04. Queridas Irmãs
Abram alas para mim, o salvador do dia! Graças à minha destreza, as irmãs conseguiram se livrar do monstro e ficaram ainda mais unidas. Mas, sendo sincero, pensei que fosse morrer quando um gavião enorme começou a me perseguir. Por sorte, eu já estava perto da escola da Olga.
Mas vamos continuar de onde paramos: a conversa.
— Você conversou com a mamãe e ela pediu que nós três nunca nos separemos? Você enlouqueceu! — deduziu Rúbia, deitando em sua cama.
— É sério, Rúbia!
— Celina, a mamãe está morta. Isso foi apenas um sonho.
— Não foi. Ela também contou sobre os nossos cristais. Foram eles que nos protegeram até aqui, inclusive daquele monstro. A minha ametista, a sua safira e a fluorita da Olga. Segundo ela, na natureza, as ninfas se cercam de cristais para aumentar seus poderes de proteção.
— Isso é algo que faz sentido, já que, de fato, aquele monstro não nos fez nenhum mal. Mas essa sua teoria de que a mamãe não nos quer separadas não faz nenhum sentido, porque ela está morta, e como todas sabemos, mortos não falam.
— Olga, o que você acha? — perguntou Celina, impaciente com a teimosia da irmã.
— Aquele monstro vai voltar?
— Claro que não, Ol.
— NÃO MENTE PARA ELA — repreendeu Rúbia, irritada.
— Eu não estou mentindo, se depender mim, ele não vai voltar.
— MAS NÃO DEPENDE DE VOCÊ! — falou Rúbia, andando de um lado para o outro. — Aquela criatura entrou no corpo da Laurela e se infiltrou no nosso quarto. O motivo? Nunca saberemos.
— Calma, ainda não sabemos. A Laurela ainda pode estar viva.
— COMO, CELINA? COMO?
— Rúbia, se acalma e para de gritar — disse Olga, sentada em sua cama.
— Eu vou falar com a diretora Matilda. Fiquem aqui terminando de arrumar essa bagunça — disse Celina.
— Vai falar o quê? Que não quer mais que tenhamos um lar? Um futuro? Privacidade?
— Agora não, Rúbia. Vou fazer o que a mamãe mandou.
— A MAMÃE ESTÁ MORTA.
— NO MEU SONHO ELA ESTAVA VIVA.
— PORQUE ERA SÓ ISSO MESMO, CELINA. A DROGA DE UM SONHO. PARA DE SER EGOÍSTA E DEIXA A OLGA E EU TERMOS UM FUTURO MELHOR DO QUE O SEU.
A última fala de Rúbia tomou conta do quarto de uma maneira que nem ela esperava.
— Me desculpa, Rúbia, por apenas fazer o meu papel de irmã mais velha — falou Celina antes de sair do quarto.
Eu não pretendia ficar naquele quarto com aquele climão todo no ar, não. Celina, me espera.
A mais velha saiu pelo corredor esbravejando por todos os lados. As palavras de Rúbia tinham realmente mexido com ela. Caminhou velozmente em direção à sala da diretora Matilda decidida a fazer o que sua mãe pediu.
— Pode entrar — gritou Matilda.
— Com licença, diretora, eu queria conversar com a senhora rapidamente sobre um assunto.
— Sou toda ouvidos, querida.
Mas Celina hesitou. Com as palavras de Rúbia ainda ecoando em sua mente, ela começou a se perguntar se, de fato, o sonho que ela teve não passou apenas disso: um sonho. Talvez ela estivesse tão esgotada que acabou projetando tudo em seu cérebro enquanto dormia.
— É que a Olga vive falando sobre uma menina chamada Laurela, disse que era uma moradora aqui do orfanato, mas eu nunca a vi. Seria uma aluna de verdade ou apenas mais um dos seus amigos imaginários?
— Não há nenhuma Laurela aqui no orfanato, querida. Nunca houve. Na verdade, houve sim, mas há muitos anos, e ela não era aluna, mas sim uma diretora. Acho que ela nem está mais viva.
— Ah... tá bom. Então é só mais uma das amiguinhas imaginárias dela...
— Sim, deve ser. Crianças tendem a ter uma imaginação muito fértil. Faz parte do desenvolvimento de seus cérebros, não se preocupe.
— Não vou. Obrigada.
— A propósito, como elas estão? A professora avisou que elas não estavam se sentindo bem, então fui buscá-las. Deve ser alguma dessas besteiras oleosas que eles vendem nas cantinas da escola. Deveriam proibir esse tipo de comida para crianças.
— Ah, sim, elas estão deitadas lá em cima. Bem melhores. Nada como descansar um pouco em sua própria cama, não é?
Ao sair da diretoria, Celina se escorou à porta e suspirou fundo. Voei em sua direção e a encarei.
— Bico fechado, Alfajor. Não quero assustá-las ainda mais. Porém, se há mais espiões aqui no orfanato, eu preciso descobrir.
Cuidado, hein, Celina, ou então você vai acabar ficando paranoica!
De volta ao quarto, as meninas já haviam arrumado todo o resto da bagunça causada pelo monstro. Olga estava olhando a rua pela janela e Rúbia estava em sua cama com seus fones de ouvido.
— Eu não falei... — disse Celina em voz alta, atraindo a atenção das mais novas. — Se vocês querem ser adotadas, que assim seja. Vocês merecem uma família.
— Desculpa por gritar com você naquela hora... Eu estava assustada com tudo que aconteceu... — resmungou Rúbia.
— Não se preocupa com isso. Eu acho que meu sonho com a mamãe foi apenas uma reação a tudo. Foram tantas informações de uma vez só que...
— Tudo bem, Celina — disse Olga, aproximando-se da irmã e a abraçando. — Nós sabemos que você só quer o nosso melhor.
— Venham aqui — falou Celina, indo até a sua mesa de cabeceira e tirando uma foto de dentro de uma caixa decorada com estrelas lilases.
A foto que Celina tinha em mãos era um retrato de família. As três garotas junto aos pais ainda vivos. As mais novas se aproximaram receosas, mas não contiveram o sorriso quando viram com clareza o que a irmã segurava.
— O papai está parecendo um daqueles professores super sérios nessa foto — percebeu Rúbia, rindo.
— Nossa, eu era muito pequena nessa época — comentou Olga, apontando para si na foto.
— Você só tinha 1 ano nessa foto, Ol. Era minúscula — disse Celina, olhando a irmã com carinho.
— Eu sinto saudade deles... — ciciou Rúbia.
— Eu também! — retrucou Celina.
— O meu cabelo é igual ao da mamãe — disse Olga, empolgada. — Eu sempre me esqueço disso.
— Não só você, eu também tenho os cabelos cacheados cor de cobre da mamãe — disse Celina.
— Eu fui a única que herdei o cabelo liso castanho do papai... Espero não ficar calva tão cedo quanto ele — falou Rúbia, despertando uma gargalhada coletiva.
— Qual era a cor dos olhos deles? Não dá para ver na foto — perguntou Olga, aproximando-se da imagem.
— O papai tinha olhos verdes e a mamãe, castanhos — respondeu Celina.
— Eu tenho os olhos castanhos da mamãe — disse Olga, entusiasmada, dando pulinhos.
— Sim — falaram Celina e Rúbia, rindo ao mesmo tempo.
— Então vocês duas têm os olhos verdes do papai — falou Olga, encarando as irmãs com atenção.
— Um dia você vai aprender genética na escola e vai entender como isso tudo funciona, maninha — disse Rúbia, afagando o cabelo da irmã.
Assim como as risadas vieram naturalmente, a quietude também o fez. As três jovens ficaram em completo silêncio contemplando a foto de família na mão de Celina.
— Meninas, vocês sabem que independentemente de onde estivermos, sempre estaremos juntas, não sabem? — questionou Celina, olhando as feições chorosas das irmãs.
— Sim! — responderam as mais novas em uníssono.
— A diretora Matilda me confirmou que a visita está mesmo marcada para amanhã, então eu quero ver as duas dormindo cedo para acordarem descansadas.
— Então, quer dizer que amanhã, a esse horário, Olga e eu já teremos conhecido nossos futuros novos pais?
— Se tudo correr bem, sim.
— Tomara que eles sejam legais — desejou Olga.
— Tomara que sim, Ol — concordou Celina, abraçando a irmã. — Vocês duas merecem os melhores pais do mundo.
— Ei, percebi agora que você não contou o que a diretora Matilda disse sobre a Laurela — falou Rúbia, agitando-se de repente.
— Hã... ela meio que ficou de ver nos registros sobre essa criança. Disse que não se lembrava de cabeça sobre ela.
— Tem tantas crianças nesse orfanato, ela deve esquecer nosso nome o tempo todo — disse Olga, rindo.
— Mas, mudando de assunto, que tal você, Rúbia, desenhar três cupcakes para a gente? Eu acho que nós merecemos um docinho — disse Celina.
— Boa ideia! Vou desenhar agora mesmo — falou Rúbia, correndo até sua cama para buscar seu caderno de desenhos.
— Enquanto isso, eu vou ao banheiro. Quero aproveitar que o orfanato está vazio, já que as outras crianças estão na escola, para poder usar o banheiro em paz — disse Celina.
Mas, eu sabia, pela sua expressão corporal, que ela estava mentindo. Então, como um bom fofoque... quer dizer, investigador, eu fui atrás dela para garantir que ela ficaria bem. Graças aos céus, Olga estava entretida com algo na janela e não me viu sair pela porta. Agora que Celina sabia que eu era capaz de me comunicar com Olga, ela devia ter o máximo de cautela com o que dizia ou fazia, a fim de não me deixar descobrir seus segredos. Contudo, ela não conhecia o tamanho da minha astúcia.
A mais velha trilhou o mesmo caminho que sempre fazia até o pátio. Olhou em volta à procura de alguém e, como não viu ninguém, continuou andando. Aproximou-se do minúsculo laguinho que ficava próximo às velhas gangorras com desenhos de patinhos e se agachou.
Consegui ter uma visão muito melhor do que ela estava a fazer me escondendo dentro das canaletas no telhado. Ela utilizou o mesmo movimento de mãos que costumava usar quando queria criar um novo ambiente — assim como os terrários em sua cabeceira.
O borbulho da água apenas me confirmou que seus poderes estavam funcionando. Mas, um ponto que me intrigou, foi que a água do laguinho parecia estar sendo fervida, mas não havia fumaça, apenas bolhas, até que, de repente, o líquido solidificou, ficando liso e brilhante como gelo. A cena ficou ainda mais interessante quando ela enfiou a mão na superfície sólida e sua mão pareceu cruzar um portal.
— Eu consegui! A mamãe estava certa. Tudo que eu preciso fazer para aprimorar meus poderes é utilizá-los com mais frequência.
Com um longo sorriso em seu rosto e tentando conter a empolgação, Celina olhou para trás, certificou-se de que não havia ninguém e pulou dentro do portal. A cena me deixou chocado. Como? Como ela fez aquilo? Me aproximei depressa, na tentativa de segui-la, mas assim que me aproximei, a superfície sólida se tornou líquida novamente. Ela tinha conseguido me despistar.
Ouvi vozes infantis ao longe e deduzi que as crianças do orfanato já haviam voltado da escola. Será que Rúbia e Olga estavam precisando de ajuda com algo? Talvez fosse melhor voltar para o quarto e fazer companhia a elas, visto que eu não conseguiria desvendar aonde a Celina foi.
Cheguei ao quarto e estava uma barulheira. Um monte de meninas jogando as bolsas nas camas e correndo de um lado para o outro. Rúbia e Olga estavam conversando em uma das camas enquanto as outras perambulavam pelo cômodo.
— Rúbia, o que vamos dizer se elas nos perguntarem sobre a Laurela? — perguntou Olga, encolhida.
— Vamos fingir que não sabemos de nada. Se lembra das aulas de teatro que tivemos na escola? Agora é a hora perfeita para usá-las.
— Vou tentar!
Rúbia tinha razão. Se elas seguissem fingindo que não sabem de nada, não terão de dar explicações, o que evitaria o risco de se meter em problemas, afinal, ninguém podia saber sobre a magia. Contudo, Olga era um pouco menos fria do que Rúbia. Isso ficou visível quando Elisa, uma das meninas do quarto, se aproximou delas.
— Olga, onde está a Celina? Eu preciso que ela me ajude com um trabalho da escola.
— Ah... a Ce-Celi...
— Ela foi ao banheiro tomar um banho. Ela passou o dia arrumando esse quarto, estava ensopada de suor — respondeu Rúbia.
— Ah, tá bom. Obrigada, Rúbia.
Ufa! Ainda bem que Rúbia assumiu o controle da situação a tempo. Bom, aparentemente, ninguém notou o sumiço da Laurela. Talvez, porque ela nunca tivesse estado lá... ah, não sei. Essa história estava muito bizarra. Vou cumprir a promessa que fiz a Celina e ficar de bico fechado, mas tomara que ela conte a verdade sobre a Laurela para as irmãs o quanto antes.
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