53
Ficou combinado assim: Douglas passaria aqui em casa às 7h30 para irmos ao hospital para conversar com a Dra. Layla. Não que tenha sido fácil chegar à esse acordo, pelo contrário. Eu queria ir sozinha e só encontrá-lo lá, dadas as condições em que me encontro. Eu fiquei remoendo aquela minha reflexão durante toda a noite sem conseguir entender as voltas que esse mundo dá. Uma decisão dele que gerou consequências na vida da minha filha e na minha também, agora é o que vai recolher os estilhaços deixados pelo impacto. Se tudo o que acontece na vida das pessoas tem uma razão, qual é a razão disso mesmo?!
Cheguei a conversar sobre tudo isso com a Kássia, mas no fim, senti que apenas despejei minhas preocupações em cima dela, já que minha irmã também não soube me responder. Ela foi outra que deu infinitos palpites sobre quem estaria presente durante a conversa com a Dra. Layla, quem iria junto para buscar Bia, e quem ficaria arrumando a casa para recebê-la. Chegou a fazer uma chamada de vídeo para minha mãe dando a notícia da alta da Bia com a animação batendo recorde. Eu estava muito feliz durante aquela ligação, mas não conseguia demonstrar por estar com a cabeça longe. Sei que em algum momento vou ter que falar para o Douglas como estou me sentindo em relação a isso, só não sei se vou saber identificar o momento adequado.
Mamãe já conseguiu ser uma médica sensata em vez de vó coruja e já proibiu festinha de qualquer tipo. A casa precisa estar o mais limpa e livre de impurezas o possível. A Bia ainda não tem uma imunidade que seja capaz de combater um germe, por menor que ele seja. Ela está super certa. Disse também que o quarto precisa ser como um ambiente estéril. Lá só vai entrar pessoas da família que fizerem a higiene necessária para não passar nenhum vírus para a Bia. Nenhuma pessoa que não seja médica, ou do âmbito familiar mais próximo vai poder ir no segundo andar da casa. Parece um pouco grosseiro, mas precisamos fazer com que a casa seja semelhante a uma UTI. Tudo isso para que ela possa se recuperar em casa. Até aí, tudo bem. O problema vai começar quando eu disser ao Douglas que não quero que ele pague nenhum centavo pelo tratamento da Bia.
O relógio marca 7h55 e eu estou batendo o pé no chão repetidas vezes sem paciência alguma.
— A casa está um brinco, Karen — alega Kássia. — Eu posso ir com você numa boa e de lá nós corremos para a loja de coisas de hospital e voltamos para ligar tudo aqui e depois... — suas palavras são abafadas pelo som da buzina de um carro. — Filho da mãe! Foi chegar justo agora...
— Também não tô à vontade com isso — digo para que ela saiba que prefiro sua companhia em vez da companhia dele e me levanto do sofá.
— Me liga se precisar de alguma coisa.
Nos abraçamos forte e eu saio. Não é o mesmo de um tempo atrás. Em outras épocas, antes de toda essa farsa, eu estaria com um sorriso no rosto ao entrar no carro do Douglas para ir com ele a qualquer lugar que fôssemos. Mas hoje, existe um muro entre nós dois.
— Desculpa, eu sei que eu marquei às 7h30 em ponto, só que...
— Tudo bem — interrompo. — Acontece.
Douglas aceita minhas palavras sem continuar sua explicação. Não sei se ele acreditou que eu não me importo ou se no fundo sabe que eu só quero evitar assunto entre nós. Então, ele dá partida no carro. Esse muro vai ter que cair cedo ou tarde, pois temos uma filha. É um elo para toda a nossa vida e sei que precisamos nos dar bem e ter um bom diálogo.
Mas o que quer dizer esse muro que está nos separando?
Penso nos motivos que levam uma pessoa a construir um muro propriamente dito, no sentido literal da palavra. Para ter segurança? Sim. Para se proteger de algo? Sim, também. Para se abrigar? Se defender? Então eu prefiro que esse muro se mantenha de pé. Eu confiei no Douglas quando disse que se afastaria da polícia por mim e pelo nosso filho quando ainda nem sabíamos que seria uma menina. Ele quebrou a confiança que eu tinha nele e todo o resto também. Não tem como ele me machucar se eu continuar mantendo essa distância entre mim e ele.
— Tem uma coisa que eu queria te perguntar — a voz do Douglas corta os meus pensamentos os substituindo por aflição, o que me impede de falar qualquer coisa. — Aconteceu alguma coisa na hora do parto da Bia?
— Como assim?! — questiono achando ridículo que ele possa imaginar que aconteceu algo enquanto o Daniel me socorria.
— Alguma complicação... — diz tentando ser mais claro. — Você tem andado devagar... meio que mancando...
— Ah... É... — hesito pensando em como e se devo explicar. — Não tem nada a ver com o parto — declaro e encerro por aqui.
— Então tem a ver com o quê? — insiste ele. Tento focar na paisagem na rua para não deixar transparecer que estou desconfortável com a insistência dele.
— Uma queda. Eu caí já faz um bom tempo. Lesionei o joelho e está calcificando errado. É isso.
Com minha visão periférica, noto ele me observando. São milésimos de segundos que fazem parecer que estou à cem mil léguas submarinas. É pura pressão.
— Uma queda e já faz um bom tempo — ele repete para si mesmo. — Se eu não lembro disso, é porque eu não estava presente. E se eu não estava presente... — hesita me encarando mais uma vez, só que agora muito mais agitado. — Foi naquele dia, não foi?
Minha respiração soa exasperada dentro do carro com o arcondicionado ligado.
— Foi — assumo. — Mas não quero falar mais disso e nem de nada referente àquele dia, okay?
Noto ele fazendo movimentos de negação com a cabeça, mas faz como eu pedi, nada de mais perguntas ou comentários. Eu odeio que além de sermos pais da mesma criança, ainda tenhamos um assunto tão íntimo em comum. Aquele dia é, sem dúvida, uma ferida aberta na minha alma, que sangra por causa de uma mísera lembrança.
E a tensão se manteve presente dentro do carro no caminho até aqui como se fizesse parte do veículo. Se sofrêssemos um acidente, certamente eu teria um traumatismo craniano quando colidisse com a tensão. Se algum dia passasse na minha imaginação a cena de estar entrando no hospital para buscar minha filha prematura, seria de mãos dadas com o pai dela. Em vez disso, ando cinco passos à sua frente por querer evitá-lo a qualquer custo. Só não posso evitar que entre no mesmo elevador que eu porque tivemos que esperar o próximo. Saímos do elevador lado a lado, o que me faz sentir repulsa no mesmo instante. Isso só passa quando avisto alguém ao telefone que faz meu coração acelerar. Isso é estranho, pois ele disse que estaria de folga hoje.
— Daniel! — falo um pouco alto para que ele ouça na distância em que estamos.
Ele olha na minha direção, mas não sorri como faria em qualquer outra ocasião. Ele não está usando seu uniforme médico, o que confirma que ele não está aqui hoje a trabalho. Só me dou conta de que estou o observando demais quando o olhar do Douglas faz minha pele arder. Disfarço até que finalmente o Daniel está frente à frente comigo.
— Eu estava ligando pra você agora mesmo — diz ele e por pouco não abro um sorriso em resposta. Por sorte, ele nota a presença do Douglas e desvia o olhar de mim para ele. — Douglas — pronuncia ao estender a mão para um cumprimento indiferente, apenas por educação. Douglas assente e responde ao gesto.
— Aconteceu alguma coisa? — pergunto. Daniel não diz que sim nem que não, apenas respira fundo desviando o olhar pela recepção do andar da obstetrícia. — Ah, meu Deus! A Bia...
— Não, não! — ele exclama. — Ela está ótima.
— Então por que você tá hesitante? Você sempre foi tão franco comigo... Diz logo o que tá acontecendo! — peço aflita. Ele olha para o Douglas, então entendo a razão do seu silêncio.
— Se tem a ver com a nossa filha, eu quero que diga na minha frente — Douglas argumenta. Daniel estreita os olhos na direção dele, mas volta a me encarar quando seguro seu rosto o obrigando a olhar para mim. Por que eu estou pegando no rosto dele?
— Fala, pode falar.
Daniel sinaliza para uma porta ao nosso lado, então o seguimos. O cômodo é uma espécie de sala para funcionários. Tem um pequeno armário na lateral e uma mesa com quatro cadeiras. Depois que Daniel fecha a porta, retoma o assunto.
— A diretora do hospital não autorizou a alta da Bia. — sinto uma rachadura se formar de alto a baixo em meu peito. — Ela analisou o seu prontuário e acabou chegando naquele ocorrido... em que você... tomou calmantes e está questionando a sua... Eu sinto muito, Karen.
— Ela tá questionando a minha o quê, Daniel? — pergunto a fim de entender o que se passa ao meu respeito na cabeça dessa diretora.
— A sua capacidade de cuidar de um bebê que demanda tantos cuidados — diz como se ele próprio estivesse sentindo como isso está doendo em mim.
— Não é possível! — Douglas exclama ficando evidentemente agitado com a notícia.
— A Layla me ligou assim que foi informada e eu vim pra cá. Conversei com a diretora por mais de uma hora dando todas as explicações possíveis, já que eu te socorri e trouxe pra cá. Mencionei cada detalhe que conversamos ontem...
— E o que ela disse? — indago com as primeiras lágrimas escorrendo pelo rosto.
— Que vai analisar com calma tudo que eu disse e mais tarde vai dizer se vai ou não autorizar a alta dela.
— Meu Deus...
— Eu vou lá falar com ela — diz Douglas. — Onde fica a sala dessa mulher?
— Você não vai a lugar algum — Daniel fala engrossando a voz. — Tudo o que podia ser feito, eu já fiz. Se você causar qualquer agitação que seja, vai destruir as chances que a sua filha tem de ir pra casa.
— Olha o tom que você fala comigo — Douglas devolve dando dois passos na direção do Daniel. — Você não tá no direito de dizer como devo agir. Trata-se da minha filha.
Me enfureço com as palavras do Douglas e me coloco na frente dos dois.
— Ele tá no direito sim! — grito. — Durante todo esse tempo em que você estava "morto", quem estava me dando apoio era ele. Quem me socorreu quando estava numa poça de vômito, foi ele. Quem me deu a notícia de que era uma menina, foi ele. Quem trouxe a sua filha ao mundo, foi ele! Então não queira ser grosso com o Daniel, pois se tudo deu certo durante esses últimos meses, foi por causa dele!
O silêncio toma conta da pequena sala ao fim das minhas palavras. Douglas respira fundo e desvia o olhar de mim. Daniel, por sua vez, me observa atentamente. Pego meu celular no bolso, mas não sei quem poderia me ajudar nessa questão. Então seguro o aparelho pensando em outra alternativa.
— E se eu for lá conversar com ela?! — pergunto ao Daniel.
— E o que você pretende dizer? — ele devolve.
— Eu não sei... — admito lutando para não perder o controle. — Talvez eu só diga que estou à disposição para responder qualquer coisa... Afinal, ninguém pode falar melhor por mim do que eu mesma.
Daniel continua a me observar como se analisasse minha ideia. Depois passa mão pelos cabelos os movimentando como as páginas de um livro. Ele só faz isso quando está muito tenso. A última vez que o vi fazer isso, foi quando eu praticamente tentei seduzi-lo na minha casa, depois que jantamos no japonês do primo do Diego.
— Isso pode ajudar — diz ele. — Mas só responda o que ela perguntar. — assinto esperançosa. Se ele concordou, é porque realmente acha que ela pode querer me ouvir. — Você espera no saguão. Desça pelo elevador geral. Karen e eu vamos pelo elevador restrito — ele avisa ao Douglas, que evita contato visual com ele e se limita a um gesto positivo.
Saímos os três da sala. Daniel e eu seguimos em uma direção, e o Douglas em outra. Pegamos o elevador restrito aos médicos, onde colegas dele o cumprimentam com simpatia. Fico pensando e ao mesmo tempo comovida com a forma que o Daniel se envolve com a minha causa e da minha filha. Será que outra pessoa faria o que ele está fazendo, deixando de curtir sua merecida folga para vir ao hospital tão cedo e ainda bater de frente com a decisão de sua chefe? O que eu faria sem uma pessoa assim na minha vida?
A porta do elevador se abre e estamos de volta ao térreo, onde fica a sala da diretora. A sensação é amedrontadora, como se eu tivesse feito algo errado e agora precisasse me explicar. O pior é que basicamente, é isso. Quando estamos prestes a bater à porta, ela se abre subitamente revelando alguém que eu jamais esperaria que estivesse lá dentro. Meu pai se surpreende ao me ver e chega a paralisar por um par de segundos, mas depois abaixa a cabeça e segue caminho para fora.
— O que será que ele veio fazer aqui?! — pergunto já tendo uma vaga noção. Porém, não sei se ele seria capaz de conspirar contra mim novamente.
— Não faço ideia. Só tenta não deixar isso te desconcentrar, tá bom? Vamos manter nosso plano.
O tom que o Daniel usa para falar comigo me conforta, me tranquiliza e me faz voltar a pensar no foco principal do assunto: a Ana Beatriz. Assinto e volto a deixar que ele bata à porta. Uma sensação gélida percorre minhas veias durante o tempo em que aguardamos que ela nos atenda, o que não demora muito. Uma mulher alta, negra e de postura firme surge.
— Dra. Lígia, tem um minuto? — Daniel toma a frente. A mulher não responde com palavras, apenas abre a porta dando espaço para entrarmos.
— Bom dia, Dra. Lígia — cumprimento-a ao passar por ela, que faz um gesto positivo com a cabeça.
Olho para trás e noto a porta se fechando, quebrando meu contato visual com o Daniel e me fazendo lembrar que neste momento, ele não vai poder estar presente. Eu preciso fazer isso sozinha.
— Sente-se, Dra. Karen — diz ela ao dar a volta pela sua mesa. Sento-me e respiro fundo.
— Doutora, eu não quero tomar muito o seu tempo — inicio. — Só queria dizer que estou à disposição para esclarecer qualquer coisa sobre o que a senhora viu no meu prontuário. — estranhamente, Dra. Lígia não diz nada. Apenas estuda cada expressão que eu faço. Receosa, volto a falar. — Eu sei que pode parecer inviável permitir a alta de um bebê tão frágil e que precisa de tantos cuidados à uma mãe que passou pelo que eu passei, mas...
— Eu sei — diz ela entrecortando minhas palavras. — Seu pai já me contou que te orientou a voltar a fazer terapia e que contratou um serviço de homecare para te ajudar a cuidar da Ana Beatriz em casa.
— Ele disse isso?! — questiono abismada.
— Sim. Estou levando isso em consideração juntamente com as informações que o Dr. Daniel me passou. Além da senhora e do seu pai, sua mãe também é médica, e uma amiga próxima é enfermeira. Certo?
— Sim, sim. A Paola Martins — confirmo ainda incerta do que tudo isso quer dizer, afinal.
— A Dra. Layla ficará a cargo de fazer duas visitas domiciliares por semana. Tudo bem para a senhora?!
— Ah... Na minha casa? — pergunto um pouco confusa.
— Sim, ou a senhora pretende se instalar com sua filha em outro local, como a casa de seus pais?
— Não, não... Vamos para minha casa mesmo, já está tudo arrumado só esperando por ela — digo começando a acreditar que Bia vai para casa.
— Bom, devido a todos os imprevistos, a alta dela vai ser adiada para amanhã, tudo bem?
— Sim, claro! — exclamo. Não estou no direito de reclamar. Bia vai poder ir para casa e isso é oficial agora. Estou nas nuvens.
— Então vou preparar a papelada — diz ela. — Feche a porta quando sair.
— Obrigada, Dra. Lígia — agradeço enquanto apertamos as mãos. Em seguida, começo a andar em direção à porta com a melhor sensação do mundo.
— Dra. Karen — volto-me à diretora novamente. — Você tem os melhores amigos e familiares que alguém poderia ter.
— Eu sei — falo sorrindo, concordando em pensamento e me esforçando para não transparecer que isso não se aplica ao meu pai.
Saio da sala e fecho a porta como ela pediu. Daniel me encara apreensivo esperando por alguma palavra minha.
— Ela vai pra casa amanhã — anuncio sem esconder o quanto estou feliz.
Daniel sorri e me abraça forte em comemoração pela notícia. Meu peito, que antes não comportava o ar que eu precisava, agora inspira o cheiro desse abraço.
— Eu tô muito feliz por você — diz ele sem me soltar.
— Muito obrigada, Daniel — agradeço. — Eu não sei se ela teria deixado se não fosse por você.
Ele me solta e então percebo que o Douglas está bem ao nosso lado.
— Ela vai pra casa amanhã — repito já que não sei se ele estava aqui há um segundo atrás, pois não consegui enxergar ninguém além do Daniel.
— Graças a Deus! — ele exclama liberando um suspiro pesado. — Quero dizer, graças a você — se corrige direcionando suas palavras ao Daniel. — Desculpa pelo jeito que eu falei com você, cara. Eu só estava nervoso por causa da situação. E na verdade... Eu devo é que te agradecer pelas coisas que você fez, por ter cuidado da Karen, por ter ajudado enquanto eu não estava aqui.
— Não precisa me agradecer, eu não fiz isso por você — Daniel responde sem soar rude, apenas esclarecendo o que é um fato.
— Mesmo assim — Douglas insiste. — As duas estão bem e devo isso à você. Obrigado — Douglas estende a mão para agradecer com um aperto de mãos, e por um milésimo de segundos, ele não fica no vácuo.
— Será que a Layla está muito ocupada? — pergunto tentando quebrar a tensão do momento. — Eu queria tirar umas dúvidas com ela.
— Vou lá em cima ver pra você — Daniel diz de forma gentil. — Também preciso falar com ela. Fica de olho no celular. Se ela puder te atender agora, vou mandar uma mensagem avisando.
Assinto um pouco desanimada. Preferia que ele me chamasse para ir junto, porém, isso iria significar que o Douglas também iria.
— Podemos tomar aquele café agora?! — olho para a cafeteria do hospital e vejo que não tenho muitas opções.
— Podemos.
Um café costumava ser uma pausa para colocar as ideias em ordem, ou simplesmente me abster de encarar certas realidades. Isso em épocas em que eu trabalhava em um hospital. Neste exato momento, eu não sei dizer com exatidão o que seria melhor a se fazer. O aroma agradável do café me permite abrir uma janela no tempo, por onde eu apenas inspiro o momento que antecede o que pode ser um raio de sol, ou um trovão.
— Preciso pedir desculpas a você também. — o tom de voz do Douglas soa como alguém que está se esforçando para fazer as palavras saírem da boca. Só não sei se suas palavras estão sendo sinceras. — Eu sei que eu tô explosivo e sendo grosso com pessoas que não merecem isso de mim.
— Você precisa pensar antes de falar — declaro. — Tem uma razão pro Daniel se sentir na condição de opinar e não tem a ver com ser médico.
— Eu sei — assume a contragosto. — Ele... cuidou de vocês como se... — hesita.
— Como qualquer amigo de verdade faria — completo suavizando e inibindo qualquer que seja a opinião dele. Douglas coça a barba por fazer e permanece em silêncio. Depois leva a xícara de café à boca.
— Karen, eu voltei agora. Sei que ele é seu amigo, mas quero esclarecer que eu não vou mais deixar falhas pra serem preenchidas por outras pessoas.
— Sei — falo presunçosa. — Isso inclui chegar comprando uma UTI pra sua filha que nasceu enquanto você estava brincando de 007? — Douglas me olha com o cenho franzido. — Foi bom tocarmos nesse assunto, Douglas. Eu não quero que você compre nem um pacote de gaze com esse dinheiro.
— E por que não?! É fruto do meu trabalho!
— Eu posso não ter estudado psicologia, mas posso te dizer que pagar por todos esses equipamentos não vai fazer você sentir que está compensando a falta que fez pra gente.
— Karen — ele pronuncia meu nome e de repente parece que está sem palavras. Saboreio essa sensação porque sei que ele quer compensar coisas que nunca serão compensadas. — A gente nunca vai conseguir se entender se você ficar jogando essas coisas na minha cara.
— É exatamente isso, Douglas. A gente nunca vai conseguir se entender porque eu nunca vou esquecer o que você fez.
O toque da mensagem que eu estava esperando põe fim à discussão sem que o Douglas precise responder o que eu acabei de falar.
Daniel: A Layla está se preparando para entrar em cirurgia, mas me pediu para conversar com vocês. Estou descendo.
Eu: Tá bom.
No fundo, eu sei que não é qualquer amigo que faz o que o Daniel fez e ainda faz por mim. Tenho percebido que dos altos e baixos que tivemos ao longo do último ano, sobrou o carinho. O Daniel e eu não chegamos a ter algo sério, não que não fosse isso que ele queria, mas não aconteceu porque eu não tive maturidade para entender que eu não precisava me jogar de cabeça em um compromisso com ele. Eu poderia ter curtido o momento, e ele me conquistaria dia após dia. Digo isso com segurança agora, pois isso acabou acontecendo inevitavelmente. O tempo passou e ele continuou sendo um amor, estando ao meu lado e literalmente me apoiando em tudo. É tardio, eu sei, mas vê-lo encurtando a distância que separa a cafeteria da saída do elevador, me faz amaldiçoar o dia em que eu optei por não tentar quando poderia ter ficado com ele, e estar até hoje.
Daniel toma o assento vazio ignorando a cara de insatisfação do Douglas e começa a falar.
— Você não vai ter dificuldade nenhuma em cuidar da Bia na sua casa. A empresa de homecare que seu pai de dispôs a contratar foi uma indicação da Layla e...
— O Olivier vai contratar um homecare?! — Douglas questiona intrigado. Então lembro que não dei detalhe algum sobre minha conversa com a diretora do hospital.
— Vai — Daniel e eu respondemos em uníssono. Douglas respira fundo e permanece prestando atenção nas palavras do Daniel. — A Bia respira sozinha, então não vai precisar de suporte respiratório. Só vai precisar de uma incubadora neonatal, uma bomba de infusão e um monitor cardíaco.
— E quanto será que custa isso? Onde eu compro? — Douglas volta a perguntar.
— Já conversamos sobre isso — tento lembrá-lo sem precisar detalhar na frente do Daniel.
— Não vão precisar comprar — Daniel fala. — Eu vou levar tudo pra lá quando sair daqui.
— Ah?! — resmungo sem entender.
— Eu não iria deixar você comprar tudo quando meus pais fornecem esses equipamentos, Karen. — fico incrédula ao ouvir cada palavra do Daniel. — Inclusive eles que deram essa ideia. Provavelmente vão querer visitar vocês. E outra, a Bia vai usar essas coisas por pouco tempo, depois você pode doar, se quiser.
— Mas eu quero comprar tudo... — Douglas tenta dizer.
— Ah, você ainda vai poder comprar muita coisa pra ela, Douglas — diz Daniel dando tapinhas no ombro do Douglas, e devo assumir que tem um tom bem sarcástico nisso. — Bebês gastam muito.
— Mas, Daniel... — tento.
— Mas nada — diz ele a fim de dar um ponto final ao assunto. — Vai pra casa e me espera lá.
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