Capítulo 4
Capítulo 4, relatos.
Os raios de Sol pareciam dançar entre as copas das árvores, tão altas... Desejam alcançar o céu? Tudo parecia correr em tons azulados e esverdeados, eu parecia estar correndo. O vento batia em meus cabelos, trazendo todo o frescor do lugar consigo. Era uma sensação maravilhosa.
— Alice! Alice! Espera!
Virei-me. Um menininho sorridente de cabelos loiros tentava me alcançar. Haviam algumas sardas entre os traços delicados de seu rosto e um brilho incomparável nos olhos, naqueles lindos olhos verdes. De um verde-claro diferente de todas as outras nuances ao seu redor. Apenas ri e continuei a correr junto com o eco de sua voz.
— Anne! Anne! Acorde!
Anne?!
— Por favor, acorde.
Minha visão aos poucos foi voltando, mesmo ainda estando embaralhada e a parte posterior da cabeça latejando. Muito. Levei minha mão ao local.
— Ai! — resmunguei com o toque.
— Ah, graças a Deus! Você está bem — alguém disse aliviado enquanto me abraçava bem forte.
Eu reconhecia aquele perfume. Cheiro de perfume caro e shampoo masculino.
— Jack?
— Pelo menos não perdeu a memória — disse, abrindo um sorriso.
Estava deitada no sofá da sala com uma compressa de água gelada em minha testa. Retirei-a dali e levei até o local dolorido, tentando me sentar.
— Eu estou com um galo — declarei.
— Oh, querida, você acordou — disse minha mãe desesperada.
— E dor de cabeça.
— Quer um remédio? — perguntou.
Assenti, ela saiu para apanhar.
— O que aconteceu? — perguntei a Jack.
— Gostaria de saber também. Logo em que sua mãe autorizou a minha entrada, você caiu desmaiada atrás dela — ele fez uma pausa. — Tinha acabado de vomitar.
Reparei no gosto desagradável de frango, presunto e suco gástrico misturado em minha boca. Eu nunca tinha desmaiado antes.
Observei o corredor em frente à porta e o meu pai conversava em voz baixa com Mason e o garoto de cabelos negros. Eles fizeram silêncio ao notar que os assistia.
— Filha, está se sentindo melhor? — perguntou meu pai feliz em me ver ciente.
— O que eu perdi? — quis saber, ignorando sua pergunta.
— Esses são Mason e Willian — apresentou.
— Prazer em conhecê-la — disse o último.
Mason apenas abriu um breve sorriso.
— Eles estavam comigo. Eu disse que iria te chamar, porque estavam a fim de te conhecer, e aí foi quando aconteceu — explicou Jack.
— Queriam me conhecer? — estranhei.
Ele fixou o olhar em mim.
— Acho que devo ter falado muito bem de você — brincou.
Sorri. Saber daquilo preencheu-me de uma sensação gostosa, era o prazer de conseguir a atenção de quem tanto gostaria.
— Ficamos preocupados e queríamos saber se estava melhor — disse Willian.
— Muito obrigada, estou sim — agradeci.
Não tinha palavras para descrever o meu constrangimento, nem poderia imaginar a cena de estar vomitada e desmaiada com pessoas ao meu redor. E Jack.
— Querem suco? — perguntou minha mãe a eles, entrando na sala com um copo d'água e drágea.
Jasmine estendeu os dois a mim. Botei a drágea na boca e matei metade da água em um único gole na tentativa de me livrar daquela mistura nojenta dentro dela.
— Aceitamos — respondeu Mason e voltaram a conversar com Caleb sobre algum assunto cujo eu gostaria muito de saber.
"A quem Willian se referia com a sua menção? Apenas a ele e Mason ou a todos eles?" fiquei curiosa.
— Com licença — disse a Jack.
— Vai aonde?
Levantei-me em silêncio ainda sentindo um pouco de tonteira, fui até a janela de frente da sala e afastei a cortina cinza-chumbo com a mão meio trêmula, parecendo estar com múltiplos espasmos musculares.
As três garotas estavam em pé e Axel sentado no meio-fio de costas para mim. Aubrey conversava com uma das duas garotas e a outra resmungava coisas a ele. A última pareceu ter me visto, sorriu abertamente e apontou com a cabeça para onde eu estava. Ele se virou em minha direção, fazendo-me perceber o alívio que tomava conta tanto dela quanto dele. Podia até afirmar ter visto um brilho naqueles olhos. Aqueles olhos verdes... os mesmos olhos do menino.
Soltei a cortina sentindo um calafrio me percorrer. Jack veio até a mim.
— Eles... eles não vão entrar? — perguntei, desejando aos céus que não.
— Não quiseram — respondeu, observando-me. — Tem certeza de que está bem?
— Sim — disse baixo, portanto precisei repetir. — Sim, estou.
Abracei-o forte, torcendo para que ele não perdesse o sentido. Em algum lugar no meu subconsciente ou em um canto desesperado do meu coração, estava apenas desejando que Jack não fosse afetado por eles e a sensação estranha que estavam provocando em mim — mesmo que fosse apenas um lampejo de um medo crescente.
— Muito obrigada mesmo — disse em um quase sussurro.
[...]
— Às oito horas? — perguntou Willian.
— Sim — assentiu meu pai.
— Até logo então — e foi embora junto de Mason.
Esperei ter certeza de que tinham saído para comentar:
— Desde quando gosta de sair com adolescentes? Pensei que fôssemos imaturos demais — impliquei.
— Precisamos conversar — anunciou, deixando o meu comentário passar despercebido.
— E eu preciso tomar um banho — rebati.
— Acho melhor eu ir me retirando então — completou Jack.
— Não, os dois ficam — ordenou.
Meu pai, em certos momentos, encarnava seu policial aposentado interno e esse era um desses momentos. Não entendemos o porquê, mas aceitamos e sentamos no sofá.
— Tudo bem, não estava querendo ir mesmo — comentou Jack. — Então, vão aonde? Tem um clube na rua A5 que vende...
— Não é nada do que esteja pensando — interrompeu Caleb.
— Podemos jogar xadrez, se preferir.
— Cale a boca.
— Não está mais aqui quem falou — disse na defensiva.
Pensei ter entendido o intuito da conversa. Seria pior ter o meu pai tentando lidar com o assunto do que se eu tomasse a frente, fui logo deixando claro.
— Pai, eu e Jack não temos nada. Ele é na dele, todo paradão, entende? — não soube como terminar, mas não achei outra forma de dizer a verdade. — Eu sou virgem.
— Verdade, Caleb — disse Jack. — Eu sou paradão... Como assim?! — e voltou para mim assustado. — Foi o que eu entendi? Pareceu querer que eu tivesse tentado alguma coisa.
— Eu não falei isso! Só comentei que você não é de tomar... iniciativas.
— Mas não foi um simples comentário, teve um tom de lamentação.
— Não teve mesmo — desdenhei.
— Já chega — disse Caleb com raiva. — E eu estou de olho em você — completou a Jack.
Ficamos quietos, devia ser mais sério do que tínhamos pensado.
— Pois bem... — entrelaçou os dedos, balançando a cabeça para escolher como seria melhor começar. — Precisam arrumar algumas bolsas de roupas para vocês. Irão com Mason, Willian, Aubrey, Axel, Ashley e Hilary para o Refúgio por alguns meses.
— Isso parece nome de boate — comentou Jack.
— Já falei para você ficar quieto.
— Está bem, chefe. Se você quer que eu vá com um bando de mulheres gatas para um lugar chamado "Refúgio", não irei recusar.
Meu pai bufou, controlei-me para não fazer o mesmo.
"Gatas". Mas é sério? Não precisava.
— Refúgio é o lugar de onde vocês vieram, de onde nós viemos.
Houve um silêncio momentâneo.
— Seu pai é sempre assim? — cochichou Jack a mim.
Não entendi. Na verdade, não estava entendo os dois.
— Assim como?
— Insano.
Meu pai começou a ficar revoltado de vez.
— Você se acha muito esperto, não é? — escorou-se sobre os cotovelos, jogando o corpo para frente. — Tudo bem, explicarei o mínimo. Não por precisar, até porque posso acabar complicando o meu serviço, mas por julgar um pouco necessário.
"Lembra das aulas de ciências no ensino fundamental sobre a evolução humana?", ajeitei-me no sofá, preparando o meu psicológico para a longa conversa. "Gostaria de avisar que você só pertence a uma parte dessa linha evolutiva."
— Entendi, está querendo dizer que eu sou uma espécie de primata. Partindo para ofensa por meio de analogias agora?
— Não, lesado. Bem pelo contrário.
Jack ficou confuso — ainda mais do que normalmente ficava.
— Da evolução do Homo Sapiens Sapiens, o homem, têm em comum apenas o Australopithecus Afarensis e os ancestrais a este. Surgiram daí duas espécies distintas de Homo Habilis, com diferenças pouco notáveis. Mas ao passar do tempo fez com que estivessem mais próximos do que eles ao que seria um futuro possível "Homo Sapiens Sapiens Sapiens", em súmula.
Ninguém falou nada esperando que continuasse.
— É... entendi o que você disse, mas aonde quer chegar? — menti a fim de que ele fosse muito mais objetivo.
— Eu entendi porcaria nenhuma mesmo — disse Jack.
— Que vocês são razoavelmente mais evoluídos do que os humanos atuais.
E novamente nada.
— Eu sei que é meio louco, até mesmo pela forma como estou tentando passar para vocês. Se eu dissesse mais, não iriam me escutar e nem poderia. Mas... aqueles garotos são uns desses, vocês são, eu e a Jasmine somos. Os seus pais também são, Jack — voltou-se por completo agora para mim. — E eles não são um pessoal abandonado que surgiu do nada, estão aqui por causa de você, filha. Esperávamos por eles.
"Acredite. Se ficar só vai piorar, não terá medicação capaz de te deixar melhor," ficou pensativo. "Anne, já começou a apresentar efeitos da intolerância."
"Intolerância a pessoas, só se for," pensei.
— Nossa, não vai dar para mim — soltei exausta e me retirando. — Nunca pensei que fosse dramatizar tanto uma... intoxicação alimentar?!
Ele se enfiou na minha frente, aquilo me deixou bem estressada. Não queria ficar ali.
— Se está pretendendo me internar em alguma clínica...
— Claro que não — avançou.
— Não vejo outro motivo para começar a contar ladainha.
— Desde quando brinco com alguma coisa desse nível? — perguntou sério.
Meu pai era uma pessoa fechada, até séria demais às vezes. Tinha trabalhado há anos em um cargo importantíssimo dentro da Mundi, o que lhe exigia uma constante seriedade. Agora, com apenas cinquenta anos, estava aposentado — como normalmente acontecia nessa área. Caleb raramente brincava, mas aceitar uma história tão sem nexo e fantasiosa era demais.
"Deve estar alcoolizado," imaginei.
— Pelo jeito, agora deu.
— Não estou pedindo para acreditar em mim, mas para me obedecer.
— Ah, claro! Vou ali pegar umas roupas e sair em excursão com destino a um lugar inexistente e de nome ridículo — ironizei.
— Eu gostei do nome — comentou Jack.
Não dei atenção.
— Eu estou falando sério — disse, voltando a se exaltar.
— Também estou. E não quero cair em nenhum centro de reabilitação, hospital...
Fechou os olhos e respirou forte demonstrando impaciência.
— Anne, você vai por bem ou por mal. Você sabe que não estou exagerando ao falar assim.
Ele nunca tinha me batido, porém eu sabia que quando ele falava desse jeito eu, realmente, não tinha escolha. Apenas aquelas palavras e o olhar bastavam.
— Então eu devo largar tudo do nada porque sou um Sapiens Sapiens evoluída e ir com meia dúzia de adolescente de conduta duvidosa para um tal de Refúgio? Certeza?
— Absoluta.
Aquela palavra me soou tão tosca que não consegui levar nem um pouco em consideração.
— Sabe que isso pode não ter passado de uma queda de pressão? Eu tenho amigos aqui, uma escola... um futuro que depende disso. O que terá a dizer? Eu vou perder um ano letivo? Isso pode arruinar o meu histórico escolar.
Eu nunca tinha parado para pensar muito sobre uma faculdade. Sobre o que cursaria, para ser mais exata. Tinha a certeza de que nenhuma profissão combinava comigo, por isso ficava apavorada quando era obrigada a falar sobre. Porém, uma coisa era certa... Independentemente do que eu vá cursar, ter um ano letivo abandonado complicará muito a minha vida.
— Eu não estou maluco, Bethany. Você não irá para o Refúgio apenas pela sua saúde.
"Sei muito bem das consequências, elas já foram medidas há muito tempo. Esse dia inevitavelmente chegaria. Consegue entender?"
Meu instinto quase me fez rebater a forma como me chamou, no entanto conhecia os meus limites. Bethany foi uma escolha do meu pai e sempre que estava incomodado com uma atitude minha, deixando claro a minha falta de escolhas — obedecer ou não desobedecer —, usava o meu nome do meio.
— Mas com certeza não está completamente lúcido — disse, ignorando-o.
— Essa não é sua vida — afirmou com convicção.
— Ainda não me convenceu.
— Não preciso.
Desisti ao ver que ele estava levando a situação a outro patamar, então senti a necessidade de me agarrar a qualquer garantia de que não estaria mentindo. Eu estava bem, me sentia bem.
— Pois me garanta que Jack definitivamente também irá.
Ele não teria como levar suas palavras mais a frente assim.
— Isso nunca foi um problema — afirmou com destreza. — E quero o seu celular.
[...]
Então estava sentada em minha cama com um choro preso a mais de vinte minutos vendo a minha mãe colocar a última peça de roupa dentro da mochila e fechá-la.
— Eu não quero ir. Não há nada que você possa fazer? Conversa com ele, é o que sempre faz.
Eu parecia apenas uma garotinha indefesa, pois no fundo era realmente assim. Ela passou a mão pelo o meu rosto e com a voz fraca soltou um sonoro:
— Não.
Eu podia ver seus olhos enchendo de lágrimas, era o que precisava para libertar as minhas. Abracei-a e chorei em seu ombro.
— Ele me disse quase nada, mamãe. E o que disse foi inútil.
— E você tentou?
Não, não queria mais escutá-lo.
— Eu nem falei nada para Katherine... Quando eu volto? Vão se preocupar comigo.
No caso, apenas Loyal e Katy iriam sentir a minha falta. Mesmo assim, não teria como a minha ausência passar completamente despercebida.
Ainda esperava que isso não fosse sério e não passasse de um momento ruim do meu pai. Não podia ser verdade, não é? Não fazia o menor sentido.
Ela me olhou e enxugou o meu rosto.
— Espero que em breve. E quanto a Katy, não diga nada para ninguém — disse, beijando a minha testa.
E nem teria mais como, tive todos os meus aparelhos eletrônicos confiscados.
— Eu te amo.
— Eu também te amo muito, filha. Nunca se esqueça disso.
Ela me abraçou novamente cochichando em meu ouvido:
— Você sempre será a minha filhota.
Assenti. Até porque, mesmo que algum dia quisesse renegá-la, Jasmine continuaria sendo a minha mãe.
— Quando vou te ver de novo?
Um pressentimento ruim tomava conta de mim ao pensar nisso. Ela me largou de vez e começou a torcer um objeto em seu anular esquerdo.
— É seu agora.
Era o anel de noivado dela. Não o verdadeiro, pois esse ela perdeu quase vinte anos atrás, mas o que Caleb, meu pai, tinha lhe dado quando nasci. Eu era apaixonada por aquele anel de brilhantes e míseras pedras prateadas, tanto que ainda pequena sempre retirava de seu dedo e o admirava por longos minutos no meu antes de devolvê-la.
— Não, não posso! É seu.
— É temporário, fique. Para sempre ter algo meu por perto quando sentir saudades.
— Mas...
"Por que estaria sendo tão profunda comigo? Não estávamos passando por uma verdadeira despedida... não é?" estranhei.
— Se eu disser que é uma ordem, você aceita? — brincou.
— Obrigada, vou cuidar muito bem dele — agradeci e ela o colocou em meu anular direito.
Reparei na marca esbranquiçada no dela, marcando os longos anos que passou no mesmo lugar. E agora iria marcar o meu.
— Adeus.
Aprendi na mesma noite que não se usa "temporário" e "para sempre" na mesma fala.
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