Ellen não estava em casa quando cheguei, minhas mãos tremendo ao ponto de eu levar o triplo do tempo normal para abrir a porta. Arrisquei um olhar rápido para o corredor antes de fechar e trancar a porta.

Observei atenta o interior da sala, procurando algo anormal. Quando vi que estava segura corri para a janela, observando o movimento na rua, tudo estava calmo na medida normal.

Nada de homem de olhos negros, nada de casal estranho.

Me deixo surtar por alguns minutos antes de ir tomar um banho gelado para esfriar a cabeça e pensar no próximo passo a fazer.

Fazer uma denúncia na polícia está fora de cogitação, como explicar que fui salva por um cara que solta fogo pela mão e uma garota que congela pessoas? Eles vão me taxar de louca, ainda mais se eu falar que o cara que quase me violentou tinha olhos negros.

Ellen também não vai acreditar nisso. Não sobre quase ter sido violentada, só Deus sabe como esse bairro é perigoso, mas sobre esse casal? Ela vai me internar num manicômio sem chance de saída.

Sinto vontade de quebrar algo quando percebo que não sei o que fazer, e pior, que eu não consegui reagir ou pensar com calma naquela situação e me salvar. Talvez eu devesse tentar aquelas aulas de autodefesa de novo, e de verdade dessa vez.

— Farina, 'tô em casa.

Minha companheira de quarto chega uma hora depois, quando eu já estou enterrada nas cobertas e levemente amedrontada por ter ouvido barulhos na porta. Deveria saber que era ela.

Por Deus, onde estava minha coragem?

Eu deveria ter me levantado e pegado algo para me defender, não? Esse era o procedimento. Ainda sim, eu corri para debaixo das cobertas como uma criança medrosa.

Não consigo me levantar e ir até ela, pois Ellen entra no quarto antes com um cupcake de cobertura azul e uma vela acesa no topo, ela canta o famoso parabéns e então me pede para assoprar a vela e fazer um pedido.

— Se esse for o meu bolo, sinto em dizer que não vai ter pedaço para você.

A mulher revira os olhos me mandando calar a boca, estou sorrindo quando apago a vela num sopro. Ellen se senta ao meu lado na cama.

— O que pediu?

Olho para ela com deboche, e ela ri mordendo um pedaço do meu bolinho.

— Ei! Agora que eu não te conto mesmo.

Ellen dá de ombros, pegando o resto do meu bolinho e comendo enquanto se levanta.

— Vem, vamos sair para comemorar.

Resisto a vontade de revirar os olhos para ela, sabendo que ela pode muito bem arrancar eles fora com suas unhas pintadas de preto. Volto a me deitar na cama resmungando.

— É segunda, Ellen. Não vou sair para beber quando amanhã eu trabalho.

— Hoje é seu aniversário, nós vamos comemorar sim.

Não preciso levantar os olhos para saber que ela bate o pé no chão de modo mimado, ou que cogita puxar a coberta para longe de mim como fez pela manhã. Me assusto ao sentir seu peso em cima de mim após ela se jogar na minha cama.

— Você está me esmagando.

Estou rindo quando falo isso e ela me olha como se estivesse ofendida, mas continua em cima de mim.

— Diga que vamos sair para comemorar seu aniversário.

— Tudo bem, mas nada de bebida alcoólica e vamos ficar juntas a noite toda. E voltar juntas.

Sei que resistir é perca de tempo, El não vai sair do meu pé enquanto eu não aceitar e não é como se eu fosse conseguir dormir quando ainda consigo ver aqueles olhos em cima de mim.

Eu só preciso ter cuidado e ficar atenta durante o tempo fora.

Ellen sai toda animada dizendo que vamos há uma festa na casa de um amigo dela. Volto para debaixo da coberta prevendo meu sofrimento.