25
Meus passos e os da minha mãe ecoam contra o assoalho enquanto nos distanciamos dos olhares curiosos. Mesmo depois de dizer aquelas palavras ao meu pai, ainda preciso aguentar o fato dele me seguir e sussurrar desculpas pelos corredores do hospital. Perdi o Daniel de vista desde que saí do quarto e, sinceramente, não faço questão de vê-lo por perto. Nem eu nem minha mãe expressamos qualquer coisa. Talvez nós duas nunca estivemos tão parecidas quanto agora. Ela e eu conhecemos uma versão do meu pai que nunca nos passou pela cabeça, pregando uma mentira digna de novela das nove, mas que dói de forma tão real quanto um tiro à queima roupa.
Uma proposta de trabalho.
Foi o que os dois disseram que o Douglas teve como motivo para enganar todo o mundo. Ele havia me prometido que aquele caso, que se referia ao Alejandro, seria o seu último trabalho, e que depois disso pediria exoneração da polícia. Então, por que ele aceitaria outro trabalho fazendo sua mãe e eu sofrer todo esse tempo? Essa e outras perguntas tentam encontrar respostas dentro de mim mesma, mas a sombra do meu pai atrás de mim chegando até o estacionamento escuro pela noite, não me deixa raciocinar.
— Karen, espera! — ele pede. — Eu preciso falar com você, filha.
— Desculpas não vão desfazer a mentira que você pregou!!! — grito.
— Eu sei... — diz concordando. Ele respira pegando fôlego para falar mais alguma coisa, mas o interrompo.
— O Daniel te contou que eu tive um sonho enquanto eu estava sedada, não contou? — inquiro e não espero resposta, porque eu já sei que sim. — Eu tentei me suicidar por não suportar tanta dor e você me indicou uma psicóloga! Preferiu me deixar acreditar que estava ficando louca a me contar a verdade...
— Mas, Karen...
— Chega! Você não tem o direito de querer fazer a Karen te ouvir! Não depois do que você fez! — argumenta mamãe.
— Eu sei, mas...
— Mas nada, Olivier! Deixe a gente em paz ou eu vou ligar para o Dr. Wagno e pedir para dar entrada no divórcio agora mesmo! — meu pai fica sem palavras diante do que mamãe acabou de falar. Só então ele para de andar e nós continuamos seguindo. Após alguns segundos, ela para e se volta a ele mais uma vez. — Mesmo assim, talvez eu faça isso.
— Mãe, o problema é comigo... — sussurro quando alcançamos o carro.
— Exatamente. Ele foi capaz de colaborar com essa farsa e mentiu para própria filha! Até para a Dona Ana. Para todo mundo! Nem se preocupou com o fato de você estar grávida. Como eu vou conseguir conviver com uma pessoa dessas?! — em vez de responder, me desfaço em lágrimas enterrando meu rosto entre os seios da minha mãe. Me sinto tão indefesa quanto uma criança que acha que só assim, está segura. — O que você vai fazer agora, filha? Fala e eu vou te ajudar.
— Eu quero o Douglas, mãe — digo aos pedaços. — Quero que ele me abrace e faça eu acordar de vez desse pesadelo.
Seu silêncio e o suspiro pesado deixam claro o que eu já sabia: ela não pode me ajudar nisso. Ela não tem como fazer ele aparecer e me levar para casa, para que a gente possa continuar de onde parou e viver o nosso felizes para sempre. Isso não é um conto de fadas e é óbvio que não será fácil.
Minha dor de ter perdido o Douglas se une a dor de descobrir que eu não o perdi de fato, mas também não o tenho perto de mim. Eu quero poder ter minha chance de perguntar diretamente a ele por que fez isso comigo. Sei que ele tem seus próprios problemas, seus traumas, e sou a pessoa que traz seu eixo de volta ao lugar certo. Sou eu quem consegue fazê-lo enxergar os caminhos pelos quais deve seguir. Ele precisa de mim do mesmo jeito que eu preciso dele.
Enquanto tento recuperar o ritmo certo dos meus batimentos, noto uma figura se aproximando. As lágrimas turvam minha visão, mas não me impossibilitam de reconhecer o Daniel. Só que agora, sem o jaleco.
— Não é bom vocês ficarem aqui — ele diz. — Pode ser que algum repórter queira te importunar por causa do que aconteceu.
— Você realmente se importa com isso?! — pergunto abismada. Daniel devolve um olhar como se eu o tivesse ofendido.
— Karen, eu sei que eu errei — fala ele.
— Não duvido que você reconheça seu erro, mas tem noção de pelo menos uma parcela do que estou passando?!
— Eu sei que esse momento é seu. De... de ficar com raiva de mim ou de não querer mais falar comigo, mas eu preciso falar que não foi fácil pra mim também.
— Ah... Jura? — ironizo. — Foi difícil pra você?
— Calma, Karen — pede minha mãe. Logo dois homens se aproximam. Notando meu pânico, um deles mostra um distintivo da polícia federal. Os homens que o Delegado Kepler deve ter convocado para me proteger. Mamãe sinaliza que está tudo bem e só então volto a encarar o Daniel.
— Foi difícil pra mim, sim. Eu não consegui trabalhar o resto daquele dia, Karen. Fui pra sala de sob aviso e fiquei pensando no inferno que você viveria por causa dessa mentira.
— Então por que não me contou a verdade? Por que não fez nada?!
— Não te contei porque não queria ser o responsável por estragar a sua relação com o seu pai.
— Foi ele quem estragou isso, Daniel. Não iria fazer muita diferença se você me contasse.
— Enfim, eu fiz o que eu pude. Estava sempre por perto, em tudo o que você precisou e...
— Então era isso!!! — constato e ele me olha confuso. — Esse tempo todo você estava tentando lidar com a culpa de ter omitido isso tudo.
— Claro que não! Eu teria feito tudo o que eu fiz por você independente de ter escondido essas coisas ou não.
— Não — insisto. — Você estava tentando se sentir melhor. E eu achando que você era meu amigo...
— Tudo bem... — fala ele. — É seu direito reagir assim. Olha, se você não quiser mais falar comigo e nem me dirigir o olhar, eu vou respeitar. É só você dizer e eu prometo que sumo.
Sorrio achando ridículo tudo que ele disse, inclusive as vírgulas.
— Seria muito fácil eu decidir isso e te mandar pro raio que o parta — falo irritada. — Tipo uma pena de morte, em que o culpado acaba ficando livre de sentença real, não passa por nada que o faça pagar pelo que fez... Você escolhe, Daniel. Vê se o remorso te ajuda a decidir o que fazer.
Daniel inspira fundo passando a palma da mão no rosto. Sabe que não há mais nada a dizer, porém, continua parado em minha frente.
— Dê um tempo à ela — diz minha mãe e em seguida dá a volta no carro para abrir a porta.
Sem mais palavras, entro no carro dando um ponto final nessa conversa que não vai nos levar a lugar algum. Dando partida no carro, minha mãe volta a se manifestar:
— Você foi um pouco cruel com ele.
— Cruel? Quer falar de crueldade pra mim, mãe? — questiono aturdida.
— Ele errou sim, mas ficou do seu lado todo esse tempo. Mas deixa isso pra lá. Só você sabe o quanto está doendo.
— Exatamente — concordo.
— Mudando de assunto, eu sei que você quer distância do seu pai, até eu quero, mas pelo menos por hoje, vamos lá pro meu apartamento. É madrugada ainda. Amanhã a gente pensa no que fazer.
— Como ele vai voltar, mãe? — pergunto me referindo ao meu pai, visto que eles vieram juntos e agora, mamãe e eu estamos indo embora deixando-o para trás.
— Táxi, Uber, a pé... Tô nem aí! — diz olhando o espelho retrovisor. — Por mim, ele nem precisa ir pra casa. — fico em silêncio, apenas sentindo algo estranho correr nas minhas veias. Talvez a sensação de descobrir que aquele homem que conheço desde que nasci, que me ensinou a andar de bicicleta e tudo sobre anatomia humana, é um mentiroso. — Devem ser os policiais naquele carro.
— O quê?! — pergunto desnorteada.
— O SUV preto piscando o farol atrás da gente.
Me endireito no banco e me viro para trás, na intenção de ver melhor. Realmente há um SUV preto atrás de nós. Fico imaginando como as coisas teriam sido se eu já estivesse sob proteção da justiça. O Alejandro jamais teria conseguido chegar tão perto de mim; não teria matado o Théo e nem dado o tiro que permitiu o Douglas de fingir que morreu.
•°• ✾ •°•
Ao contrário de como eram as minhas noites, eu dormi. Dormi como se tivesse entrado em coma. Não percebi quando peguei no sono e nem acordei entre um sonho e outro. Na verdade, nem lembro de ter sonhado, apenas apaguei na cama assim que me deitei e despertei às oito, com o toque do despertador. Foram poucas horas de sono, mas o suficiente para me impedir de ficar pensando nas razões que cada um teve para manter essa calúnia. A única coisa que não deixei para depois, foi ligar para minha sogra. Não contei nada sobre o Douglas por vários motivos. Eu não fazia ideia de como ela iria reagir; não sabia se poderia falar sobre isso pelo telefone, e mesmo que pudesse, não é dessa forma que uma mãe merece saber que seu filho forjou a própria morte. A saúde da Dona Ana está em um estado muito delicado e é preciso cautela para informar algo tão imponente. Apenas perguntei se estava tudo bem com ela, e ela também tinha as mesmas perguntas para me fazer. Disse que soube pela TV que um carro foi alvejado nas redondezas próximas à sua casa e ficou super preocupada, mas a equipe encaminhada à casa dela a informou em primeira mão que estava tudo bem comigo. Eu disse que sentia medo por ela estar lá sozinha, mas mudei de ideia quando ela explicou que nunca está só, e que suas amigas Gilda, Fátima e Helena se revezam para passar a noite lá.
Mesmo que meu corpo ainda esteja cansado, algo faz meu corpo eletrizar e me obrigar a sair da cama. Estico meus braços para o alto expulsando qualquer resquício de preguiça e fecho os olhos enquanto respiro fundo. Quando os abro, dou de cara com meu reflexo no espelho. Eu não troquei de roupa ontem antes de me jogar na cama, só tirei a calça jeans e a jaqueta. Me aproximo do espelho e viro de lado, levantando a blusa. Minha barriga parece ter crescido muito mais na última semana do que nos últimos dois meses. Acaricio a parte baixa do ventre com carinho e leveza.
— É, Bia... Parece que seu pai vai cantar de novo pra você — falo sem conter um sorriso.
Ou não? Por que ele está se escondendo de mim e só apareceu quando estive à beira de uma execução de novo? Onde ele está e por que não me deixou saber a verdade antes? Parece que no mesmo lugar onde eu guardo a minha saudade e amor por ele, também estou começando a guardar raiva e mágoa. Ele não deveria permitir que eu sofresse tanto durante esse tempo. Saber que ele está vivo deveria estar sendo um refrigério, e não me causando inquietação.
— KAREN! — a voz da minha mãe surge do corredor. — JÁ ESTÁ ACORDADA?
— JÁ! — respondo. — VOU SÓ ME VESTIR. — Saio da frente do espelho e visto um short de malha preta, é o tipo de roupa mais confortável para se usar com uma barriga de seis meses. Abro a porta do quarto e não vejo minha mãe. — MÃE! — chamo.
— ESTOU NA SALA! O DELEGADO KEPLER ESTÁ AO VIVO EM TODAS AS EMISSORAS. VEM VER!
Me apresso e chego à sala com o coração na boca. Não por ter andado depressa, mas porque estou muito curiosa sobre o que ele está falando.
Diferente das abordagens que eu estava vendo ultimamente, os repórteres não seguram microfones e gravadores de áudio à altura da boca do delegado. Foi montada uma coletiva de imprensa onde ele está sentado ao lado do governador, do prefeito e de outros líderes políticos. Atrás deles, as bandeiras do Brasil, do Rio de Janeiro e o brasão da polícia federal predominam e preenchem a tela da TV. Me sento ao lado da minha mãe sem tirar os olhos do aparelho. Na parte inferior da tela, algumas palavras chamam a minha atenção.
"Novo chefe da Interpol no Brasil toma posse do cargo após assassinato do Delegado Pedro Henrique Da Matta"
— Não era nessas condições que eu esperava estar assumindo a liderança da Polícia Internacional no país. O mandato do Delegado Da Matta chegou a ser prorrogado para a conclusão do inquérito aberto para colocar o líder do cartel de Medellín atrás das grades, juntamente com outros elementos que faziam parte desse grupo criminoso. Lamentavelmente, o Pedro Henrique perdeu a vida ontem à noite enquanto estava indo para casa. Ainda estamos investigando a procedência desse ocorrido, mas a justiça não para e cá estou eu, assumindo um trabalho que vai perdurar até que tudo seja esclarecido e todos os culpados estejam presos.
Assim que sua primeira declaração é dada, inúmeras mãos se levantam como um pedido de autorização para fazerem perguntas. O Delegado Kepler assente e muitas vozes se misturam. Logo alguém pede organização e aponta para uma repórter na fileira da frente. Imediatamente, todos fazem tanto silêncio que é possível ouvir a respiração do Delegado.
— Já existem especulações sobre o assassinato do Delegado Pedro Henrique ter sido cometido por membros do cartel. Essa informação procede?
O delegado respira fundo antes de responder, parecendo escolher as melhores palavras.
— Não descartamos nenhuma possibilidade. Estamos seguindo qualquer linha de investigação sob sigilo para que nada venha a ser comprometido. Assim que tivermos algo concreto e absoluto para informar, como a motivação do crime, tornaremos o fato público.
Enquanto a nova autoridade policial toma um gole d'água, outro repórter ganha a oportunidade de fazer perguntas.
— Houve um intenso tiroteio ontem à noite cerca de quarenta minutos após o assassinato do Delegado Da Matta. Testemunhas disseram que um carro com 48 marcas de bala foi deixado em plena estrada e 5 corpos foram encontrados no local ao lado de um carro roubado. Em outro ponto próximo, dois corpos foram encontrados dentro de um carro. Essas três ocorrências tem alguma relação? Quem teria sido as vítimas e quem são os atiradores?
Ronisthei Kepler sorri surpreso com a ousadia do repórter e pousa a garrafa d'água sobre a mesa.
— São muitas perguntas... — ele diz. — Os locais já foram periciados e todos os procedimentos estão sendo feitos para checar a relação entre os três acontecimentos, mas nomes, vítimas... tudo isso também vai seguir em sigilo. — mostrando um pouco de impaciência, ele fala: — Só irei responder mais uma pergunta.
Meu coração parece se acalmar no instante em que me dou conta de uma coisa: minha identidade está sob sigilo, e meu nome não foi mencionado em meio às perguntas em nenhum momento. Ainda não sei se esse novo chefe da Interpol é confiável, ou se é uma versão do Da Matta disfarçada, como um lobo em pele de cordeiro, mas estou curiosa para descobrir até que ponto ele está comprometido com esse caso, ou qual o tamanho da importância que ele deposita no Douglas para exigir tamanha farsa.
— O que podemos esperar do seu mandato como novo chefe da Interpol?
Um fino sorriso que ele tinha no rosto com a ousadia da pergunta anterior, dá lugar a uma expressão determinada. Então suas palavras quebram o silêncio.
— Vou começar com o que vocês não devem esperar. Não esperem que eu traga novidades sobre a investigação do cartel toda semana. Não acampem na porta da minha delegacia querendo informações que eu não poderei dar. Não por não saber, mas por não ser coerente da minha parte informá-los, uma vez que seria o mesmo que dizer aos membros do cartel que estamos cada vez mais perto deles. Não contem com isso. Esperem um mandato empenhado de alguém comprometido com a luta contra o tráfico que está quebrando a economia nacional e internacional. Que está matando pessoas inocentes e tirando crianças e adolescentes da escola para vender e comprar drogas. Esperem um trabalho minucioso, com técnica, sem expor nossos colaboradores ou colocar suas vidas em risco. É isso. Há muito o que ser feito. Tenham um bom dia.
Vários flashes são disparados denunciando que os fotógrafos estão registrando atentamente a saída do delegado. Um repórter assume a direção devolvendo a palavra ao apresentador do programa de notícias matinal. Olho para minha mãe sentada ao meu lado e ela me devolve com um sorriso ao segurar minha mão.
— Não é o que parece, mãe — falo quando noto que ela deposita confiança no novo delegado.
— Pode ser que não, mas ele está preservando a sua imagem — responde como se esse fosse o único ponto.
— Ele é a pessoa que fez uma proposta absurda ao Douglas! — exclamo para que entenda. — Ele tem tanta culpa quanto o meu pai e o Daniel. Conspiraram contra mim! Se ele não tivesse oferecido um trabalho, seja lá qual for, o Douglas estaria aqui comigo.
— Não, Karen — discorda ela. — Mesmo que fosse o melhor cargo, o Douglas deveria ter recusado.
Consigo me impedir de chorar, mas meus olhos turvam um pouco quando lembro do momento em que acordei da sedação. Dona Ana chorava inconsolavelmente enquanto minha mãe tentava tranquilizá-la. Eu já sabia o que aquilo significava, mas nunca desconfiei que fosse uma mentira. Daniel tentou começar a pregar a primeira mentira quando disse que fizeram de tudo para salvá-lo e não conseguiram, mas assim que me neguei aceitar exigindo mais explicações, ele não conseguiu olhar nos meus olhos e encarou o chão. Então, meu pai tomou as rédias da situação e, sem hesitar, mentiu para mim e para minha sogra. Cruelmente.
— Eu admito — falo. — Ele deveria ter recusado sim, mas aceitou e eu preciso entender o por quê.
Mamãe franze o cenho e me encara como um pedido de explicações. Me levanto e vou em direção ao meu quarto.
— O que você vai fazer?! — ela questiona. Interrompo meus passos e me volto a ela.
— Vou atrás das respostas.
█▀▀▀▀▀▀▀▀▀▀▀▀▀▀▀▀▀▀▀█
Mais alguém querendo respostas???
Bom, eu estou animada. Já criei o grupo do face, o nome é "O que restou de um ❤" com emoji mesmo em vez da palavra "coração" vou deixar o link na descrição do meu perfil aqui no Wattpad. Para algumas leitoras que são minhas amigas no face, eu vou mandar o convite.
O grupo é fechado porque eu morro de medo de haters, mas não se preocupem, os verdadeiros lovers eu sei quem são e adicionarei todos!
Como ainda não tem membros, não postei nada. Sinta-se à vontade para falar do livro lá!
Beijos e até o próximo capítulo!
█▄▄▄▄▄▄▄▄▄▄▄▄▄▄▄▄▄▄▄█
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro