Capítulo 29
Capítulo 29, relatos.
— Dixie, o que você sabe? — perguntou Moore.
— Anne é inocente, senhor.
Eu matei uma pessoa... Eu matei.
Acho que nem os calmantes de Madeline estavam surgindo muito efeito. Levaram-me das Fogueiras direto à enfermaria, onde tomei banho, troquei de roupa e chorei compulsivamente por quase duas horas. E agora, três horas depois, estava com uma camiseta branca larga e calça jeans, os cabelos úmidos grudados ao rosto e abraçada aos meus joelhos sem conseguir expressar mais nada. Apenas sentia as lágrimas escorrendo com uma naturalidade espantosa.
Além de mim, estavam Dixie, Axel, Aubrey — que tinha invadido o escritório de Moore sem ser convidada — e uma garota chamada Eleanor, que era a melhor amiga de April. Ela parecia calma, apesar de triste.
Axel estava com o rosto e os olhos vermelhos, mas não deixava mais uma lágrima se quer escorrer. Ele evitava ao máximo olhar em minha direção, o que me fazia me sentir pior. Aubrey estava sentada ao seu lado sem demonstrar comoção alguma.
— O que você viu, Dixie? Responda a minha pergunta. Você já disse isso.
— Eu não vi a hora que ela morreu, senhor.
— Meu Deus, Dixie, apenas descreva o que você sabe!
— Quando a gente estava se concentrando para o começo da prova, Anne tinha perguntado se eu estava bem. Porque, admito, estava muito nervosa. E April estava ao lado dela. Trocaram algumas palavras antes, mas foi nada de briga ou algo assim. Logo depois do início da prova, tinha aquele negócio que você precisa escolher entre um lado e outro...
— Bifurcação — corrigiu Garrett.
— Sim, uma bifurcação. Todo mundo foi pelo lado esquerdo, então achei: "Se todo mundo está pensando que é para o lado direito é porque deve ser para o lado esquerdo". E acabei caindo em um lamaçal.
— O que você tinha na cabeça para achar que seria por ali? — perguntou Moore indignado.
— Grande testemunha essa, hem — murmurou Aubrey.
— Senhor, nunca pensou que se algo parece ser tão obviamente correto é porque está errado?
— Só continua, Dixie — disse um pouco irritado.
— Então, Anne parou para me ajudar e aí April também viu que eu tinha caído e parou também. Anne estava um pouco estressada, ela queria que eu fosse mais rápido. Estávamos ganhando uma boa distância do nosso time. Já April parecia bem mais calma, até dizia para Anne se acalmar.
— Ela queria ficar para trás propositalmente — comentou Garrett, pensando alto.
— O quê, senhor?
— Pelo amor de Deus, Dixie, só continua. E para de me chamar de senhor!
— Desculpas, senhor. Quero dizer...
— Continua — ele interrompeu-a.
— Aí Anne saiu correndo mais na frente e pedia para que fossemos ágeis. Até que chegou um momento que ela estava, praticamente, junto ao time novamente e eu estava até mais para trás do que April. Chamei por April para que me esperasse, foi então que ela me mandou calar a boca e me empurrou para fora do caminho.
— Normal, até eu faria isso — murmurou novamente Aubrey.
— O que você está fazendo aqui mesmo, Aubrey? — perguntou Garrett, ouvindo o seu comentário.
— Consolando meu irmão.
— Pois console de boca calada.
— Pode deixar — e ficou quieta.
— Eu saí rolando e só parei quando bati em uma árvore. Voltei para o caminho e quando as alcancei novamente, Anne estava apontando a arma para April e gritava para que eu corresse. Logo depois de passá-las, vi April agarrando Anne e a puxando para o chão. Na hora do disparo foi quando cheguei à chagada pedindo por ajuda.
Garrett ficou pensativo.
— Obrigada, Dixie. Pode sair — disse depois de alguns segundos.
— Qualquer coisa pode me chamar. Estarei...
— Pode ir, Dixie! — repetiu Garrett.
E ela se retirou.
— Eleanor — ele chamou, apontando para a mesma cadeira onde Dixie estava sentada.
Ela se levantou enxugando o rosto e obedeceu.
— Eu sei que você recebeu a notícia há pouco tempo, mas preciso te fazer umas perguntas.
— Entendo — compreendeu.
— Há quanto tempo são amigas? Pedi para que achassem a pessoa mais próxima a ela e me disseram que era a melhor amiga.
— Sim, eu era. Nos conhecemos desde pequenas, mas nos aproximamos mais ainda quando tivemos que começar a dividir o quarto. Isso foi há quase dois anos.
— Ela começou a gostar do Axel recentemente ou não?
— Não, desde quando tínhamos uns doze anos ela falava dele. Sempre teve esse amor platônico e que pelo jeito pode ter se tornado doentio — e mais uma lágrima escorreu em seu rosto.
— "Pode ter" se tornado doentio? — frisou. — Acredita que outra coisa possa ter acontecido?
— Eu não estou condenando a Anne, só não consigo acreditar que April tenha chegado a esse nível. Preciso de um tempo.
Garrett assentiu, mesmo insatisfeito.
— Ela comentava com você sobre o relacionamento deles?
— Ela falava dele sempre. E logo depois do início do namoro, ela arrumou uma certa implicância com a Anne mesmo. Acho que mais pelo fato dele ter começado dar aulas a ela. Era ciúmes, mas na época não vi como algo fora de série. Talvez eu também agisse da mesma forma nessa situação, Axel e Anne pareciam bem próximos. Não digo que eles mantinham uma relação, mas eram próximos.
Ela estava sofrendo, disso eu sei. Chegou a fingir estar doente para que ele passasse o dia com ela e pedir para que eu cobrisse seu horário com as crianças. A cada dia ficava mais nítido como ela estava sendo afetada e o término deve ter sido o estopim. April era sentimental e sem dúvidas amava muito Axel.
— Você sabe se ela tinha alguma arma de fogo escondida?
— Não, ela nunca falou comigo sobre e também nunca vi. Mas ontem à noite, depois de chegar chorando e falando do fim do namoro, ela disse que iria sair um pouco para esfriar a cabeça e não vi a hora que voltou. Peguei no sono, estava muito cansada.
— Ela deve ter conseguido uma com alguém no Galpão 3 — comentou, anotando em um papel.
Eleanor contraiu o rosto e completou:
— Desculpas, mas não consigo aceitar que ela chegaria a tanto. Mas se é do seu interesse, ela andava saindo com alguém. Um amigo. Não sei quem era, nem o nome. Queria pelo menos poder te dizer se era homem ou mulher, só que eu não tenho a mínima ideia.
— Um amigo?
— Apenas descobri da existência dessa pessoa por ter flagrado ela saindo de madrugada uma vez, disse que não deveria me preocupar.
Moore concordou com a cabeça.
— Aubrey e Eleanor, vocês poderiam se retirar? Preciso conversar a sós com os dois — disse, referindo-se a mim e Axel.
Aubrey pareceu querer retrucar, mas aceitou.
— Estou esperando lá embaixo — informou antes de sair junto de Eleanor.
— Por favor, sentem-se aqui — disse, olhando para as duas cadeiras a sua frente.
Eu não queria sair da minha poltrona no canto da sala. Estava com vergonha de olhar para Axel.
— Por favor — repetiu ao ver que nenhum dos dois saíram do lugar.
Axel se levantou. Respirei fundo, passei a mão no rosto e fui me sentar lá.
— Faz quanto tempo que vocês estão juntos? — perguntou com convicção. — Porque nesse momento eu devia estar programando o casamento de vocês.
"Pois se não sabem ou não perceberam, a Dixie toma remédios para ansiedade, insônia e outras doenças crônicas. Eleanor não estava convicta que a amiga de infância pode ter tentado matar outra pessoa, portanto não acha que Anne atirou nela em autodefesa. E boatos de que os dois estejam juntos já rola há um tempo. Só uma boa história de amor mesmo para limpar a barra da Alice Blair. Sim, Alice Blair, pois agora serei forçado a revelar a todos quem é."
"E eu posso até dizer que acredito na Anne, mas não depende só de mim, sabia? O pessoal dos Estados têm que acreditar também."
— Não estamos juntos — avançou Axel.
— Então uma garota que sempre demonstrou ser tranquila e com domínio de suas faculdades mentais está morta por ter visto coisas existentes apenas na cabeça dela?
— Eu não sabia que ela gostava de mim esse tempo todo e só aceitei o pedido porque não tive coragem de negar.
— Não foi isso que eu perguntei, mas você me disse algo importante. Ou melhor, não disse, mas induziu. Você nunca gostou dela.
Ajeitou as mangas da camisa, dobrando-as até os cotovelos para prosseguir:
— E quanto a essa dai — olhou-me de rabo de olho. — sabemos muito bem que sim.
Axel abaixou a cabeça. Ele sempre gostou de mim?
— O que você quer que eu faça? Já tentei me afastar dela, arrumei um namoro... E olha no que deu.
— Tentou mesmo é? Não me pareceu — se recostou em sua cadeira. — Sabe, imagino de que tenha ideia, pelo menos de uma parte, do motivo de que eu nunca vá fazer alguma coisa séria com você. Na verdade, quero nem um pouco. Mas você ama me provocar, mesmo sabendo que se depender de mim vocês nunca ficarão juntos.
Moore esticou um envelope até a ele.
— E acho que você ainda não está tão a par dos últimos resultados, porque continua tentando.
Axel levantou o olhar ainda irritado para ele.
— Estou precisando da sua ajuda, sobrinho.
Acreditei não ter escutado direito, não podia ser possível. Ele virou a cara e só se pronunciou segundos depois:
— Faça o que quiser, já pretendia mesmo ir para outra unidade.
Garrett abriu o sorriso mais satisfeito que poderia ver algum dia na sua cara.
— Três ou quatro meses?
— Não é do meu interesse. Não é você quem dita as ordens?
— Assim que eu gosto — disse novamente sorridente.
— Se continuar assim posso até repensar ao seu favor.
— Esquece isso — soltou Axel furioso. — Me nego a me casar com ela.
Aquilo de alguma forma me magoou, mais do que pudesse imaginar ser capaz.
— E essa sua raiva é o que mais me motiva para que faça de tudo para ser possível. Você nunca desistirá dela.
— Com licença — disse, retirando-se.
— Posso te mandar os convites. O problema vai ser arrumarmos um noivo a sua altura, não é mesmo? — soltou Garrett caindo na gargalhada antes que ele pudesse alcançar a porta.
— Cuide da sua língua, Moore, que cuidarei da minha.
— E você trate de ficar longe dela de vez — rebateu furioso. — Ou serei forçado a por uma aliança no seu dedo e fazê-lo conviver para o resto da vida com o fardo de ser o culpado pela morte do seu grande amor.
"Porque eles iriam querem muitos frutos dos amantes mais problemáticos do Refúgio."
Axel não o rebateu, retirando-se sem trocar uma palavra se quer comigo.
— Então tenho um funeral e um casamento a organizar. Este Refúgio nunca esteve tão animado — disse ainda rindo.
— Que história é essa de casamento?
— Ah, e meus parabéns!
Ignorei-o.
— Eu não irei me casar.
— Casar, casar não. Por que não temos nenhum cartório por aqui, mas uma cerimônia quem sabe.
— Esquece.
— Podemos declarar união estável, tanto faz.
— Se você não percebeu, Axel nem está olhando na minha cara. Acha mesmo que vou cogitar na possibilidade?
— É temporário.
— Eu não quero saber disso! — acabei gritando angustiada.
Moore ficou furioso.
— Não grita comigo, você entendeu? — ele gritou de volta. — Vê se consegue ser menos ingrata, criancinha. Não fez porcaria nenhuma para facilitar desde que chegou e eu tenho que ficar movendo céus e mares por você. Já deveria estar morta a muito tempo, sabia disso?
"Além de poder ser condenada pelo assassinato de April, o que não vai acontecer porque o babaca aqui não vai deixar, você é uma Proibida de nascença. Tem o sangue podre igual o seu pai. Mas ao invés de ter sido criada às margens do Refúgio, teve todos os luxos que uma criança Sarlen poderia ter. E tudo graças a quem? Ao Garrett Moore," disse, batendo no próprio peito. "Então vê se agora faz o mínimo e se faça de boazinha."
Enterrei o meu rosto no peito enquanto o escutava, a minha garganta tinha fechado. Só que mesmo assim me forcei a dizer:
— Por que não tenta pensar um pouco no que eu quero do que no que devo fazer?
Ele bufou exaurido.
— E o que você quer? Porque ele eu não posso te dar — disse extremamente cansado da conversa.
— Eu não quero ele. Quero voltar para minha casa e ter a minha vida normal — afirmei com a minha voz voltando a ficar embargada.
— Você não tem mais uma vida lá. Seus amigos nem devem acreditar mais que esteja viva. Sua casa agora é aqui.
— A minha casa nunca será aqui — e saí.
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