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20. Kaimbe

~-~Especial~-~

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Enquanto atravessava a aldeia com pés descalços, mal fazendo ruído no chão de terra batida, Kaimbe vivia sua própria desorganização. O luto pela perda recente do pai, a expectativa pelo novo membro da família. Desatar tais nós, torcidos com tamanha brutalidade, sufocava-o. Seus dedos ainda jovens não possuíam essa audácia, portanto buscava quem a tinha.

Empurrando lentamente o tecido que servia como porta, ele entrou na tenda de Wai'ana, quente e cheio do aroma doce do incenso que queimava suavemente em um canto. Seu olhar foi imediatamente atraído para sua mãe, deitada em uma esteira, com Turi em seus braços.

O bebê tinha os olhos cerrados, respiração suave, e pequenos punhos fechados repousavam ao lado de sua face. Wai'ana, com os cabelos grudados na testa pelo suor e a fadiga, ainda assim irradiava um brilho que só uma mãe recém-nascida possuía.

Ao perceber a presença de seu filho, ela levantou os olhos, com um sorriso cansado.

— Venha cá, Kaimbe — murmurou ela em sua língua nativa, ajustando a criança no colo. — Venha conhecer seu irmão.

Ansioso, ele lentamente aproximou-se, estendendo os braços, e com cuidado ela transferiu o pequeno pacote para ele. O peso do bebê era algo novo, uma sensação de responsabilidade.

Ela tentou conter as lágrimas, mas elas brotaram e rolaram pelas bochechas. Rapidamente, desviou o olhar, tentando ocultar sua fragilidade diante do filho mais velho. No entanto, Kaimbe notou e se acomodou ao lado da mãe.

— Está tudo bem?

Kaimbe não se lembrava de ter visto alguma vez sua mãe chorar. Até porque a mulher de Ahote não demonstra fraqueza.

— Desculpe Kaimbe... desculpa... — os soluços entrecortados. — Eu deveria ser mais forte.

Aquelas não eram apenas lágrimas de uma esposa que perdeu seu marido, mas o tormento de uma mãe preocupada com o futuro de seus filhos em uma aldeia que acabara de perder seu líder. Ele repousou a cabeça no ombro dela, com a criança ainda em seu colo.

Nesse momento, o choro delicado de Turi harmonizou-se com o da mãe em seus braços. Então ele atraiu a atenção do menino para si, tentando acalmá-lo com delicadeza e sussurrando consolações enquanto Wai'ana lamentava:

— Eu o queria aqui, Ahote... como ousa me deixar!

Turi não cessava o choro, independente dos esforços de Kaimbe em contê-lo. Parecia que o mundo estava derretendo em lágrimas. O apoio de seu pai se fora como o sustento de uma perna longe do corpo. A desmembrada família desprovida de um sol, cambaleava, cega, nas trevas.

— Talvez se eu chamasse Iaraú para cá... — No pensar alto, Kaimbe devolveu o bebê para a mãe.

— Ele escolheu não estar conosco.

— Posso fazer ele mudar de ideia!

— Gostaria de acreditar.

O bebê, totalmente colocado nos braços da mulher que o pariu, terminava aos poucos, seu choro. Kaimbe se emudeceu, e afastou-se de Wai'ana, indo em direção a saída. Passou os olhos uma última vez por sua mãe e o irmão recém-nascido e com um movimento de seu braço a aba da tenda se abriu e sua visão fugiu deles para a noite. Do lado de fora, o ar fresco contra sua pele dava uma falsa sensação de alívio.

Guiado pelo manto prateado da lua e as emoções anteriores, ele deu seus primeiros passos na terra molhada. Ao longe, o som suave de conversas e canto dos grilos, entre outros sons noturnos. O aroma de peixe frito flutuava com o doce perfume da natureza.

— Iaraú! — Chamou ele, baixo, tentando não chamar a atenção dos outros.

Sem resposta, passou por uma pequena cabana onde uma família estava reunida, conversando. Quanto mais se afastava do centro da aldeia, mais os barulhos ficavam abafados, com uma tranquilidade medonha. Foi então que um assobio, semelhante ao canto de um pássaro, capturou sua atenção. Ele parou, tentando identificar de onde vinha o som melódico.

Concentrando-se, Kaimbe percebeu que se originava de dentro da floresta e, curioso, adentrou-a. Lá percebeu que o assobio se tornara ainda mais distinto e alto, como se estivesse chamando por ele, e ele chamou de volta:

— Iaraú! — Assim que gritou o assobio parou. Silêncio. Ele tinha quase certeza do que aquilo significava. — Sei que é você!

O silêncio persistiu por mais alguns segundos até que uma voz veio ecoando entre as árvores.

— É melhor ir embora!

Kaimbe arregalou os olhos, tentando identificar a direção da voz. Infelizmente a única coisa que conseguiu obter foram silhuetas escuras das árvores, e, olhando para cima, ele percebeu que elas eram densas e altas, com seus galhos se entrelaçando no céu.

— Cadê você?!

Então, uma risada fraca e distante passou por suas costas e ele se virou. Seu instinto o fez mirar em uma árvore a poucos metros dali. Ele caminhou até ela, e olhou para cima, avistando a sombra de uma perna em um dos galhos mais altos, quase apagada pelo escuro.

— Desce daí! — Avistou Iaraú, cujo pé balançou lá do alto.

— Não!

— Venha logo!

Silêncio.

Kaimbe juntou as sobrancelhas, frustrado, e começou a pegar pequenas pedras e galhos do chão, pensando em atirá-los nele. Mas, antes que pudesse lançar o primeiro objeto, um pequeno fruto caiu perto de seu pé, distraindo-o.

Olhando para cima, viu Iaraú segurando mais um fruto, pronto para lançar. Kaimbe soltou um grunhido:

— Não joga isso em mim!

— Está falando disso? — Mais uma fruta caiu e dessa vez acertando Kaimbe em cheio na cabeça.

Irritado e com caldo escorrendo em seu cabelo, ele largou os objetos que tinha nas mãos olhando para cima.

— Eu vou subir aí, e você vai descer de qualquer jeito!

Ele olhou em volta da árvore húmida, um ângulo que fosse melhor para escalar. Ao sentir a textura do tronco rugoso, ele conseguiu notar a rigidez dos galhos mais baixos, quase convidando-o a se apoiar neles. Com uma mão se fechando em um galho, ele tomou impulso com os pés, e assim foi subindo. Uma mão após a outra, o atrito a seu favor e a sombra de Iaraú tornando-se mais visível à medida que se aproximava.

— Não adianta subir, — disse ele quando viu Kaimbe conseguir uma boa distância entre eles. — Não vou descer com você!

Tentando equilibrar-se no ramo instável, Kaimbe questionou:

— Por que está se escondendo aqui? Nossa mãe está mal. E nosso irmão...

Iaraú virou a cara.

— Não quero vê-lo.

— O que tem contra ele? — Kaimbe estreitou os olhos, preparando-se para a resposta. Mas Iaraú manteve-se calado, como se tivesse falado mais do que devia, sua cabeça inclinou-se, focando no galho.

— Responde!

Iaraú levantou um pouco mais o queixo. A demora e resistência, fez Kaimbe teorizar:

— É por causa do nosso pai?

A princípio ele não se manifestou, e então fez um lento movimento de cima para baixo com a cabeça, confirmando sua suspeita.

— Mas o que nosso irmão tem a ver com isso?

— Já parou para pensar... — Iaraú o olhou tristemente. — Que toda vez que olharmos para ele... vai ser como se o papai ainda estivesse aqui.

— É com isso que está preocupado?

— Eu queria... que acabasse logo essa droga de tristeza!

Kaimbe sentiu-se constrangido por não pensar em uma resposta de imediato, a falta de diálogo fez o rosto do irmão pesar outra vez. Era estranho como cada um encarava a perda de uma forma. Alguns choravam culpando quem se foi, outros se isolavam. Mas, e ele? Ele era aquele que revivia a própria história em fragmentos, vasculhando abismos em busca de momentos que pudessem preencher o vazio.

— Iaraú... Lembra daquele dia em que papai nos levou ao rio e nós subimos naquela árvore gigante? Você estava tão assustado que quase não desceu.

Iaraú moveu os lábios dentro de sua silhueta.

— Lembro.

— Ele disse que era normal ter medo. Mas que ele não pode nos paralisar.

— Mesmo assim, ele precisou subir para me tirar de lá.

— Sim, ele subiu..., mas agora sou eu quem está aqui com você. E não precisa pensar que ele não está mais aqui. Nosso pai sempre viveu na gente, e agora ele vive em Turi também. Ele está dentro de nós. E nós precisamos ficar juntos.

Kaimbe esticou a mão esperando que Iaraú a pegasse de volta e que a mão fosse um escudo para toda destruição que ocorria dentro de ambos. O irmão a olhou desconfiado até decidir também esticar a sua. Os dedos chegaram a se tocar quando o galho, já debilitado, sob o peso do mais velho, rangeu. E antes que pudesse reagir, Kaimbe despencou. O mundo girou e o ar lhe cortou a pele. O impacto foi seco, lama voando enquanto ele sentia o corpo queimar.

— Kaimbe!

Antes que pudesse processar a dor ou a realidade de sua queda, ele foi transportado de volta ao presente. Ele piscou, as estrelas acima de sua cabeça agora eram apenas uma memória distante, substituídas pelas copas das árvores que se moviam suavemente na brisa da noite.

— Kaimbe, aconteceu alguma coisa? — Isadora tocou seu braço fazendo-o desacelerar.

— Estou bem. — Disse ele, sacudindo a cabeça para afastar as lembranças. — Só... pensando em algumas coisas.

Isadora olhou dele para Mendes, preocupada.

— Você tem certeza? Você parecia... perdido — comentou Mendes, ajustando a alça de sua bolça.

— Sim, tenho. Estamos quase lá.

— Quase lá onde? — Isadora olhou ao redor com o arco em mãos.

— Na cabana de seu pai — respondeu ele. — Deixei Turi e alguns guerreiros escondidos por lá.

— O garoto deve estar bem então — diz Mendes.

Kaimbe apressa o passo.

— Sim... eu espero que sim.

A pausa entre eles se estendeu por alguns segundos até Mendes falar, tentando aliviar a tensão.

— Enquanto andamos, talvez vocês pudessem me contar um pouco sobre a história da tribo. Já faz um tempo que quero perguntar isso, e já que estamos aqui...

Kaimbe olhou para ele surpreso. Pensando se gostaria mesmo de compartilhar aquilo naquele momento. Ao olhar para Isadora, ela lhe lançou um sinal de incentivo.

— Vai lá Kaimbe. Conta para ele.

A sugestão o fez refletir. Era uma história longa, e ele se perguntou por onde deveria começar.

— Está bem — disse ele. — A história é de séculos atrás e não é um conto simples.

— Estou ouvindo — falou Mendes.

— Antes dos meus avós ou bisavós nascerem, nossos antepassados viviam tempos difíceis de escravidão. A nossa comunidade que é grande hoje, era muito maior naquela época. Todos eles foram capturados por exploradores que queriam vender nosso povo.

— Lamento. — Interrompeu Mendes.

— Obrigado. Por sorte, um grupo conseguiu escapar, liderados por Wanakaua. Eles andaram por muito tempo, buscando um lugar seguro para viver.

— E assim vieram parar aqui? — Mencionou Mendes.

— Ainda não, nosso povo já se mudou muito e passou por vários líderes antes de virem para cá, todos os líderes eram descendentes de Wanakaua, inclusive eu.

— E como sua tribo se comunicou com outros povos? — Perguntou Mendes, curioso.

— Enquanto fugiam, a tribo passou por um grupo de missionários portugueses que, ao invés de prejudicá-los, os ajudaram. Foi assim que nosso povo aprendeu a língua portuguesa. Com o tempo, nossa língua nativa se mesclou com o português, dando origem ao que hoje chamamos de Luso-Avitan.

— Nunca ouvi falar.

— Não é algo que você aprenderia fora daqui. Luso-Avitan é tudo que fomos forçados a ser e do que nunca deixamos de ser.

A brisa leve passou por ele ao término da fala. O sopro aliviou-lhe a ardência dos ferimentos e a voz curiosa do detetive não encontrou mais o vento. Todavia, um pouco depois, a brisa acabaria e a ardência retornaria, assim como uma cicatriz que nunca cura.

— Vejam! — O detetive apontou para algum lugar.

Na direção do dedo, Kaimbe e Isadora avistam a cabana. O que poderia ter sido uma cena pacífica era, na verdade, indicativo de algo terrivelmente errado.

— A cabana está... — Isadora Balbuciou.

Das estruturas, fumaça se elevava no ar. Kaimbe mal teve tempo de assimilar. Ouvia Mendes e Isadora ao fundo, mas não se atentava aos dizeres. Acenou para que ficassem em silêncio, quando o fizeram, seu coração já aumentava o volume. Era fácil se descontrolar, estava desejando fincar sua lança no corpo de qualquer Perpétuno que se aproximasse dali. Com a frieza que reuniu, sinalizou para que se aproximassem da cabana com cautela.

A vegetação escondia parte da cena à frente, mas conforme se aproximavam, os detalhes se tornavam mais nítidos, e os piores temores de Kaimbe se confirmaram. Vários corpos jaziam no chão, a maioria com vestimentas que denunciavam serem guerreiros Wanakauas. Seus rostos estavam pacíficos na morte, como se tivessem partido defendendo algo de suma importância. Os corpos pareciam sufocar o espaço ao redor. O cheiro de sangue e fumaça queimava as narinas de Kaimbe que sentia os joelhos fraquejarem.

Isadora, vendo a extensão do massacre, deixou escapar um gemido de incredulidade. Eles adentraram na cabana, e os detalhes da carnificina tornaram-se ainda mais evidentes. Kaimbe, desesperado, procurava por qualquer sinal de seu irmão.

— Turi! — Ele gritou, agachando-se próximo a alguns corpos. — Está aí?!

Em meio ao cenário desolador, um gemido fraco chamou sua atenção. No canto mais sombrio da cabana, o corpo de um guerreiro se contorcia em dor, seu sangue tingindo o chão em uma tonalidade escura. Rapidamente, Kaimbe se aproximou, ajoelhando-se ao lado dele, reconhecendo as feições de um velho amigo.

— Sairi? — Kaimbe tocou no rosto do guerreiro, buscando algum reconhecimento.

Com dificuldade, os olhos dele se abriram, um brilho fraco surgiu ao encontrar o rosto preocupado de Kaimbe.

— Kaimbe... Eles vieram... tão rápidos, tão... — engasgou.

Kaimbe colocou a mão na cabeça ensanguentada do guerreiro.

— Onde está meu irmão, Sairi? Ele está bem?

Ele tocou o pulso de Kaimbe com uma mão trêmula, a respiração tornando-se cada vez mais difícil.

— Eles queriam o garoto... eles o levaram, Kaimbe... não conseguimos pará-los...

A angústia e desespero de Kaimbe foi poderosa. Seu coração se comprimiu, a dor tão intensa que ele soltou um grito lancinante, o som se perdendo na interminável noite.

Então calou-se, ofegante. Isadora veio por trás, delicadamente o envolvendo nos braços. A brutalidade da perda, era quase insuportável. Kaimbe, com os olhos vermelhos e o rosto manchado de lágrimas, olhou profundamente para ela.

— Nós temos que encontrá-lo, Isadora. Por Turi e todos os outros!

— E nós vamos. Eles irão pagar.

Quando ela desfrouxou o abraço, Mendes agachou-se ao lado deles, sugerindo:

— É bom avisar Wai'ana e os guerreiros.

— Si-im... vamos até lá. — Kaimbe secou as lágrimas.

Então o teto da cabana se abriu, permitindo que a luz do passado entrasse, as paredes caíram. Na hora Kaimbe foi invadido por outra lembrança, nessa memória Wai'ana estava sentada no centro da aldeia, juntamente com outras mulheres, trabalhando diligentemente na confecção de cestos.

Iaraú, com seus doze anos, tentava ávido seguir os movimentos que via, tentando tecer as fibras. Kaimbe, quatorze anos, um adolescente em crescimento, trabalhava ao lado dele, os movimentos graciosos e eficientes, com cestos perfeitamente feitos já empilhados a seu lado.

Uma das mulheres, com pele ensolarada, observou os dois garotos com um sorriso.

— Kaimbe, você realmente herdou as mãos de sua mãe. — A mulher se virou para Wai'ana — Seu filho é talentoso.

— Obrigada. Mas ele puxou mais ao pai. Vai se tornar um ótimo líder.

— Não temos dúvidas. — Disse outra moça de cabelos escuros, presos em uma trança que parecia já estar desfazendo-se com o calor do dia.

Iaraú pausou em sua tecelagem, os dedos desastrados se enrolando nas fibras. Ele lançou um olhar breve para seu próprio cesto, visivelmente mais fraco em comparação ao do irmão. Tentando retomar seu trabalho, a calma virou frustração, e Wai'ana, atenta a seus filhos, percebeu essa mudança.

— Não faça essa cara, Iaraú. Com o tempo, você também vai dominar isso.

— Nem todos podem ser bons em tudo — comentou a mesma mulher de tranças. — Mas você tem outras qualidades. Cada um com seu dom.

O olhar do garoto perdeu a cor. E sem dizer uma palavra, ele deixou seu cesto inacabado e se afastou, tentando esconder as feições.

Lembrando-se desse momento, Kaimbe sentiu uma pontada de culpa. Ele nunca quis ser a fonte de comparação para Iaraú, nunca quis que seu irmão se sentisse inferior. Mas as lembranças serviam como lembrete de que as palavras e ações dos outros, mesmo que bem-intencionadas, poderiam ter efeitos duradouros.

Várias semanas se passaram e o sol alto no céu, lançava raios dourados sobre os moradores da aldeia. Turi, observava Kaimbe, que segurava uma lança nas mãos. Com cuidado, Kaimbe demonstrava como equilibrar o peso do instrumento, girá-lo com precisão e arremessá-lo com força em um tronco de árvore usado como alvo.

Turi, com seus braços ainda fracos de criança, tentava imitar o movimento com lanças menores. Suas primeiras tentativas foram desajeitadas, a lança mal conseguia se manter reta. Ele soltou um suspiro audível a cada erro.

Ao lado deles, Iaraú, já familiarizado com a arma e com movimentos fluidos e precisos, dominava a técnica com uma facilidade impressionante. A cada lançamento perfeito, ele olhava de relance para Kaimbe, uma mistura de orgulho e uma pitada de arrogância. Ele esperava um aceno de aprovação, um elogio, algo que reconhecesse sua habilidade.

No entanto, a atenção dele estava quase que inteiramente voltada para Turi. Kaimbe percebia a insegurança do irmão mais novo e abaixou ao lado dele, corrigindo sua postura, incentivando-o a cada passo.

Ao perceber isso, o rosto de Iaraú mudou, para um tom carregado. Pegando uma de suas lanças e, sem qualquer aviso, arremessou-a. A lança voou pelo ar e cravou-se profundamente no tronco-alvo, justamente onde Turi estava tentando acertar.

O impacto foi tão forte que um pedaço do tronco se desprendeu e caiu no chão. Turi soltou a própria lança, os olhos arregalados saltando da madeira danificada para Iaraú, que segurava o riso com evidente escárnio. Kaimbe lançou-lhe um olhar duro antes de agachar-se para recuperar a lança do irmão mais novo.

— Vamos Turi, treinamos em outro lugar.

E lentamente eles se afastaram, deixando Iaraú para trás com sua lança e talento.

Anos se passaram e Turi, agora com seus doze anos juntamente com outros garotos da aldeia, treinavam sob a presença de Kaimbe.

Enquanto a maioria exibia coragem e ímpeto, movendo-se com vigor e destreza, Turi destacava-se – mas não da maneira que um aspirante a guerreiro gostaria. Ele se movia em seu próprio ritmo.

A lança em sua mão, que deveria ser uma extensão de seu próprio corpo, parecia estranha e desajeitada. A cada movimento que tentava executar, sua hesitação era evidente, e os outros garotos frequentemente tinham que se conter para não atingi-lo com força total.

Quando tentava replicar um movimento que Kaimbe demonstrava, seus passos eram descoordenados, e sua lança frequentemente se chocava contra o solo ou desviava muito de seu alvo.

Ao seu redor, os murmúrios e risadas ocasionais dos outros garotos não ajudavam sua confiança. Mesmo que não dissessem nada diretamente, suas expressões trocados entre si falavam volumes sobre o que pensavam da sua habilidade – ou da falta dela.

Ao seu lado, Iaraú, já mais velho, dominava a cena com sua presença intensa e dominante. Seu corpo bem definido movia-se com uma graça selvagem que contrapunha-se à brutalidade de seus ataques. Ele estava engajado em um combate corpo a corpo com Sairi, um dos jovens aprendizes, um garoto alguns anos mais novo e menos experiente.

Cada vez que Iaraú avançava, ele não apenas buscava demonstrar sua superioridade técnica, mas também parecia querer instigar medo e submissão. Era inegável que Iaraú possuía um talento excepcional para o combate. Seus reflexos eram rápidos, sua postura firme e seus movimentos fluidos. Ele não estava apenas treinando ou demonstrando habilidades – ele estava fazendo um espetáculo.

Seu oponente, lutando para se manter de pé após uma série de golpes pesados, exibia marcas e contusões. O jovem, respirando com dificuldade e tentando se proteger como podia, olhava suplicantemente para Kaimbe, buscando alguma intervenção ou misericórdia.

— Iaraú! — Chamou Kaimbe, severamente. — Isso é treinamento, não uma arena!

Os lábios do outro curvaram-se com desdém.

— Ele deve aprender a resistir, ou quer que ele seja fraco como Turi?

Alguns dos presentes interromperam o que faziam e giraram o pescoço na direção da resposta. Kaimbe sentiu o estômago se revirar notando a atenção que atraíra. Seu rosto rapidamente encontrou Turi, parado a alguns metros de distância.

O menino segurava uma lança com ambas as mãos. O corpo rígido, os dentes cerrados como um cão acuado. Atrás dele, alguns garotos tentavam disfarçar o riso.

— Deveria controlar melhor o que sai da sua boca! — Vocifera Kaimbe.

— E você deveria ensinar melhor nosso irmão a como segurar uma lança!

A zombaria atrás de Turi cresceu, a nível do próprio garoto virar-se para enfrentar os sorrisos. Quando falou, foi num fervor que não parecia ter vindo dele:

— Querem rir de mim?!

Os rostos dos jovens indicavam uma forte tendência a afirmar. Um deles, não se contendo, deixou escapar um riso nasalado que logo contaminou os outros ao redor. Por um instante, Turi pareceu vacilar, como se fosse perder o equilíbrio. Mas algo nele mudou — seus olhos ardiam, e uma explosão saiu de seu corpo. Sua lança foi erguida a cima da cabeça, mirando em quem lhe desrespeitara. Kaimbe ergueu sua mão, mas era tarde demais.

A lança foi jogada em linha reta, numa perigosíssima velocidade. Diante do desejo de sangue, e do silvo do vento, O risco cessou de imediato, fincando-se em cheio na terra.

O alvo, o garoto mais alto. Esse olhou para o cabo a centímetros de seu pé, voltando-se para quem o errou.

— Você é uma piada, Turi!

O rosto do irmão perdeu a raiva repentina. Ele girou o corpo para os lados, como se estivesse à beira do desequilíbrio, e então, com os ombros curvados, lançou-se em direção as árvores comprimidas, que diante da humilhação, lhe deram a invisibilidade desejada.

Sentindo-se mal, Kaimbe desviou para Iaraú que saiu imediatamente de sua quietude, apontando na direção onde o menino se fora.

— Olhe só para isso, Kaimbe! Em uma guerra, Turi morreria ou fugiria como agora!

— EU DEVERIA ARRANCAR SUA LÍNGUA!

O grito silenciou qualquer tentativa de fala ao redor. Kaimbe caminhou até o irmão, a raiva borbulhando dentro de si, mas se conteve quando chegou à sua frente.

— Talvez se você focasse menos em machucar e mais em ensinar, teríamos mais guerreiros e menos feridos.

Iaraú balançou a cabeça.

— Talvez se você fosse mais rigoroso como eu, Turi não fosse desse jeito.

— E se você fosse mais como eu...!

Iaraú o encarou, esperando pelo resto da frase. Por um breve momento, os dois estavam nariz a nariz.

— Você é fraco, Kaimbe, e por isso protege os fracos.

— Podemos descobrir isso agora!

Kaimbe sabia que Iaraú era um adversário formidável, e um confronto direto poderia ter consequências. Mas ele não se importava. A raiva já havia lhe consumido.

Iaraú sorriu de forma predatória. Os dois se encaravam enquanto os garotos ao redor ficavam imóveis, como se perguntassem por dentro quem teria coragem de intervir. Mas aconteceu tudo de repente: Kaimbe foi pego desprevenido por um golpe que o fez recuar alguns passos.

Sem dar muito tempo, Iaraú o atacou novamente, com socos rápidos e contínuos. Kaimbe tentou prever seus movimentos, esquivando-se e bloqueando com uma precisão que arrancaria exclamações de qualquer um.

Iaraú, percebendo que Kaimbe estava ganhando terreno, redobrou seus esforços e lançou uma série de golpes certeiros. Desviou o primeiro, bloqueou o segundo, e no terceiro, encontrou sua chance: girou, derrubando o irmão com um chute na base das pernas. Não percebendo mais ninguém além dos dois, Kaimbe avançou, mantendo seu irmão no solo. As pálpebras dele tremeram ao vê-lo erguer sua mão. Em instinto, Iaraú virou o rosto esperando pelo impacto.

Mas o golpe nunca veio.

Ao invés disso, Kaimbe estendeu a mão para ele. Não mais como um garoto em cima de uma árvore, e sim como o guerreiro que se tornara.

— Levanta!

Iaraú o olhou com cuidado, escaneando os dedos abertos à sua frente, lembrando-se de que aquela mão em outra época o apoiou. A mão familiar, cujas cicatrizes o transportaram de volta no tempo, era a mesma mão que naquele momento foi ignorada, e trocada por um golpe de traição.

A queda, novamente, tornou-se o centro do palco. Mas não era mais um corpo contra a lama, era a confiança despedaçada, era o amor sendo testado, era o espírito de seu pai, que "vive em todos nós", sendo colocado à prova.

Kaimbe caiu ao lado dele. Então a briga entre os dois logo descambou para um caos completo, com socos, chutes e movimentos descontrolados. Não era mais uma competição ou um treino; era uma briga dominada pela fúria e orgulho.

Os garotos mais velhos tentaram intervir, mas o furor e a intensidade do duelo entre eles era tal que se tornava perigoso se aproximar. Os jovens olhavam assustados, sem saber o que fazer. Os gritos se intensificaram e a agitação tomou conta do lugar até que...

— PAREM!

Wai'ana aproximou-se. Mesmo estando à certa distância, foi o suficiente para fazer os dois desgrudarem, e ela pudesse se postar entre eles.

— Vocês são irmãos! Irmãos! — Ela exclamou. — E esse é o exemplo que dão para esses jovens?

Kaimbe olhou ao redor e se retirou do centro do campo de treinamento, suas pernas quase falhando de exaustão. Enquanto se distanciava, as vozes dos jovens garotos e os olhares decepcionados de alguns dos mais velhos o perseguiam.

Ao andar o suficiente, sentou-se à sombra de uma grande árvore, o frescor do chão abaixo dele em oposição ao calor de sua pele ainda ardendo do confronto. Enquanto tentava recuperar o fôlego, os pensamentos corriam selvagemente em sua mente.

Ele refletiu sobre as palavras de sua mãe e percebeu que a briga com Iaraú não era apenas por causa de suas diferenças. Era sobre ego, sobre provar-se e, no fundo, sobre os resquícios de rivalidade e competição que existiam entre eles desde a infância.

Kaimbe prometeu a si mesmo que buscaria reconciliação, para o bem de sua própria alma. Aquela era hora de curar as feridas antigas e construir pontes, em vez de muros.

Mas como uma onda, as promessas e intenções de Kaimbe haviam sido levadas por um mar de circunstâncias e decisões. A memória daquela promessa, feita sob a sombra de uma árvore em um campo de treinamento foi esquecida, dissolvida pelo som da guerra que assolava a aldeia naquele momento.

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