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12. O Espírito da Floresta

À medida que Mendes deixava a tenda, uma sensação estranha e pesada se alojava em sua mente. Os olhos varreram o céu acima, lendo as constelações que ele sempre admirava nas noites em Orla dos ventos. Uma onda de descontentamento percorreu seu ser. Havia um anseio, uma sede de normalidade, de continuar com a vida como Mendes, o detetive. Por outro lado, existia um forte desejo de voltar àquela vida litorânea, a ser Arthur, a se permitir navegar pelas ondas e ser esquecido pelo mundo.

Seus olhos queimavam enquanto as lembranças dele, ou melhor, de Arthur, desfilavam em sua mente como sombras fugazes. A vida que ele havia vivido, as pessoas que havia perdido, tudo parecia tão real, tão vívido que era impossível esquecer. Era como se metade de seu universo tivesse morrido, deixando um vazio do tamanho de um buraco negro.

Naquele instante ele se encontrava perdido em um mar de pensamentos, cada um mais perturbador que o anterior. Como poderia resolver o caso que tinha em mãos quando mal conseguia lidar com a dualidade de sua consciência? Era como se ele estivesse tentando resolver um quebra-cabeças com peças demais, e todas elas pareciam se encaixar de maneira errada.

Entretanto, em meio a esse terremoto de emoções, um grito chegou até ele, urgente, emanando de algum lugar não muito distante. Mendes estremeceu, seus pensamentos, até então imersos em neblina de dúvida e angústia, repentinamente se reorganizando conforme a consciência do detetive despertava.

Guiado apenas pelo desesperado grito, ele se lançou em direção à origem do som. A grama úmida sob seus pés mal amorteceu o ritmo acelerado de suas passadas enquanto mais gritos rasgavam o tecido tranquilo da escuridão. E quanto mais ele avançava a figura de uma modesta cabana na aldeia começava a se materializar diante de seus olhos. A moradia, isolada dos demais abrigos e envolta na sombria capa da noite, parecia surgir das sombras

Com cautela, ele se aproximou da entrada escura na estrutura de madeira, parecia ao mesmo tempo convidativa e ameaçadora. No âmago da penumbra, uma figura apareceu... Joaquim. O caçador estava ali, ainda atado por laços firmes.

— Ah, Mendes... — ele disse, escondendo um tom sarcástico — Que bom ver você.

— Achei que não estivesse mais aqui.

— Ah, é? — Ele rebateu com um sorriso torto. — Achou que os nativos me dariam um passe livre, foi? Que bondosos!

— Bem eu...

— Ah, não precisa explicar — ele interrompeu, com uma risada amarga. — Sei que não sabia que isso iria acontecer depois de me trazer para uma aldeia de selvagens!

— Não estou aqui para me justificar, você só está nessa situação por falar o que não deve. Agora, é bom que me diga se há algo afiado o bastante para cortar essas cordas.

— Calma aí... se está achando que a culpa é minha, então talvez devesse usar minha língua como lâmina. Se achar que é afiada o bastante.

— Não quero discutir com você agora, Joaquim. Os índios vão voltar a qualquer momento e você precisa sair daqui. — Disse ele, circulando pelo pequeno espaço, deslizando as mãos sobre as superfícies ásperas em busca de algo que pudesse usar.

— E como sabe que não estão rondando a cabana neste exato momento?

— Porque um deles acabou de se ferir gravemente. Então devem estar em outro lugar agora.

Joaquim soltou uma gargalhada de puro escárnio. — Que sorte a nossa, então. Ou melhor, a deles. Eu aposto que estão agradecendo a chance de tirar uma folguinha da vigília.

Sem tirar o foco de sua busca, Mendes olhou ao redor. As linhas de suas sobrancelhas se contraíram - ansiava encontrar algo, qualquer coisa, que pudesse ser a chave para a liberdade de Joaquim. Num canto obscuro, quase engolido pela sombra, algo chamou sua atenção: o toque familiar de um tecido de couro. Ao se aproximar, percebeu que se tratava de sua própria bolsa, a qual havia perdido durante a confusão do sequestro.

Com uma sensação de alívio ele se agachou e a abriu. Ele pôde ver que seus pertences ainda estavam intactos, dando uma mexida encontrou a flecha que havia guardado quando estava na floresta. Sem pensar tanto ele a agarrou, voltando para onde Joaquim estava atado.

— Isso pode funcionar — disse ele, enquanto começava a serrar os nós com a ponta da flecha.

Nessa hora, uma série de vozes estranhas começaram a se aproximar. Os passos pesados e a batida surda de pés diziam que aquilo eram homens. Mendes sentiu um frio na barriga, mas não diminuiu o ritmo.

— Parece que nosso tempo livre acabou — comentou Joaquim, apontando com a cabeça na direção do barulho. — Você não quer acelerar mais isso?

Dito isso, a corda cedeu quase que automaticamente e Joaquim se viu livre. Mas de repente três indígenas entraram pela abertura do abrigo de forma abrupta. Um deles segurava um arco de forma ameaçadora. Em um movimento rápido, quase imperceptível, Mendes escondeu a flecha atrás das costas, disfarçando qualquer evidência de sua ação anterior.

Apesar de nervoso, o detetive manteve uma postura calma, tentando parecer tranquilo. — Acho que há um mal-entendido aqui... não precisamos de violência.

O sujeito com a arma o encarou com uma expressão dura. Então, para surpresa de Mendes, seu rosto suavizou.

— Nós não viemos lutar, — disse o indígena, abaixando o arco. — Fomos enviados para libertar o caçador.

Joaquim, finalmente livre, fez uma cara de surpresa.

— Espera aí... como é que é? Eu aqui pensando que ia virar churrasco. Que piada pronta, Mendes! E, veja só, você fez o trabalho todo sozinho, não precisava nem ter se esforçado! — Ele balançou a cabeça em descrença.

Mendes lançou a ele um olhar repreensivo, antes de se voltar para o indígena.

— Estão falando sério...? Podemos ir?

O homem apenas acenou com a cabeça.

Sem pestanejar, Mendes se esticou para pegar sua bolsa, aproveitando para guardar a flecha rapidamente dentro dela. Seu movimento foi sutil e discreto, evitando que os olhos atentos percebessem o que ele estava fazendo.

Eles se levantaram e passaram pelos homens que estavam de pé na abertura, a brisa noturna acariciou suas faces. Joaquim, com um sorriso no rosto, levantou a mão e deu um aceno amigável para os guerreiros, que apenas o observaram em silêncio.

— E a minha arma? — Questionou.

Os três homens trocaram olhares e um deles respondeu:

— Não vamos permitir que ande com uma arma por aqui.

O sorriso divertido desapareceu. Ele franziu testa, parecendo prestes a protestar, mas um olhar de Mendes o silenciou.

— Não me olhe assim, a culpa é sua. Pelo menos estamos de partida.

— Eu não posso ir ainda... — Mendes respondeu, já se afastando da cabana com o caçador. — Ainda tenho coisas para fazer aqui.

Joaquim abriu os olhos, surpreso. — O quê? Você quer ficar, depois de tudo o que aconteceu, tudo por causa de uma droga de investigação?

— Não é mais só sobre a investigação. — Mendes disse. — Mas tem alguma coisa estranha acontecendo, uma coisa que de alguma forma tem a ver comigo.

Joaquim bufou, cruzando os braços sobre o peito. — E o que exatamente você está procurando, Mendes? Uma placa dizendo "Aqui é o lugar onde você encontra as respostas que procura"?

— Se eu te contasse você não acreditaria.

Joaquim abriu a boca para responder, mas foi interrompido quando uma melodia desconhecida começou a emanar da aldeia. Era uma mistura de batuques e vozes elevando-se em um coral. A melodia, carregada de uma emoção indescritível, era ao mesmo tempo bela e inquietante.

Joaquim virou-se para Mendes com uma cara confusa e ligeiramente alarmada. — O que é isso agora?

— Está vindo de lá. — Ele respondeu caminhando em direção aos arbustos.

— E é claro que você vai na direção da música — Joaquim começou enquanto o seguia. — Já parou para pensar que pode ser algum daqueles rituais estranhos que eles fazem... e eu estou sem a minha arma.

— Faça silencio, Joaquim, por favor.

O caçador retrucou, irritado, — Que se dane então, Mendes! Não vou ficar aqui para ver algum tipo de...

Mas antes que ele pudesse terminar, uma nova figura emergiu na luz da fogueira distante. Vários corpos estavam em volta, cantando e tocando, como se estivessem chamando alguma presença mística para se juntar a eles. Nesse momento, um cervo, mais lindo do que qualquer um que já vira, com chifres exuberantes, caminhou para a clareira, seus olhos refletindo as chamas dançantes. A música, de alguma forma, parecia ainda mais intensa, como se estivesse sintonizada com a presença da criatura.

— Coro... coroado — gaguejou Joaquim.

O nome dito despertou uma memória em Mendes, ele se lembrou da história que o caçador havia lhe contado a respeito do "majestoso cervo de belos chifres". Por mais que ele ainda não estivesse totalmente convencido de que Joaquim havia realmente lutado com um puma gigante, a intensidade do olhar dele para o animal à frente indicava que, talvez, houvesse um toque de verdade naquela história.

— Vamos lá... vamos olhar mais de perto.

Joaquim deu os primeiros passos à frente enquanto Mendes o seguiu tentando se manter firme, eles foram em direção ao círculo onde os Wanakauas estavam. Apesar de alguns olhares curiosos, o canto prosseguiu e o cervo, observou-os chegar sem demonstrar incômodo.

Quando estavam à beira do círculo, o coro tornou-se ainda mais intenso. Um ancião, parado de pé ao lado da fogueira, fez um gesto com a mão. O coro cessou abruptamente e um silêncio se instalou. Os indígenas se recolheram em uma quietude reverente: alguns fecharam os olhos, enquanto outros olhavam para baixo, cantarolando baixinho para si mesmos.

O ancião olhou lentamente para Mendes, que desviou o olhar para o meio da roda. Lá pode encontrar Turi, com os olhos avermelhados estava sentado próximo a Iaraú, o irmão mais alto, que mantinha um semblante sério e distante.

Na quietude que se seguiu, o cervo se deitou graciosamente ao lado das crianças, que prontamente começaram a acariciá-lo. Ao olhar ao seu lado, Mendes percebeu que Joaquim já não estava mais ali. O homem havia se adiantado e estava se aproximando do cervo, que começou a emitir baixos grunhidos de aviso. Rapidamente, as crianças envolveram o cervo em um abraço protetor, acalmando-o.

Um dos indígenas mais próximos interceptou Joaquim, um gesto nítido de que sua aproximação não era bem-vinda. O caçador levantou as mãos em sinal de rendição, retrocedendo enquanto exclamava: — Tudo bem, já entendi.

Mendes observava-o se afastar quando uma voz, vinda por trás, o sobressaltou: — Jacy-Paraná parece ter desacolhido seu companheiro.

Ao se virar, ele viu que a voz pertencia ao ancião, que o observava com olhos penetrantes e um meio sorriso.

— Perdão o que disse?

— Jacy-Paraná, — o homem repetiu, indicando a criatura, que ainda mirava Joaquim. — É assim que chamamos o Espírito da Floresta.

— O Espírito da Floresta... — murmurou, encantado. — Que ser extraordinariamente belo.

— Sim, ele é... Este cervo é um sinal de vida, — respondeu o ancião. — Ele aparece quando precisamos de um bom presságio, especialmente em tempos de adversidade. Como agora.

— Sinto muito por Kaimbe... me chamo Sérgio Mendes, — disse ele rapidamente.

— Sabemos quem vocês são. Meu nome é Aritana, — o ancião se apresentou com um sorriso caloroso. — É melhor você se sentar, detetive, ou irá perder uma história valiosa.

Mendes arqueou uma sobrancelha, curioso. — Uma história?

Sem dar a Mendes tempo para ponderar mais, o homem voltou-se para a aldeia. — Tenho uma lenda para compartilhar com vocês! — Exclamou.

Em resposta, todos os olhares se voltaram para Aritana. As crianças que brincavam à distância com o cervo soltaram gritos de júbilo, abandonando o animal e correndo com agitação, os pés descalços mal tocando o chão, para se aninharem perto da fogueira, o local de honra para escutar as histórias.

Os demais Wanakauas, começaram a se agrupar. Homens e mulheres, jovens e velhos, deixaram de lado seus afazeres, lentamente formando um círculo humano ao redor da fogueira. O brilho das chamas iluminava seus rostos, todos voltados para Aritana.

O detetive vasculhou a multidão reunida com os olhos, à procura de Joaquim. O caçador havia desaparecido de vista, e Mendes sentiu um pequeno desconforto diante disso. No entanto, ele decidiu deixar suas preocupações de lado por enquanto e, respeitosamente, se sentou ao lado do ancião.

O ambiente em torno da fogueira começou a mudar. Alguns indígenas, carregando tambores feitos de troncos de árvores e couro esticado, posicionaram-se estrategicamente ao lado da fogueira e começaram a bater levemente no instrumento, produzindo um som rítmico e hipnótico.

Aritana então, começou a falar, sua voz se elevando e se misturando com o som dos tambores. — Esta é uma lenda antiga. É uma história que fala de esperança, amor e resiliência.

Ele fez uma pausa dramática, atraindo ainda mais a atenção de todos, antes de continuar.

— Era uma vez um jovem guerreiro chamado Tupaíba. Um ser conhecido pela coragem e compaixão. Havia uma grande seca que assolava nossas terras. Os rios secavam, os animais morriam e as plantas não brotavam. A vida estava se extinguindo e o desespero tomava conta do nosso povo.

Incapaz de ver seu povo sofrer, Tupaíba decidiu buscar a ajuda de Jacy-Paraná. Ele entrou na floresta, sem comida nem água, apenas com a esperança de encontrar o animal. Por vários dias e noites, ele caminhou sem descanso, enfrentando os perigos da selva.

Finalmente, em uma noite de lua cheia, ele encontrou o grande cervo na beira de um lago, sua presença parecia trazer vida à floresta ao redor. Tupaíba ajoelhou-se diante dele e fez seu pedido.

Ao terminar de falar, Jacy-Paraná tocou o lago com seus chifres. Imediatamente, a água começou a fluir do lago, se espalhando pela floresta, chegando até nosso povo. A água trouxe vida de volta à nossa terra, revivendo a flora e a fauna. Tupaíba voltou para casa como um herói, e desde então, sempre que passamos por tempos difíceis, sabemos que o espírito da floresta estará sempre conosco, nos dando esperança.

Aritana terminou a lenda sorrindo, enquanto o ritmo dos tambores cessava, deixando um silêncio reverente tomar conta.

— Assim como Tupaíba, Kaimbe é um guerreiro. Ele lutará contra o veneno, e Jacy-Paraná estará com ele, garantindo que seu ciclo continue. — Ele terminou, dando a todos os presentes um conforto duradouro.

Nesse instante, Mendes direcionou sua atenção para os dois irmãos. Turi, parecia sobrecarregado, seus olhos agora, se enchiam de lágrimas que escorriam, brilhando como joias sob a luz da fogueira. Ao seu lado, Iaraú, o mais contido entre os dois, colocou seu braço ao redor dos ombros do irmão, puxando-o para mais perto.

Então, um coro de vozes e o som de instrumentos musicais se elevou na noite em harmonia. O barulho era alegre e cheio de esperança, banhando a aldeia com um tipo de energia que parecia contagiar todos os presentes. Mas então, Aritana levantou a mão novamente, e o som deu lugar ao crepitar da fogueira e o som suave da noite.

Foi aí que Jacy-Paraná se levantou, o cervo dourado caminhou com um tipo de graciosidade que só se vê em criaturas selvagens. Ele se movia ao redor do círculo, até que parou diante de Mendes, esticando a cabeça em sua direção.

Primeiro ele hesitou, mas então, levantou a mão e começou a acariciar o animal. Sentiu a pelagem macia e quente contra a sua pele, e algo mudou dentro dele, como se estivesse sendo preenchido por uma paz e uma conexão que nunca experimentara antes. Todos os olhos na aldeia estavam nele, mas sentiu como se estivesse sozinho com Jacy-Paraná.

Depois disso, o cervo se deitou, e Aritana disse, com um ar de humor:

— Parece que ele gostou de você. — O velho se levantou, esticando os ossos cansados. — Já é hora de descansar, amigos! — Anunciou em voz alta.

O povo começou a se dispersar, alguns acenando para Aritana e Mendes, enquanto outros murmuravam boa noite em sua língua nativa.

Quando a maioria já tinha partido, Mendes se voltou para Aritana, parecendo um pouco perdido. — Eu... eu não tenho onde ficar.

O velho balançou a cabeça, parecendo já esperar por isso. — Você pode ficar no abrigo de Isadora, — sugeriu ele. — Ela passará a noite vigiando Kaimbe e provavelmente não se importará em compartilhar o espaço.

— Certo... eu agradeço. — disse Mendes, um pouco hesitante.

— Venha, eu o levarei até lá.

Juntos, eles avançaram pelo entrelaçado labirinto de cabanas, uma lua crescente banhando o caminho com seu brilho suave. Eles passaram por crianças adormecidas, e o cheiro de madeira queimada e de terra úmida. Em silêncio, alguns outros comunicavam-se com gestos e acenos de cabeça, a linguagem universal de dois homens que compartilham o mesmo respeito.

A cabana de Isadora, isolada e ligeiramente afastada, apareceu à vista. Era uma construção simples, feita de madeira e palha, como todas as outras. Aritana parou à porta, apontando para o abrigo com uma mão enrugada, enquanto dava a Mendes um sorriso. — Este é o seu refúgio para esta noite, detetive.

Antes que Mendes pudesse responder, Aritana já tinha se virado para partir, porém, lançou um último olhar por cima do ombro. — Boa noite, detetive. Que Amana lhe proteja.

Respeitosamente, o detetive agradeceu com sinceridade, interpretando com apreço o que ouvira. Depois, virou-se para atravessar a entrada da cabana, seus olhos mal conseguindo discernir o interior. A palha que servia de cama estava arrumada de um lado, com cobertores coloridos cuidadosamente dobrados. No canto, havia um pequeno fogão de pedra, um pote de água, pratos de cerâmica e utensílios de madeira. Sua bolsa pendia pesada em seu ombro e ele a pousou cuidadosamente em uma mesa rústica de madeira.

A fadiga era um chamado que ele não podia ignorar. Envolto nos cobertores, Mendes se deitou na cama de palha, o aroma terroso da cabana combinado com o som suave da natureza lá fora servindo como uma canção de ninar. O dia tinha sido longo, sua mente ainda vibrando com as descobertas e acontecimentos.

Exausto, ele adormeceu rapidamente, sua respiração logo entrando em ritmo com os sons calmos da noite. A escuridão do sono não durou muito, pois logo ele encontrou-se numa paisagem de sonhos vívidos e impressionantes.

Ele, como Arthur, estava em um vasto deserto de areia dourada. O céu acima dele era um espetáculo à parte: uma mistura hipnotizante de nuvens espiraladas em tons de roxo e laranja, dando a impressão de que o universo estava dançando em um vórtice de cores. E diante dele erguia-se uma ampulheta gigantesca, tão alta quanto uma montanha. Dentro do bulbo superior, a areia que caía, vinha da praia de Orla dos Ventos. Cada grão dando a estranha sensação de uma eternidade passando.

Então, algo mudou. O vidro do objeto começou a rachar, e a água começou a vazar através das fendas. A água cresceu em volume e pressão, rompendo a ampulheta e varrendo o vasto deserto. Um jato monstruoso, feito tanto de água quanto dos destroços da cidade, estava a ponto de o engolir quando a chegada do amanhecer fez o sonho dissipara-se em sombras diante da luz do sol. Ele ainda se encontrava na cama de palha, os primeiros raios do sol penetrando os vãos da cabana, e os sons pungentes da floresta anunciando um novo dia. Todavia, as imagens do pesadelo não se apagaram, permanecendo em sua consciência, como uma história ainda não compreendida.

Sentindo-se agitado, ele esfregou o rosto. Podia sentir os músculos de seu corpo ainda tensionados pela estranha turbulência. Ele se espreguiçou para que os músculos relaxassem. Dirigiu-se à mesa rústica de madeira e pegou sua bolsa pesada enquanto o suor escorria por sua testa. Foi então que notou uma folha de papel dobrada casualmente, quase despercebida, sobre a mesa.

Incapaz de resistir à curiosidade, ele a pegou, desdobrando-a sob a luz da manhã. Seus olhos escanearam as palavras elegantes impressas sobre o papel, e quando ele começou a ler, sentiu a respiração engatar em sua garganta. "Tempos distantes, nas profundezas do cosmos, Cronos, o Senhor do Tempo..."

Ele sentiu um déjà vu, a memória de um momento semelhante com Helena se desenrolando na mente. Ele desviou os olhos para o final do texto, e lá estava, uma assinatura que o fez engolir em seco. "Isadora de Castilho."

Aquela ali era o mesmo texto que Helena havia lhe mostrado. Ele estava lá, imóvel, a cabeça girando com as implicações da descoberta, quando um som estridente de um berrante fez Mendes sentir um calafrio. Ele guardou o texto em sua bolsa e se apressou para ver o que era.

Do lado de fora, ele andou tentando se aproximar do barulho, porém o cenário diante dele mudava drasticamente. Os Wanakauas começaram a emergir de suas habitações apreensivos e alarmados. O berrante ainda tocava. Conforme caminhava, os sons do assentamento se tornaram mais audíveis - gritos de pânico, choros de medo e súplicas. Sua respiração tornou-se rasa, a adrenalina bombeando em suas veias. E então, ele viu.

No centro da aldeia, o indígena que tocava o berrante estava parado ao lado do corpo inerte de Jacy-Paraná caído morto na grama. A imagem era forte e imediatamente fez o coração de Mendes congelar. Aos pés do Wanakawa, Joaquim estava sendo arrastado com violência para o meio da multidão furiosa com o rosto aterrorizado mesmo à distância.

Mendes ficou ali, parado à beira do caos, vendo a aldeia se desfazer em pandemônio. As primeiras horas da manhã mal haviam começado e já prometiam um dia repleto de confrontos. 

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