Capítulo 26
Capítulo 26, Aubrey.
A minha vida é feita de motivos... Minhas ações são geradas por motivos. Sou o produto de causas e se não me tornei um resultado agradável é porque não passo de uma multiplicação.
Axel é tudo o que tenho e faria o impossível por ele. Pode me odiar, não dou a mínima... Mas se algum dia se mostrar digno do meu amor, morrerei por você sem pestanejar. Pena que a única pessoa que amo é apenas o meu irmão mesmo.
Logo após a ida de Anne aos Estados, meu pai morreu. Ele era uma pessoa admirável. Simplesmente, incrível. O amor era o que lhe alimentava, amava demais. E, infelizmente, Axel sempre foi sua cópia perfeita, como consequência sofro por isso.
Ele morreu em uma madrugada de sábado para domingo, poucos dias depois do meu irmão me entregar a ele. Eu estava em nosso casebre, que ficava fora dos muros do Círculo Central — a proteção dele não parecia pertencer também a gente —, conversando com o meu único companheiro da noite.
— Magnus, o nosso professor, perguntou o porquê da sua falta. Disse que tinha comido carne de capivara estragada, fiz mal?
— Não, foi uma ótima desculpa. Afinal temos muitas capivaras por aqui, não é? — ironizei.
— Ah, nunca tinha reparado nisso. Não sou muito bom com mentiras.
— Ninguém nasce bom com mentiras, precisa aprender ser.
— Você sabe que mais cedo ou mais tarde papai ou, pior, o senhor Edward irá descobrir que você já voltou a roubar a comida deles.
— Não se rouba o que é seu por direito.
— Com quem você anda aprendendo essas coisas, hem? Sempre fala sobre direitos e deveres... Nunca que os nossos professores falariam sobre isso.
— Nossa avó.
— Nossa avó?! — espantou-se.
Eu sabia que falar a verdade era o caminho mais longo, Axel sempre levava a um arrastado interrogatório quando se tratava dela.
— Conte-me sobre ela! Quero tanto conhecê-la — disse com seus olhos brilhando de empolgação.
— Não posso, você sabe que não posso.
— Ela é minha vovó também, poxa! Isso tudo é tão injusto! — ele fechou a cara.
Sim, era injusto. Mas tinha uma razão...
— Se eu te contar como ela é, guardará segredo?
— Claro! — avançou.
Ajeitei-me na cama cruzando as minhas pernas. Ele se sentou a minha frente sem conseguir conter sua animação.
— Deixe-me pensar.
— Qual a cor dos olhos dela?
— Claros. Verdes como os do papai e os seus.
— Seus cabelos são branquinhos?
— A maioria. São ondulados e contra a luz parecem até prateados.
— Ela é toda enrugada tipo um maracujá? — perguntou, retorcendo o rosto.
— Não muito — respondi, rindo.
— Ela usa óculos?
— Agora sim.
— Redondos de armação dourada?
— Não, são meia-lua e prateados.
— Ela vive tomando chá e café com xícaras bonitas, pires e quadradinhos de açúcar? — fez uma breve imitação.
— Não sei.
— Ela conta histórias de lobisomens que comem crianças? — perguntou com uma alegria surpreendente.
— Espero que não.
— Ah, eu acho bem legal — disse, descansando a cabeça na mão. — Papai lembra bastante ela?
Não queria decepcioná-lo, mas não deixaria de ser sincera.
— Não, só o olhar mesmo. Ela lembra bastante o tio Robert, até mesmo Garrett.
Ele sorriu, ato que me surpreendeu.
— Eu gosto do tio Robert, queria poder conhecê-lo. Seria nada mal! — exclamou, jogando-se para trás na cama. — O titio Garrett também. Ele parece ser durão e tem aquela cara de bicho papão, mas garanto que ele é muito legal — e abriu um sorriso.
— Você é um tolo! Robert pelo menos ainda nos deixa frequentar o Círculo Central e almoçar lá. Garrett nem olha em nossas caras, mesmo assim se interessa muito mais por ele. Não sei de onde tira tanta gratidão.
— Sou grato por Robert, você sabe disso. Mas tenho até mais medo dele do que de Garrett.
— Tem medo por que ficava andando com a filha dele para cima e para baixo sabendo ser proibido.
— Somos primos de consideração. Não podíamos ser amigos também? Ninguém daquele círculo fala com a gente, nos tratam como os esquisitos. Você acha que não escuto que nunca nos chamam pelos nomes? Somos "os Wright".
— É porque esse é o nosso sobrenome.
— Não. Isso é porque não sabem os nossos nomes e é uma forma de nos chamarem de estranhos sem terem que realmente dizer.
— Sua prima era estranha e nem por isso a chamavam de Blair.
— Nossa prima — corrigiu. — E Blair é segundo nome, não sobrenome.
— Ah, é? — desdenhei.
— Viu. Só a gente é estranho.
— Não... — comecei, mas fui interrompida por batidas à porta grossa de madeira.
Axel deu um pulo e já se pôs de pé.
— Não abre! — ordenei.
— Deve ser alguém perdido.
— Você sabe o que papai sempre diz.
As batidas vieram novamente. Desta vez mais fracas, porém com maior frequência.
"Abram!", disse uma voz feminina.
— Quem é? — gritou Axel enquanto eu procurava alguma coisa que fosse útil.
A pessoa estava ofegante, demorou a responder. Agarrei uma faca de manteiga sobre a pia — era o que estava ao meu alcance.
— Harriett Wilson.
— Ah, é a senhora Wilson — disse Axel aliviado e já destrancando a porta.
— Espera, como você vai ter...?
E a porta já estava aberta deixando tanto um vento congelante quanto uma Harriett amedrontada surgirem. Respirei sossegada.
— Oh, encontrei vocês — disse, esfregando as mãos com as luvas negras.
Seus cachos pendiam sob seu gorro de lã e usava um casacão, permitindo apenas seu rosto aparecer.
— Venham comigo. Rápido! — disse, agarrando Axel para si.
— Como assim? — perguntei apavorada.
— Aubrey, sem delongas. Largue essa faca e pegue cobertas para vocês, nunca vi um lugar tão desagradável como este.
Peguei nossas duas cobertinhas e não me preocupei com como deixava a minha casa. Ou melhor, nossa antiga casa.
Ela se tornou pó minutos depois.
[...]
Axel não saberia, mas naquele dia quem tinha o salvado era a pessoa que mais queria conhecer. Harriett nos salvou naquele dia. Mesmo assim, foi incapaz de impedir o seu verdadeiro filho bastardo de matar meu pai — quem ela fez questão de que pagasse pelos seus atos para proteger Garrett — e tentar queimar seus dois netos.
De inocente ela tinha nada.
[...]
— Você viu a Anne? — pergunta Jack, surgindo ao meu lado. — Se você não sabe, por que eu saberia?
— Porque você quem está de guarda no Portão Norte.
— Sim, estou — virei-me para encará-lo, torcia para não perder Axel e Anne de vista durante o ato. — E isso não me faz ser obrigada a saber exatamente qual pessoa entra ou sai do Círculo Central. Ela sabe que é proibida de sair daqui, se fez isso só desejo que no mínimo seja punida. Mas não espere que eu vá averiguar, estou aqui apenas para evitar qualquer possível ataque ou confusão que venha ocorrer.
Ele era mais alto do que eu, mas esperava que isso não o fizesse achar sobre o domínio da situação.
— Parece tensa demais para quem não sabe de nada, Wright.
Desejei que estivesse mais longe e não percebesse como ficava abalada quando tentavam me decifrar.
— Por que não volta e aproveita as Fogueiras? Não me parece que ela está muito interessada em te encontrar, se chegou ao ponto de perguntar a uma guarda sobre o paradeiro da sua amiga.
Ele sorriu, aquilo me deixou furiosa.
— Está querendo se livrar de mim, é mesmo? — provocou.
— Isso prova que é menos retardado do que imaginei.
Então ficou triunfante.
— Obrigado. Era o que eu precisava saber — e saiu andando para a floresta na direção em que eles tinham ido.
Qual era o problema dele?
— Volte aqui agora — ordenei.
— Pensei que não se importasse com entrada e saída de pessoas — provocou, prosseguindo.
— Cooper, tome conta por mim — pedi antes de segui-lo.
Fui atrás dele, tanto por querer impedi-lo de intervir quanto por ser o caminho que pretendia tomar quando ele fosse embora.
— Esse Cooper gosta de você — Jack disse quando o alcancei, mas prosseguiu procurando entre as árvores.
— E o que você tem a ver com isso?
— Só estou avisando que ele está a fim de você. Tem uma lanterna?
Acendi antes que terminasse de perguntar.
— Sabe — prosseguiu. — Eu já fui um cara como ele, sei que garotas como você não passam despercebidas.
— E o que o teria feito mudar? — perguntei, tomando a frente.
— Conheci o amor.
Precisei rir.
— E pelo jeito vai conhecer a traição também — comentei, encontrando o meu irmão e Anne a uns dez metros da gente.
Jack tropeçou caindo a minha frente e me abaixei imediatamente para tampar sua boca.
— Fica quieto — ameacei, colocando a faca que carregava em meu coturno no seu pescoço.
Observei os dois sobre um arbusto. Para a minha sorte o barulho feito por Jack passou despercebido e os dois seguiram a diante.
Virei-me para ele de novo e Jack respirava desesperadamente com olhos arregalados me observando. Fiz questão de pressionar mais a lâmina em sua garganta, era a minha vez de provocar.
— Não atrapalhe novamente, a não ser que volte agora e me deixe seguir sozinha.
Ele concordou com a cabeça e adicionei antes de largá-lo de vez:
— Eu não terei pena de estragar esse rostinho bonito.
Levantei-me, ele fez o mesmo no dobro de tempo. Jack seguiu boa parte do caminho mudo, o que estranhei de início — não imaginava ter sido tão eficiente, mesmo feliz com o resultado. No entanto devia esperar que ele não fosse deixar passar se...
— Você acha mesmo o meu rosto bonito?
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