Capítulo 13
Capítulo 13, relatos.
Faz três dias que acordei e me via como se tivesse caído de paraquedas nesse mundo distópico — e despótico.
Como era possível?
Então percebi que por aqui o melhor a se fazer é não interrogar muito, pois quanto mais fizesse isso, menos vontade as pessoas tinham de me responder. Ou eles desprezavam interrogatórios, ou me desprezavam. Até Lauren — a minha enfermeira mais disposta a manter uma conversa — evitava se aprofundar em minhas perguntas.
E Jack?
Acho que voltei a ter uma relação mais "comum" com ele, porém o achava o menos apto a responder o que eu queria saber. Não o culpava, ele era assim. Ele não ligava muito para o mundo ao seu redor e este devia ser o motivo de estar sempre tão alegre. Em seu mundo, as coisas eram o que eram porque sim. Ele considerava um "porque sim" como resposta — dependendo do seu interesse.
Bem, entre todas as minhas poucas descobertas, a mais importante foi a de não termos um relógio ao nosso alcance tão facilmente. Quando perguntei como faziam para não se perderem no tempo durante o dia, me responderam que o maior relógio de todos estava a minha disposição durante o dia inteiro, bastava olhar para o céu.
Acho que não perceberam de primeira que quando me referia sobre tempo não o tratava tão genericamente assim. Então, me disseram que se eu queria mais precisão de horário não precisava me preocupar, pois tinham um relógio na biblioteca e sinos situados ao final da Vila Principal, que davam uma badalada a cada meia-hora, três a cada uma hora completa e meio-dia e meia-noite entravam em algum ritmo de badaladas não identificáveis por mim — o problema era não perder a conta. Jack os chamava de "Som da comida" e "Som do Um". Disse que o nome veio de à meia-noite ser a hora de alguns do Um, os convocados, fazerem as patrulhas e vigílias na floresta — fiquei muito feliz em saber que não precisaria participar — e meio-dia a hora oficial do almoço. Nas palavras de Madeline, eu não era destinada para muitas funções e no momento não passava de uma "Café com leite" entre eles — e tinha a impressão de sempre ser.
Infelizmente ou felizmente, não sabia ainda direito, eu era do Fogo. Pelo o que percebi o pessoal admirava este Grupo, eu não entendia muito bem o sentido. Achava a maior furada ser do Grupo responsável pela proteção e ataque. Eram ratos de academia e praticavam atividades quais eu não tinha o menor interesse, mas teria de começar a gostar. Madeline contou que em alguns meses poderiam me colocar junto ao Grupo Intensivo, se já não estava — mas ela não botou muita fé da segunda hipótese. Grupo este com no máximo vinte pessoas, onde menos da metade eram chamados de Buscadores. Não tinha a mínima ideia do porquê do nome.
Que porcaria eles buscavam no meio do mato? Mais comida ainda?
Ninguém respondeu.
Eu tinha um quarto individual e começaria a treinar amanhã. Aparentemente, era uma das poucas com o privilégio. Mesmo não se passando de um cômodo com uma cama de solteiro ao centro, uma escrivaninha com cadeira à esquerda e um simples banheiro e armário de quatro prateleiras à direita — Olha que o único responsável pela ventilação de ar puro do cômodo era uma janela de madeira.
No início de cada Vila tinham seis desses quartos individuais, eram de prioridade para os Buscadores, e os que sobravam ficavam para os que demonstrassem melhor empenho no Grupo. Bem, não sabia por que eu era uma deles se não tive nem se quer oportunidade de mostrar empenho algum ainda. Porém, como participaria do Grupo Intensivo — algum dia —, devia ser por causa disto — era a única possibilidade.
Disparadamente, um dos defeitos dos que eram do Um era a falta de hospitalidade e simpatia. Antes de ontem, quando iria saindo para encontrar com Jack, que esperava na entrada da minha Vila, a garota do quarto ao lado me lançou um olhar de extremo desprezo. Tentei lembrar se a conhecia, mas não conseguia. Fiquei envergonhada. Estava em dúvida se tinha feito alguma mal a ela, mas, como quase todo o resto, não lembrava. Então só desviei o olhar e fui ao encontro de Jack.
Fomos para a Fogueira, onde ele me apresentou alguns amigos que tinha feito nesses quatro meses. Dois deles eram do Três e um do Quatro. Os do Três, eram uma garota de cabelo cor de marca-texto amarelo, que brilhava no escuro, e um garoto fortão de dentes além das imagináveis tonalidades de branco; e o do Quatro, era um garoto franzino de quinze anos que só falava idiotices. Eles eram bem legais, mas não estava me sentindo muito bem, portanto acho que não fui tão amigável quanto queria com eles. Sentia-me deslocada. Não estava muito disposta a fazer amigos no momento. Só tinha vontade de me fechar e passar o dia — ou a maior parte dele — na enfermaria — como fiz ontem — e fazer a minha cota limite de perguntas por dia — elas correspondiam a quase tudo que sei hoje.
Mas não poderia fazer o mesmo amanhã, começaria a treinar. E dia 3 de outubro iriam iniciar as minhas aulas particulares na biblioteca.
Nunca imaginei que faria aulas particulares, muito mais para aprender sobre a Mutação. Ou melhor, a "minha" espécie Sarlen e todo o resto. Entretanto não reclamei, eu não precisaria mais de estudar afinal. Aqui eles só estudavam até os dezesseis anos! Então eu tinha quase um ano a mais de ensino. O que me levou a pensar ser mais inteligente do que eles, mas... estava completamente errada — descobri ao trocar meias palavras com alguns deles. Então, só teria essas aulas mesmo para saber o básico — para não dizer "Matéria de Primário" —, e o básico aqui era saber sobre eles mesmos. Bem, eu seria muito burra então, nunca iria entendê-los. Muito menos, me entender.
Estava aqui por um tempo indeterminado e motivo desconhecido. Convivia com a falta da minha família e amigos, e não tinha um simples celular ao meu alcance. De início, fiquei muito nervosa porque não conseguia imaginar nenhuma outra forma de falar com eles e, às vezes — uns 70% do meu tempo —, acreditava ser uma prisioneira — também tive a leve impressão de que até o correio não atuava nesta região, por sinal. Só que não fazia sentido eu dar ataque e passar todos os dias remoendo o motivo de estar aqui, já que, aparentemente, estava destinada a ficar. Em nenhum momento ouvi uma data de volta, nem darem a entender. Aceitava os fatos com todas as minhas forças, não queria parecer ser tão fraca quanto era de fato.
Pensando melhor, por que não conhecer melhor este lugar? Conhecer mesmo. Entrar nos lugares, ver as pessoas. Não estava a fim de conversa, mas poderia observá-los em sua rotina. Queria gostar daqui e podia ser capaz.
Levantei da minha cama e saí do meu mais novo Cubículo — nome carinhoso dado ao meu quarto.
[...]
Claramente, as Fogueiras eram a parte mais interessante do Círculo Central, a área principal do Refúgio. Não conhecia as outras regiões, como, por exemplo, a Colheita. Mas aqui, onde vivíamos, as Fogueiras eram aquela região onde todos se reuniam... O coração do lugar.
Sentei em um dos troncos dispostos e fiquei prestando atenção no movimento ao redor. Sendo assim, foi impossível não perceber o alvoroço se formando perto da entrada da "Vila Principal". Enormes letras retorcidas em ferro escreviam o nome bem no alto da entrada, acompanhadas de uma cerca alta e vazada contornando toda aquela Vila.
A minha curiosidade começou a falar mais alto, então me levantei e fui ver o que poderia ser tão interessante.
Logo de início, não consegui ver nada além de um pinheiro grosso com um tecido aveludado bege sobre a bunda de um animal de mais ou menos um metro de altura na base de seu tronco. Um rapaz estava extremamente nervoso — imaginei ser com alguém, alguém que eu não conseguia enxergar por causa das pessoas —, mas persistia em acariciar o topo da cabeça do animal enquanto se forçava a cantar calmante uma canção a ele.
Só que eu não precisaria conhecê-lo para poder dizer com certeza que enquanto continuasse precisando pausar entre uma frase e outra para fazer uma reclamação, ficaria menos do que estressado.
Foi quando uma senhorinha de cabelos platinados e corpo levemente débil, interviu. Tomando a frente da situação.
Esquivei-me de mais um grupo de pessoas, chegando o mais próximo que conseguia. Mesmo assim, continuei sem poder decifrar que espécie de bicho era aquela. Tinha a cara parecida com a de um potro, patas frontais de um veado e poderia jurar com convicção ter visto brevemente a ponta um longo e fino rabo sob o tecido. Além dele estar preso por um chifre em sua testa à árvore.
"É sério! Eu juro que aquilo parecia um unicórnio," disse perplexa uma garota, passando atrás de mim. "E aposto que isso deve ser também."
"Você está ficando maluca, Georgie? Eles não existem, se fossem tuquiartos poderia até acreditar" discordou a outra ao seu lado. "Não vê que é apenas um veado?"
"Podem existir camaleões com bicos de tucanos, mas eu não posso ter visto um cavalo com chifre na floresta?" questionou Georgie e a segunda riu. "E claramente esse bichinho também tem um."
"Não seja boba. Digo isso por sabermos que unicórnios já foram extintos entre nós há anos. Além de que, normalmente, os chifres dos veados nascem em tempos diferentes."
Unicórnios e... tuquiartos? Nunca havia escutado sobre tal animal, mas achava a ideia engraçada. Eu nunca levei os contos de fada muito a sério desde pequena, me fazia achar divertido os outros acreditarem tão fielmente... Espera, isso me lembrava... alguém.
"Você quer aprender a desenhar um unicórnio?"
Balancei a cabeça na tentativa de me livrar da vozinha em minha cabeça. "Por favor!", soou novamente.
Eu não estava bem?
"E eu te empresto o meu lápis rosa favorito!"
O quê? Para!
"Qual ficou mais bonito?"
Não, eu estava. Eu conhecia esta voz... Conhecia?! Sai dali rapidamente, precisava saber.
— Com licença... — pedi a primeira pessoa que achei fora daquele tumulto, nunca tinha o visto antes.
— Mathias Oleg — disse.
— Anne.
Devia dizer o segundo nome?
— É Anne Bethany.
— Prazer.
Ele ficou me olhando como quem diz "O que tem a dizer?"... Provavelmente porque eu quem o chamou.
— É... Você sabe onde ficam as crianças? — perguntei a Mathias Oleg, um garoto de cabelos encaracolados cor de mel e que até então lia um livro ferozmente ao meu lado.
Ele olhou desentendido.
— Está se referindo a crianças de qual faixa etária?
— Bem, eu não sei... — comecei.
Era uma voz fina e doce. Não parecia ser de alguém com mais de cinco anos.
— Entre os três, quatro, até mesmo cinco anos.
— Olha, não tenho certeza, mas as crianças desta média costumam ficar em moradias ao final da Vila Quatro — olhou para cor da minha camisa. — A não ser que seja uma Buscadora, acho melhor que mude sua roupa, Anne. Anne Bethany.
Eu já tinha escutado sobre esta "Regra das Cores". Se você entrasse com uma camisa de outro Grupo em uma Vila, sem ser convidado, tinha que se retirar.
— Ah, muito obrigada!
— De nada. Passe bem — e voltou a cabeça para o seu livro com um de seus cachos caindo sobre a testa.
— Você também — disse, mesmo pressentindo que não seria escutada.
Olhei para frente e estava a uns vinte passos do Estabelecimento de Roupas — tinha de arrumar uma forma para melhor chamar estes lugares, achava estranho chamá-los de Carpintaria, Jardinagem, entre outros, como faziam. Fui até lá.
— Olá, bom dia! — disse a uma garota de cabelos presos, mudando uma caixa de papelão cheia de roupas de lugar.
— Bom dia! — exclamou, virando-se a mim. — De que precisa?
— Uma camisa preta pequena.
— Poucos pedem por isso — comentou, rindo. — Tanto que estamos com falta. Mas acho que tenho algumas ainda, só que são no tamanho G. Precisa com tanta urgência assim? Teremos mais em alguns dias e estamos com bastantes do Grupo Um — informou, referindo-se a cor da minha camisa.
— É... Sim.
Ela estranhou um pouco, mas não interrogou a fim de não ser mal-educada.
— Okay, vou pegar — disse, indo até as caixas ao fundo.
Depois de revirar duas delas, apareceu com uma camisa preta.
— Aqui está — e me entregou.
— Obrigada.
Desdobrei a camisa. Ela dava duas Annes dentro.
— Avisei que só tínhamos em tamanho grande — comentou, revisando o meu tamanho e da roupa.
— Nossa, perfeito! — menti e coloquei a camisa de mangas curtas por cima da minha regata. — Obrigada novamente! Tenha um bom dia! — e fui saindo.
— Para você também — sussurrou desconfiada.
Tinha quase certeza de que ela me vigiou a fim de saber aonde eu iria. Não queria imaginar no que ela estava pensando. Devia pensar que eu planejava invadir alguma Vila para fazer alguma besteira, mas não me importei. Apenas esperava que sua desconfiança não me gerasse futuros problemas.
Corri até a Vila Quatro, ato bem normal por aqui — eles corriam tanto quanto andavam. Logo ao entrar alguns me lançaram olhares de estranhamento, não sabia se era por causa da minha cami- sa/vestido ou se reconheciam que eu não era dali. Porém, ignorei-os e apressei o passo até o meu objetivo.
Parei em frente à porta de onde vinha o barulho de crianças correndo e gritando. Quando eu entrar farei o que? Irei pergunta por uma menina apaixonada por unicórnios? Quantas crianças amam unicórnios?
Eu devia voltar. Recuei.
Mas pensando bem, também não ficaria com essa dúvida me perturbando. Bati na porta e esperei por uma resposta, mas não recebi. Com todo o barulho não devem ter escutado, então abri assim mesmo.
— Com licença.
E algumas das crianças que corriam pararam por um instante para focarem em mim.
— ANNE! — gritou uma menina de cabelos loiros com um chifre de papelão mal pintado cheio de purpurina amarela, correndo até a mim.
Como saberia o meu nome? Só podia ser ela a amante de animais mágicos. Abaixei-me a sua altura e a abracei — ou melhor, ela me abraçou.
— Por que você não apareceu aqui antes? — perguntou com uma nítida tristeza. — Eu senti tanto a sua falta.
— É que... que... eu estava doente, bastante. Tive de ficar na enfermaria por um tempo.
— E você está melhor agora? — perguntou, franzindo as sobrancelhas de preocupação.
— Sim, sim. Bem melhor, muito melhor.
— Que bom! Você já foi conversar com Axel? Ele também deve estar com tanta saudade de você.
Axel? Eu não conhecia nenhum Axel! Seria melhor eu não perguntá-la quem ele era — se existisse um "ele" —, nem a reconhecia e não queria magoá-la demonstrando que não sabia sobre o que falava.
— Não tive tempo.
— Mas você vai, né?
— Ah, sim.
— Promete?
Prometer ir falar com alguém que poderia nem existir não seria de fato uma promessa, estou errada? Ela podia ser o tipo de criança com amigos imaginários.
— Prometo.
— Ruby, rápido! Antes que eles invadam o nosso castelo — gritou uma princesinha de inúmeras tranças em seus cabelos crespos e uma coroa de papel cheia de purpurina rosa e roxo.
— Tudo bem, estou indo! — gritou a ela. — Não deixa de vir me ver, tá? Por favorzinho! — implorou, voltando-se novamente a mim.
Seus olhos grandes azulados eram suplicantes e não podia decepcioná-los.
— Pode deixar.
Ela me abraçou novamente, desta vez até mais forte.
— Desculpas, mas se eu deixar Juliet sozinha, ela vai ficar muito triste — cochichou.
E antes de sair correndo até o outro lado da sala me deu um beijo molhado na bochecha. De onde eu a conhecia? Por que ela tinha um carinho tão grande por mim? Será que ela realmente sabia quem eu era?
Provavelmente, sim. Como ela saberia sobre mim e eu me lembraria de sua voz, se não a conhecesse? — Olá — disse uma voz feminina ao meu lado.
Era uma moça de roupas brancas, devia ser a responsável por eles. Pude perceber que ela reparou em minha vestimenta, mas não quis ser indelicada.
— Olá — disse, voltando a ficar de pé. — Prazer em conhecê-la, sou April! Esta não disse o segundo nome.
— Prazer em conhecê-la também! Anne. Deu um sorriso de canto.
— Você conhece Ruby?
— Acho que sim.
Não era uma resposta muito normal de se dar, mas eu não tinha certeza absoluta.
— Não sabia que ela conhecia mais alguém por aqui — comentou. — Desculpas, mas não tive como não ouvir a conversa de vocês. Você conhece Axel?
— Para ser bem sincera, não tenho a mínima ideia de quem ele seja. Não queria deixá-la mal. Ela sorriu, mas logo pude perceber uma mudança em seu semblante.
— Chega a ser bem estranho você não ter a mínima ideia de quem ele seja.
— Tudo me parece ser bem estranho... Não sei direito como vim parar aqui.
Ela não compreendeu, mas concordou com a cabeça. Devia ser bem esquisito para ela, como seria para qualquer outra pessoa, eu ter perdido a memória sem ter sofrido nenhum trauma. Pensei que essa seria sua próxima pergunta, no entanto não.
— Então como está sendo a sua adaptação? Já conheceu o lugar? — perguntou, tentando puxar assunto.
— Ah, sim. Jack, um grande amigo meu, me apresentou.
— Andou fazendo amigos então.
— Oh, Jack é um velho amigo, nem conta. Mas andei fazendo sim, ele mesmo me apresentou umas pessoas bem legais do Grupo dele.
— Devem ser bem próximos.
— Sim, somos... Bastante.
Era o que ele dava a entender e eu sentia ser. Tinha me aproximado muito dele em pouquíssimo tempo, o que me levava a pensar sermos muito amigos mesmo.
Ela estava pensativa e do nada disse:
— Perdoe-me a intrusão. Porém, como você lembra tão bem desse Jack, se você mesma disse não se lembrar de quase nada?
Ela desconfiava de mim ou isso era apenas curiosidade? Eu não gostaria de responder essa pergunta.
— Não sei. Mas, diferente de todo o resto, ele, a minha família e amigos são o que me lembro melhor. Sendo que até mesmo ele me causa muitas dúvidas. Lembro, mas não por completo.
Ela finalmente deu a entender estar convencida das minhas palavras. Será que eu parecia uma alucinada?
— Entendo — disse por final.
Depois de uns quinze minutos brincando com a agora conhecida Ruby, decidi ir embora. Precisava ficar sozinha, precisava pensar. Eu e a minha mente confusa. Apenas eu e eu.
...
Anne.
Ninguém mais sofrerá em minhas mãos..., prometo-me antes de reler o bilhetinho de Ruby e guardá-lo
novamente.
"Você tem problemas que estão te deixando muito triste, né? Eu entendo. Não se preocupe comigo, já estou bem grandinha. Sei até escrever.
De: sua Ruby."
Quando Ruby começou a amadurecer tanto? O tempo para ela parecia ser outro. Agia e pensava como crianças com o dobro da idade. Ser um Sarlen é ter sua infância devorada? Ela deveria estar começando a rabiscar as letras do próprio nome, não elaborando frases impecáveis.
Observo-a com dor no coração.
Segurava o caroço de manga como se fosse a única coisa que lhe restasse. Então levantou o olhar aguado ao meu alcance pedindo permissão para continuar a proeza. Concordei com a cabeça sem pensar duas vezes, não precisaria tanto quanto ela. Rompeu a casca do fruto com a boca e o devorou com extrema rapidez... Pressenti que, infelizmente, não estava sendo capaz de esconder dela o meu receio sobre quando teríamos alguma refeição durante as próximas horas.
Ela lambeu o suco das bochechas, não mais tão sobressalentes. As roupas de menino estavam caindo sobre os ombros esbanjando saboneteiras fundas que não deveriam estar ali, nada pertencia àquela antiga menina.
Que Deus — ou seja, lá quem esteja me punindo pelos meus atos — me perdoe, mas eu preciso caçar.
Você ficará bem, nossa Ruby.
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