1. O Encontro
A vida em Orla dos Ventos seguia uma rotina tranquila, pontuada pelo ritmo das marés e das estações do ano. O ar fresco se perfumava com aromas de pães e bolos recém-assados nas manhãs, que começavam cedo para os pescadores zarpando em seus barcos coloridos para enfrentar as ondas em busca dos frutos do mar.
Os mercados ao ar livre serviam como ponto de encontro para os habitantes, onde conversavam e compravam os produtos frescos do dia. Frutas e verduras coloridas, peixes e frutos do mar brilhantes e uma variedade de itens artesanais completavam as barracas.
Arthur e Helena, aos dezoito anos, seguiam suas rotinas diárias na cidade litorânea. Arthur ajudava seu pai na loja de consertos de barcos, aprendendo o ofício de carpintaria naval e conhecendo os detalhes dos veleiros e barcos de pesca. A jovem, por sua vez, trabalhava na pequena biblioteca local, onde aproveitava as horas de ociosidade lendo para passar o tempo.
Após um dia de trabalho, os dois tinham o costume de se encontrar em um ponto específico da praia, um lugar especial que eles haviam descoberto juntos durante a infância. Era um pequeno recanto protegido por rochas, onde a areia era macia e as ondas suaves lambiam a costa.
Arthur geralmente chegava primeiro. Gostava de caminhar descalço pela praia usando seu chapéu branco enquanto sentia a areia entrar pelos dedos dos pés. Ele passou a mão pelos cabelos ondulados, ainda sujos de serragem do trabalho com seu pai, antes de começar a recolher conchas e pequenas pedras para passar o tempo.
Helena saía da biblioteca com um sorriso no rosto. Seu vestido leve balançava com a brisa enquanto caminhava pelas ruas de Orla dos Ventos, cumprimentando conhecidos e trocando acenos com os moradores. Ao chegar à praia, ela tirava os sapatos e corria até o recanto, onde Arthur a aguardava. Mesmo com toda a serenidade que exibia, havia uma energia contagiante nela, algo que Arthur notava cada vez que a via correndo em sua direção com os cabelos loiros esvoaçantes.
Sentados na areia, com os pés tocando as ondas refrescantes, Arthur e Helena sempre contavam as histórias de seus dias.
— Hoje conheci um pescador que disse ter pego um peixe muito raro — comentou Arthur, ainda surpreso.
Helena, que já prestava atenção, estreitou as sobrancelhas.
— Raro, tipo "vale milhões", ou "ninguém mais além dele viu"?
— Honestamente, parecia mais do tipo "ninguém mais viu". Ele jurava que era um pirarucu albino. Você sabe, aquele peixe gigante da Amazônia.
— Então, tem pirarucus na Amazônia?
O jovem arregalou os olhos.
— Pensei que isso era um conhecimento básico!
— Não professor, não sou uma enciclopédia de peixes.
Arthur deu uma breve risada ajustando seu chapéu.
— Meu sonho é alguém dizer que capturou uma sereia — disse ele, num tom humorado.
— E eu pensando que elas não existiam!
— Não seja cética, Helena. Ninguém sabe exatamente o que tem embaixo da água.
— Tipo o que? Pizzas perdidas de Atlantis?
— Exatamente!
Helena deixou o riso escapar.
— Sabe, eu gosto dos mitos e lendas. Eles são como... escapismos poéticos. Histórias que nos levam para longe daqui.
— Quem precisa de realidade?
— O mundo real também é legal, Arthur.
— Mas não tanto quanto um mundo onde sereias entregam pizzas.
— Agora você me fez pensar. Imagina só: "Sereia Express", entregando sua pizza em trinta minutos ou...
— Você ganha uma pérola grátis — Arthur completou.
— Pérolas grátis? Agora isso seria um negócio lucrativo.
— Só cuidado para não ser seduzido pelo canto delas e acabar esquecendo da pizza — alertou Arthur, com um ar de seriedade cômica.
— Bom ponto. Sereias são conhecidas por serem bem persuasivas — Helena fez uma cara pensativa. — Talvez seja melhor ficar só com as pizzas mesmo.
Conforme a conversa fluía, Arthur via Helena se perdendo em um devaneio, olhando para ele sem perceber. Assim que a estranheza atingiu seu ápice, ele perguntou o motivo daquele olhar. Ela, no entanto, mudou de assunto, virando-se para apreciar a vista do Farol de Orla dos Ventos ao fundo da paisagem, sereno, aguardando o momento em que sua luz seria necessária para guiar os navegantes.
— Estou terminando aquele livro fascinante que comentei contigo na semana passada — os olhos dela brilharam de empolgação. — A história é sobre um grupo de exploradores que desvenda o mistério de um antigo navio naufragado no fundo do mar. É muito bom!
— Parece mesmo. — Arthur demonstrou interesse. — Qual o nome?
— Chama-se "O Abismo dos Segredos". Posso te emprestar, se quiser.
— Mais uma indicação de Helena Castro? Talvez eu aceite.
Ela esticou os lábios. — É sério, me lembrou de quando brincávamos de exploradores.
— Isso faz tempo — O jovem enrugou a testa ao olhar para o céu. — Que estranho a gente mudar assim.
— Eu acho que não mudamos tanto — opinou ela — Talvez... só nosso jeito de ver as coisas.
O assunto deixou uma breve quietude, que Arthur logo desfez ao sugerir uma caminhada pela praia. A areia estava quente sob seus pés, e o som das ondas quebrando na costa os acalmava. Logo, encontraram um lugar perfeito para sentar e apreciar a paisagem.
— Arthur, você já visitou o farol? — perguntou animada. — Tem uma vista panorâmica maravilhosa. Além disso, a história por trás dele é fascinante!
Ele não discordava. Conhecia a história do fundador de Orla dos Ventos, Capitão Antônio Soares. Segundo a lenda, esse havia escolhido a cidade para se estabelecer após ser guiado pelo farol que brilhava intensamente durante uma tempestade.
— Já fui quando mais novo. — Arthur respondeu, relaxando o corpo.
— Ótimo! Quer ir lá de novo? Podemos passar a tarde explorando ele e, quem sabe, assistir ao pôr do sol lá do alto.
— Tudo bem. Vamos só aproveitar aqui mais um pouco — disse ele, jogando uma concha para longe.
Helena concordou e depois de passarem um bom tempo na praia, os dois decidiram que era hora de seguir para o farol. Antes de partirem, foram até uma lanchonete próxima e compraram alguns lanches para levar no passeio.
— Pronto para a aventura? — Perguntou Helena, com um sorriso no rosto.
Arthur assentiu, sorrindo de volta. — Pronto!
Com os lanches em mãos, eles partiram. Os amigos caminhavam despreocupadamente, apreciando a brisa suave do mar e as cores da cidade que os cercavam. A atmosfera era leve e cheia de expectativa.
Conforme se aproximavam do farol, a paisagem se tornava ainda mais deslumbrante, com o oceano se estendendo até o horizonte e a magnífica estrutura erguendo-se orgulhosamente à beira-mar.
Alcançando o destino, Helena e Arthur subiram os degraus em espiral até o topo. De lá, puderam admirar a vista do oceano, que cintilava sob o sol das dezesseis. Enquanto tiravam fotos para guardar de recordação, os dois amigos começaram a relembrar as histórias de quando eram crianças.
— Lembra daquele concurso de redação que participamos na escola sobre "O que você quer ser quando crescer?" — Perguntou Helena, com um sorriso nostálgico.
— Eu lembro que queria ser um detetive famoso e você, uma médica! E agora estamos aqui, no farol, de chinelos e protetor solar, parecendo dois frangos assados!
Helena gargalhou.
— É engraçado como a vida muda nossos planos. Hoje em dia, está tudo bem diferentes daquilo que imaginávamos. Mas, de certa forma, gostamos do que fazemos. Acho que, no fim das contas, o importante é ser feliz, mesmo que isso signifique usar um chapéu ridículo como o seu!
Arthur olhou para seu chapéu gigante e fingiu ficar ofendido.
— Olha, este chapéu é incrível! Protege meu rosto do sol e consegue me deixar misterioso.
A conversa seguiu neste clima, relembrando as aventuras e os momentos engraçados que passaram juntos na infância.
— Arthur, e aquele jogo de adivinhação que a gente jogava quando éramos crianças? — Um lampejo de memórias alegres surgiu em seus olhos. — Vamos jogar agora, mas com uma pequena mudança. Vamos dar dicas sobre algo que podemos ver daqui de cima do farol. Quanto mais rápido o outro descobrir, mais pontos ganha. E só temos três tentativas!
— Três? Por que não quatro? Assim fica mais difícil pra você ganhar!
Helena rolou os olhos, divertida.
— Três tentativas, Arthur. É pegar ou largar.
Arthur fez uma careta dramática. — Tudo bem, mas se eu perder, a culpa é das suas regras! — Ele riu, aceitando o desafio.
— Tudo bem, aqui vai. — Helena observou a paisagem ao redor antes de começar. — "É pequeno, brilhante e se move rapidamente. O que é?"
Arthur olhou em volta, considerando as opções: Um pássaro prateado voando perto, o reflexo do sol na água, e um veleiro com uma vela brilhante ao longe.
— É o reflexo do sol na água?
— Não! — Avisou ela, sorrindo.
Arthur pensou um pouco mais.
— O pássaro prateado ali?
— Errado de novo.
Ele olhou mais uma vez e arriscou:
— O veleiro com a vela brilhante?
— Não, que pena! — Riu Helena. — Era um peixe saltando na água, perto daquele cais.
Arthur avistou o peixe com frustração enquanto ele pulava na água como se zombasse dele.
— Sua vez! — Helena avisou.
Frustrado, mas se divertindo, ele busca ao redor algo difícil que pudesse usar.
— Tá bom, "É longo, escuro e está sempre em movimento. O que é?"
Helena observou a paisagem: a sombra de uma nuvem no mar, um grupo de pessoas caminhando na praia e um caminho sinuoso na cidade.
— Deixa eu ver. Eu acho que é.... o caminho na cidade!
— Não acredito... acetou de primeira! Era a trilha do parque da cidade.
Ela bateu palmas para si mesma enquanto Arthur balançava a cabeça em descrença, mas ele não desistiu, o jogo de adivinhação se desenrolou no topo do farol, Arthur e Helena riam com as tentativas erradas e acertos ocasionais. O sol começava a se pôr, lançando sombras longas e douradas sobre o mar. Foi então que Helena propôs um último desafio, sua voz um pouco mais séria.
— Arthur, vamos fazer uma última rodada. Mas essa será um pouco diferente, está bem? — Disse ela, buscando algo no horizonte.
Curioso, ele assentiu, preparando-se para adivinhar. Helena começou a dar dicas, cada uma delas carregada de uma emoção que Arthur não conseguiu identificar de imediato.
— É algo que nos conecta com o mundo, mas ao mesmo tempo nos separa. Está sempre mudando, mas permanece o mesmo. É grande e profundo, e às vezes, nos leva para longe...
Arthur a observava enquanto falava, notando uma tristeza sutil em seus olhos. Ele seguiu seu olhar físico, percebendo que ela estava olhando para o mar e então, deu o seu palpite:
— O oceano?
Ela concordou, um sorriso melancólico. — Sim, o oceano. — Os pulmões dela se encheram. — Arthur... eu preciso te contar algo.
— Contar... contar o que?
— Arthur, eu... tenho pensado muito sobre a nossa amizade e o tempo que passamos juntos. Eu gosto muito disso, você sabe.
— Por que está falando desse jeito?
Ela apertou os dedos, lutando para conter as lágrimas que ameaçavam escapar.
— Eu tenho uma notícia para te dar, e não sei como dizer isso sem que pareça um golpe baixo. Mas, por favor, saiba que isso não muda em nada o quanto você é importante para mim.
— Só me fala o que é. — A barriga dele pareceu congelar e com os olhos marejados, Helena finalmente revelou:
— Meu pai vai inaugurar uma loja de conveniência em uma outra cidade, e nossa família vai se mudar em breve.
O vento parecia ter ficado mais cortante. Arthur não respondeu de imediato, absorveu a mensagem que, de alguma forma, parecia mudar tudo.
— Quando isso vai acontecer?
— Não sei, em algumas semanas — respondeu ela, olhando para a água, como se buscasse forças no mar que sempre os acolhera. — Eu não queria ir, Arthur. Mas... meu pai acha que essa mudança vai ser boa pra gente.
— É-é eu... — Ele sentiu algo estranho no peito, uma sensação perdida e sem identidade. — É uma boa chance pro seu pai, e... você tem que apoiar ele.
— Eu queria ficar. Crescemos aqui, e é estranho pensar em viver em outro lugar.
— Eu sei, mas quem sabe, com o tempo, você até acabe gostando de lá. — Torcia que não.
— E quanto tempo isso vai levar? E nós dois?
— Damos um jeito — Ele segurou a mão dela. — Nossa amizade não vai mudar, mesmo que você esteja em outra cidade.
A garota concordou, as lágrimas escorrendo pelo rosto. Eles se abraçaram, enquanto o sol se punha no horizonte, marcando o fim de um capítulo em suas vidas e o começo de um novo desafio. Ambos torciam para que, apesar das mudanças e da distância, a amizade que compartilhavam continuasse forte e inabalável.
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