Capítulo 15
Capítulo 15, relatos.
Ontem eu não fui ao meu primeiro dia de treino, estava ocupada bancando a problemática nas Fogueiras e presenciando um homicídio. Então hoje de manhã acordei com um homem de uns dois metros, e braços que deviam ser da grossura da minha coxa, batendo na minha porta. Só por como me olhou soube que não iria rolar de matar aula hoje também.
— Sou Ira, seu treinador e professor — disse com a voz firme.
— Sou Anne, sua aprendiz e aluna.
A expressão dele continuou intacta.
— Suas roupas — e me entregou um par de roupas e sapatilhas de sola antiderrapante.
Pensava que o mais adequado fosse uns tênis de molas ortopédicos, estes sapatos me passavam a impressão de que não nos daríamos muito bem.
Ira era moreno, extremamente musculoso e careca.
— Dez minutos. Nada mais que isso.
— Mas eu nem tomei banho... — comecei, mas fui interrompida.
— Você está indo treinar, não para um desfile.
— Eu não comi nada ainda.
— Que bom, está precisando perder um pouco de barriga mesmo — concluiu me olhando dos pés à cabeça.
Senti-me mal, mesmo sendo uma pessoa que nunca se preocupou muito com o próprio peso. Tudo bem que eu não era igual às garotas daqui, mas eu sempre consegui me manter dentro do ideal. Ele não tinha ideia de que essa não era lá uma das melhores coisas para se dizer logo ao conhecer alguém?
De fato aquela lycra apertada, sem mangas e indo até acima dos meus joelhos me deixava bem insegura. Mostravam cada linha do meu corpo! Mas era este ou um que cobria as minhas pernas e braços por inteiro, chegando a lembrar roupas de mergulhador. Entendi que um era para o calor e o outro para o frio, pois todas as garotas estavam com o mesmo que o meu.
Passamos por várias sessões da academia — ou Galpão 1, se preferir — e Ira falava nada, apenas continuava a andar.
— Você vai ter aulas reservadas, porém os aparelhos de musculação podem ser tanto os separados para o Intensivo quanto os daqui — disse do nada ao perceber minha cara de assustada vendo os Grupos treinando. — Serei seu treinador particular — e deu um sorriso malicioso.
— Pressinto que isso não é tão bom quanto está querendo parecer ser.
— Pois eu tenho certeza.
Então paramos em frente a porta com uma placa escrita "Grupo Intensivo". Como assim? Pensei que essa parte viesse bem depois.
Ele passou um cartão pela maçaneta e a porta se abriu.
— Tenho dois destes — mostrou o cartão prateado em sua mão. — Mas o seu só terá apenas quando demonstrar ser apta de treinar sozinha.
Precisava dele urgentemente, este homem iria me enterrar viva.
— Só não ache que vai se livrar de mim mesmo assim, precisa da minha supervisão. Estou ferrada!
Entramos na sala gigantesca retangular. Existiam umas vinte divisões pintadas com tinta amarela no chão, eram sete dos lados e seis aos fundos. A parede de entrada era vazia, tinha apenas alguns equipamentos como bolas suíças, halters, extensores, cordas navais, caneleiras, kettlebells, dumbells, colchonetes, rodas, argolas... e uma mesa. Ira leu o caderno, que ficava aberto sobre a mesa, pegou uma bolsa de corredor e me entregou.
— Vá encher sua garrafa e me encontrar na 14. Não entendi.
— 14?
Bufou. Era uma pergunta tão idiota assim? Começou a andar, deixando-me para trás.
— É sério, o que é 14?
— Quer a resposta óbvia?
Continuei imóvel. Só então voltou percebendo que era verdade.
— O lado direito vai do 1 ao 7, o esquerdo do 8 ao 14 e os fundos 15 ao 20. Tão complicado assim? — e se virou novamente.
Olhei ao redor à procura de um bebedouro e o achei meio escondido no canto direito da entrada.
"Vai encher sua garrafa." Mas que garrafa?
Abri a bolsa de corredor e achei um par de munhequeiras, luvas, joelheiras, tornozeleiras, uma toalha de rosto branca e uma garrafa inox. Enchi e fui até o número 14.
Parecia um estacionamento com aquelas faixas e números pintados no chão. Após passar por umas três das divisões, percebi que havia o nome das pessoas abaixo dos números.
"14
Dominic"
Dominic?
— Ainda vão mudar o nome — informou Ira, percebendo o que eu observava.
— Não me importo. Por mim, Dominic pode continuar a treinar aqui sem problemas, eu volto para o meu quarto.
— Ele não treina mais aqui.
— Espera, tiraram ele do Grupo Intensivo?
— Ele não estava indo bem.
— Meu Deus, não me diga que tenho algo a ver com isso!
Ele não respondeu.
— Vou aceitar como um não, até porque tenho certeza que sou péssima comparada com Dominic.
Depois veio a tortura.
— Está bom por hoje — anunciou a voz de um anjo... Ou era a de Ira mesmo?
Fiquei ali caída em cima do colchonete olhando para luz no fim do túnel, que pelo jeito era emitida por luzes de LED.
— Vamos! Levanta — ordenou Ira.
Estiquei a mão para que ele me puxasse para cima. Ele negou de início, porém, quando percebeu que eu não sairia dali por nada, cedeu. Deu um puxão fazendo minha cara parar a centímetros de distância da parede.
— Valeu...
Olhei para minha garrafa d'água juntando todo o resto de força que ainda existia em mim para me esticar até ela. Virei as suas últimas gotas na garganta e Ira foi andando até a mesa da entrada.
— Calma! Espera! — disse, arrastando-me atrás dele.
Ele ficou escrevendo no caderno enquanto eu fui ao bebedouro encher a garrafa novamente.
— E aí, Ira? — perguntou uma garota loira entrando na sala.
Ela tinha os cabelos presos em um coque e um semblante radiante.
— Oi, Ashley!
— Muito tempo que não te vejo por aqui. Estava até precisando saber se a minha série de treino mudou.
— Acabei de pegar o seu relatório dessas últimas semanas. Vou dar uma olhada e te entrego um novo amanhã.
— Vai estar aqui amanhã de novo?!
— Sim, estou treinando a... — e apontou para trás. No caso, para mim.
— Ah, Anne! — exclamou, acenando alegremente a mim.
Como ela também me conhecia?
Ashley pareceu que viria até a mim, mas Ira cochichou alguma coisa a ela fazendo-a desistir. Apenas acenei com um sorriso pré-programado.
— O.K., vou treinar! Te vejo amanhã então.
— Tchau!
— Tchau! — se despediu, olhando tanto a Ira quanto a mim.
Não queria ser antipática. Então agora eu só retribuía, já que não lembrava se conhecia as pessoas ou não.
— Vamos embora — disse Ira firme.
Fui atrás dele.
— Tome — e entregou uma cartela de comprimidos logo ao sairmos.
— Tomo a metade da cartela agora e a outra metade daqui a cinco minutos? — É para pegar um e devolver.
Peguei e mandei o comprimido para dentro com um único gole.
— Grave onde é, pois não pretendo ter de ir te pegar no seu quarto novamente amanhã.
— Não se preocupe, pretendo morrer esta noite.
Ele me fuzilou com os olhos.
— Nossa, estava brincando. Acho que alguém aqui não tem senso de humor, hem.
Virou o rosto e segui-o até a entrada do Galpão 1.
[...]
— Anne! — disse alguma pessoa chata, batendo em minha porta. — Sou eu Jack.
Hm, talvez nem tão chata assim.
Levantei com muito sacrifício para abrir a porta e cai novamente na cama. — Isso tudo por causa de um treinamento? — perguntou Jack, olhando-me. Concordei com a cabeça.
— Não te vi o dia inteiro. Estava ficando preocupado.
— Também estou preocupada. Acho que nunca mais vou andar.
Ele riu.
— Levante-se. Vamos jantar! Já são quase sete e meia.
Agora que ele tinha falado de comida a minha fome triplicou. Só comi um prato de comida o dia inteiro. Isso porque quando saí do Galpão 1 a minha fome estava maior do que a minha dor, senão teria passado o dia inteiro sem comer nada.
Comecei a ouvir o meu estômago ganhar vida e conversar comigo. Estendi a mão a ele e ele me puxou da cama.
— Espere do lado de fora. Preciso do quarto inteiro para poder me trocar. Ele fez uma cara de "É sério?".
— Vai logo! Ou você não quer que eu vá?
— Não demora — e saiu.
Fui até o meu armário e peguei a minha regata vermelha, uma calça jeans preta e as sapatilhas que tinha acabado de ganhar — tinha me enganado, elas eram bem confortáveis. Não sabia se devia usá-las sem ser para ir aos treinos, mas as preferia a usar coturnos. Eu não iria para floresta — nem podia —, apenas iria comer.
Prendi o meu cabelo em um coque frouxo e saí.
— Não acha meio arriscado ficar entrando na minha Vila? Podem pegar birra com você — falei com Jack enquanto observava a luz das tochas e das fogueiras à noite.
Ele sorriu.
— Fica quase ninguém aqui entre as sete e nove horas da noite. E se tem um povo que gosta de comida, é o seu.
— De comida e de fazer barulho — comentei. — É complicado dormir lá — e voltei para o meu prato de comida.
Não sabia que carne era aquela e nem pretendia saber, tinha medo da resposta. Porém, independente do que fosse, era bem gostosa.
— Querem suco? — perguntou Shelby com seu cabelo, que a essa hora da noite estava com seu brilho fosforescente. — Estamos indo pegar.
Eu, Jack e Skandar concordamos e ela foi com Dawson, o outro amigo de Jack, buscar.
— ANNE! — gritou alguém atrás de mim, quase me engasguei com o pedaço de carne que tinha acabado de colocar na boca.
A pessoa começou a rir. Virei-me para ver quem era.
— Ruby?!
— Oi... — disse, puxando o "i".
— O que você está fazendo aqui?
— Conversando com você.
— Isso eu sei, Ruby! Mas como você veio parar aqui?
— April me trouxe.
— Por que April te traria aqui? Já está tarde. Você não está mentindo não, né? — Não. Até porque se eu mentisse a bruxa me levaria para fazer sopa.
— Eu estou falando sério, Ruby!
— Eu também estou. Ou você acha que bruxas se alimentam do que?
Larguei o meu garfo na mesa e levantei.
— Já volto, Jack!
— Ah, oi, Jack! — disse Ruby, abraçando-o.
— Oi, Ruby. Quanto tempo! Você cresceu bastante!
— Já consigo pegar os livros das prateleiras.
— Nossa, já fui uma vez lá e pelo o que me lembre elas são bem altas.
— É fácil! Eu subo em cima de uma cadeira e fico na ponta do pé.
Jack riu.
— Okay, agora venha! Vou te levar de volta — e segurei-a pela mão.
— Tchau, Jack! — gritou enquanto eu a puxava.
— Ruby, você não pode ficar saindo por aí sozinha. Está ouvindo? — briguei com ela.
— Mas eu... — começou.
— Oh, você a achou! — exclamou uma garota a minha frente.
Era April?!
— Muito obrigada, me distrai por um segundo e quando percebi Ruby tinha sumido.
— Estava falando isso agora mesmo, ela não pode ficar andando sozinha por aí.
— Ela não estava sozinha não. Eu quem a trouxe, mas aí do nada ela saiu correndo e a perdi de vista.
— Eu disse que não estava mentindo — disse Ruby triunfante.
— Oh, pensei que... — disse, já ficando envergonhada por não ter acreditado nela.
— Imagino. Não sei o que aconteceu com ela! Ela não é de se comportar assim.
— Desculpas, mas é que eu queria falar com a Anne — se desculpou com a cabeça baixa.
April me olhou, concordei com a cabeça.
— Tudo bem então. Mas da próxima vez você tem que pedir.
— O.K. — disse Ruby.
— Muito obrigada novamente — disse para mim e logo se virou novamente a Ruby. — Agora vamos! Estão esperando a gente.
— Ah, deixa a Anne ir também!
— Não, não! Não tem sentido eu me meter... — comecei, mas fui abafada pelos pedidos de Ruby.
— Deixa, April! Por favor! Eu cuido dela.
— Oi?! — falei.
— O aniversário não é meu, Ruby. Se ela quiser ir, ela vai.
— Ebaaaaa! — e Ruby começou a me puxar.
Não sabia que ela era tão forte assim. Ou era eu que não tinha mais força alguma?
— Espera, Ruby! Eu não quero... — e sem querer esbarrei em alguém. — Desculpas! Eu não vi...
— AXEL! — gritou Ruby a pessoa que eu estava pedindo desculpas. — Feliz aniversário!
Ele a colocou no colo e deu um forte abraço. Eu estava com vontade de virar um avestruz e enterrar a minha cara no chão. Não era que existia mesmo um Axel.
— Parabéns, Axel! — parabenizou-o April lhe dando um beijo na bochecha.
— Muito obrigado, as duas!
Eu começava a andar para trás tentando sumir na multidão e correr dali, quando Ruby gritou:
— A Anne veio! Ela está ali tentando se esconder — disse, apontando em minha direção.
Ele ficou confuso.
— Tão bobinha! Querendo brincar de pique esconde — e começou a rir.
Ele me viu. Não sabia o que era pior Ruby e sua inocência ou o garoto ser tão gato.
— Des... desculpas, mesmo! Eu não queria estar aqui. Mas a Ruby me puxou e... e... — e eu não teria como parecer mais nervosa.
Agora eu estava acusando uma criança?!
— Tudo bem, pode ficar. Não é exatamente uma festa, mas temos bastante comida. O pessoal da Padaria foi bem generoso, fizeram tudo em dobro.
— Não, muito obrigada. Prefiro voltar para minha mesa. Feliz aniversário!
— Na verdade, hoje nem é meu aniversário, mas obrigado mesmo assim.
Não entendi. Como não? Ele não falou mais nada, vi como uma deixa para poder sair.
— Ah, Anne, fica! Por favor! — pediu Ruby triste.
— Ela não quer ficar... — começou Axel.
— E aí? Já até adotaram uma criança é? — perguntou uma outra garota, escorando-se nele.
— Feliz aniversário, Aubrey! — disse Ruby animada.
— Valeu, pirralha — agradeceu a ela, mas seu semblante logo se fechou a me ver. — E ela? Está fazendo o que aqui?
Era a garota do quarto ao lado. Por que eu não saí correndo, hem?
— As Fogueiras são de acesso geral, Aubrey — retrucou Axel.
— Ela é minha convidada! — disse Ruby.
— E você tem autoridade para isso desde quando? — perguntou Aubrey a Ruby.
— Aubrey, menos. Você está sendo grossa com Anne — repreendeu o irmão.
— Eu sou grossa o quanto eu quiser! Essa...
— Essa o que? Ela está fazendo nada.
— Nem precisaria...
— PAREM! Por favor! — berrou Ruby, começando a chorar.
— Venha comigo — disse April para ela, estendendo-lhe os braços.
— NÃO! Eu quero a Anne.
A garota ficou vermelha. Axel a entregou para mim.
— Fique, por favor. Não precisa se sentar perto da gente — começou Axel.
— Você... — grunhiu Aubrey.
— A gente conversa depois, Aubrey — a interrompeu e eu não queria presenciar a conversa que eles viessem a ter.
Ele se virou novamente e fixou seus olhos aos meus:
— Por ela.
Eu não podia aceitar, mas Ruby não parou.
— Tudo bem, mas só um pouco.
[...]
Minha nossa, faz três horas que estou aqui! Jack não olharia mais na minha cara.
— Então... Axel sabe desenhar bem, mas eu sou muito melhor que ele. Não fala para ele não, okay? — disse Ruby.
— Mas é claro! — então anunciei o que já deveria ter dito há muito tempo. — Ruby acho melhor eu ir embora.
— Ah, ficou esse tempo todo e vai embora antes do parabéns? — disse Axel, surgindo atrás de Ruby e se sentado ao lado dela. — Por sinal, eu escutei o que você disse, Ruby.
— Desculpinha?! — disse com um sorriso torto e bochechas coradas.
Depois desse "tempo todo", como ele mesmo disse, só decidiu dar atenção agora para as suas duas convidadas da parte excluída da mesa? Admirável!
— Eu preciso ir, deve ser quase onze horas.
— E a meia-noite a carruagem vira abóbora, certo? — implicou com um sorriso.
— Você tem uma carruagem? — perguntou Ruby surpresa.
O sino soou.
— É que... — comecei.
— Que você não quer falar comigo? — rebateu Axel.
— Não...
— Então o que vocês estavam falando de mim? Além de que sou um desenhista razoável? — puxou assunto.
— Que você sabe tocar piano, odeia beterraba, ama morangos, coleciona desenhos... Acho que só. Foi então que falei sobre desenhar melhor que você — disse Ruby, contando desordenadamente em seus dedinhos.
— Uau — soltou Axel embasbacado. — Devo me preocupar com você.
E ela, realmente, havia falado isso tudo sobre ele.
— Ah, também falei da festa de aniversário que você fez para mim mês passado — adicionou Ruby.
Ele sorriu.
— Por que você coleciona desenhos? — perguntei curiosa.
Porém ele mal entendeu o que eu tinha falado, sua concentração foi toda sugada pelos musicistas e amigos escandalosos.
Olhava admirado o pessoal começando a riscar passos ágeis e animados com a música rápida. A maioria conseguia acompanhar o ritmo da dança sem derrubar a cerveja escura e vinho nos copos, Aubrey era uma delas.
— Eu preciso participar disso — disse, começando a se levantar.
— Quero dançar também — Ruby disse rapidamente tão empolgada quanto Axel.
— Venham — ele me chamou, já indo para lá.
Obviamente, não fui. Era o que eu precisava para poder ir, finalmente, embora. Tomei um último gole do suco de laranja e levantei-me para sair na direção oposto.
— Hey! Anne Clark — chamou Axel ao ver que dançar com eles não estava nos meus planos. — Vai aonde?
Esfreguei os braços com a brisa fria que bateu em mim por ter me afastado mais da fogueira.
— Não estou no clima para festividades, desculpas — forcei uma careta de cansaço. — Sono.
Nem esperei para saber o que ele iria fazer, pois não esperava mesmo que ele fosse vir atrás de mim. E foi o que fez.
— Anne — ouvi junto de uma mão tocando o meu braço. — Fiz alguma coisa de errado?
Virei-me para Axel, que respirava um pouco descontrolado. Pelo jeito, tinha corrido para me alcançar.
— Desculpas... Não entendi — disse ainda confusa.
— Fique mais um pouco, apenas para essa dança. Eu vou me sentir mal se for agora sem que nem lhe tenha dado atenção direito.
"Tente se divertir, passou o tempo todo cuidando de Ruby. E sei que parte disso é culpa minha..."
Ele começou a morder o interior da bochecha enquanto me permiti admirar por um bom tempo aquele rosto com leve sardas sobre as maçãs do rosto e nariz afilado. As sobrancelhas castanhas quase esbarravam em um cacho loiro-escuro do cabelo. O nervosismo devia ser o motivo do nervo sobressalente no maxilar e lábios avermelhados.
— Tudo bem... — acabei, dizendo para a minha própria surpresa.
Ele sorriu.
— Venha comigo, precisa saber como um Sarlen se diverte — e saiu, puxando-me pelo pulso.
No fundo, fiquei grata por ter feito isso. Não queria que o clima entre nós ficasse ainda mais constrangedor. Para mim, foi exatamente desse jeito.
Quando chegamos mais perto do pessoal, Axel foi engolido por eles. A última vez que o vi a menos de cinco metros de distância de mim, estava rodopiando e cantando com Ruby. Fiquei parada na parte menos movimentada, deixando claro o quão deslocada estava naquela comemoração.
Uma mulher esbarrou em mim enquanto tentava acompanhar os passos de outra moça. Segurava um copo de cerveja em cada mão e caiu na gargalhada quando virei para ela.
— Tome um, querida. Beba rápido, está precisando — então botou o copo em minha mão e saiu chamando por uma Eleanor.
Continuei por uns longos segundos segurando aquela bebida sem saber se devia passá-la para qualquer outro bêbado ou jogar fora. Mas beber não me pareceu uma verdadeira hipótese, até ver Aubrey beber em grossos goles o na mão dela e me olhar de soslaio.
Então depois de repassar mil vezes que o que estava pensando em fazer seria o suficiente para o meu pai, Caleb, pensar em me deserdar, lembrei que estava longe das regras da Mundi e dos meus pais.
Comecei a bebericar aquele líquido amargo e desagradável, concluindo que se dependesse de mim não conseguiria passar de cem mililitros. Portanto, passei a beber o mais rápido que conseguia, querendo acabar de uma só vez com tudo.
— O que você está tentando fazer? — alguém disse, puxando minha mão. — Quer beber meio litro de cerveja de uma vez, maluca? Isso deve ter mais de dez por cento de álcool.
Respirei bruscamente, tinha ficado levemente sufocada.
— Não devia ter mandado você se divertir — adicionou Axel.
— Eu só queria experimentar, saber como é a experiência de...
— Não faz mais isso, não comigo por perto — me interrompeu. — Iria te chamar para dançar... Acha que consegue?
Demorei a entender. Ele estava brigando comigo como se eu fosse a sua irmã mais nova e ainda queria que eu dançasse com ele?
— É... Pode ser — disse um pouco contida.
Ele apenas assentiu sem demonstrar nenhuma reação, cheguei a pensar que por algum momento teria ficado mesmo irritado. Segurando a minha mão, me conduziu até o centro da roda.
E antes que ele colocasse a minha mão solta em seu ombro e a dele em minha cintura, apenas conseguia pensar em como tinha ficado repentinamente tonta e com vontade de rir... Rir da situação, das pessoas, de Axel, do nada.
Ele acabou sorrindo também, talvez por ser isso o que eu estava fazendo. Então começamos uma dança pulada e que me fazia rodopiar com o braço cruzado ao dele uma boa quantidade de vezes. Provavelmente, foi o momento em que mais ri na vida e fiquei tão fascinada por alguém. Axel parecia um anjo para mim quando a música silenciou e não estávamos mais em tanto movimento. Ele se aproximou do meu rosto, fazendo com que por um instante pensasse que iríamos nos beijar, cochichando:
— Já volto, vou te acompanhar até o quarto.
Sorri maliciosamente e ele riu de mim.
— Estou com medo que acabe vomitando no meio do caminho, apenas.
Fiz uma careta mal-humorada, Axel se afastou, sendo chamado por uma garota bonitona.
— Axellll! — gritou novamente.
Dessa vez consegui identificar como April.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou Axel, indo até ela.
— Não — respondeu com um sorriso radiante no rosto. — Tenho uma surpresa para você.
— Não pode ser daqui a pouco? Vamos cantar o parabéns agora.
— É rapidinho e garanto que você vai adorar. Bem, espero.
— April, o que é isso? Todo mundo decidiu ficar bêbado hoje? — reclamou, analisando uma taça com ela.
— Bebi nem uma taça de vinho direito. Foi só para perder a timidez mesmo — informou, mostrando a bebida ao fim em sua mão.
— Acho que foi um pouco mais do que isso.
— Ah, para — e começou a puxá-lo pelo braço.
Axel não quis ceder a princípio, mas ela persistiu.
— Me dá a mão! Me ajuda aqui! — April pediu.
— Ajudar com o que?
Ela acabou subindo na mesa por conta própria.
— April, desça daí! Você está começando a passar vergonha — ele disse constrangido.
Ela o ignorou.
— Me dê isso aí, por favor — pediu, apontando para um garfo perto de seus pés.
Axel não a obedeceu, portanto acabou pegando sozinha. April começou a bater com o garfo na taça de vinho, gritando para que fizessem silêncio. Depois de uns três gritos todos se calaram e viraram para ela.
— Não é que funcionou — comentou orgulhosa.
Eu não sabia o que ela pretendia fazer, mas não queria estar de camarote. Ruby correu até a mim e quase cai para trás com o abraço que deu na altura das minhas pernas.
— Boa noite! Bem, eu não sei como fazer isso. Sou tímida e discursos não são lá o meu forte — começou entre risadas nervosas.
Axel estava ficando bem vermelho, prevendo que seria citado.
— Mas não consegui ver melhor situação para poder falar o que já estava engasgando na minha garganta há muito tempo. Ou melhor, um pouco mais que quatro meses — ela se virou para Ruby e apontou para ela. — Se não fosse por aquela gracinha, — Ruby sorriu ao saber que estava sendo mencionada. — nunca que eu teria me aproximado tanto do homem que, pelo o que me lembre, sempre gostei. Só que minha inibição me impedia de tomar coragem e expressar os meus sentimentos... O meu amor.
"Axel," se voltou por completo a ele. "eu te amo. Eu te amo muito... Você quer namorar comigo? Prometo que vou te fazer o homem mais feliz de todos."
Eu não sei quanto a ele, mas eu tinha paralisado. Em segundos todos aqueles gritos tinham se tornado em um "Aceita! Aceita! Aceita!" generalizado.
Ele falou nada.
— Então, Axel, estou esperando a sua resposta.
Ele a olhou e pareceu cair novamente em si.
— É... Sim. Claro que sim, April.
Ela pulou em colo dele e lhe beijou apaixonadamente.
Forcei um sorriso, voltando minha atenção para Ruby e a abracei a fim de recuperar um controle que eu não sabia o porquê de tê-lo perdido.
Ele me olhou e com o mesmo sorriso forçado tirei forças para lhe desejar os meus menos sinceros votos de:
— Felicidades!
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