01. Revelação Espinhosa
O sol brilhava forte naquela típica tarde de quarta-feira no Orfanato dos Brotinhos, localizado na Rua do Resplendor, número 56, em Gérbera, cidade das flores. O local era lar de muitas crianças à espera de uma família, e também o ponto de partida da nossa história.
— Se nós não corrermos, vamos perder o homem do sorvete — gritou Rúbia, correndo visivelmente elétrica.
As outras crianças vinham logo atrás dela. Era possível saber devido ao som de inúmeros sapatos correndo em direção ao portão.
— Crianças, acalmem-se. O senhor Garcia não vai embora antes de atender todas vocês — falou Matilda, a atual diretora da instituição.
Crianças de todas as idades se enfileiravam na expectativa de conseguirem sorvete. Todas as quartas-feiras, senhor Garcia, um idoso muito simpático vendedor de sorvete, passava em frente ao orfanato, balançando o seu sino para adoçar um pouco a tarde das crianças. Organizados dos mais novos aos mais velhos, Olga, de 9 anos, foi uma das primeiras da fila a receber o seu gelado.
— Um sorvete de morango, por favor — disse a pequena, ficando na ponta dos pés para tentar vê-lo manusear o gelado na casquinha.
— Um sorvete de morango para a nossa doce Olga? É para já! — cantarolou o senhor Garcia, com muito ânimo.
— Muito obrigada! — respondeu Olga, pegando seu sorvete depressa e voltando ao seu quarto.
Sem demora, a segui, afinal, eu também queria um pouco daquele sorvete.
— Aqui, Alfajor, pode provar — disse Olga, empunhando o sorvete em minha direção.
O doce cheiro do sorvete era delicioso de ser sentido. Olga sempre me deixava cheirar os doces que ela comia. E, sim, este sou eu, Alfajor, o beija-flor, e também o narrador desta mágica história.
Assim que chegamos à ala dos quartos das meninas, Olga caminhou até a sua cama, onde se sentou confortavelmente para comer seu sorvete. Ela não gostava muito da agitação do pátio, preferia ficar no seu próprio canto.
Laurela, uma das crianças do orfanato, não gostava de sorvete, na verdade, ela parecia não gostar de nada. Estava sempre de cara fechada, ouvindo música, deitada em sua cama. Olga evitava falar comigo quando havia outras pessoas, que não fossem suas irmãs, por perto. Ela sabia bem como as crianças do orfanato eram implicantes, então tentava parecer o mais normal possível.
— Ah, achei você, maninha! — falou Rúbia em voz alta, entrando no quarto. — Deduzi que você estivesse aqui, já que não curte tumultos.
— É verdade, detesto aquele empurra-empurra — respondeu Olga. — De que é o seu sorvete?
— Abacaxi. Gosto de sorvete de frutas.
— E o da Celina?
— Sei lá, provavelmente chocolate? É o que ela sempre pede.
— Por que ela não veio atrás de mim com você? — perguntou Olga.
— Porque ela estava ocupada conversando com a Magnólia no pátio, então eu disse que viria procurar você, sabe, só para ter certeza de que está tudo bem — respondeu Rúbia, circulando pelo quarto. — Vai, termina logo esse sorvete, Lúcia e Emília estão te esperando lá no pátio para vocês brincarem de amarelinha.
— Tá bom!
Atualmente, as três irmãs, Celina, Rúbia e Olga viviam no Orfanato dos Brotinhos desde a morte dos seus pais, Benjamin e Serena. Tudo que eu sei sobre essa história foi a Olga quem me contou — que só soube porque Celina a contou, depois que ela insistiu muito.
Segundo ela, os cinco estavam viajando de carro à noite e, enquanto passavam por uma formação rochosa, pedaços de rocha caíram em cima deles, o que fez seu pai perder o controle do veículo e rolar desfiladeiro abaixo. Os médicos falaram que foi um milagre as três terem saído vivas. Infelizmente, os mais velhos não resistiram e, como nenhum parente vivo delas foi encontrado, elas foram enviadas para o orfanato.
Na época, Olga tinha apenas 2 anos de idade, então seria mais fácil para ela ser adotada, uma vez que muitos adultos têm uma preferência maior por bebês. Celina tinha 14 anos, e Rúbia, 10, então para elas era mais difícil. Matilda, a diretora, sempre lutou para que as três ficassem juntas, impondo a condição de que elas só poderiam ser adotadas juntas, o que, infelizmente, dificultou ainda mais o processo.
Hoje em dia, Celina já tem 21 anos, a idade máxima para permanecer no orfanato, então, quando completar 22, ela precisará deixar a instituição, uma perspectiva que assusta as três na mesma proporção.
Bom, decidi aproveitar que Olga estava brincando para repousar no ombro da Celina. Ser eu dá trabalho.
— Nem imagino quão difícil deve ser para você estar à beira de sair do orfanato e ter que deixar suas irmãs para trás — disse Magnólia, prendendo seus cabelos em um rabo de cavalo alto.
— É uma sensação horrível... Sinto como se eu tivesse falhado com meus pais, já que eles sem dúvidas iriam querer que ficássemos juntas — respondeu Celina, tentando disfarçar a voz embargada.
— Calma, Celi, ainda há tempo. Vocês ainda têm alguns meses juntas, quem sabe, nesse meio tempo, alguém se interesse por vocês?
— Estou tentando ser otimista, Meg, mas se não se interessaram por nós em anos... não vai ser diferente agora.
— Confiança, Celina. O futuro ainda não está definido.
Celina respirou fundo.
— Às vezes, eu acredito que a única maneira de manter nós três juntas é saindo daqui, arrumando uma casa, um emprego e então tentar adotá-las enquanto há tempo...
— É arriscado. Mas ainda é um plano viável. O que você não pode é desistir delas...
— Eu só não quero que elas se preocupem com isso agora, sabe? Por isso estou tentando passar o máximo de confiança que posso.
Lamento informar, Celina, mas elas percebiam seu nervosismo e se preocupavam tanto quanto você. Noite passada, Olga estava chorando em seu travesseiro com medo de se separar das irmãs, ainda bem que eu estava lá para distraí-la. No fundo, Celina se sentia culpada por não explorar seus poderes por completo. Ela tinha medo, eu acho. Ah, é verdade! Eu me esqueci de mencionar isso, as três irmãs possuem poderes especiais.
Celina possuía o poder de criar ambientes. Ninguém sabia ao certo quão poderosa ela era, afinal, ela se limitava aos terrários que criava para a sua mesa de cabeceira.
Em contraponto, Rúbia conhecia bem seus poderes e os usava o tempo todo. Inclusive, ela conseguia ser bem descuidada de vez em quando. A filha do meio possuía o poder de dar vida aos seus desenhos. Certa noite, Sophie, uma das meninas que dividia quarto com ela, derramou cereal na sua cama e, para se vingar, Rúbia desenhou milhares de formigas em sua cama.
E Olga possuía o poder de encantar a todos com a sua voz. Foi assim que nos tornamos amigos. Eu estava de bobeira, voando à procura de néctar até que encontrei o jardim do orfanato, porém foi o canto de Olga que mais me chamou a atenção.
De onde vêm seus poderes? De sua mãe, Serena, que era uma ninfa, mas Rúbia e Olga não sabiam disso, apenas Celina, já que sua mãe lhe contou antes de morrer. Como eu descobri isso? Lendo o diário de Celina, ora.
— Celina? — chamou Matilda, aproximando-se da garota. — Posso conversar com você em minha sala?
— Sim, diretora. Conversamos depois, Meg.
O que será que aconteceu? Será que finalmente apareceu alguém interessado nas três? É, eu não podia perder essa. Já que Olga ainda estava brincando, fui junto para ouvir a conversa.
Celina parecia nervosa, eu sabia disso porque suas mãos estavam inquietas. Matilda, como sempre, parecia uma estátua. A postura impecável e o semblante sério intimidavam qualquer um. Até a mim.
Chegamos à diretoria. Fui esperto e me escondi atrás de um dos troféus horrorosos situados sobre uma prateleira empoeirada ao canto da sala e me mantive em silêncio.
— Celina, eu não quero mentir para você... a situação não é boa. Eu venho procurando há meses e não encontrei ninguém disposto a adotar vocês três...
— Não, diretora... precisa ter alguém. Eu não posso me separar delas, eu...
— Eu entendo, querida. Ninguém mais do que eu quer ver você e suas irmãs juntas, felizes e saudáveis no mesmo lar, mas o cenário não é otimista.
Celina deu um longo suspiro e baixou a cabeça. Eu sabia que ela estava tentando conter as lágrimas.
— Mas nem tudo está perdido — alertou Matilda, encarando a menina com comoção em seu olhar.
— O que quer dizer?
— Eu encontrei um casal que quer muito adotar Rúbia e Olga. Eles são donos de uma fazenda e não podem ter filhos.
— Não, eu não posso...
— Celina, pense bem... Eu sei que quer mantê-las junto a si porque as ama, mas pense que também estaria agindo por amor se as deixasse ser adotadas. Elas teriam uma casa, um futuro e com certeza seriam muito amadas.
Celina não respondeu. Manteve-se calada, apenas encarando o rosto da mulher à sua frente.
— Pode me dar um dia para pensar?
— Um dia. É tudo que eu posso te dar, pois preciso dar uma resposta aos interessados o quanto antes.
— Ok! — disse Celina, levantando-se e enxugando as lágrimas em seu rosto.
— Celina... — disse Matilda —, é uma boa oportunidade para elas. Pense bem...
A garota não respondeu. Seguiu em direção à porta e saiu. Ainda seguindo-a, vi quando ela entrou no banheiro, que, por sorte, estava vazio e desatou a chorar. Eu não podia deixá-la ali chorando, sozinha, mas também não podia aparecer do nada sem que ela suspeitasse que eu a estava espionando.
E então tive uma brilhante ideia, como de costume! Aproveitei que a porta não fechou por completo e saí pela brecha. Voei o mais rápido que pude até o pátio na esperança de encontrar Magnólia e, graças aos céus, ela ainda estava lá com as outras crianças. Foi fácil localizá-la, pois ela estava usando uma chamativa fita vermelha no cabelo.
— Olga, você não pode apoiar o outro pé no chão quando se inclinar para pegar a pedra. Você precisa continuar com o pé levantado — falou Magnólia, gargalhando.
Fui nada discreto e me coloquei diante do seu campo de visão. Assim que ela me viu, esboçou um sorriso. Tentei fazer mímica para tentar fazê-la entender que eu queria que ela me seguisse.
— Ele quer que você o siga — disse Olga, tentando se equilibrar com um pé só na amarelinha. — É melhor ir logo ou ele não vai te deixar em paz.
Obrigado, Olga!
— Vai por mim, eu sei do que estou falando.
A garota de fita no cabelo riu e me seguiu. Por um momento, voei tão rápido que ela precisou correr para me alcançar. Parei em frente à porta do banheiro e, graças aos deuses do raciocínio, ela entendeu por conta própria que deveria entrar. Entrei logo atrás dela e me escondi perto da lixeira.
— Celina? Por que você está chorando? O que aconteceu?
— A diretora Matilda conversou comigo...
— E qual era o assunto?
— A adoção das minhas irmãs.
— Espera... apenas a das suas irmãs? Mas e você?
— Ela disse que pode conseguir um lar para elas, mas não para mim...
Laurela entrou no banheiro de repente.
— Ah, desculpa... Eu não queria interromper...
— Tudo bem, nós já estávamos de saída — falou Magnólia, séria, esticando a mão para ajudar Celina a se levantar. — Vem, vamos conversar no quarto. Não tem ninguém lá, as meninas estão todas no pátio.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro