21. Barreira de Espinhos e Cristais
— Temos que seguir esses sons — disse Rúbia, desvencilhando-se dos animais, desesperada. — Eu tenho certeza que é a Celina.
— Amor, fica calma. Primeiro precisamos nos organizar — lembrou Hélio, colocando as mãos no ombro da garota. — Temos um barco cheio de criaturas para cuidar.
— Nós cuidamos — disse Osvald.
— Sim, temos anos de experiência — disse Miriana. — Vão ajudar a Celina e salvar seus pais.
— Pai, mãe... vocês têm certeza?
— Sim, filho. Vá! — instigou Miriana.
— Espera! — disse Rúbia, pegando seu caderno de desenho. — Antes de irmos, vou desenhar uma barreira ao redor de vocês. Não é muito, eu sei, mas vai mantê-los a salvo de ataques, nunca se sabe o que pode acontecer.
— Por que nós não usamos os unicórnios para cavalgar até lá? Podemos usar o Sal e outro dos machos. — sugeriu Hélio.
— Perfeito! Desse jeito, chegaremos rápido e seguros.
Tudo bem, fui pego desprevenido, admito. Beija-flores eram animais tropicais, nós não estávamos acostumados com o frio. Entretanto, eu não podia ficar lá, no conforto do barco, esperando que eles resolvessem tudo sozinhos. Precisava ir para averiguar e ter certeza de que tudo daria certo! Mesmo isso sendo perigoso...
Os bípedes pegaram dois unicórnios. Sal e Caramelo. Rúbia foi com Olga em Caramelo e Hélio foi com Magnólia em Sal. Obviamente, eu me abriguei nas marias-chiquinhas de Olga e lá me mantive quente e seguro. Cavalgamos em meio à gélida floresta repleta de pinheiros enquanto ouvíamos ao longe altos disparos. O céu se iluminava devido aos bombardeios e rajadas de vento invadiam o vale de minuto em minuto.
Finalmente chegamos ao ponto principal do conflito. Uma barreira de espinhos salientes tinha sido erguida, revelando apenas a alta Torre de Cristal.
Celina estava lá. Tentava entrar na fortaleza, mas os espinhos revidavam. Diversos portais se abriram, derrubando lava vulcânica sobre os espinhos, sendo possível vê-los se contorcendo. Enquanto flutuava, a mais velha atacava os espinhos de diversos ângulos. Parecia disposta a tudo para romper aquela barreira.
— Celina, por favor, para com essa loucura! — gritou Magnólia.
— Nós só queremos conversar — disse Hélio.
— Celina, desce daí agora! — ordenou Rúbia, encarando-a com temor.
Entretanto, Celina não parecia ouvi-los. Pelo contrário, parecia estar inteiramente absorta em seus pensamentos, inteiramente focada em seu objetivo.
— CANSEI DE SER BOAZINHA, SOBERANAS — falou Celina, olhando fixo para a barreira de espinho.
Nunca a tinha visto assim. Ela estava muito diferente e emanava uma energia estranha, como se estivesse mais poderosa. Seus olhos brilhavam e seus cabelos esvoaçavam enquanto flutuava, abrindo portais e esbravejando altas palavras de ordem. Minha surpresa e a dos outros foi ainda maior quando diversos portais se abriram próximos aos espinhos, despejando lava e fazendo os espinhos se contorcerem.
Após a lava se espalhar e ser maioria, a barreira chegou ao seu limite, murchando e revelando um novo mundo inteiro. Diversas casas simples amontoadas umas nas outras com telhados de palha estavam à mostra. Também era possível notar diversos seres mágicos correndo em desespero de um lado para o outro. Fadas se escondiam atrás das casas enquanto ogros se aglomeravam juntos, se tremendo dos pés à cabeça.
— CONSEGUI! — exclamou Celina, voando em direção a Torre de Cristal, localizada no meio do vilarejo.
O topo da Torre de Cristal era impossível de ser visto de baixo. As nuvens cobriam tudo, então quando Celina desapareceu, todos nós ficamos um pouco amedrontados.
— Celina, por favor, não vai... — pediu Olga, assustada, abraçando Rúbia com força.
Os olhos fechados de Olga me mostraram o quão em desespero ela estava... Instantes depois, ouvimos um grito de dor e assistimos à Celina despencar do alto inconsciente.
— CELINA, NÃO! — gritamos todos.
Suas irmãs até tentaram pegá-la, entretanto, sua queda foi muito brusca. Jogada sobre o chão, ela estava acordada, ainda cheia de fúria.
— Celina, por favor... — disse Magnólia, aos prantos, descendo do unicórnio e acolhendo a namorada em seus braços.
— Aquelas... — disse Celina, esbravejando.
Um brilho intenso tomou conta do céu, revelando três entidades estranhas flutuando até o chão em conjunto. Elas eram... diferentes. Possuíam a cabeça em formato de gota, corpos luminosos e trajavam longos vestidos que cobriam seus pés. Seus rostos também causavam estranheza.
— Quem ousa perturbar a quietude do nosso reino? — falou a criatura do meio que emanava uma luz amarelada.
— Devolvam a minha mãe — gritou Celina, séria.
— Sua... o quê?
Celina se ergueu furiosa, abrindo portais na direção das criaturas à sua frente. As três começaram a rebater as ameaças vindas dos portais como lavas, pedras, neve... Celina voltou a levitar, chamando a atenção das Soberanas, que começaram a lançar ataques à sua direção.
— Pessoal, precisamos nos proteger — disse Rúbia, cobrindo a cabeça. — Esse lugar vai virar um campo de guerra.
— Não, mas a Celina...
— Eu sei, Magnólia, também estou preocupada, mas não teremos como ajudá-la se estivermos mortas.
— Então vamos voltar à floresta? — indagou Hélio.
— Você e a Olga sim — respondeu Rúbia. — Olga, cante e leve todas essas criaturas até Miriana e Osvald. Hélio, você irá acompanhá-la.
— Ok! — confirmaram ambos.
— Mas e eu?
— Você vai ficar aqui comigo, Magnólia! — retrucou Rúbia. — Vamos tentar ajudar a Celina juntas.
Hélio esticou o braço, segurando a mão de Olga e puxando-a até o lombo do unicórnio. A mais nova limpou a garganta e sutilmente soltou a voz até evoluir para notas maiores. Pouco a pouco, as criaturas começaram a ir em sua direção, hipnotizadas.
— Vamos, Sal — chamou Hélio, segurando-se à cela. — Segura firme, Olga.
A voz da garota inundou o ambiente, mesmo quando ela já estava dentro da floresta. As criaturas mágicas a seguiam a todo vapor. Fadas, ogros, elfos, unicórnios e até outros gnomídeos corriam atrás de Olga, indo para longe do conflito e salvando as suas vidas — mesmo sem saberem.
— O que está acontecendo com essas criaturas? Para onde estão indo? — perguntou a Soberana que emanava uma luz lilás.
— Elas... elas estão roubando nossos seres mágicos — disse a Soberana que emanava luz azul escura.
— Tomem essa! — disse Celina, abrindo um portal que inundou o vale de uma fumaça escura.
Ah, ótimo. Agora nenhum de nós conseguia ver nada.
— Rúbia, vai lá para cima e procura a mamãe — disse Celina, encarando a irmã, séria.
— Pode deixar! Vem, Magnólia.
Enquanto corríamos em direção à entrada da torre, consegui ouvir aquelas três formas luminosas esbravejando lá fora. Era óbvio que a Celina sozinha não era capaz de segurar as três de uma vez, mas era esperta e sabia como se esquivar dos ataques, prolongando o conflito. A nova habilidade dela de abrir vários portais simultâneos era bem intrigante e útil.
A escadaria da torre era feita de cristais. O número exacerbado de degraus era frustrante para qualquer um sem asas que tivesse que caminhar até o topo e, pelo visto, levava um bom tempo para conseguir chegar lá. Torci para que a torre não fosse atacada enquanto estivéssemos no meio do caminho.
— Que ideia brilhante — bufou Rúbia —, fazer uma torre com escadas até em cima. Isso é tão démodé.
— Vamos levar uma eternidade para chegar ao topo — disse Magnólia, ofegante. — Queria que tivesse um jeito mais fácil.
— CHEGA! — disse Rúbia, abrindo sua bolsa e pegando seu caderno de desenho. — Me recuso a dar mais um passo.
Enquanto rabiscava de pressa, eu tentava entender o que ela estava desenhando. Parecia um... UM GANCHO!
— Essas armas-ganchos vão nos ajudar a chegar lá em cima mais rápido — disse Rúbia, entregando um exemplar à Magnólia. — Mira naquela coluna lá no alto. Alfajor, siga-nos.
Com a mira apontada, foi só atirar e voilá: elas subiram em uma velocidade impressionante, cortando o ar até chegar ao topo. Foi tão veloz que nem eu consegui acompanhar, levando um tempo até encontrá-las lá em cima.
A propósito, o local era extravagantemente luxuoso e parecia ser bem maior por dentro do que por fora. O lugar todo era de uma cor só, já que era inteiramente feito de cristal. O salão era largo, circular e possuía várias portas. De modo geral, parecia uma casa vazia, tendo apenas estátuas ao redor, lustres e portas sem identificação.
— A Celina falou que a mãe de vocês estava aqui... mas aqui onde? — disse Magnólia, olhando ao redor, admirada. — Esse lugar é enorme.
— Ainda bem que somos duas, quer dizer, três — disse Rúbia, rindo e me encarando —, então podemos vasculhar esse lugar mais rápido.
Ainda bem que ela se lembrou de mim.
— MÃE! — chamou Rúbia, andando em círculos.
Magnólia seguiu seu exemplo e fez a mesma coisa. Contudo, ninguém estava respondendo. O lugar parecia um templo de tão silencioso.
— O que será que tem atrás dessa porta... — questionou Magnólia, abrindo uma das portas. — Ah... Rúbia, vem cá.
— Achou alguma coisa? — perguntou Rúbia. — Ah...
O cômodo em questão era inteiramente azul escuro com um trevo de quatro folhas azul pintado no chão, provavelmente pertencia àquela Soberana que estava emanando uma luz azul.
O que parecia ser um quarto, possuía cristais espalhados por toda parte, além de também possuir apanhadores de sonhos espalhados pelo teto, sacos de sal em cada quina, uns colares de alho pendurados pelas paredes, um caldeirão no meio do cômodo, livros grossos nas prateleiras e até uma bola de cristal situada em uma mesa.
— Acho que a mamãe não está aqui...
— Talvez valha a pena dar uma olhada com mais atenção — ponderou Magnólia.
À medida que entravamos no ambiente, os cristais brilhavam cada vez mais fortes.
— Espera... — disse Rúbia, olhando ao redor. — Que sensação estranha é essa?
— Não estou sentindo nada — respondeu Magnólia.
Nem eu.
— Meus poderes... estão... diferentes — comentou Rúbia, encarando a palma das suas mãos. — Minha cabeça está doendo... É como se alguém estivesse tentando entrar em contato comigo.
A garota caiu, a dor parecia estar mesmo forte, já que ela mal se aguentava em pé. Instantes depois, ela desmaiou, deixando Magnólia e eu preocupados.
Ponto de vista de Rúbia:
— Filha... Rúbia, você consegue me ouvir?
— Mãe? Mãe, é você mesmo?
— Sim, filha. Nem dá para acreditar que estou finalmente conversando com você. Estamos tão próximas.
— Você está aqui? Onde?
— No quarto da Mórgara, em uma cúpula. É a maior das salas.
— Tá bom! Vou te procurar, te achar e te libertar.
— Eu sei, filha. Eu confio em você, sempre confiei. Agora, é hora de acordar!
Ponto de vista de Alfajor:
Rúbia, na mesma velocidade em que desmaiou, acordou. O sorriso em seu rosto mostrava que ela trazia consigo boas notícias.
— Era a mamãe. Era ela quem estava tentando entrar em contato comigo.
E o que ela disse?
— E o que ela disse? — indagou Magnólia.
— Ela me disse que está realmente aqui. Na sala de alguém chamada Mórgara. A maior sala dessa torre.
— Mas todas as salas desse lugar são igualmente enormes — percebeu Magnólia.
— Então nós teremos que ir de porta em porta até achar a cúpula em que a mamãe está presa. Vamos!
Torci, por favor, para que me dissessem que teríamos só um pouco de paz quando achássemos a mãe dessas garotas. Aquele tempo que passamos em Célazul, antes do espidrero aparecer e bagunçar tudo, foi tão pitoresco. Sinto falta.
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