24. Casa
A cegante luz esverdeada, que inundou meus olhos no momento em que adentrei ao portal, rapidamente se dispersou quando cheguei ao outro lado. Diferente de Célazul, esse novo lugar (Célazul 2.0?) em que estávamos, não possuía nada. Era apenas um grande e longo gramado cheio de nada. Assim que pisei em terra firme, respirei fundo e corri para ajudar os demais. Aparentemente, todos estavam bem. Assustados, com alguns aranhões, mas bem.
— Celina foi esperta! — exclamou Serena, caminhando lenta e graciosamente pela grama verde. — Criou um refúgio improvisado para nos abrigar. Acho que teria feito o mesmo.
— Espero que ela não demore a voltar com meus pais... — comentou Hélio, cabisbaixo, abraçado à Rúbia.
— Eu também, Hélio. Eu também — comentei, baixinho.
Não havia muito o que se falar ou fazer naquela ocasião. Todos estávamos tomados pela incerteza do que aconteceu ou aconteceria com aqueles que ainda não retornaram. Ao mesmo tempo em que estávamos de mãos atadas, visto que apenas Celina conseguia viajar entre as dimensões, então não conseguiríamos ir até ela nem se quiséssemos.
O silêncio velozmente tomou conta de nós, que nos sentamos à grama fresca, esperando por notícias. Era noite, assim como na terra, então não demorou para o sono começar a surgir. Sujos, cansados e com medo, tudo que nos restou foi aproveitar a grama isenta de insetos para descansar. Torci para que quando acordássemos, Celina e os outros talvez já estivessem de volta...
Não demorou. No meio da noite, ouvimos o som alto de vozes conhecidas. Era Celina e os outros, o que nos fez acordar para recepcioná-los — mesmo eu acreditando que ninguém de fato conseguiu pegar no sono.
— Não acredito! — exclamou Miriana e Osvald em uníssono.
— Quem é meu casal de humanos favorito? — disse Serena com a voz levemente sonolenta, correndo para abraçá-los.
É estranho saber que estive tão próximo deles durante semanas e nem me dei conta. Apesar da estranha sensação, fiquei feliz em tê-los ali, diante de mim, bem.
— Vocês dois! Aqui! Vivos! — disse Miriana. A entonação de surpresa e entusiasmo em sua voz eram um show à parte.
— Vocês sumiram e depois de anos suas filhas chegaram e disseram que vocês não estavam mais vivos. E agora... — disse Osvald com os olhos cheios de água.
— É uma longa história, que provavelmente iremos contar em um típico chá da tarde — falei, sorrindo e enxugando as lágrimas que insistiam em escorrer dos meus olhos desde o momento em que os vi.
— Muito obrigada por cuidarem tão bem das minhas criaturas e também das minhas filhas — falou Serena, abraçada a eles. Nós quatro meio que nos abraçamos em conjunto. Nossa, eu era tão grato a eles por terem cuidado das minhas meninas, acho que jamais terei como agradecê-los.
— Não há de quê! — disse Miriana, enxugando as lágrimas enquanto ria alegremente. — Faríamos tudo de novo.
— Ah, a propósito, eu curei o olho do seu filho! — exclamou Serena. — Hélio recuperou a visão.
— NÃO ACREDITO! — disse Miriana, voltando a abraçar a amiga outra vez.
— Muito obrigado, Serena! — disse Osvald.
Junto consigo, Celina não apenas trouxe as criaturas que moravam conosco em Célazul, mas também as que viviam no reino das Ninfas Soberanas. Como havia mencionado, assim que colocou os pés no chão, voltou à sua forma humana. Parecia exausta.
— Celi! — disse Magnólia, correndo para abraçá-la. — Você está bem? Senta um pouco, a grama está segura contra formigas.
Celina riu.
— Obrigada, Meg... — agradeceu Celina, sentando-se. — Estou me sentindo exausta, assumir a forma suprema consome bastante energia.
— Não faço ideia, mas descansa. Todos estão bem e é isso que importa.
Fui até minha primogênita e a abracei forte. Serena teve a mesma ideia. Eu estava tão orgulhoso dela, ela não sabia o quanto.
— Não faz ideia quão orgulhoso eu estou de você por tudo... — sussurrei em seu ouvido, recebendo seu olhar emocionado como resposta.
— Eu senti tanta saudade de vocês dois — disse ela. — Por favor, não importa o que aconteça, não desapareçam nunca mais.
— Jamais vou deixar vocês — falei. — Eu prometo.
— Ficaremos juntos para sempre — disse Serena, ainda abraçando-a fortemente.
Bom, o resto da noite foi tomado por conversas e organizações, mas principalmente conversas. Lembrei que Miriana e Osvald ainda não sabiam que eu era o Alfajor e, acreditem, contar a eles pessoalmente foi hilário. A reação em seus rostos me fez rir como nunca.
— Ainda bem que sempre tratei o Alfajor muito bem — disse Miriana. — Até porções de néctar eu preparava para ele.
— Isso é verdade. Não tem como negar que vocês sempre foram muito hospitaleiros — concordei, rindo.
Depois foi a vez de Serena contar que esteve presa em uma cúpula mágica durante anos, colocada lá por suas irmãs, que nunca aceitaram o fato de ela ter fugido para iniciar sua própria família em outro lugar. Mas essa história foi um pouco menos engraçada do que a minha, afinal, conflitos familiares não eram engraçados de serem compartilhados.
Mesmo exaustas, minhas três filhas ajudaram a organizar tudo na nova dimensão. Olga acalmou as criaturas, Rúbia reconstruiu nossas casas — por sorte, ela ainda tinha alguns esboços em seu caderno de desenho — e Celina usou sua magia para terraformar o novo lugar, fazendo montanhas, vegetações e quedas de água brotarem do solo. A essa altura, eu já devia estar acostumado, mas sabia que sempre me impressionaria com suas performances fascinantes.
O novo lugar era diferente, não sei bem como explicar, mas a energia não era a mesma. Talvez pela circunstância em que foi criado? Não sabia ao certo.
— Filha — falei, tocando o ombro da mais velha —, como decidiu chamar esse lugar?
— Não faço a menor ideia — respondeu ela com uma risada levemente desesperada. — Tudo que eu sei é que não quero mais chamá-lo de Célazul... Saber que transformei a dimensão em uma cela para as minhas irmãs não me faz sentir bem.
— Tudo bem se não quiser nomeá-lo agora, filha. Tudo a seu tempo.
— Obrigada, pai — respondeu com um longo bocejo. — Acho que vou me deitar. Estou exausta.
Com todos seguros em suas casas, inclusive as criaturas como ogros, elfos, gnomídeos e fadas, a noite passou de forma muito mais agradável.
Obviamente eu demorei a adormecer. Eram tantas informações e flashes de memórias indo e vindo que eu fiquei horas rolando de um lado para o outro da cama. Tentei tranquilizar minha mente, lembrando a mim mesmo que minhas filhas estavam bem. Elas estavam seguras em seus quartos, tudo estava bem.
Adormeci.
Mas não dormi muito. Mesmo me esforçando, não consegui conter a alta dose de adrenalina que tinha sido injetada em meu corpo. Os ataques, a correria, as reviravoltas... Tudo foi demais, então não me culpei pela forma que eu, como um todo, estava reagindo.
Acordei bem cedo. Ao me virar, percebi que Serena não estava lá. Nossa primeira noite juntos depois de anos foi resumida em sono, pelo menos da parte dela. Se estivéssemos em outras circunstâncias, confesso que até tentaria fazer algo especial, afinal, ela merecia.
Desci as escadas e encontrei o café da manhã sobre a mesa. Peguei uma xícara de café e me dirigi para fora, pois percebi que a porta estava entreaberta. Aquela dimensão era realmente diferente de Célazul. Lá não costumava ter névoa pela manhã — pelo menos não que eu me lembre —, mas, na nova dimensão, a névoa era bem visível. Vislumbrei em um canto, onde a delicada brisa matinal soprava, Serena e Celina abraçadas, com os cabelos sendo levados pelo vento.
— Vejo que não fui o único a pular da cama — comentei, assustando-as.
As duas me olharam com uma risada e me abraçaram. Ficamos os três ali, juntos.
— Ela me disse que tentaria resolver tudo... — ciciou Celina, como se estivesse com medo.
Serena e eu direcionamos nosso olhar a ela, sinalizando que não entendemos o que ela quis dizer.
— Ázula... Ela me disse que tentaria resolver tudo...
A expressão facial gélida de Serena dizia muita coisa. Eu não sabia como reagir.
— Ela pediu que ficássemos seguros aqui e não voltássemos à terra por nada — contou Celina, sem muitas nuances na voz. — Falou que, mesmo que acalmasse os ânimos, sabia que não mudaria o modo de pensar de Mórgara...
Ficamos atônitos. Não conseguia nem imaginar o que estava passando na cabeça de Serena... Tudo que ela queria era uma família saudável e isso ela conseguiu, mas sua família biológica parecia disposta a tudo para acabar com o que ela havia construído.
— E, pai... — disse ela, dessa vez com um tom de voz mais animado. — Eu acho que já sei como chamar essa nova dimensão.
— Como? — perguntei, ainda tentando dissipar a surpresa do que foi dito antes por ela.
— Casa! — respondeu ela. — Mas, dessa vez, será uma casa de verdade. Não quero mais perder o controle ou prender ninguém aqui, tampouco colocar a vida de vocês em risco. Quero que seja algo saudável e estou disposta a tentar.
— Eu sei que sim, filha — falei, beijando sua cabeça com delicadeza.
Ficamos lá, recarregando as energias com a magia natural que apenas a atmosfera matinal era capaz de fornecer. Por mim teríamos ficado lá a manhã inteira, mas Celina tinha um inadiável compromisso.
— Preciso ir — disse ela. — Prometi a Magnólia que iria passar o dia com ela hoje, sabe, para compensar aquele dia na colina.
— Divirta-se, querida — falei — e mande um abraço a Meg e aos Valente.
— Filha — chamou Serena, antes que estivesse totalmente distante. — Antes de ir, tenho uma sugestão para ajudá-la nessa nova fase. — Entregue uma chave de portal a cada morador da dimensão.
— Chave de portal? O que é isso?
— Como dona da dimensão, você tem o poder de encantar objetos para serem literalmente uma chave entre dimensões. Assim, não ficaremos à mercê de você para ir e vir.
— Eu não sabia que dava para fazer isso! — exclamou a garota com uma feição de surpresa. — Você me ajuda?
— É claro — respondeu Serena. — Vai indo que eu já te encontro.
— Tá bom, mas não demora.
Serena tinha em seus olhos castanhos um tipo de mensagem ainda não decifrada. Nesses anos em que estivemos juntos, aprendi a ler com maestria as entrelinhas por trás daquele belo olhar.
— Sei que tem algo te incomodando — falei.
Serena riu.
— Às vezes eu me esqueço que é impossível esconder qualquer coisa de você — disse ela. — Não sei se acho prudente deixar essa situação nas mãos de Ázula...
— Acha que suas irmãs podem fazer algum mal a ela? — perguntei.
Ela fez que sim com a cabeça.
— Ei — falei, pegando em sua mão —, vai dar tudo certo, ok? Chegamos até aqui juntos e vamos enfrentar o que vier pela frente, juntos.
— Obrigada, por tudo — disse Serena com um olhar repleto de ternura. — Honestamente, não sei o que faria sem você ao meu lado.
— Continuaria sendo a mesma mulher-ninfa encantadora que é — respondi, tentando não me perder em seu olhar. — Agora vai lá ajudar Celina a fazer as tais chaves de portal.
Ela riu, ficou na ponta dos pés, me beijou e partiu, tendo os cheirosos cabelos acobreados balançados pelo vento.
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