Capítulo 30
Capítulo 30, relatos.
Ao final dos degraus, consegui ver Aubrey sentada em uma cadeira perto de uma das janelas da sala de estar com um copo de whiskey na mão.
Ela levantou os olhos para mim notando a minha presença, continuei em silêncio.
— Quer? — ofereceu e balançou o copo fazendo o gelo dentro dele tilintar.
— Não, obrigada.
— Tem certeza? Moore tem uns bem legais.
Balancei a cabeça em negativa, ela olhou para o chão e repentinamente sorriu.
— Não estou tentando te matar, idiota! Se quisesse, abriria mão de tanta cerimônia.
Minha vontade de entrar em uma conversa com ela diminuiu mais ainda.
— Sabe, acho que levou a nossa relação muito para o pessoal — passou o indicador pela borda de seu copo. — E não está errada, eu também levaria. Só que eu tenho problemas maiores para tratar, você é nada no meio deles.
Engoli em seco.
— Ainda mais quando esse problema tem banha e cabelos grisalhos — fez uma careta. — Tem dias que é mais fácil levar, gosto da sensação de poder que ele me traz. Entretanto, em outros, preciso ficar satisfeita com a minha lista mental das piores formas de acabar com ele.
Ela estava falando, realmente, de quem eu imaginava?
— Garrett Moore? — balbuciei.
— Por que não seria, né? — e riu.
Meu corpo ficou todo arrepiado, estava suando frio com pensamentos estranhos surgindo em minha cabeça.
— Ele fez alguma coisa com... você?
Ela terminou com o líquido em um único e grosso gole.
— Não é da sua conta — pegou a garrafa no criado-mudo ao lado e encheu o copo novamente. — Nem sei por que entrei nesse assunto.
Escutei um barulho no andar de cima e Aubrey suspirou.
— Apenas não esqueça que ele é um merda da pior qualidade — senti o nítido nojo em sua voz. — E se tem alguém que eu acharia mais repulsivo ser, além de mim, seria você. Porque ele se vê no direito de fazer tudo contigo, não há sentimento ali. Não passa de uma peça especial no jogo dele.
Então ouvimos o barulho de porta se abrindo e passos pesados sobre o piso.
— Não vai me desejar uma boa estadia no inferno? — disse com um sorriso amarelo de canto.
Bebeu tudo sem interrupções e bateu o copo com força sobre o móvel.
— Aubrey! — chamou Garrett rispidamente. — Suba.
Ela obedeceu ajeitando os cabelos atrás das orelhas. Seu olhar me deu medo e aflição.
— O que acha que está fazendo? — perguntei, segurando seus antebraços com força.
Aubrey me olhou assustada paralisando à minha frente por instantes. Porém, largou-se de mim e me olhou com ar de superioridade.
— Vai choramingar no seu quarto. Sei o que estou fazendo.
Então vi seu ódio surgindo e sendo emanado por todo o corpo. Pela primeira vez não achei que fosse por mim, mas por ele. É quando sou arrancada dali pelos pedidos de Karen para que me retirasse desejando não ser nada do que estivesse supondo.
Quando ela dizia ser capaz de fazer tudo por quem amava, não estava mentindo. Era capaz de abrir mão até da própria dignidade por isso. Meses depois descobri estar certa e paguei o preço por isso.
[...]
Uma semana depois...
Andei caminhando sobre uma linha tênue entre a loucura e um possível indício de depressão. Porém, estou determinada a não me entregar e ficar forte.
April foi enterrada no dia seguinte, não fui. Acho que a enterraram em algum lugar nessa floresta, não tenho a mínima ideia de onde tenha sido. Axel foi embora e só me deixou um simples bilhete com as seguintes palavras:
"Não lhe culpo por nada, sei que a culpa foi minha.
Melhoras,
Axel."
Não tinha como ter sido mais breve. Dele não fiquei sabendo de nada, além de ter ido para outra unidade "esfriar a cabeça". Queria que tivessem feito o mesmo comigo, mas não tinha essa mesma autonomia.
Garrett anunciou no dia do enterro de April que eu era a Alice Blair. Desde então troquei olhares insignificantes por olhares de pena ou descrença. Mas independente de quaisquer que fossem, não era mais uma garota comum por aqui. Conseguia a atenção dos outros, mesmo sem querer. Então, me tornei uma paciente assídua na enfermaria. Não queria sair de lá, não queria ver ninguém que não usasse roupas brancas e se importasse mais com a saúde alheia do que comigo. Tinha "dispensado" minhas enfermeiras por um tempo, as queria apenas como amigas. Amigas que não estivessem sempre a minha disposição, gostava delas terem algo para fazer.
Eleanor assumiu o cargo de April e agora era a cuidadora de Ruby. Não tinha muita vontade de ir visitá-la — não me sentia a vontade de ir a lugar algum, na verdade — e a parte boa era que Ruby tinha adorado ela, o que a fazia não reclamar tanto por ter ido lá apenas duas vezes nesses dias. Mas não pretendia ficar ausente, sabia que agora sem Axel por perto ela precisaria ainda mais de mim. E eu dela.
Já Jack estava compreensivo — como andava tendo que ser constantemente —, mesmo querendo explicações — no fundo eu sabia que ele queria, apesar de não tocar no assunto — e ficar perto. Ele estava me dando um espaço, o qual eu sentia mais do que necessário. Porém, eu sabia que em seus braços eu podia achar o consolo que ninguém aqui poderia dar. Tentava aceitar que a minha vida nunca mais seria a mesma, porque não seria.
— Vai melhorar — disse Jack, sentando-se ao meu lado no chão da enfermaria.
— Não deveria estar aqui.
— E você não deveria ficar sentada no chão dos fundos de uma enfermaria o dia inteiro.
Só que aqui era o lugar que eu mais gostava agora...
— Lauren me deixou entrar.
— É bem a cara dela — disse, forçando algo que deveria ser um sorriso.
— Elas acharam que eu poderia te fazer bem, e quem sabe te convencer da existência de lugares melhores para ficar do que em uma sala com cheiro de éter.
— Boa tentativa delas, mas acho que não vai rolar.
— Que pena, não estava nem um pouco a fim de ficar sentado aqui. Entretanto você não está me dando outra opção.
Olhei para ele. Como conseguia sempre estar feliz?
— Você não sente falta da sua antiga vida?
— Sinto, claro! Mas aqui não é um lugar horrível também, e ficar pensando nisso não vai ajudar em nada.
E o pior, ele estava certo.
— Até que é verdade...
— Tudo vai melhorar, Anne! Acredita em mim.
Encostei minha cabeça em seu ombro.
— Espero que sim. É o que mais quero.
Então, repentinamente, se afastou e procurou por algo no bolso frontal da calça.
— Acho que isso é para você — informou, entregando-me uma folha de ofício dobrada até se tornar um pequeno pedaço. — Encontrei na porta do seu quarto há alguns minutos.
Quem poderia me escrever?
Desejei que fosse uma carta de despensa de Moore, mesmo duvidando que fosse tão irreverente, ou de Axel, agora a quilômetros de distância — mais improvável impossível. E não era.
Nos grandes garranchos do meu remetente anônimo podia-se ler:
"VOCÊ VAI ME PAGAR POR ISSO."
...
Anne.
Juro que estou tentando me convencer que o Ptolomeu — nome dado por ter escutado Axel falando sobre ele e ter achado hilário —, seu ursinho, é o suficiente para protegê-la. Para a minha surpresa — e até tristeza —, Ruby tentou parecer ser mais madura do que eu dizendo que podia confiar nela. Aceitei suas palavras.
Coloquei os biscoitos em uma vasilha — cheirando e analisando cada um inutilmente — e enchendo um copo de plástico de leite. Ajeitei-a em nosso colchão de casal, que ficava no chão da sala, dizendo pela milionésima vez que deveria se esconder em qualquer caso.
— Eu te amo — segurei o seu rostinho com mais força do que desejava ter usado. — Não esqueça isso.
Ela fez uma careta tosca.
— Nem teria como esquecer.
Então foi quando lhe dei um beijo, enfiando o velho tablet infantil por dentro da jaqueta de couro.
Foi a única coisa que achei na casa que acreditasse ser capaz de vender. Ninguém compraria um aparelho eletrônico mais moderno que este, todos tinham reconhecimento facial. E a família deixou nada de valioso para trás, antes tivessem largado um cofrinho — ou comida mesmo.
Confiro se as janelas do quarto estão fechadas, pego a arma dentro da gaveta do criado-mudo sem me atrever a encarar o nome escrito em seu cabo por muito tempo — ele me dava pânico e uma vontade incontrolável de chorar. Coloco-a na cintura e saio de vez dali.
Olhei uma última vez a floresta e a casa, ficando grata por ela aparentar estar tão desabitada quanto quando a encontrei dez dias atrás. Segui o meu rumo.
Fim da parte I.
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