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36. Pirra parte 3

 ~-~Especial~-~

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A cabeça que não associava-se aos animais ao lado, imersos, em seu desmaio, tomou para si uma lembrança que logo misturou-se ao relaxar dos músculos, levando-a ao sono profundo e a adolecência, especificamente em abril, uma moça, ela, que se via numa realidade onde todos recebiam seus presentes de páscoa, e para ela, não restava nada.

— Vamos sair. — Avisou Joana atrás do pai das meninas — Pirra, Lara... o coelho pode passar nesta casa, mas, pode também não passar, pensem nisso. — Fechou a porta com suave estampido.

Joana não era uma mulher formidável, mas também não tinha como compará-la a seu pai e até com Silvia. Ela era mais como aquelas pessoas que receberam boa educação, bons estudos só para serem lançadas no meio do ninho de pragas. Para Pirra, tudo no mundo atribuía consequências, ela mesma sabia que suas escolhas haviam feito dela saco de pancadas sempre que não aceitava as ideias de seu pai. Mas porque Joana se tornará tão azarada com uma filha e marido tão questionável? Talvez, essa devesse viver desta maneira, para conquistar a vida merecida, pelo menos era assim que Pirra imaginava ser a vida; ter ar suficiente para viver seu crescimento ou experimentar por tempo maior à própria mediocridade. Este ar, armazenava-se precioso, e Pirra quase o perdeu naquele mesmo instante de contemplação, somente por avistar a menina que considerava arrogante e que se aproximava.

— Ganhei três ovos de Páscoa. E vocês, quantos ganharam?

Silvia, a filha amada, que era somente respeitosa na frente dos adultos, mas pelas costas, mudava a narrativa original. Pirra não suportava, mas seu pai a castigava sempre que a """importunava""", entre muitas aspas, pois quem de fato era a maldosa era aquela de cabelos cheirosos e claros. Essa, apenas clareava a verdade que Pirra tinha dela: uma garota invejosa, ou que permitia-se apenas ficar em primeiro lugar e no centro das atenções.

Pirra olhou para ela indiferente. — Por que pergunta se já sabe a resposta? Não ganhamos nenhum.

— Isso acontece porque eu tenho uma mãe que me ama, e vocês... têm apenas um pai que as abandona.

— Nosso pai... nos ama também — Lara questionou de volta.

— Não acredito nisso. Mas, mesmo assim, sou sua irmã de consideração, decidi que... vou dar a vocês um ovo de Páscoa. — Silvia anunciou, num tom beirando a condescendência.

— Um... ovo? Para nós duas? — Lara desconfiou.

— É, mas... não vou simplesmente dar, vocês vão procurar.

— Mentira. — Pirra cética, questionou — falou que nosso pai não nos ama e já quer tentar ser nossa irmã boazinha, esse ovo não existe.

— Ué, existe, mas... se eu falar onde, aí qual é a graça? — Silvia tentou instigar o interesse delas.

— Não vou perder tempo procurando nada. — Pirra recusou-se a participar.

— Ah, tudo bem. Mas, eu pensei em dividir... Se você não quer, coma vento. — Silvia mostrou as costas, como se não se importasse com a decisão da garota. — Vem Lara!

Essa girou a cabeça em indecisão, mal havendo tempo para sua dedução. Silvia a empurrou pelo ombro em direção ao corredor que dava visão para a escada do primeiro andar. A irmã pareceu desconfortável com a guia mas não desalocou-se dela, andando em linha reta como se quisesse pagar para ver o que a menina dizia. Mas antes de chegassem no primeiro degrau, Pirra chamou:

— Espera!

Silvia virou com um sorriso astuto.

— Como vai ser esse jogo, exatamente?

— Fácil. — disse ela — Eu só vou dizer se está quente ou frio... e mais nada, só que... vocês não vão saber de quem estou falando.

— E se a gente achar, podemos ficar com o ovo?

— Se eu disse que sim, é porque é verdade.

Lara não continha a empolgação, mesmo tentando manter a personagem indiferente. Pirra não a culpava pelo esforço, nenhuma das duas recebia tais agrados, e isso era um irritante indicativo que seu pai realmente não fazia questão de as notar o suficiente e que Silvia talvez estivesse correta. Mas, Pirra acostumou-se com essa possibilidade, e o fato de o progenitor ser agressivo só a fez criar uma casca que impedia absolver qualquer sensibilidade a sua volta.

— E quando começamos? — Pirra perguntou.

Silvia abriu os braços. — Agora.

Lara virou-se sem pensar dobrado em direção ao primeiro degrau da escada, que poderia ser um navio que levaria ao tesouro doce. Pirra, impressionou-se com a velocidade com a qual a irmã partiu do corredor, pois ela mesma não se movera nada, trocou alguns olhares duvidosos com Silvia e logo, virou para o lado contrário a escada, especificadamente a cozinha, "talvez esteja só em algum armário". Pirra coçou os castanhos fios soltos de cabelo e deu seus primeiros passos para longe de Silva que a encarava pelas costas.

A caçadora de ovos movia-se em retardo, e antes de chegar a destinada cozinha, sua mão direita dava toques lisos na parede que escorregava os dedos até o fim do corredor. Seus pés finalmente pisaram o cômodo. Havia uma luz amarelada, uma pia suja e cadeiras fora de lugar que lhes deram as boas-vindas.

E mais do que aqueles utensílios que se haviam encontrados, apenas um, lhe causou um estranhamento súbito, sentimento que jamais esperaria ter por ver um mero copo em uma cozinha. Porém, não era a presença do copo em si sobre a pia que a surpreendia, mas o que acontecia dentro dele: a água fervilhava sem uma fonte de calor visível, borbulhando como se estivesse possuída por uma energia maior. Isso lhe causou incredulidade e sincronia, pois o líquido fervia enquanto experimentava a própria raiva de segundos antes. Este sentimento reverteu-se a cena que via a frente, dessa cena veio um espanto e com tal espanto cessou-se o movimento da água, congelando-a, como os ossos da garota que se manteve travada em pé de olhos redondamente abertos. No desentupir dos ouvidos descrentes, ouviu um crepitar em sutileza, como se algo dentro das paredes da cozinha estivesse se movendo, se contorcendo.

Uma fina camada de poeira começou a cair sobre ela, a fazendo olhar para cima, onde uma pequena rachadura se formava no teto e mais poeira caia sobre seu rosto. Mas não era apenas uma simples fissura; diante de seus olhos, ela se expandiu com uma velocidade alarmante, ramificando-se como o raio furioso, descendo pelas paredes da cozinha parecendo quase vivo.

As rachaduras apareceram nas paredes como veias escuras em uma carne pálida, a luz de repente se apagou. Pirra não percebeu exatamente quanto as pernas começaram a tremer, mas o cérebro enviava informações a estas para andarem de volta, quando quase o fez, seu pescoço arrepiou-se com a voz que veio de perto da orelha.

— Frio!

O reflexo a impulsionou para frente, e numa imobilidade aterrorizada, a garota abaixou-se, encolhendo-se na escuridão e medo. Os batimentos cardíacos rápidos e superficiais intensificavam-se e, ao mesmo tempo desse ataque, uma luz azulada infiltrou-se pelas rachaduras das paredes como uma energia sobrenatural e gélida. A luz espalhou-se, vazando das ranhuras. Com ela, um frio que chegava na espinha e que vinha de abismos que nenhum calor humano poderia preencher, este frio a congelou de frente para uma imagem que vinha direto da aura azul.

No centro, uma silhueta de sua mãe, imóvel e serena em seu leito. A seu lado, a imagem dela mesma criança, o rosto banhado em lágrimas, de frente para o corpo. A visão era tão real e vivida, que Pirra podia sentir o cheiro das flores que adornavam o caixão, a leveza de seu próprio vestido de anos antes, pode prever o momento em que seu toque encontraria a pele fria da mãe. A criança olhava para quem lhe deu à luz, buscando conforto em um mundo que havia se tornado abruptamente mais frio.

Inconscientemente, os braços da Pirra verdadeira enlaçaram-se ao redor de si e as lágrimas pareciam querer congelar, não acreditava estar vivendo aquilo. Não resistindo aos próprios anseios, ela cambaleia ao apoiar-se em uma perna para levantar-se. A garota não conseguia tirar os olhos daquele cenário azul. Os pés, sem consciência ou permissão, fizeram um favor ao coração, e andaram em direção da mãe e filha - da falecida e da viva. Quando Pirra adolescente e criança estavam lado a lado, olhos molhados e corações amassados a voz fina repetia:

— Frio!

Então uma mão veio em alta velocidade na direção de seu nariz. Pirra não conseguiria desviar a tempo, mas por fortuna a mão atravessou, só não assegurando a garotinha que acertaria logo atrás. Era a mesma jovem do velório anterior, ainda era ela, só que sendo agredida um dia por seu pai, mal sabia o que havia feito, era nova demais para refletir a respeito, só sabia que estava doendo. O pai a segurou pelos cabelos e a arrastou pelo chão de pedra. A cena era forte e a Pirra mais velha fez um esforço para seguir aquelas silhuetas azuis.

Se vendo naquela situação, sentia-se enjoada por um embrulho de sensações. A impotência de não poder intervir ou dar conforto àquela criança que ela mesma fora, era um tormento. Havia passado por tanto em tanto pouco tempo. E com os anos, refletiu sobre aqueles momentos, a fim de tentar entendê-los junto as dinâmicas tortuosas que moldaram sua família.

Suas teorias a levavam que aquela violência que lhe fora imposta, era proveniente de dor e do descontrole que seu pai, que na falta da mulher, deixou o lar se tornar palco de atos desmedidos. E compreendendo mais sobre isso, Pirra se via vítima da morte de própria mãe, mas também da incapacidade de seu pai de lidar com ela e talvez com a culpa. Quiçá, em algum nível, seu pai acreditasse que ao "disciplinar" controlando-a e subjugando, poderia manter algum tipo de ordem, passando por cima de sua própria impotência.

Aquele conflito, por um lado sendo apresentado na cozinha pelas luzes azuis, havia ocorrido originalmente em dois cenários, no corredor e na sala, exatamente nessa ordem. Os cabelos que eram puxados iam de um cômodo a outro. Quando parou de ser arrastada, um som de baque colou a pequena Pirra no chão. Olhando para baixo, a espectadora mais velha, viu sua versão ofendida bisbilhotar uma caixa dentro de uma pequena porta de vidro pertencente a um móvel de madeira geralmente usados para guardar discos. O olhar foi implícito e seu pai não notara, porém o olhar também vinha de uma natureza que começava a seu plantada nela, proveniente de um crime: o crime do pensar. E seu desejo enquanto criminosa era o de abrir aquela caixa.

Seu desejo só foi interrompido por uma força que puxou seu corpo em um ângulo de 90º. O pai, apertou seu rosto com uma força que a garota pensou que ficaria sem dentes. E com as mãos grandes escondendo as lágrimas dela a força, seu pai iniciou seu próprio choro com pedidos de perdão, e assim deslizou os dedos pelas bochechas suadas de Pirra até caírem nas próprias coxas.

O pedido desde aquela época, havia se mostrado sem sentido e não fez que a raiva do pai passasse. Para ela, essas desculpas se desfizeram junto as luzes que saiam das frestas da parede, a deixando no completo escuro com um pouco do ar gélido que ficara.

A garota sentia-se como uma bateria que foi soprada como uma bexiga. Sua felicidade fora sugada, não compreendia a anormalidade que acabara de ver. E não queria entender, só queria sair do cômodo e torcer para essas memórias desaparecerem. Porém, a voz aguda que trouxera tudo aquilo tornou a dizer, só que dessa vez:

— Quente!

A palavra orquestrou mudança, e das frestas, mudou-se a cor para laranja. Com ela, um calor que não incomodava, todavia, relaxava. Sem preocupar-se mais com as luzes azuis e frias, novas silhuetas douradas surgiram, era uma lembrança mais antigas que todas as outras. Nessa, sua mãe ainda estava viva e cozinhava o almoço para a família. Atrás dela, estava Pirra criança, genuinamente alegre, pintando com cores leves um desenho em cima da mesa.

Ao parar de mexer a panela, a mãe brilhante como uma estrela que cerca seu planeta, aproximou-se dela e do desenho, mirando-o com um sorriso. A calorosa memória não emitia ruído e não podia se ver exatamente o que fora pintado, porém, a lembrança ainda era clara para ela, já que diferente das lembranças azuis, as douradas, tentava guardar para sempre.

Dessa forma, Pirra mais velha interpretou que as duas conversavam sobre o desenho que a filha havia feito da família. Nele, estavam sua mãe, seu pai e Lara. Todos a frente de um sol não tão redondo e um gramado com uma casa ao fundo.

A mãe elogiou a menina deixando-a sem graça, e ao fim, pegara o papel sobre a mesa e prometeu guardá-lo, e assim o fez. O desenho ficou protegido na última gaveta do armário da cozinha e após mantê-lo em segurança. a mãe se aproxima e dá um beijo na bochecha da filha, antes de essa voltar a cozinhar.

Pirra não pode visualizar mais do que essa cena. Em alguns segundos as luzes se acenderam, conservando a velha e desorganizada cozinha de sempre, somente as habituais rachaduras que nela já havia, nada como a monstruosidade como o que vivenciou antes. Estava sem calor, nem frio ou memórias. Sendo que a última a havia a tocado no peito, deixando-a ainda mais saudosa. O que a deixava ainda mais arrasada era, saber o que perdera, e que vivia uma vida fria quase sem momentos dourados para recordar.

Tudo isso, lhe trouxe a curiosidade sobre a gaveta onde o desenho fora guardado anos antes. Pirra olhou dos armários até a última gaveta que poderia abrigar o desenho. Levada a andar pela vontade de rever o papel, ela deu quatro passos indo em direção a gaveta e se abaixou para abri-la em melancolia.

Ao deslizar a gaveta, Ali, entre utensílios e folhas, seus dedos roçaram a textura peculiar de um papel dobrado. Ela o extraiu com delicadeza. E ao abrir, viu, o mesmo desenho que sua mãe prometeu guardar, no momento mais descolorido, mas ainda claramente reconhecível. As cores mais suaves, ainda mostravam uma família unida sob um sol amigável, em frente à casa que era seu lar.

As lágrimas começaram a correr pelo rosto de Pirra de novo, as lágrimas, eram tudo que tinha, era o que lhe acalmaria enquanto colocava o desenho sobre o peito. Quando Pirra afasta a imagem de si e volta a dobrar o papel, sem perceber, deixou uma de suas lágrimas cair dentro da gavela, a gota molhou um outro papel que transpareceu uma tinta preta do outro lado.

Com o pulsar cardíaco, ela guarda o desenho na gaveta e pegando o outro papel, cuja tinta preta revelava-se mais nitidamente sob a mancha umedecida da lágrima. A folha era nova e a escrita legível, embora não fosse uma caligrafia reconhecível. O autor só ficou claro assim que a leitura iniciou-se revelando que todas as palavras, se tratava de um recado escrito de Joana para Silvia que dizia:

"Como você deixa o seu ovo de Páscoa dentro da geladeira para todo mundo botar o olho, Silvia? Agora eu já tirei de lá, se quiser comer, vá no meu quarto, está escondido embaixo da minha cama. E faz o seguinte: quando for comer o ovo, tranque a porta. Aquelas duas, Pirra e Lara, se deixar, devoram ele inteirinho antes mesmo de você dar uma mordida. Eu não vou comprar outro, viu? Então, aproveite esse aí quietinha e no seu canto. E se já terminou de ler, joga esse papel fora, está bem? Te amo minha Sissi."

Foi necessária uma pausa para refletir, um momento entre o pulsar do coração e a ficha que caía. "Sissi" foi o apelido reservado exclusivamente a Silvia, nome que passava uma fina amargura em seu peito. E as palavras de Joana, pretendendo proteger o prêmio da filha das mãos supostamente vorazes dela e de Lara, pesavam sobre ela com tristeza.

Pirra abaixou o papel lentamente, impactada e engasgada com um nó. Uma coisa era sentir-se excluída, outra era ter essa exclusão documentada, agora oficialmente, ela e Lara eram secundárias em suas próprias casas. Esse era o tipo de dor que não vinha acompanhada de lágrimas; era muito profunda, muito crua para ser tão facilmente expressa.

— ... ACHEI... PIRRA... VEM... ACHEI!

A voz de Lara chamou corredor acima, trazendo-a imediatamente para fora de suas amargas reflexões. Pirra guardou o texto, fechando a gaveta e depois voltou pelo corredor com os pés batendo rápido no chão de pedra. Ao alcançar a base da escada, Pirra ergueu os olhos para encontrar Lara e Silvia no topo. Havia uma alegria inocente no rosto de Lara enquanto segurava algo triunfantemente acima da cabeça.

— E-ele é... lindo — disse Pirra, forçando um sorriso apesar das emoções da mensagem que lera. — E deve ser gostoso.

— Eu sei que ele é! E eu vou te dar um pedaço, não, não, vou dar a metade!

— Divertido ver vocês duas procurando, hein... — Silvia fez uma cara de superioridade — Mas, eu mudei de ideia, acho melhor o ovo ficar comigo mesmo.

— O-o que? — Lara vira para ela na mesma hora — Silvia, eu não... esse ovo é meu sim!

— Ah é. Só porque jogou um joguinho?! — Silvia aumenta o tom de voz — minha mãe comprou... e com ajuda do pai de vocês, então ele não é mais de vocês.

A declaração fez Pirra estremecer, parecia que havia uma bomba nuclear dentro de si pronta para explodir, mas foi a reação de Lara que capturou toda a atenção.

— Jura que vou te entregar? — Lara desafiou. — Procurei e vou comer. Você pode até contar para a sua mãe que comi o seu ovo.

— Seu pai vai te matar de tanto bater!

— Não me importo. Posso apanhar, mas não vou devolver. Sou a rainha da caça aos ovos. De hoje em diante, me chame de Senhora Coelho.

Silvia franziu a testa como se estivesse prestes a ter um ataque de fúria. Lara sorriu, e Pirra sentiu uma estranha sensação. Então como um trem que passe em alta velocidade, Silvia, sem qualquer aviso ou indício, empurrou Lara com toda a força que pôde dos degraus. Lara, apenas gritou enquanto perdia o equilíbrio e iniciava uma queda escada abaixo. O ovo voou de suas mãos, atravessando o corrimão por cima até cair nos pés de Pirra, se partindo dentro da embalagem.

Pirra, paralisou-se em choque na base da escada, olhou em pânico para Lara, que estava imóvel no chão, e depois para o ovo a seus pés. Por fim, lentamente mirou o topo da escada. As luzes da casa começaram a piscar, antes de se apagarem completamente. E então, no meio dessa escuridão, uma forma começou a se materializar no topo. Silvia, parecia uma figura sombria e ameaçadora, assim como a silhueta que vira na escola.

Pirra despertou com um solavanco, o coração batendo freneticamente contra as costelas, enquanto um suor frio cobria sua pele. Estava de volta à mata na claridade do dia, o pescoço doendo por ter dormido em uma posição estranha. Tentou estalá-lo, girando a cabeça de um lado para o outro. O estalido suave trouxe uma sensação passageira de alívio, mas quando virou a cabeça para alongar mais um pouco, o alívio deu lugar ao horror.

A poucos metros de onde estava, a cobra estava curvada sobre algo. Seu corpo movia-se em ondulações lentas que Pirra havia aprendido a reconhecer o ritmo. O seu peito congelou quando viu claramente o que estava acontecendo: a cobra estava mastigando a coelha, ou o que restava dela. Pirra sentiu uma náusea subir por sua garganta e um gosto amargo encher sua boca.

— Sissi! — pirra gaguejou — o-o que... é isso?

A cobra levantou a cabeça e a girou em direção a ela. — O que?... A refeição?

Nos olhos do réptil, Pirra não encontrou remorso ou explicação, apenas a indiferença que caracteriza os predadores após uma refeição.

— Esstava com fome, sssenhorita. A coelha parecia saborosssa.

— Saborosa? Ela era nossa amiga, Sissi! Como você pôde? — A voz dela tremia, com emoções em tumulto indo de raiva a tristeza.

— Amizade é coisa de humanos. Ssobreviver é para as cobrasss.

De certa forma, vira a cobra apenas desempenhar seu instinto impulsivo, e mais do que isso, os filmes que assistira na cabeça, os animais com quem conversava, a cobra e a coelha, não passavam de projeções de sua psique, representações tangíveis das irmãs. Toda a conversa, toda a interação, não passava de um diálogo solitário, representando o trauma e a solidão que a acompanhavam desde aqueles dias.

Ela olhou para a cobra que continuava a se alimentar, e pela primeira vez, viu o réptil apenas como um animal seguindo seu instinto natural, sem malícia ou moralidade, apenas cumprindo seu papel. A coelha não era Lara; somente uma coelha, parte de um ciclo. Se era tudo uma farsa, só lhe restava contar mais uma:

— Você... você está certa, Sissi. — Sua voz era quase apagada pelo vento forte. — Nós... nós precisamos continuar. Sem a coelha.

A cobra observou-a com um olhar que Pirra não conseguiu decifrar. Era difícil dizer se havia satisfação ou simples aceitação naquele olhar reptiliano. Pirra esticou o braço, esperando que a cobra se enrolasse nele por vontade própria. No entanto, Sissi permaneceu imóvel, olhando para ela com aqueles olhos mortos e calculistas. Pirra esperou, até pinçar a cabeça da cobra entre os dedos, imobilizando-a com um toque endurecido. O animal não conseguia falar, a boca estava fechada, e o rabo tentava enrolar-se no braço com violência para que a soltasse.

Essa agitação não superava a explosão que crescia por baixo da cabeleira de Pirra. Ela não creia que sua noite fora trágica com demasiadas infortunas, sendo todas as cóleras que vivera tempos atrás. Essa herança, as que guardava, ficavam tão escondidas que nem ela poderia achar, mas achou, e ao abrir a maleta do nostálgico, lhe veio a sequência de seu sonho.

No mesmo, Pirra dava as costas para a cena trágica ao pé da escada, deixando a irmã morta e o sorriso da sombria Silvia desaparecerem. Ao seu lado, atravessou a passagem para a sala, onde o móvel dos discos com a porta de vidro com a caixa escondida estava. Silvia deu um grito vindo da direção da escada, mas foi desprezado. Pirra já havia tomado sua decisão. Ela ouvia os passos correndo escada abaixo da criatura maligna ou de Silvia. Independentemente de quem fosse, se concentrou no móvel à sua frente.

Devagar, ela abriu o vidro e, em seguida, a caixa. dentro, dela havia vários materiais de construção, e ela deu uma leve mexida até que avistou lá: um martelo. Este objeto poderia consertar o que precisasse apenas com batidas certas. Ela seria como a Rainha Zira, vingando sua irmã e sabendo que aquele martelo não seria usado para bater em pregos.

— Está pensando em fazer?! — Silvia gritou a acima dela.

Ao mesmo tempo, Pirra no presente levava a cobra ao chão, e substitui a mão que a imobilizava, pelo pé descalço.

— Você não vai falar nada para ninguém! — ameaça Silvia no passado.

— Falar... Não, não Silvia! — Pirra a olha com uma expressão assustadora levantando o martelo que a outra não havia visto antes — É você quem não vai falar mais.

A cobra não tinha para onde fugir, estava imóvel como uma estátua. O pé da mulher desceu em estranheza com vários estalos sendo sentidos esmagando a cabeça da serpente. E no passado, o martelo atingiu a cabeça da figura demoníaca chamada Silvia, o escuro sangue escorreu do cérebro lambuzando os cabelos claros.

Sujas pelo sangue de opositores, Pirra mais nova, pega suas coisas colocando em uma sacola velha e foge para um lugar longe de sua casa, enquanto Pirra mais velha abandona os animais desfigurados na mata, buscando o caminho direto para cidade. Na época da adolescência ela não imaginou qual seria a reação do pai ao chegar e ver a sujeira que estaria no lar. Mas tornara-se irrelevante. O importante é que ele não teria mais ninguém para abusar, e Joana ninguém mais para mal-educar.

~-~⏳~-~

Os dias subsequentes a data da demolição passaram com lentidão, Pirra ficou ansiosa como um corredor que vê linha, mas não vê a vitória. Encontrando-se nas ruas da cidade, ela viveu de forma desagradável, deslocada dos caminhos normais da sociedade. Foi nos cartazes colados em paredes com pontas esvoaçantes e nas conversas que ela descobrira mais sobre a F.U.I. e a demolição. A ideia de vingança estava clara, e ela a encontraria de uma vez por todas.

Vivendo no anonimato, manteve-se ela à margem dos civis, suas noites eram mal dormidas em becos e parques, cada dia em um lugar diferente. Mas essa existência nas ruas não era novidade, já vivera tudo aquilo por tempo até demais, tempo que se estendeu até um espaço embaixo de um armazém. Pirra sabia mover-se sem ser vista, encontrar recursos nos lugares mais improváveis, e a ouvir as histórias que a cidade contava quando pensavam que ninguém mais ouvia.

Chegou, então, o esperado dia que confundir-se-ia com o da purificação. Pois todo tormento que se absorvia da localização era desagradável. O ar era poluído com toda revolta premente as pessoas esbravejantes; de fato, esta F.U.I não agradava seus convidados. Conseguinte, por onde andava, pessoas se afastavam, talvez fosse o cheiro, ou a aparência inunda, mas lá estava, vendo de longe as faixas que separavam pessoas comuns de seguranças e casas maltratadas.

Num dado momento em sua espera, um homem que já se mostrava antes indignado, atravessou essa faixa que demarcava o território proibido, dirigindo-se diretamente a uma das casas de tamanho inferior em relação as outras que a cercavam. Seus soluços e lágrimas nítidos mesmo à distância, intensificando um desespero que capturou a atenção dela.

Quase imediatamente, seguranças convergiram sobre ele com sua abordagem. Ela não reconhecia nenhum deles como Perpétunos. Mas, e se mais homens e mulheres decidissem atravessar a faixa ao mesmo tempo? Ela imaginou uma pequena rebelião espontânea, onde, um após o outro, pessoas desesperadas ou simplesmente audaciosas forçassem os seguranças a dividirem sua atenção. Ficariam tão ocupados com o trabalho, que ela poderia fazer o próprio sem entraves e seria perfeito para ofuscar a própria presença, permitindo-se mover com mais liberdade, aproximando-a da Seita sem ser notada.

E assim, a ideia contrastou com a ironia, quando um grupo raivoso se aglomerou na fronteira invisível da faixa. Primeiro, um homem idoso, empurrando-se com um vigor, atravessou-a. Depois, uma mulher com um bebê nos braços, chorando, seguiu o mesmo caminho. Num instante, a faixa transformou-se numa mão transbordando areia. Os seguranças esforçaram-se no possível.

Assistindo-nos, Pirra lhes via praticando o sobrecarrego sobre a maré humana. Eles agarravam um, empurravam outro, mas por cada pessoa que seguravam, duas escapavam. O tumulto cresceu, vozes em alta clamando por respostas, justiça e direitos perdidos.

Quase divertindo-se com tudo aquilo, quase deixou de ver. Bem distante, próximo a um operário que era afrontado, havia um grupo de seguranças ao redor de um homem elegante. Dentre eles, Pirra imaginou ter visto um rapaz de cabelo curto e corpo magro, lembrava vagamente o filho de Eldric, porém, mirava de tão longe que as coisas a esta distância pareciam miragem.

Semicerrou os olhos a fim de comprovar sua suspeita, mas na vã tentativa, sentiu o próprio corpo ser lançado para o lado esquerdo, empurrado por homem de porte maior, pele morena e rosto tampado por faixas de tecidos remendados. Em raiva e desagrado, recompôs-se do empurrão para ver quem fora o culpado, mas percebeu se tratar de mais de um afrontador. Mais homens ou mulheres atravessavam pela mesma abertura que havia sido feita como uma trilha. Logo viu que os outros que vinham atrás comportando-se como iguais extensões do movimento um do outro.

Mais atentamente, notou um desenho que compunham suas peles, seja por tatuagens ou por tintas. Havia um urubu com uma corrente em cada pessoa, que poderia encontrar-se em lugares distintos do corpo. Quem eram essas pessoas? Pelo semblante, um grupo de militantes. Pirra freou a missão que escolhera para si, olhando-os em desconfiança. Somente seus movimentos entre a galera, fizeram com que abrissem espaço para eles.

Quando chegaram a uma boa distância dos que guardavam a passagem para o outro lado, uma mão estendeu-se na multidão, e com ela uma peça de fogo empunhada. As armas afugentaram quem devia ao medo, e desafiaram os seguranças a frente. Não sabia dizer exatamente quem dera o primeiro disparo, mas lembra-se do primeiro homem que caiu, e não fora o segurança, e sim uma moça que carregava uma criança de seis a oito anos, essa fora atingida antes do primeiro guarda.

Não sabia quem eram os militantes, mas os viria passar por cima do corpo que tiraram a vida sem um remorso aparente. A criança que caiu no chão junto a mulher, foi pega pelos braços de um homem que jamais saberia se era amigável ou não. Sentiu-se desconfortável ouvindo a criança chorando nos braços do estranho, então desviou para algum buraco na multidão que fosse seguro atravessar e empurrou os corpos que caiam contra si.

Na travessia do caos ela avançou. A cada metro, disparos mais intensos e mais altos, uma banda que acompanhava os gritos e o choro daqueles pegos no fogo cruzado. Enquanto no vento, o cheiro de poeira, pólvora e medo. Chegando próximo a uma construção parcialmente demolida, usou o esconderijo como observatório. Por ele, ela espreitou pelas frestas remanescentes, seguindo o grupo de seguranças que se moviam rapido.

De sua posição, viu os homens que antes considerou suspeitos acrescentando o elegante homem, desaparecendo por uma rua lateral. Assim decidiu fazer o mesmo caminho de encontro. Saiu do esconderijo, voando para rua em que viraram, os avistando mais adiante. Entretanto, ao tentar seguir, o pé direito tocou algo macio. O contato pesou-lhe os olhos para o chão, percebendo uma mulher de costas caída com um tiro. As vestes verdes com capuz que ela usava pareciam camuflá-la por inteira.

Sem repulsa, Pirra agachou entre os barulhos ao redor que em nenhum momento tornaram-se menos aflitos, furtou a veste, cobriu-se com ela sem demora, a roupa de verde musgo era aquecida, e mais facilmente esquecida para as miragens distraídas ou atraídas por sua verdadeira face. Quando tornou os passos dos seguranças, esses mais rápidos, encurtando metade do caminho entre seu alvo.

Entretanto, enquanto corria, não viu a perna em seu caminho que a fez tropeçar, colidindo com outra pessoa que também tentava escapar do pandemônio. A interação foi breve, com o estranho tentando levantá-la ao se dar conta do impacto. Mas Pirra recusou as gentilezas livrando-se do auxílio oferecido, se erguendo e continuando o trajeto. A mulher viu que os seguranças iam em direção a uma carruagem. A vista clara a fez caminhar sem ser vista até parar próximo o suficiente.

Então um homem médio com cabelos contra o vento, aparecera de repente, histérico em direção aos seguranças e parando-os com gestos frenéticos. Na surpresa, Pirra manteve as armas seguras, notando que atrás desse homem, seguia mais um indivíduo desconhecido de cabelos levemente grisalhos e um casal, que ela reconheceu no mesmo momento — eram os estranhos animalescos com os quais ela havia compartilhado alguns dias na prisão subterrânea.

Ficou tentando imaginar como sobreviveram e o que estavam fazendo ali, enquanto o homem que havia parado a carruagem tentava argumentar algo que ela não podia ouvir. A atenção sobre este encontro vibrou-se, com um ensurdecedor som, semelhante a uma explosão provindo da esquina, seguido por um aumento nos disparos. O elegante homem que pousava na abertura do compartimento carregado pelos cavalos, decide esconder-se de vez, porém o opositor que o parara se colocou na frente dos cavalos.

Os rostos podiam ser pintados com expressividade. O terror escalar-se e tudo indicava o potencial para violência dentro do conflito já existente. De qualquer modo, Pirra se mantinha ciente, avaliava o novo desenvolvimento.

Mesmo sem ouvir as palavras específicas, a narrativa visual tornava-se uma avalanche que desprendia tudo ao redor. Nesta visão caótica, um homem saiu do meio de seus companheiros seguranças, para atirar em um outro segurança que parecia confuso. A ação pego-a de surpresa e ela notara que aquele homem era Eldric que a distância expões seu colar que brilhou com o símbolo que já havia sido identificado em outra ocasião.

A discussões prolonga-se e um dos homens pertencentes ao grupo de desconhecidos cai, porém dessa vez, pelas mãos de um jovem, a mesma estatura que virá minutos antes, era com certeza o filho de Eldric, agora um assassino encarando sua ação.

Pirra estava indiferente à queda daquele homem e do destino dos outros ao seu redor. Ela já antecipava a morte do quarteto, agora um trio, onde os estranhos animais estavam. No entanto, uma das peças daquele jogo tornou-se aliada devido as circunstâncias, essa havia sido promovida a dama, preparada para mover-se pelo tabuleiro e eliminar o adversário que ainda a visse como uma peça comum "Por Deucalião". Era ela, que tinha sua própria razão. Um dos homens havia se colocado no chão, chorando pelo outro que partira. A peça de Pirra lhe aquecia os dedos. Enquanto Eldric mantinha-se armado, parado, com o braço estendido a todos a frente, somente não prevendo, que Pirra mirava-o igual.

E a sua ferocidade apertou o gatilho por ela, antes de Eldric. A bala cortou o ar, um arauto de chumbo definiu o destino do líder que caiu com um tiro no peito. Os grupos permearam-se surpresos: a desordem, gritos e passos rápidos, mais tiros. Tudo tornou-se confuso. Sentiu por um período a purificação em suas mãos enquanto cada ser presente debatia-se com os desdobramentos a sua frente.

Uma das primeiras reações dos membros da Seita, foi a busca pela arma que havia disparado enquanto Pirra permanecia parada, acertando e errando em quem merecesse sua pólvora. Sucumbindo, os inimigos espalharam-se em formação. O elemento surpresa acabou e ficou mais difícil mirá-los, portanto, não demorou até um deles avistá-la de pé, a metros de distância, visível pelas pessoas se afastando dos tiros.

Os Perpétunos responderam na hora com fogo cruzado. A primeira bala raspou por seu ouvido, gritando seu final com um alto e bom estampido. Não se atendo a demora, o segundo também acontece, e dessa vez a bala trespassa seu abdômen, tirando-lhe o fôlego e provocando uma explosão de dor que a fez dobrar-se ao meio.

Pirra caiu, mal sentindo a batida contra o chão. Mesmo com a dor e se contorcendo sobre ela, sua mente ainda tentava processar tudo a cada segundo. Seus olhos, ficaram turvos, buscavam fixar-se em qualquer coisa que lhe desse conforto ou ao menos uma distração da dor. As vozes ao seu redor ficaram abafadas, como se estivesse debaixo d'água, e ela podia ver figuras de um lado para o outro movendo-se em um borrão.

Tentou mover-se, tentou alcançar algo, talvez sua arma, mas seus braços não obedeciam. Estava paralisada e seus momentos estavam contados; sentiu a vida se esvaindo, mas jazia indomável, mesmo agonizando até o último suspiro, era indomável. Se vingara pelo marido e agora morreria por isso. E todos: Eldric; Deucalião; Silvia e talvez ela mesma, se encontrariam além da vida em um espaço imaginário feito por pessoas loucas e purificadas no vasto universo de Pirra.

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