02. A Decisão de Celina
Assim que chegaram ao quarto, Magnólia correu até a cozinha para buscar um copo de água para Celina. Enquanto a garota tentava contar sobre a conversa detalhadamente, ela dava longas pausas para conter o choro.
— Não quero que minhas irmãs me vejam assim. Elas ficarão preocupadas.
— Eu sei e eu entendo, Celi, mas esse é um assunto que as envolve. Mais cedo ou mais tarde, você vai precisar conversar com elas.
— O que eu faço, Meg? Deixo-as ir? Impeço-as de ir?
— Infelizmente, essa pergunta eu não posso responder... Mas, se quer um conselho, sugiro que você tome essa decisão com o cérebro e não com o coração.
— Então eu devo seguir a lógica? Bom, a lógica me diz para deixá-las ir, porque essa é uma chance rara, devido à idade da Rúbia. Eu sei que uma chance como essa não vai vir tão cedo e, como eu não quero que elas fiquem aqui empacadas como eu, eu deveria deixá-las ir.
— Ok, esse é seu cérebro falando. E quanto ao seu coração?
— Meu coração... meu coração pede que eu não me desgrude delas nem por um minuto. Elas são minha única família viva. Eu preciso delas bem.
— Bom, eu não sei se percebeu, mas as duas respostas possuem um ponto em comum. Em ambas, você quer vê-las bem.
— Mas, para estarem bem, elas não precisam estar necessariamente ao meu lado...
— Isso também é verdade...
Celina suspirou longamente outra vez, mas agora parecia diferente.
— Já tomei minha decisão. Vou conversar com elas.
— Espero, de coração, que tudo corra bem — torceu Magnólia, abraçando Celina.
— Eu também... Obrigada, Meg.
Celina se levantou e caminhou pelos corredores silenciosos em direção ao pátio para conversar com suas irmãs, mas, ao chegar, não tinha mais ninguém lá.
— Celina, a diretora já chamou todos para o refeitório. Vem, é hora do almoço! — vociferou Túlio, parado do outro lado do pátio.
Como assim já era hora do almoço? A hora passou voando. Bom, enquanto Celina caminhava até o refeitório, eu fui me esbaldar no néctar delicioso das belas flores do jardim, afinal, se eu não me alimentar, quem vai contar esta história?
Assim que terminei de comer, voei depressa até o refeitório. As irmãs já estavam almoçando juntas. Rúbia e Olga gargalhavam como nunca junto às outras crianças, contudo, Celina estava séria — e isso era notável por qualquer pessoa, até a mais desatenta. Voei até a mesa com cuidado e me acomodei nas marias-chiquinhas de Olga, que, ao me sentir pousar, me deu um grão de açúcar.
— Por onde esteve, Alfajor? Espero que não tenha quebrado nada — disse Olga em voz alta.
Tudo bem, em minha defesa, o abajur quebrado foi um acidente. Eu tinha batido a cabeça de leve no canto do beliche, então fiquei meio zonzo e esbarrei com força na lâmpada.
— Meninas, preciso que me encontrem no quarto depois do almoço para conversarmos a sós, ok? — sussurrou Celina.
— Tá bom... aconteceu alguma coisa? — disse Rúbia, com uma feição confusa.
— Sim, mas não se preocupem. Não é nada demais — falou Celina, levantando-se e indo embora.
Não era nada de mais? Claro que era algo de mais! Elas tinham a chance de finalmente saírem desse orfanato barulhento e terem uma casa.
— Será que está tudo bem com ela? — quis saber Rúbia.
A resposta era não!
O almoço durou mais ou menos uns quarenta minutos até que finalmente as meninas se dirigiram ao quarto, onde Celina estava deitada na cama esperando.
— Maninha, você está estranha. Primeiro, você chegou ao refeitório parecendo que tinha acabado de voltar de um enterro, e agora vem com esse papo de querer conversar — comentou Rúbia, sentando-se ao lado da irmã.
— Se é segredo, é melhor falar logo antes que as outras meninas venham para o cochilo de depois do almoço — falou Olga.
— Relaxa, Ol. Elas ainda vão comer o pudim da sobremesa, que nós tivemos que deixar para trás.
— Meninas, a diretora achou uma casa para vocês — revelou Celina, depressa como quem tira um curativo.
Uau. Assim? Curta e grossa?
— Que legal! — gritou Rúbia.
— Vamos finalmente sair daqui! — celebrou Olga, abraçando a irmã.
— Espera... você vem também, não é? — falou Rúbia.
— Não... Ela disse que não conseguiu achar ninguém que quisesse nós três, apenas vocês duas, e como em alguns meses eu vou atingir a idade máxima permitida aqui...
— Ela quer arrumar um lar para nós duas, que somos mais novas, para que nós não fiquemos iguais a você... — completou Rúbia.
— Exatamente...
— Isso quer dizer que nunca mais vamos nos ver? — perguntou Olga, marejando os olhos.
— Não, claro que não, corujinha — disse Celina, aninhando a mais nova em seus braços. — Eu poderia visitar vocês alguns dias ou ligar por vídeo-chamada...
— Mas não é a mesma coisa...
— Eu sei... mas vocês teriam um lar, um futuro, privacidade...
— Mas e quanto ao papai e a mamãe? — esbravejou Rúbia. — Você prometeu que ia tentar nos manter juntas por eles!
— Eu sei... e não pensem que estou desistindo de vocês, é só que, às vezes, na vida, nós temos que voltar atrás no que dissemos...
— E os nossos poderes? Como eu e a Olga faremos se tivermos alguma dúvida? É você que costuma ter todas as respostas.
— Vocês me ligam e tiram as dúvidas.
— E se for algo que não dê para resolver por telefone?
— Vocês guardam até eu ir visitá-las.
— E se não der para guardar...
— RÚBIA! — falou Olga. — Para de falar. Vai dar tudo certo! Se mesmo distante, o contato entre nós se manter, tudo vai dar certo.
— Vocês prometem que vão se esforçar para fazer tudo isso dar certo?
— Sim! — responderam Celina e Olga em uníssono.
Rúbia suspirou e as abraçou.
— Vou sentir falta dos abraços triplos.
— Eu também — falou Olga, rindo. — Vou sentir falta das suas broncas, Celina.
— E eu vou sentir falta de te contar histórias antes de dormir — falou Celina, afagando o cabelo da mais nova.
Não acreditava que as três iam mesmo se separar... Confesso que vou sentir falta desse orfanato barulhento, mas, se a casa nova for melhor, eu esqueço este lugar rapidinho.
— Vou conversar com a diretora Matilda, para que ela possa marcar a visita com o casal que vai adotar vocês — disse Celina, levantando-se e indo em direção à porta.
Eu admirava a Celina. Não deve ter sido fácil tomar essa decisão.
— Rúbia, vamos fazer uma surpresa para a Celina — cochichou Olga, assim que a mais velha foi embora.
— É uma boa ideia, mas o quê?
— Ah, você pode desenhar uma mesa de festa repleta de doces e guloseimas — disse Olga, rodopiando no ar.
— É uma boa ideia... mas o que diremos para a diretora se ela descobrir?
— É só você desenhar uma chave para trancar a porta. Assim, nós teremos privacidade e vamos poder comer os doces sozinhas.
— Você é bem esperta, hein, baixinha — analisou Rúbia, pensativa. — Vamos fazer isso! Nós só precisamos saber o dia em que vamos embora.
— Tomara que demore... não quero ir embora agora.
— É, mas isso não depende de nós...
Um tempo depois, Celina estava de volta.
— Meninas, temos tanta sorte! O casal que vai adotar vocês mora em uma fazenda a apenas 2 horas daqui — contou, animada.
— Isso é muito tempo — retrucou Rúbia.
— Para de reclamar. Poderia ser muito pior, eles poderiam morar em outra cidade ou, pior, outro país.
— Isso é verdade...
— A diretora Matilda falou que, como eles estão muito interessados, a visita será amanhã e, se a papelada for rápida, eles podem levar vocês embora ainda essa semana.
— Por que você ficou tão empolgada com isso de repente? — questionou Rúbia, bocejando.
— Porque é uma oportunidade incrível. Para vocês duas.
— Será que eles têm dinheiro? Quer dizer, para manter uma fazenda, você precisa de dinheiro, né? — ponderou Rúbia.
— Lá tem animais? Oba! Vou poder cantar para eles, ouviu isso, Alfajor? Mais beija-flores para te fazer companhia.
Eba, que animador — contém ironia.
— Meninas, independente de como seja, eu tenho certeza que vocês serão muito amadas lá.
— Tomara — disse Rúbia.
— Mas, Celina, e você? O que vai fazer se não conseguir ser adotada? — perguntou Olga.
— Bom, nessa hipótese, eu vou ter que arrumar um emprego para me manter. Estou quase terminando a faculdade, o que é algo bom, pois facilita essa parte da minha vida.
— Quando você tiver sua casa e seu dinheiro, você pode nos adotar!
— Ah... não é bem assim que funciona, Olga. Quando esse casal adotar vocês, vocês serão deles. Filhas deles. Eu não vou poder pegar vocês de volta.
— Ah... mas nem escondido?
— Não, porque isso seria sequestro.
— Ah, é mesmo.
— Mas, quando eu tiver meu dinheiro, eu poderei me mudar para perto de vocês...
— É uma ideia até razoável — disse Rúbia, mostrando empolgação pela primeira vez desde que a notícia foi dada.
— Sim, mas agora é hora de vocês duas se arrumarem para ir à escola — disse Celina.
— Ah, não. Não podemos faltar hoje para aproveitar nossos últimos momentos juntas? — indagou Olga.
— Não, corujinha. Podemos brincar juntas quando vocês chegarem, mas agora é hora da aula. Já para o banho.
Não costumava seguir Olga até a escola. Acho a escola um local muito perigoso, as crianças lá não paravam quietas nem um minuto e era tão barulhento que me deixava confuso. Preferia esperá-la chegar aqui, no conforto da minha flor ou das vigas do telhado. Entretanto, com a Rúbia e a Olga na escola, fiquei curioso para saber o que a Celina iria fazer. Ela não teria aula hoje por causa de uma infestação de baratas em sua faculdade, então supus que não sairia para lugar algum hoje.
— Ok, plantinhas. Me ajudem — disse Celina, passando as mãos delicadamente sobre seus terrários postos sobre a mesa de cabeceira. — Mudem. Reajam. Só façam alguma coisa.
Será que ela achava que estava perdendo seus poderes? Era bem capaz. Ela mal os usava, um real desperdício. Se eu tivesse poderes como os dela, faria um jardim enorme só para mim. Assim eu poderia ter porções de néctar infinitas.
— Por que não estou mais conseguindo criar ambientes novos...
Sabia. Ela estava perdendo os poderes.
— Deve ser cansaço. Ou excesso de emoções. O dia até aqui foi de muitas lágrimas. Acho que vou tirar um cochilo.
E, então, ela deitou em sua cama e dormiu. Nada de interessante, mas saber que ela estava com os poderes fracos me intrigou. Será que também estava acontecendo com as outras? Só saberemos depois, provavelmente quando eu acordar do meu cochilo da tarde.
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