Capítulo 9
Capítulo 9, relatos.
Estávamos sentados em uma pedra na margem do riacho. Ele muito vermelho escondia alguma coisa — retirada de dentro do buraco de uma árvore, por sinal — atrás de si.
— São para você.
Finalmente, decidiu mostrar. Era um pequeno buquê feito todo em um único tipo de flor rosada intercalada com uma ou duas pétalas amarelas cheias de finos riscos laranjas.
— Que lindas! — disse maravilhada enquanto pegava o meu presente nas mãos.
— São alstroemérias.
— Que nome complicado... — comentei sem entender o que ele disse.
— Meu papai disse que só podemos ter tantas variedades de flores assim porque elas são alteradas geneticamente. Eu não sei o que é isso, mas deve ser algo muito bom.
— Deve ser sim. Muito obrigada! — disse beijando a bochecha do meu amigo.
Segurei sua mão, como sempre fazíamos ao andar na floresta. Aquilo era muito mais do que apenas duas mãos dadas, era a promessa de que cada um iria proteger o outro contra os monstros.
"'— Você promete de mindinho que nunca, nunquinha, vai soltar a minha mão?
Ele se concentrou bem no fundo dos meus olhos, soltou minha mão e cruzou o seu mindinho no meu.
— Eu prometo. Palavra do capitão Andrew para a princesa Alice — disse abrindo um sorriso e segurando-a apertado novamente.'
Prometo, eu prometo, capitão Andrew?!... Andrew! ANDREW!
— Ela acordou, senhor — anunciou uma moça com a voz calma a alguém que não direcionei o olhar. — Você está bem? — perguntou a mim.
Concordei com a cabeça instintivamente.
Eu estava sentada em uma poltrona de couro marrom-escuro. Jack na ao lado, igual a minha, ainda adormecido, e Ann deitada em um pequeno sofá de veludo que tinha no canto direito daquele cômodo. Todos estavam ali entre os três garotos, que nos encontraram na entrada, e três moças com roupas brancas — uma delas era a na minha frente.
— Que lugar é esse? — perguntei a ela.
— Você está... — começou.
— Saiam todos, exceto os dois — ordenou um homem, que até então eu não tinha percebido a presença, apontando a Axel e Aubrey.
Eles obedeceram e ficaram de pé ao canto da mesa dele. Ficaram apenas Ann e Jack — que era como se não estivessem presentes —, eu e eles.
Ao saírem, percebi que estávamos em um escritório e na lateral direita da sala haviam três cadeiras enfileiradas com uma mesinha cheia de materiais de enfermagem.
O homem gorducho e de cabelos intercalados entre mechas grisalhas e pretas direcionou-se a mim.
— Sente-se aqui — disse apontando com a cabeça à cadeira a frente de sua mesa toda trabalhada em madeira bruta e camurça vermelho-bordô, como boa parte da mobília do ambiente.
Mesmo com um pouco de receio, obedeci. Era o mais sensato a ser feito. Meu corpo estava pesado e fraco, então tentei me levantar forçando meus braços contra o assento. Uma pontada de dor na mão esquerda me fez cair novamente sentada e sem querer deixei um pequeno grunhido de dor escapar.
— Cuidado com os pontos — repreendeu-me.
Observei minha mão, nela havia uns três a quatro pontos — não lembrava disso. Levantei pelo o outro braço e fui até a mesa dele.
— Sente-se — repetiu ao ver que eu estava imóvel em frente à cadeira.
Sentei com cuidado sentindo estar nos meus direitos perguntar sobre o que tinha acontecido com a minha mão.
— Me machuquei?
— Não. Isso foi para retirar o seu microchip.
Esses "microchips" eram colocados em nós quando formávamos dez anos, servindo desde identidade a localizador, caso necessitassem.
Era esse o motivo? Agora eu de fato devia ficar com medo? Por que não iriam querer que nos achassem?
— Havia a necessidade? — perguntei, tentando achar a melhor forma de falar sobre. Ele deu um leve sorriso.
— Curiosa demais, como sempre — comentou.
Como sempre? Ele me conhece desde quando?
— Prazer, sou Garrett Moore — se apresentou.
Falei nada. Se era curiosa, "como sempre", não precisaria de apresentação.
Ele me observou e ignorou.
— Então, gostaria de me dizer sobre o Andrew que tanto chama? — perguntou, escorando-se sobre os cotovelos a mesa.
Gritei enquanto dormia? Por que ele queria saber? Será que conhecia o Andrew?
— Você sabe sobre ele? — perguntei curiosa.
— O que interessa aqui não é o que eu sei sobre ele, mas o que você sabe.
Não sabia o que falar sobre Andrew, porque não tinha o que dizer, então contei apenas o que eu achava saber.
— Eu não sei explicar direito, mas ando sonhando com uma criança. Ele é loiro, tem sardas e olhos verdes. Também não sei o porquê, mas para mim ele não parece ser uma pessoa qualquer. Sinto que o conheço — organizei a minha mente. — E ele me chama por Alice, ninguém nunca tinha me chamado assim... — até alguns minutos atrás. — E... ele quem é Andrew.
Garrett ficou sério com seus olhos fixos aos meus.
— Você acredita que ele possa existir?
— Seria patético eu levar tão a sério um sonho.
— Por que tenho a impressão então de que está sendo patética?
Cerrei os dentes.
— Você imagina quem seja esse Andrew?
Devia falar o que achava? Não confiava nele.
— Não minta.
— Por que tanto interesse assim?
— Estou tentando te ajudar — reprimiu.
"Contribui!", pedi em minha mente.
— E-Eu acho... — respirei fundo. — Axel.
Seu semblante se transformou e eu pude sentir a raiva subindo a sua cabeça. O que eu tinha feito?
— Eu sabia que não deveria ter deixado você ir! — explodiu, virando-se a Axel.
— Ele não fez nada! Eu dou a minha palavra — disse Aubrey rapidamente.
Axel estava mudo, olhando-me atordoado.
— Melhor ficar calada se não quiser perder o pouco de consideração que ainda tenho por você e esse traste — gritou Garrett.
Como ele se achava no direito de chamar Axel assim?
— Mas... — começou Aubrey, desistindo logo em seguida. — Eu fiz o meu papel da melhor forma que pude.
— O seu problema Aubrey foi sempre estar um passo atrás da perfeição. E não são esses que merecem a minha atenção e proteção, então honre.
Aubrey não parecia ser do tipo que aguentaria aquilo tudo calada, e não era. Mas era esperta e sabia seus limites, diferente de outras pessoas...
— Você não fala assim da minha irmã — avançou Axel com os olhos arregalados e furiosos. — Se encostar um dedo nela ou julgá-la uma desonra, eu acabo com você.
— Eu posso acabar com a sua vida.
— VOCÊ JÁ ACABOU! Mas pelo jeito nem isso soube fazer direito — e completou em tom mais baixo como quem ainda tentasse se convencer do que dizia. — Ela se lembra de mim.
Nunca que imaginaria ver Axel daquela forma e com certeza não era a única. Os músculos do seu maxilar e braços se sobressaltavam, ele emanava ódio.
— Ela se lembra de mim! — repetiu alto.
Garret se fechou.
— E a verdade é que você não tem como impedir, diferentemente de como se julga capaz. Eu posso tentar me afastar dela, mas não depende só de mim. E o mais engraçado, até você no fundo sabe disso.
Tanto seu rosto quanto olhar ficaram de um vermelho vivo, mas em nenhum momento ele chorou.
— Você não me conhece como acha — grunhiu Garrett.
Nunca temi tanto alguém como agora vendo o modo tenebroso que se dirigia a Axel.
— Será o que veremos — retrucou.
— Guardas! — berrou ao ponto de me estremecer.
Dois homens de roupas pretas adentraram. Ambos estavam na casa dos dois metros de altura, ombros largos e rostos praticamente inexpressivos.
— Levem-no — ordenou.
— Não. Como assim? Podemos conversar, Moore — disse Aubrey desesperada.
Ela estava começando a soltar súplicas.
Levá-lo para onde? O que iriam fazer? Por quê?
Eles seguraram seus braços e o arrastaram. Apesar de Axel estar em condições físicas admiráveis, não relutou em nenhum instante. Apenas gritava revoltado:
— Vai fazer o que dessa vez?
Queria que ele fizesse algo para impedir. Por que nem tentava? Ele devia fazer... Eu implorava internamente por isso.
— Vai apagar a mente dela novamente? — questionou antes que ultrapassasse a porta.
— Como assim apagar a minha mente? — perguntei revoltada.
— Conta a ela, Moore. Mande que ela faça o mesmo que me fez fazer.
Ele se empurrava para frente como se só desejasse mais tempo para atacá-lo.
— Cale a sua droga de boca!
— Por que não me mata logo? Acho que só assim vai conseguir o que quer.
Matar?
Os guardas o puxaram com o dobro da força anterior, dando um solavanco no corpo dele. Sei que o ato doeu, pois seus olhos se fecharam momentaneamente.
— NÃO! — gritei tão alto que não acreditava que aquilo tinha saído de minha boca.
Não sabia o que fazia ou porque fazia, mas a ideia de algo acontecer com ele por minha culpa me deu uma sensação horrível.
— Não o levem!
Minha ordem foi tão desprezível que previa nem ter sido solta, surtiu efeito algum. Corri atrás de Axel. Não queria saber o que poderia acontecer comigo, mas nada aconteceria com ele.
— Volte aqui. AGORA! — ouvi Garrett, berrando revoltado.
Virei-me para olhar na sua cara.
— Vai se catar! — mandei, mostrando o dedo médio para ele.
E eles já tinham o virado pelo corredor. Peguei um castiçal sobre uma pequena mobília ao meu lado, sem saber direito como poderia me defender com o objeto, porém era melhor que nada.
— Axel! AXEL!
Não obtive resposta. Porém, fui capaz de encontrá-los perto de uma escada à direita logo ao final daquele corredor. Movida apenas pela adrenalina do momento, meti o castiçal nas costas do guarda ao meu alcance com toda a força que consegui. O homem grunhiu, mas continuou inabalável... Tirando o fato de que agora tinha se virado para me encarar com a capacidade de acabar comigo sem pensar duas vezes. Recuei amedrontada e ele prosseguiria, se não tivessem intervindo.
— Não se aproxime dela — ordenou Garrett.
O guarda desviou o olhar na direção do seu chefe, voltou-se novamente a mim e depois a ele. Meus olhos que até então continuavam presos a qualquer gesto dele, passaram a Axel ao perceber que ele tinha se aproveitada da situação para golpear a barriga do outro. Só que, no final das contas, o guarda contornou a situação e Axel terminou preso em uma gravata.
E eu não saberia dizer o que aconteceu depois, pois o tempo que me distraí olhando para ele foi o suficiente para as mãos firmes de Moore me agarrar e tampar minha boca e nariz com um pedaço de tecido branco.
Depois disso, só escuridão. Uma longa e quase interminável escuridão.
...
Anne.
Desculpas pela falta de detalhes, mas essas lembranças não passam de meros borrões. Ainda fico admirada por conseguir lembrar as maiores partes depois de tê-las deletadas da mente, mesmo com tanto esforço para recuperar.
Normalmente, nossas lembranças são coisas que guardamos sem a preocupação de poder perdê-las, mas o que mais fizeram comigo foi roubá-las. Um dos meus maiores medos se tornou esquecer os melhores momentos da minha vida. Eu queria agarrá-los só para mim — como deveria ser —, mas minhas memórias não pareciam ser só minhas.
Eu tenho dezoito anos e lembro quase nada da minha infância e bom período da adolescência. Às vezes sinto que nasci há apenas alguns meses.
Não garanto ser detalhista a partir de agora ou dar-lhe descrições minuciosas, afinal continuam a ser memórias. Porém essas não se comparam as outras, eu as vejo vivas dentro da minha mente e quando fecho os olhos sinto que posso revivê-las, ter tudo aquilo de novo.
Quanto a essa semana que passou... ela pareceu se arrastar, nunca demorou tanto. Ruby, finalmente, parou de perguntar por Ann e Axel e está me dando mais tempo para escrever. Dei um jeitinho na casa e agora ela parece um pouco menos com um ambiente abandonado, mas só um pouco mesmo.
Obs.: Descobri que tem uma muda de alstroemérias no quintal. Por um momento pensei em cortá-la, mas aquelas flores nojentas foram mais fortes do que eu. Agora me tornei sua escrava jardineira.
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