Capítulo 6
Capítulo 6, relatos.
Trinta minutos depois, tínhamos chegado a uma cidadezinha de belas casas, apesar de não serem assim quando tão perto da costa. A última casa antes do fim de uma ruela daquela pequena cidade foi a em que paramos.
Iriamos fazer uma pausa? Ou aquilo era o que chamavam de Refúgio? Se fosse, nada mal. A casa parecia ser agradável.
— Chegamos? — perguntei em voz baixa a Jack.
— Não sei. Mas suspeito que não — respondeu, analisando-a contra a janela.
Descemos do carro.
— Não preciso da sua ajuda, nunca precisei. Por que acha que preciso agora? — perguntou Aubrey a Axel, que tinha ido até o outro carro ajudar com as mochilas.
— Okay, perdão. Eu não estava bem — a expressão de Aubrey não mudou e a voz dele soou meio triste. — Além do mais... você está certa.
OI?!
Aquilo pareceu ser o que ela precisava ouvir, pois começou a demonstrar ter piedade por ele.
— Diga uma novidade, eu sempre estou — revirou os olhos.
Ele abriu um sorriso contagiante.
— Eu te amo muito, sério — e a abraçou. — Mais do que consegue imaginar, minha tapadinha.
Depois disso, que fique como um fato universal: Nunca duvidastes da capacidade de alguém ser um completo idiota, a idiotice sempre se superará (e sua abrangência ultrapassa o ser humano).
— Tudo bem, agora pode me largar — resmungou. — Suponha que eu também te ame. E já que se ofereceu, pode carregar a mochila.
Axel tinha começado a fazer cócegas e, pelo jeito, ela não gostava, mesmo assim ele obedeceu e fez o que ela pediu.
Devia parar de me indignar com seus atos, julgar alguém tão problemático assim chegaria a ser pecado. Eu pensava tê-lo visto me olhando pelo espelho do quebra-sol umas duas vezes durante a viagem. Desconfiei ter sido só impressão minha, tanto que ele desviou o olhar nas duas vezes, mas agora não conseguia pensar diferente. Ele era a versão literal de alguém "cego de amor".
Esperei eles saírem de perto do porta-malas para pegar a minha.
— Estúpida, né? — comentou Jack atrás de mim.
— Desculpas... — não imaginei que ele estivesse prestando atenção neles também.
— A Aubrey, os dois. Sabe, ela me parece o tipo de pessoa que me levaria a preferir ficar impotente a ter de aturar.
Tentei disfarçar o meu contentamento, então apenas continuei em silêncio.
— Quer ajudar com a mochila? — completou, se oferecendo.
— Não precisa, está leve.
— Ainda bem que negou, só queria ser simpático mesmo — e saiu, sorrindo.
Cada um tem o que merece, certo? Esse devia ser o meu. Dei um leve soco em seu ombro e fomos em direção à porta da casa.
Hilary e Ashley fizeram questão de ser as que tocariam a campainha — mais duas ótimas pessoas para estudos psíquicos. Depois delas tocarem duas vezes, finalmente, abriram.
— Bom dia, sejam bem-vindos ao lar dos Campbells! — disse uma menina.
Ela tinha cabelos negros ondulados, sobrancelhas expressivas e olhos pretos e grandes contrastando com a tez pálida.
— E não precisam tirar os sapatos — completou uma ainda mais nova que a anterior, saindo por detrás da primeira.
Esta tinha cabelos cacheados loiros como fios de ouros e olhinhos tímidos azulados.
— Bom dia, lindinhas — disse Ashley, aproximando-se. — Quais os nomes de vocês?
— Sou Ann — respondeu a maior.
— E eu sou Ruby — disse a menor em um sussurro.
— Entrem! — pediu Ann na medida em que também chegamos mais perto.
Acompanhei Jack, que foi adentrando sem hesitar. Não estava bem no meio de tanta gente nova, me sentia deslocada, fazendo com que grudasse no mais familiar. No caso, ele.
— Oh, já chegaram? — disse um homem surpreso e estendendo a mão. — Prazer em conhecê-los, sou Wilburn.
Wilburn era alto, gorducho e careca. Além de ter uma vasta, ruiva e aparada barba acompanhando os olhos pequenos e castanhos.
— Prazer, Jack! — exclamou, apertando a mão calosa dele.
Então pousou o olhar sobre mim, esperando que fizesse o mesmo.
— Anne — informei.
— Mas que garota linda! — foi minha vez de receber o cumprimento, era forte por demais.
Fiquei envergonhada, mesmo podendo afirmar que ele tinha dito isso por não ter visto as outras ainda.
— Nem tanto assim — brincou Jack.
Wilburn deu uma gargalhada alta.
— Namorados? — perguntou a ele.
— Oh, não. Ela quer, mas eu não quero. Muito ciumenta, entende? Aí não rola.
— O quê? — soltei assustada.
— Ah, entendo. Não está a fim de assumir um compromisso no momento, não é? Eu sei como é isso. Clarabelle era extremamente ciumenta comigo no início também, é normal!
— Não, não é nada disso — tentei corrigir.
— É exatamente isso! Disse tudo — disse Jack rapidamente.
— Como?
Mas Wilburn ignorou qualquer reação minha, demonstrando-se completamente compreensivo com ele.
— Pois, rapaz, depois você vai até sentir saudades dessa época — disse, pondo a mão no ombro dele.
— Compreendo, senhor.
— E você seja muito bem-vindo! Como se chama? — perguntou Wilburn, direcionando-se repentinamente a alguém atrás de mim.
Axel estava abaixado conversando com Ruby.
— Prazer, sou Axel — respondeu, sorrindo.
— Vejo que já está fazendo uma amiguinha — referiu-se a Ruby.
— Ele falou que vai me ensinar a desenhar um eléfolo, papai! — informou muito animada. — Ou até mesmo um unicórnio.
— Verdade?
— Sim! Posso desenhar com ele na sala? Por favor — pediu.
"Eléfolo?" cochichou Jack para mim.
"Deve ser de algum desenho," disse em resposta.
Ruby quase fazia um biquinho em demonstração de súplica, Wilburn cedeu.
— Claro, mas arrumem depois, hem.
— Pode deixar! — e saiu saltitante, puxando Axel pelo braço.
— Difícil ela se abrir assim com alguém de primeira. É tão tímida de início — Wilburn comentou baixo, assistindo os dois se afastarem.
Logo depois se voltou novamente para falar com outra pessoa.
— Oh, meu Deus! — exclamou repentinamente uma mulher surpresa, segurando uma bandeja com um peru, que tinha acabado de sair do forno, ao surgir na sala.
Assustei-me com ela.
— Vocês chegaram. Eu nem botei o outro para assar ainda.
— Quer ajuda? — ofereci.
— Não precisa, senhorita.
Era um tratamento esquisito, mas sútil.
— Não sou boa na cozinha, mas posso ir botando a mesa se quiser.
— Tudo bem então, aceito — cedeu ao ver o resto das pessoas chegando. — Deixei tudo separado ali — e apontou com a cabeça a uma mesinha de ferro e tampo de vidro.
— E eu posso tentar ajudá-la a ajudar — disse Jack a mim.
[...]
Eles tinham uma mesa gigantesca de madeira com lugar para até dezoito pessoas. Eu não tinha entendido o porquê de uma mesa tão grande. Mas, por mais incrível que pareça, naquele dia só ficaram com uma cadeira fazia.
Os Campbells eram compostos por exatos cinco filhos! Max, um garoto de quatorze, o qual nos últimos dez minutos tinha quebrado dois copos e um vaso de plantas com sua bola de basquete; Chloe e Faye, duas garotas de dezesseis, estas ficaram eufóricas ao ver o tanto de testosterona na sala de estar; e Ann e Ruby, uma de oito e outra de quase quatro anos, respectivamente.
Todos eles eram filhos biológicos?
Não, Ann e Ruby eram as únicas filhas de sangue. E uma descoberta importantíssima, que fiz nestas últimas vinte e quatro horas, era a da adoção de crianças ser muito mais comum entre eles. De certo modo, era admirável, mas eu ainda não me sentia capaz de dizer um "Eu te perdoo!" a Caleb.
Vendo Wilburn afagar a cabeça de Max e dizer baixinho que apostava cinco dólares que ele não conseguiria quebrar um pequeno enfeite de porcelana sem ficar duas semanas no mínimo de castigo, me fazia recordar a infância com os meus pais, adotivos ou não. Tentava acreditar que em algum momento, uma imagem bem remota dos meus verdadeiros pai e mãe viria na minha cabeça, mas nada. Absolutamente nada. Apenas Jasmine e Caleb. Na verdade, a dor era muito mais por eles terem me escondido do que não serem meus progenitores.
Como fiquei sabendo sobre eles, os filhos de Clarabelle?
Clarabelle fez questão de contar sua vida quase por completo enquanto terminava de preparar o almoço. Almoço este composto por quatro gorduchos perus, uns bons quilos de arroz à piamontese, salada Caesar, litros de limonada preparados ainda no dia anterior e como opcional pães de milho.
Ah, e uma pequena observação: ela me proibiu de comer. Estava permitida apenas a beber água gelada ou, se preferisse, podia tomá-la em temperatura ambiente.
Pensei que o objetivo era me deixar morrer por inanição, mas não. Clarabelle era enfermeira e colocou-me para tomar soro na veia naquela tarde. Depois injetou uma coisa, a qual eu não tinha noção do que era, mas que me fez ficar bem melhor na hora. Tentei saber o nome do líquido milagroso, porém ela apenas riu e não respondeu. Fiquei receosa, mas ela me passava confiança.
Estava destinada a apenas consumir umas vitaminas, que ela tinha preparado com muito cuidado para fazer o gosto ser agradável. Avisou que tinha deixado um kit de primeiros socorros com o "líquido misterioso", para caso eu passasse mal novamente, com alguém. E também não me disse quem.
Iriamos sair pela manhã. Sentia que o caminho ainda era longo até o lugar, aquilo teria sido só uma parte. Clarabelle avisou não ter encontrado sacos de dormir em nenhuma das lojas por ali e como não tinha tempo para ir até alguma outra cidade teve de comprar quatro colchonetes de solteiro, por sinal eram as únicas coisas similares que tinham a venda. O que me levava a dois pensamentos: demoraríamos mais de um dia para chegar em nosso destino e ainda teria gente tendo de dividir um colchonete de solteiro.
Ainda por cima fomos obrigados a esvaziar nossas mochilas ao máximo, pois além de nossas roupas e objetos pessoais teríamos que levar conosco os "objetos INDISPENSÁVEIS" — deixaram bem claro. Estes eram: uma lanterna, uma faca — exatamente isso! Uma faca! A não ser que você fosse Aubrey ou Mason, neste caso era uma arma de fogo — e fósforos — levando-me a pensar que estávamos saindo em uma missão de desbravamento. Conclusão: Tive de retirar as minhas roupas pela metade para por as de Jack. Ele se responsabilizou por levar as minhas várias garrafas de vitamina, então teria de levar seus utensílios.
Ah, e claro, as instruções básicas! Como por exemplo, ao se perder, pegue sua lanterna, aponte para o céu e repita a seguinte sequência: "Três piscadas rápidas, três devagar e três rápidas". Era a forma de se representar "S.O.S." por código Morse.
E, particularmente, podia dizer que todos aqueles cuidados eram direcionados em especial a mim e Jack. Éramos, aparentemente, os mais preocupantes do grupo. Olha, que neste mesmo grupo tinha duas garotas tapadas e duas crianças!
Sim, duas crianças. Ninguém sabia, descobrimos após o almoço. Ann e Ruby iriam com a gente a pedido de Clarabelle e Wilburn. Caleb e Edwin disseram que aceitariam em retribuição a tudo o que eles estavam fazendo pela gente, pelas pessoas incríveis que eram e porque qualquer "Sarlen" era digno de ir ao Refúgio.
Eu não conseguia entender como algum pai pedia para adolescentes, até então nunca vistos antes, levarem seus filhos, com menos de dez anos de idade, para uma completa incógnita — esse lugar era isso para mim. Mas não me intrometi no assunto, eles deviam saber o que estavam fazendo. Além do mais, eles tinham muito forte esse negócio de confiar "em quem também era um deles". E quanto mais o tempo passava, era mais claro que esse povo não era nem um pouco normal.
O que era ser um Sarlen?
Pelo o que entendi, ser um Sarlen era ser "um de nós". Ser pertencente aquilo dito por Caleb como "ser evoluído".
E falando de Caleb, ele veio conversar comigo naquela noite, depois de contarem tudo o que precisávamos saber. Eu assistia Axel desenhando com Ruby sozinha na sala — Jack estava jogando com os outros garotos no quintal —, quando ele chegou e se sentou na poltrona ao lado da minha.
— Filha, eu sei que está com raiva de mim e me pede por explicações que sou proibido de te dar — começou em um tom fraquíssimo para o antigo Caleb.
Proibido por quem? Ainda iria mentir mais?
Dessa vez eu não estava com raiva, apenas triste.
— Se você não pode me dar, quem pode? Jasmine? Que também mentiu para mim.
Seus lábios se contraíram.
— Você não acha que isso seria o básico a me dar depois de todo esse tempo e de tudo que está me pedindo para fazer? — eu comecei a chorar novamente. — Eu acordei ontem de manhã com uma família, um lar e amigos. E agora, o que eu tenho? Um bando de gente que nem se dar o trabalho de me dar um "Oi"? Claro, tirando duas das garotas e Jack.
Ele pareceu que iria falar, mas ataquei antes.
— Que por sinal é a única coisa que ainda está prestando nisso tudo, então você não venha culpá-lo por nada! Ele fez o que você deveria ter feito há muito tempo. E quando eu estava mal no carro de Edwin ou desmaiada no sofá da sala foi ele quem estava comigo. Não o culpe pelos seus erros!
Eu desabei a chorar com o rosto escorado nas mãos, apesar de ter tentado impor uma voz mais autoritária. Ele não soube o que fazer ou o que falar.
— Perdão, minha filhinha. Um dia você vai me entender. Eu e sua mãe a amamos muito, apesar de tudo.
Ele tentou acariciar minha cabeça, mas afastei-a.
— Diga-me por quanto tempo essa viagem vai durar — pedi por final.
— É por tempo indeterminado.
Era para sempre por acaso?
— Sai! Eu quero ficar sozinha. Por... por favor — engasguei.
Ele não tentou dizer mais nada e fez o que pedi, mas não antes de se despedir com um:
— Espero poder te ver de novo.
No momento, estava tão atordoada que não percebi a resposta que havia me dado. Eu não assimilava por que diabos ele não me dava uma explicação se quer! Eu não pedia por muito! Um "eu não queria te magoar", bastaria. Não era capaz de suportar e dizer que entendia por quê ele estava fazendo isso comigo...
— Com licença — disse uma vozinha, segurando a minha mão.
Levantei o rosto para olhar, mesmo sem querer. Era Ruby.
— Está tudo bem com você? — perguntou, olhando-me com piedade.
Queria mentir, mas não era capaz. Até uma criança de três anos perceberia.
— Não. Infelizmente, não.
— Você brigou com o seu papai?
— Sim, foi uma briga muito feia.
— Vocês estão sem se falar?
— No momento... sim.
Reparei em seus olhinhos lacrimejantes.
— Meu Deus, não chore! Os filhos sempre brigam com os pais. É natural.
— Então depois vocês vão voltar a se falar?
Boa pergunta.
— Mas é claro que sim — exagerei.
Ela ficou me olhando com seus olhos ainda brilhando d'água, enxuguei os meus.
— Você quer desenhar com a gente? Estou desenhando um unicórnio — disse depois de um tempo.
Mas eles não estavam fazendo isso horas atrás?
Ela tinha acabado de arrancar um sorriso de mim, que imaginava não ter ninguém capaz de tal ato.
— Desculpas, mas sou péssima desenhando unicórnios.
Ruby não soube o que argumentar.
— Por favor! — pediu uma voz ao fundo.
Olhei na direção.
— Pode desenhar o que quiser — e Axel abriu um sorriso, escorando o peso sobre as pernas cruzadas.
Pela primeira vez eu tive aquele sorriso para mim, tinha vindo em boa hora. No entanto, mesmo assim, não pretendia aceitar o convite.
— Mas... — comecei.
— E eu te empresto o meu lápis rosa favorito! — completou Ruby, aparentando ter ficado até agora pensando em o que poderia me convencer.
Olhando para ela, seria um crime negar.
— Tudo bem, vocês venceram. Mas, deixo claro, só aceitarei por causa do lápis rosa.
Ela abriu um sorriso gostoso e me puxou para perto de onde estavam.
— Sente-se aqui — pediu.
Sentei-me ao chão no meio de várias folhas rabiscadas com borboletas, flores, bonequinhos de palito e lápis de cores de todas as tonalidades imagináveis. Mas, obviamente, nenhuma daquelas cores eram tão bonitas quanto a do lápis rosa de Ruby! Ela fez questão de que eu usasse apenas o seu lápis favorito. Então fiz dezenas de flores monocromáticas, variando a força que botava no lápis.
— Qual ficou mais bonito? — perguntou Ruby, mostrando seu unicórnio caolho e apontando para o desenho de Axel, que ainda dedicava toda sua atenção a pintar a pata traseira do animal.
Só que o desenho de Axel não era de um simples unicórnio, era o unicórnio. Com todos os detalhes, dimensões, contornos e sombras. Eu era considerada como uma boa desenhista, mas aquilo deixava qualquer um dos meus desenhos um tanto patéticos.
— Nossa, com certeza o seu Ruby — menti. — O dele está meio esquisito.
Ela observou o desenho de Axel e disse:
— Concordo.
Axel voltou-se novamente a gente.
— Acho que está na hora de você ir dormir. Sua mãe pediu para que subisse às nove, já se passaram vinte minutos.
— Eita... tenho que subir! — exclamou, levantando-se e segurando sua boneca de pano.
— Vai logo! — ele a apressou. — Eu arrumo.
— Comportem-se — disse por final, antes de obdecê-lo e sair correndo.
Axel organizou alguns dos papéis espalhados por toda a volta deles enquanto eu continuava a pensar no que ele tinha acabado de dizer.
Nove e vinte? Cinco minutos atrás eram quinze para as nove, eu tinha conferido. Ele estava mentindo.
— Gostei do que está fazendo — comentou ao puxar uma folha desenhada com uma princesa de cabelos azuis sobre um elefante com orelhas de asas de borboleta perto do meu.
Fiquei surpresa, no entanto ainda estava intrigada.
— Ah... obrigada. O seu também está nada mal.
— Tentei não ficar tão atrás — brincou. — Posso guardar? Ou ainda vai fazer mais algumas... — ele analisou o meu desenho. — Flores aleatórias?
Ele tinha um sorrisinho no rosto, o que não me deixava saber se estava debochando ou apenas sendo legal.
— Não — passei o olhar pelo meu trabalho. — Não são flores aleatórias, é um campo florido.
Nitidamente era um campo florido para mim, mas ele franziu as sobrancelhas.
— Tirando o fato de que tem nada abaixo das flores e elas terem proporções diferentes, até poderia ser.
Fixei o olhar.
— Está querendo me menosprezar? — disse, impondo certa seriedade. — Saiba que seu unicórnio está com uma orelha menor do que a outra.
— Então... — ele pareceu sem jeito de falar. — Essa era a intenção.
E pude perceber que o animal estava com a cabeça levemente inclinada. Sendo assim, a orelha mais ao fundo seria de fato menor.
Como poderia ter sido tão burra?
Ele demonstrava conter uma crise de risos, mas continuou a guardar os lápis dentro do estojo.
— Se você tivesse desenhado melhor, eu perceberia de primeira — disse sem conseguir disfarçar.
Ele começou a rir de vez. Parecido o tipo de discussão que duas crianças de cinco anos teriam, mas mesmo assim não consegui relevar. Axel era irritante.
— Poderia parar de rir? — perguntei um pouco estressada. — Admito ter errado. É isso?
Ele voltou a olhar para mim.
— Não estou rindo do seu erro. É que suas bochechas estão... — baixou o foco pelo meu rosto. — coradas.
Uma onda de calor subiu pelo meu corpo. Seu comentário deveria tê-las feito ficarem ainda mais vermelhas.
— Atrapalho a brincadeirinha? — perguntou alguém repreensível, surgindo do nada.
— Não. Apenas inconveniente como sempre, nada demais — respondeu Axel a Aubrey, levantando-se do chão.
Fiz o mesmo.
— Eu já estava me retirando — disse.
Axel estendeu a mão, entreguei o lápis rosa e o meu desenho.
— Com licença, vou guardar essa papelada aqui.
Mas antes de se retirar, completou:
— Talvez eu guarde o seu para mim, uma obra dessas não se vê todos os dias.
A esse ponto poderia dizer que ele estava me zoando, mas senti um fundo de sinceridade.
— Tenha uma boa noite — e saiu.
Aubrey me observou e depois de alguns segundos começou a falar:
— Sei que ainda nem nos apresentamos e nem vejo a necessidade disso, mas sou Aubrey. E não precisa falar nada, eu sei muito bem quem você é — ela fitou as costas dele e completou ao vê-lo tomar distância. — Faça um favor a nós duas e não se aproxima de Axel de novo.
Seu tom de superioridade me deixava louca.
— Está acontecendo nada que esteja imaginando. Nunca me aproximaria de um cara comprometido com segundas intenções e não será o seu namorado a exceção. Se é isso que quer, não vejo problema algum.
Aubrey me olhou meio desentendida, mas logo prosseguiu:
— Desculpas, se interpretei errado. E muito obrigada pela... — sorriu de canto. — compreensão.
Não havia culpa em sua voz, mas ironia.
Agora tinha certeza, se para ter distância dela precisaria evitar qualquer aproximação com Axel, isso que iria acontecer.
[...]
Notas do autor: Aubrey e Axel é um casalzão ou não, eis a questão. Eu, particularmente, acho que depende muito do ponto de vista kkk
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