
— Não importa, apenas partiremos.
— Não podem ir agora. — Carlos insiste, olhando ao redor. — Este lugar está cheio de árvores.
— E daí? — Antônio indaga, impaciente.
— "E daí?" — ele arregala os olhos. — O tempo tá estranho, e vocês já viram o que acontece quando um raio atinge uma árvore? — Ele fez um gesto exagerado com as mãos, como se estivesse explodindo. — Fumaça, faíscas, e lá se vai a árvore!
— Ah, por favor! — Antônio balançou a cabeça, tentando se manter sério. — Deixem eles irem.
— Desculpa, senhor Soares, tô tentando ajudar. Talvez eles devessem esperar o tempo melhorar.
Mendes encarou Isadora enquanto Kaimbe, entre eles, se manifesta olhando o alto:
— Quando os raios estão no céu, nos abrigamos. Caminhar agora seria arriscado.
— Então vamos com ele? — Isadora acena para Carlos quando outro raio desce ao longe.
Mendes não responde de imediato, mas estuda a face do desconhecido, antes de perguntar:
— Onde estão ficando?
— A gente tá numa área aberta. Temos um abrigo grande — explica Carlos. — Tá cercado e é seguro. Não dá pra ver daqui, mas é uma caminhada curta. Se quiserem, eu mostro onde é. Melhor do que ficar aqui.
Antônio fez uma cara de cansado. E não tomou partido na decisão, ignorando-a completamente. Sua face era de alguém mais preocupado com os próprios devaneios. O nível dessa confusão se mostrou quando sem dialogar, ele simplesmente iniciou pequenos passos, sendo o primeiro do grupo a seguir na direção do abrigo. Os outros corpos que o assistiram, não buscaram entender. Como pássaros que migram, apenas o seguiram enquanto o vento jogava os cabelos para trás.
Isadora arrumou a alça da bolsa que Mendes havia lhe emprestado ainda no barco para guardar a ampulheta enquanto Mendes tocava a arma sem munição de Paulo, presa a sua calça. Essa ação o lembrou da intrusa morte e em como ela levara alguém de importância.
Foi um pequeno tempo de caminhada, emergiram em seus olhos: Máquinas a vapor, tratores cobertos por lonas, grandes escavadoras. As pás e ganchos estavam jogados ao lado dos guindastes imóveis. Mais à frente, estruturas de madeira em construção abandonadas, esperando por manuseio.
O trovão continuava, e a chuva mantinha-se fraca. Finalmente, alcançaram uma área onde as arvores paravam de surgir. Era um grande abrigo construído com madeira resistente e uma espécie de telhado sustentado por colunas bem cravadas na terra. Antônio não espiou o grupo, confiando que estariam atrás.
Rapidamente, todos entraram no abrigo, sacudindo a água da chuva. No interior, a primeira coisa que Mendes notou foram os colchões e esteiras jogados na terra; e mais ao centro, uma mesa grande bagunçada. Havia também algumas outras pessoas naquele espaço olhando para os que acabaram de chegar. O barulho da chuva batia no telhado, mesclando-se aos murmúrios de alguns operários que preparavam comida em um fogão de tijolos.
Olhando as ações de Carlos, Mendes cessou o andar quando o outro o fez. Isadora e Kaimbe não agiram diferente. Porém Antônio só parou quando chegou próximo a mesa no centro, chamando a atenção de todos com o bebê nos braços, dizendo:
— Boa tarde a todos!... Desculpe, por aparecer agora. — Algumas cabeças distraídas o repararam — Sei que eu deveria ter chegado apenas daqui a alguns dias... É que... os planos mudaram, e agora vou acompanhar o trabalho de perto. Deixei Raimundo encarregado de observar o trabalho de vocês todo esse tempo, como vocês sabem. Pode vir aqui Raimundo? — Antônio gesticulou para um homem de meia-idade, que se destacava entre os outros.
Os operários seguiram esse outro com os olhos enquanto aproximava-se de Antônio que deu continuidade — Raimundo ainda vai supervisioná-los comigo. Mas, há um porém. Eu não poderei mais voltar a Várzea. Desde o início, esse projeto secundário era para ser anônimo, mas agora precisa ser ainda mais. — Antônio parou para avaliar as reações dos que ouviam. — Não posso mais dar as caras em Várzea. E logo, vou escolher alguém para ser a pessoa que fará a ponte entre os dois lugares por mim.
Mendes em um determinado deslize dos olhos notou os operários focando mais no bebê do que em Antônio. Esse comportamento se fez notar pelo capitão que logo em seguida, mudou sua estratégia de discurso.
— Eu... acho... que antes de tudo, é bom dizer o que aconteceu na tempestade. — Seu semblante sombrio destacou-se — Minha esposa, Aurélia, faleceu durante o parto enquanto estávamos a caminho daqui. Então este bebê que estão olhando... é meu filho.
Os rostos sofreram de choque brusco que reverteram os olhares dos que ouviam atentos, Carlos, ao lado esquerdo de Mendes, deslizou boquiaberto os dedos no cabelo enquanto Antônio finalizava sua fala:
— Este lugar vai ser a minha segurança e a dele. Preciso ficar aqui em segredo. Então vou confiar em vocês para que tudo fique em sigilo absoluto. Raimundo será meu intermediário, o que precisarem, peçam a ele. Tudo isso pode garantir que nosso projeto prospere.
Ao redor, contemplava-se um ar de incerteza. Antônio depositava neles o seu maior segredo e a sua mais íntima esperança. Mendes refletia na estranheza do tempo durante aquela visão, em como os homens dedicavam anos de suas vidas ao estudo dos eventos do passado, buscando desvendar o modo exato como ocorreram. E ali ele estava vivenciando esses acontecimentos presentes, sem saber novamente até onde sua interferência alterava o curso natural dos fatos.
A quase morte de seu avô enquanto bebê, perturbava-lhe. O velho deveria viver para perpetuar a linhagem, mas, em algum tempo, havia sucumbido a infeliz morte, algo que só não ocorrera por grandes esforços no barco. Estes conflitos lhe instruíram a chamar por Carlos:
Ei — Mendes queria fazer-lhe um indago — Que projeto é esse?
— Não o conhece?
— Talvez sim, mas quero confirmar.
— Bom... o nome do projeto é o mesmo que essa cidade receberá... Orla dos Ventos.
Mendes mordeu o lábio. — Este é o nome definitivo?
— Bom, as coisas ainda podem mudar, por que? Não gosta do nome?
— Não, não é isso... para mim está ótimo. — Disse em um quase alívio.
Estando perto de partir metade da sua consciência daquele tempo, sua ansiedade era mais forte do que nunca. Sua paranoia o amedrontava, de quem sabe, a ampulheta falhar; de Arthur não voltar a própria época ou de se quer existir. Cortando a reflexão, uma voz elevou-se:
— Pessoal, o almoço está quase pronto. Reúnam-se aqui.
Mendes não ouviu exatamente quem disse, mas os operários já se moviam, formando uma fila atrás do fogão de tijolos que ia até a lateral da mesa. Carlos o puxou também para a fila apressado.
— Vamos logo, antes que a comida acabe — disse Carlos, posicionando-se atrás de um homem alto.
Entretanto, um outro funcionário, da mesma estatura que Carlos, mas um pouco mais velho acabou esbarrando com ele.
— Ei, Bicudo, passando na frente de novo, hein? — Provocou ele.
— Ah, eu... nem te vi aí, você sabe como é, os mais rápidos sempre chegam primeiro.
— Mais rápidos? — O homem riu. — Só se for para comer, porque para trabalhar... — deixou a frase no ar, fazendo alguns dos outros operários rirem.
— Tá me chamando de malandro?
— A gente já te conhece. É por isso que te chamam de Bicudo, porque você é o primeiro a reclamar e o último a fazer.
Carlos até tentou responder, mas a palavra morreu na garganta. Ele apenas deu um sorriso amarelo, desviando da gozação. Mendes desconfortável, achou melhor oferecer o lugar para acabar a confusão.
— Pode passar na nossa frente.
— Hmph, pelo menos alguém aqui tem educação — o homem bufou, movendo-se à frente.
Carlos deu sinais de estar envergonhado, e Mendes não sentiu-se confiante o bastante em ser a pessoa a lhe dizer algo. Ao invés disso, apenas deu alguns tapinhas nas costas do homem que aceitou com um sorriso rápido.
Assim que a fila andou, prestou atenção no dinamismo ao redor, Mendes observava que Isadora e Kaimbe também haviam pego a fila, só que um pouco mais atrás. As pessoas que estavam pegando a comida primeiro em um prato fundo iam direto à grande mesa, arrancando as coisas de cima dela para terem mais espaço. Alguns minutos depois, a mesa se encheu de funcionários famintos, e os operário seguintes começaram a pegar seus pratos e se sentarem no chão um ao lado do outro como se fossem formar um círculo.
A chuva continuava e a fila avançava, até que enfim, Mendes chegou ao fogão de tijolos. Um cheiro delicioso de carne cozida e legumes emanou das panelas grandes. Ele encheu seu prato e se juntou ao círculo no chão, próximo a Carlos e um pouco afastado de Kaimbe e Isadora, Mendes colocou uma colher na boca, vendo os operários.
Alguns falavam alto e riam, outros comiam quietos, em seus mundos. Em um momento de perigosa calmaria, Mendes mordeu um pedaço de carne, e seus dentes encontraram um osso duro. O choque o fez parar de mastigar. Ele retirou o osso da boca e o pôs no solo, esfregando o queixo dolorido com uma mão. O filme ao redor continuava, alheio ao seu pequeno desconforto.
Nessa hora, um choro rompeu os ares, elevando-se em lamentos agudos. Pego desprevenido pelo som lancinante, Mendes mirou a grande mesa que era de onde o barulho vinha. Por lá identificou Antônio na companhia de Raimundo e outros desconhecidos enquanto o choro os deixavam desgostosos.
Antônio, abalado por seus problemas, tentou em vão consumir sua refeição, enquanto o pranto contínuo do filho libertava-se. Mendes optou por ignorar o som, voltando-se a seu prato, desejando aproveitar as últimas colheradas do saboroso alimento.
Enquanto comia, funcionários levantavam-se um a um, depositando a louça ao lado do fogão de tijolos. Antônio, tendo sido um dos primeiros a se servir, também foi um dos primeiros a terminar. O bebê, contudo, não cessara seu choro, desde o início perturbador da refeição.
Raimundo, impaciente com o barulho que lhe atormentava os nervos, dirigiu-se a Antônio:
— Precisa de ajuda para acalmar o menino? Já não suporto mais este choro.
— Ah, claro... — Antônio contemplou o recém-nascido — não sei o que fazer... talvez algum dos meus empregados soubesse.
— Espere, Antônio... talvez eu consiga. Meus netos, pelo menos me adoram.
Raimundo adiantou-se, pedindo permissão para erguer o bebê. Antônio concede a tentativa, e com as mãos rudes, o colega segura o bebê em posição que talvez para ele, fosse agradável. Contudo, os lamentos só fizeram intensificar-se, o que chamou atenção de mais pessoas que antes não davam ouvidos.
— É... não deu certo, é melhor pegá-lo.
Antônio voltou a criança a seus braços — Eu sou um péssimo pai, não é verdade?... Não consigo nem acalmar meu próprio filho.
— Não diga isso, capitão. Você é capaz.
Ele balançou a cabeça, olhando para as colunas de madeira. — Sem Aurélia, tudo parece desmoronar.... Ela estava preparada para a vinda do bebê, eu continuei a minha vida, achei que teria ela para me ajudar, que a gente teria mais tempo...
Mendes viu Isadora, observar com discrição, não podendo se conter. A garota levantou-se de seu lugar e carregou seu prato até o lado do fogão de tijolos, aproximando-se depois de Antônio com leves passos.
— Quer ajuda?
— Não... Não, eu não quero... Eu não vou pedir isso a você — balbuciou ele, tentando afastar a oferta.
Isadora não se movimentou, continuando ainda com a mão estendida. — Me deixa segurá-lo. Só me importa é o menino.
— Vamos lá Capitão, — Raimundo se esgueira a ele — qual o problema em aceitar ajuda? Você precisa e além disso... os outros já estão nos olhando.
— Que se danem os outros. O problema não é aceitar ajuda. É aceitar dessa moça, que só de existir já me amaldiçoa.
Isadora sustenta o olhar. — Você acha que seu filho faz parte dessa maldição? Para que ele nascesse, foi necessário que eu estivesse lá.
— Nós já tivemos essa discussão no barco.
— E não foi resolvida.
— Pouco importa, não é? Você tinha o poder para mudar o que aconteceu e não o fez.
Isadora abriu e fechou os lábios, para que na segunda abertura, proferisse — Eu sei que parece que eu poderia mudar tudo... mas, você deveria saber que o preço por voltar atrás é alto. O que eu posso fazer é... te ajudar com ele agora — Isadora aponta para a fonte do barulho — desse lugar, você parece o menos incomodado com o choro, e talvez seja porque se identifica com essa dor, a diferença, é que nós adultos conseguimos reprimir o que sentimos com facilidade; as crianças nem tanto. Mas não adianta continuar sendo adulto numa hora como esta. Uma hora as pessoas precisam sentir, e deixarem as lágrimas caírem, mesmo depois que crescem.
Antônio não segurou a expressão, então desceram-se os cristais de agua, deslizando pela face atormentada. E como se entregasse a si para moça, estendeu seu filho a Isadora. Os dedos só pararam de tremer ao soltar o corpinho, e, enquanto secava as lágrimas com a mão livre, respirou, deixando o alívio mergulhar a tristeza.
Isadora acolheu o bebê, que de chorar, não parou pelo contato. Mendes observava os movimentos, as expressões, impressionando-se quando Isadora embalou a criança com um movimento ritmado, e logo, bocejou uma familiar melodia:
"Tu és
Divina e graciosa, estátua majestosa
Do amor, por Deus esculturada
E formada com ardor
Da alma, da mais linda flor, de mais ativo olor
Que na vida é preferida pelo beija-flor"
Carregada de uma doçura que envolvia tudo como brisa fresca. Mendes arrepiou a alma com certa memória distante da infância de Arthur, evocada pela melodia. Os olhos inundados do bebê, acalmaram-se no ponto donde a música nascia.
"Tu és
A forma ideal, estátua magistral, ó alma perenal
Do meu primeiro amor, sublime amor
Tu és..."
— Você notou que a chuva passou? — Uma voz veio da lateral e Mendes nem precisou virar-se para saber que se tratava de Kaimbe.
— Mal notei.
Kaimbe talvez tenha percebido o cair da voz do companheiro, pois rapidamente questiona: — O que houve?
— Nada...
— Então por que está com essa cara?
— Nada demais... só queria saber como Isadora consegue cantar essa música?
Kaimbe levanta a cabeça em direção ao canto e com um curto sorriso fala — O pai dela cantava para ela o tempo todo. Eu me lembro que quando ela aprendeu, eles passaram a cantar juntos. Eu gosto da ouvi-la, e... parece que não sou o único.
O bebê mirava hipnotizado para ela que ao soltar a voz, brilhava com seu encanto aos olhos do pequeno.
— Meu avô gostava dessa música também. — Mendes refletiu — Ele sempre gostou.
— Será que ele lembra desse dia no fundo da memória?
— Nem que ele usasse a ampulheta. — Mendes colocou a mão no chão para se levantar. — Mas você está certo, a chuva passou.
Ele se dirigiu para onde Isadora estava, enquanto Kaimbe se levantava atrás dele. Ao se aproximar, viu que Isadora estava entregando a agora calma criança a Antônio. No entanto, esse se virou de costas, andando para saída e deixando o bebê nos braços de Isadora.
— O que deu nele? — Mendes pergunta a ela.
— Não faço ideia.
— Espera, Antônio! — Raimundo chama por ele tentando alcançá-lo.
Vendo que o homem não diminuía o passo, Isadora também teve a iniciativa de segui-lo. Foi automático, antes que se dessem conta, todos estavam caminhando na mesma direção. Passaram pelos equipamentos de construção e andaram por uma pequena trilha que os levava de volta à praia. Antônio não dizia onde estava indo e mantinha o passo constante, enquanto Raimundo continuava chamando por ele, sem sucesso.
O grupo pisava na areia molhada, e os pássaros, agora voavam livremente por cima do barco no qual haviam chegado. Raimundo chegou por trás de Antônio, colocando a mão em seu ombro. Este, em resposta, ajoelhou-se na terra.
— O-o que... faremos com o corpo dela?
Antônio embarga a voz e Raimundo se colocando a seu lado sugere:
— Se você quiser, podemos enterrá-la.
Antônio arranhou o solo macio abaixo dele, segurando um punhado de terra na mão. Ele então jogou a terra para longe, na direção do barco, mas sem acertá-lo. Quando os pássaros se afastaram pelo medo súbito. Antônio levantou-se com a calça enlameada, girando o pescoço para Raimundo.
— Chame quem puder para retirar o corpo do barco.
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