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Minha mãe estava muito abalada com a prisão do meu pai e até achou que a noite poderia acabar sendo desagradável, já que o que motivou a visita dos pais do Daniel foi o desfecho do meu pai. Mas ficou claro que aquilo não passou de um gatilho. O jantar de ontem não poderia ter sido melhor, e o tempo que passamos juntos foi maravilhoso. O ponto alto daquela noite foi o convite que fizemos ao Daniel. Eu já estava ansiosa por aquele momento desde que o Douglas conversou comigo a respeito.
Quase chorei quando me dei conta de que o Douglas deixou para trás toda a rivalidade que eles tiveram. Rivalidade que já não se tratava mais de mim, e sim da Bia. O que mais me surpreendeu, é que ele entendeu que o Daniel não estava tentando ser pai de Ana Beatriz, apenas tem um carinho especial por ela. Isso tudo sem que eu precisasse quebrar a promessa que fiz ao Daniel, de não contar para ninguém que ele é estéril. Isso faz com que ele tenha sim, um carinho paternal pela nossa filha, mas não minimiza o Douglas como pai e não é um fator relevante.
Outra coisa que deve ter feito o Douglas deixar as desavenças de lado, foi o fato do Daniel ter passado por poucas e boas por culpa do meu pai. Na verdade, todos nós sofremos com as atitudes ridículas dele. Douglas e eu tivemos conflitos quase impossíveis de serem resolvidos. Dona Ana adoeceu mais rápido e sofreu muito achando que o filho estava morto. Minha mãe foi traída da pior forma, e Kássia descobriu quem é o nosso pai. O que todos queremos agora, é paz e harmonia.
Douglas e eu levamos muito tempo para colocar todos os pingos nos is, e agora que estamos bem, sensação que fica é que não há mais segredo algum entre nós. Durante o fim de semana, quase pedi para ele me prometer que nunca mais tomaria uma decisão sem pelo menos ouvir minha opinião. Mas parei para pensar por dois segundos e me dei conta de que não seria necessário. Douglas já tem feito isso. Me levou ao restaurante e priorizou ouvir meu ponto de vista. Inclusive sobre cada detalhe da reforma.
— Karen, deixa que eu faço o café — diz ele pela milionésima vez com Bia no colo. A louça do jantar de ontem já havia sido lavada pela minha irmã assim que as visitas foram embora, então tudo o que tenho que fazer é servir o café.
— Não. Fica com ela enquanto eu faço. Você já vai ficar fora boa parte do dia, então aproveita esse tempinho com ela.
— Não me parece uma má ideia — comenta com um sorriso no rosto olhando para nossa filha. Em seguida se senta em uma cadeira perto de mim.
É manhã de terça e eu quis levantar cedo para fazer o café da manhã. Tenho estado radiante nos últimos dias e bem disposta excepcionalmente hoje. Resultado da noite de ontem. Kássia e Edu saíram cedo para caminhar e a sala está vazia. Minha mãe ainda descansa merecidamente, pois logo logo terá que ir trabalhar.
— Pensei em colocar algumas réplicas dos principais pontos turísticos do Rio como parte da decoração do restaurante — diz Douglas.
— Caramba! — exclamo. — Dependendo do tamanho vai ficar bem legal nos painéis das paredes.
A ausência de palavras do Douglas me faz pensar se foi uma pegadinha e eu deveria ter dito que não vai combinar com absolutamente nada. Então olho em sua direção. Douglas está com os olhos semicerrados e sério.
— Como você sabe que coloquei painéis nas paredes?! — sua pergunta faz uma sensação gélida se espalhar por todo o meu corpo. A lembrança do instante em que entrei no restaurante à procura do Douglas invade minha mente. Me deparei com montadores furando e instalando os painéis segundos antes de subir as escadas e presenciar a conversa do Douglas com o delegado. — Quando você esteve lá?
— Não estive lá. Só passei em frente. Mas deu pra ver — falo sem tirar o foco da cafeteira enquanto despejo a água no compartimento.
— Karen, você pode ser boa em omitir as coisas, mas em mentir, não. Principalmente pra mim — diz ele. Me sinto mais encurralada que antes. — Quando você foi lá? E por que não me chamou?
Como ele mesmo disse, não sou boa em mentir para ele. Nunca fui. E não vai ser agora que finalmente nos entendemos que eu vou começar a fazer isso.
— Estive lá no sábado à tarde, Douglas. — ligo a cafeteira e me sento à mesa para passar a veracidade que preciso. — Cheguei a te chamar, mas com todo aquele barulho de obra não deu pra você ouvir.
Uma ruga se forma em seu cenho, e ele fica com olhar perdido pela cozinha enquanto analisa o que eu disse. Provavelmente está juntando peças soltas. É isso que ele faz de melhor e não é por acaso que ele se destacou na polícia federal.
— Sábado foi o dia em que o Ronisthei esteve lá — conclui. — Você ouviu nossa conversa, não foi? Mas só metade, porque se tivesse ouvido tudo, não estaria toda nervosinha e chorosa quando cheguei aqui.
Sinto-me um pouco envergonhada com a conclusão que ele fez, pois isso me coloca numa posição um tanto imatura. Mas o que uma pessoa que já está acostumada a ser colocada em segundo plano faria em uma situação como aquela?
— Eu achei que você aceitaria… — justifico.
— Achou errado. — ele se inclina e põe sua mão sobre a minha. — Eu quero… Eu quero não, eu preciso que você entenda que não existe nada que me faça mudar de ideia. Não quero que quando eu vá pro restaurante você fique pensando que tô envolvido em algum tipo de serviço secreto. Eu escolhi mudar o que eu faço pra que nós três possamos viver com tranquilidade.
Coloco minha mão livre sobre a dele e a aperto entre minhas mãos.
— Eu entendi isso quando você decidiu nos proteger, dispensando a escolta.
Douglas se inclina um pouco mais e beija minha boca com ternura. O som da porta se abrindo avisa que Kássia e Edu já retornaram da caminhada matinal.
— Isso aí, minha gente! Recuperem o tempo perdido — brinca Eduardo ao entrar com uma sacola de pães. Kássia ri da brincadeira.
— Mamãe ainda não acordou? — indaga ela.
— Acordei! — berra uma voz vinda da escada e segundos depois ela surge em nosso campo de visão já arrumada e com sua bolsa no ombro.
O cheiro do café fica mais forte e o som da cafeteira cessa. Então me apresso em levantar para serví-los. Mas no instante em que me impulsiono, uma dor excruciante se espalha pelo meu joelho.
— Merda! — exclamo.
— Acho que não dá mais pra ignorar isso, Karen — diz minha irmã.
— Eu também acho que não — Douglas acrescenta. Trocamos de posição pelo menos duas vezes durante a transa por causa da minha dor no joelho. É claro que ele acha que não dá para ignorar isso.
— O Daniel foi suspenso e só volta daqui dois dias — comenta minha mãe. — Mas deve ter outro cirurgião lá hoje.
— Hoje?! — não consigo esconder minha indignação. Sei que todos estão preocupados e que minha situação está péssima, mas é difícil pra mim. — Gente, Bia ainda é muito pequena e eu teria que ficar longe dela por uns cinco dias!
— Karen, eu sei que isso é assustador. — mamãe coloca sua bolsa no sofá e se aproxima de mim. — Ana Beatriz nasceu bem fraca e demandando muitos cuidados. Mas agora ela está forte e recuperada. Você pode relaxar um pouco e cuidar de si.
Não consigo evitar que suas palavras atinjam-me em cheio.
— Pequena, você não vai querer que esse problema piore mais e acabe afetando sua qualidade de vida. Bia vai crescer mais e vai precisar de você bem, e não que pareça uma velha de oitenta anos.
Sorrio em meio às lágrimas que estou evitando deixar cair e me limito a ficar em silêncio para ter sucesso em não chorar.
— Mas como ela vai se recuperar tendo que subir escada? — minha mãe questiona.
— Vou me mudar para a casa do Douglas com a Bia. — todos mudam o semblante e ficam surpresos com minha declaração. — Aliás, vocês não precisam continuar procurando casas. Podem ficar aqui.
— É uma ótima ideia! — diz Edu olhando para a Kássia brevemente em busca de aprovação. — Nós pagamos o aluguel da casa e vai ser mais uma segurança pra você enquanto não volta a trabalhar. Não que eu esteja dizendo que o Douglas não vá…
— Eu entendi — falo e todos começamos a rir.
— E eu, gente? — mamãe indaga parecendo triste.
— A senhora fica com a gente — diz Edu.
— Ou pode ir pra minha casa também — Douglas se manifesta. — A Karen vai precisar de ajuda e a senhora é bem-vinda lá. E se quiser ficar…
— Mãe, não chora — peço ao vê-la insegura. Imagino que deve estar se sentindo uma batata quente, como se ninguém a quisesse, mas é exatamente o contrário. Só cometi o vacilo quando esqueci de dizer que ela pode ir conosco.
— Que tipo de genro gostaria de ter a sogra morando sob o mesmo teto?!
— O tipo que gosta da sogra — diz Edu em tom óbvio.
— Ou o tipo que perdoa uma bolsada. — mamãe não resiste à brincadeira do Douglas e substitui o choro por uma gargalhada.
— Você mereceu aquela bolsada. — todos voltamos a rir e a tensão se vai com o tom engraçado que a conversa tomou.
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Aceitar que preciso operar o joelho com urgência não foi tão fácil, mas agora que compreendi melhor a importância disso, decidi esperar apenas pelo imprescindível. E imprescindível nesse caso significa o retorno do Daniel ao Firmino Machado. Eu já tinha em mente que o cirurgião de minha confiança para isso é ele, só não sabia como expor isso durante o café da manhã. Porém, nem precisei. O próprio Douglas perguntou se consigo esperar mais dois dias para que o Daniel fizesse a cirurgia. Fiquei surpresa com mais esse detalhe, e a justificativa que o Douglas usou foi lógica. Foi o Daniel quem operou seu braço e tudo correu bem em sua recuperação. Fui sincera. Não aguento esperar dois dias se tiver que subir a escada. Então decidimos trocar o local onde dormimos. Kássia e Edu vão passar a noite no meu quarto e nós vamos dormir na sala. Bia fica super bem no carrinho e, levando em conta que isso será por apenas duas noites, dá para segurar.
Antes do Douglas ir para o restaurante, entrei em contato com o Daniel e perguntei se teria como ele me atender na quinta-feira para fazermos uma avaliação do caso. Eu já sabia que era necessário refazer o raio-x e, de repente, alguns outros exames também. Fiquei otimista quando ele disse que a avaliação seria breve e que provavelmente, a cirurgia poderá ser no mesmo dia. Então, Douglas disse que se tudo ocorrer dessa forma, ele vai fazer a mudança enquanto eu ainda estiver no hospital. Isso quer dizer que quando eu tiver alta, vou direto para a casa dele. Para a nossa casa. Para a nossa vida.
Depois que Douglas e minha mãe saíram, muitas coisas começaram a passar pela minha cabeça. Hoje e amanhã são meus últimos dias aqui na minha casa. De quinta-feira em diante, vou estar me recuperando de uma cirurgia no joelho e passarei um tempo sem poder fazer muitas coisas. Então, há duas coisas que precisamos fazer antes da cirurgia. Uma é um outro jantar aqui em casa, que será hoje. A outra é o batismo de Ana Beatriz. Ou melhor, apresentação. Faremos essa cerimônia na igreja que Dona Ana frequentava. Foi a forma que escolhemos para que pudéssemos sentir que ela estaria participando de alguma forma. Troquei algumas mensagens com o Douglas durante o decorrer do dia para chegarmos a um consenso sobre isso e não tive muito trabalho. Ele vai passar na igreja quando sair do restaurante e agendar a cerimônia.
Há muito o que comemorar nesta noite. Estamos todos animados com o clima de mudança que pairou sobre nós nos últimos dias e nos permitimos sentir a alegria que isso acarreta. O fim da busca por casas chegou para a Kássia e o Edu, e finalmente eles podem começar a pensar em outras coisas, como o local que servirá de estúdio para minha irmã. Eduardo começa em seu novo trabalho na próxima segunda-feira, então os próximos dias serão de preparação total para deixar tudo nos conformes. Eu vou finalmente corrigir o desvio no meu joelho e, o mais importante de tudo, Douglas e eu somos um só de novo. Melhor dizendo, somos três. E Paola e Wesley precisam saber disso. Os dois estavam preocupados comigo e quero compartilhar com eles minha alegria.
Como o Douglas cozinhou ontem e passou todo o dia fora, Kássia e eu fizemos o jantar da maneira que deu, pois precisei colocar o imobilizador novamente por recomendação do Daniel. Descasquei legumes e misturei ingredientes, mas sentada. Até Eduardo e minha mãe ajudaram. Todo mundo embarcou nessa atmosfera de euforia.
Faz uns dez minutos que me sentei no sofá para amamentar Bia. Essa é uma sensação indescritível, mas me arrisco. Para mim, é a maior troca de carinho que pode existir entre mãe e filho. Enquanto a alimento, criamos um vínculo que ninguém será capaz de criar. É uma pena que nem todas as mães consigam, mas o amor não vai deixar de ser semeado se não houver a amamentação. Há muitas formas de amar, de demonstrar amor, e de receber amor.
Douglas adentra a sala fazendo meu coração acelerar. Desde sábado, eu me sinto como uma adolescente apaixonada e talvez esse seja um dos motivos que mais me deixa com vontade de viver e experimentar cada novidade que o destino possa nos proporcionar.
— Tô morto — diz ao se sentar ao meu lado. Seu semblante é realmente de alguém que não largou o serviço por nem um minuto. Mesmo assim, beija minha boca com a mesma disposição de quando acordamos.
— O que falta para concluir a reforma? — pergunto.
— Limpar a sujeira da reforma. Já fechei o cardápio e tudo que se diz respeito ao que vou oferecer no restaurante. — ele olha brevemente o celular com a tela ainda bloqueada.
— Que horas seus amigos chegam?
— Sabe como são as mulheres, né? A Paola demora pra se arrumar.
— Será que o Wesley demora mais que ela?! — zomba. Sorrio achando graça da piada. — A apresentação foi marcada pra amanhã durante o culto. Avisa o Daniel e à Paola.
— Pode deixar — falo dando uma piscadela.
— Vou tomar um banho e já desço.
Douglas conseguiu tomar banho e se vestir antes dos meus ilustres convidados chegarem, mas por uma diferença mínima de tempo. Foi o tempo dele descer e atender a porta.
— O que tá acontecendo aqui?! — Wesley pergunta desconfiado ao entrar, olhando de Douglas para mim e de mim para o Douglas. Paola entra seguida de Diego.
— Aaah! — Paola grita entendendo tudo. — Vocês voltaram!!!
Não consigo responder. Apenas sorrio e recebo abraços dos dois em comemoração. Diego cumprimenta Douglas com um aperto de mão.
— Graças a Deus! — Wesley exclama. — Não aguentava mais ver essa família separada. Ô, tia Heloísa! Bem que a senhora poderia ter contado pra Paola essa novidade hein. Assim a gente poderia ter organizado um chá de langerie pra sua filhinha.
Mamãe e Kássia gargalham da cozinha enquanto dão os últimos retoques à mesa.
— Ainda podemos fazer. Vamos marcar pra quando ela se recuperar da cirurgia.
Por uns quinze minutos o assunto foi sobre a operação e a mudança para a casa do Douglas, já que uma coisa depende da outra para dar certo. Depois disso, todos nos sentamos à mesa para jantar. Mais uma vez Kássia arrebentou a boca do balão com o pernil assado com abacaxi. Nem parece que hoje é um dia de semana comum.
Após o jantar, um Clube do Bolinha se formou na sala. Douglas, Eduardo e Diego engataram em algum assunto na sala. As gargalhadas dos três deveriam estar audíveis a dois quarteirões. Só nós, mulheres, e o Wesley ficamos à mesa.
— E aí, tia Helô? Conta como está sendo a vida de solteira depois de tantos anos casada?! — a pergunta do Wesley cala a casa toda. O único som perceptível é o de Bia resmungando no carrinho ao meu lado.
— O que é isso?! — ela pergunta chocada. — Tenha mais respeito comigo, garoto!
Paola cutuca o irmão sem nem tentar disfarçar. Mamãe toma um gole de vinho e sorri com o canto da boca.
— Olha só! — ele volta a falar apontando para minha mãe. — Eu tava pressentindo! Tem alguma coisa acontecendo.
Todos os olhares vão do Wesley para minha mãe.
— Recebi um convite pra jantar no sábado — ela revela.
— O quê?! — indago sem conseguir esconder a surpresa. — De quem???
— Eu sou a mãe aqui — diz ela com uma sobrancelha arqueada. — Não tenho que responder todas as perguntas.
Wesley leva a taça de vinho à boca com um fino sorriso no rosto.
— Só diz se vai. Pelo menos. — Kássia insiste intrigada.
— Por que não?! — ela devolve deixando o sorriso se mostrar, depois bebe outro gole de vinho.
É o suficiente para agitar o resto da noite. Wesley já está oferecendo horário no salão e depilação íntima já no pacote. Eu quero me esconder embaixo da mesa, mas não posso fazer isso por inúmeros motivos. Sei que ninguém conseguiu esquecer que meu pai está preso, mas nós estamos livres.
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Olá, amores!
Muitas coisas acontecendo, todo mundo em harmonia, e azar de quem tá no xadrez, né?
O livro está terminado há uma semana e eu estou apenas relendo, formatando e publicando os capítulos. Para que vocês não sejam pegos de surpresa, o livro vai até o capítulo 78. Em seguida vem o Epílogo, um bônus que ainda tô montando (trilha sonora) e meus agradecimentos.
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Capítulo publicado em 08/10/2020
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