23
Parece que a Karen e o risco de vida tem polos diferentes e vivem puxando um ao outro, e mesmo com todas as minhas tentativas de impedir que isso aconteça de novo, nada adianta. Eu não a culpo. Como na maioria das vezes, isso é a consequência do erro de alguém. Queria muito poder dizer com certeza que esse erro não é meu, mas eu não sei mais.
— Karen! — chamo quando percebo que ela está perdendo os sentidos. A seguro em meus braços para que não caia no chão. — Karen, não passa mal agora, por favor!
— Quem disse que você poderia mostrar essa cara feia? Você fez ela desmaiar. — Vivian surge por entre os carros, colocando sua pistola no coldre. Ninguém desconfiaria que por baixo da farda preta e da touca ninja tem uma mulher que mete bala em bandido com uma precisão melhor que a minha.
Olho-a de relance por menos de um segundo apenas para expressar minha ira contra sua ironia e volto a acariciar o rosto da Karen, na tentativa de fazê-la voltar.
— Encontraram alguma coisa relevante com os camaleões? — questiono à medida em que ergo a Karen do chão.
— Nada. Nenhuma identificação ou... — ela interrompe sua resposta e fixa o olhar em mim, enquanto coloco a Karen dentro do nosso furgão. — O que pensa que está fazendo?!
— Como assim o que penso que estou fazendo? Não posso deixar minha mulher desmaiada aqui no meio da estrada — respondo, mas ela continua a me olhar como se eu estivesse fazendo algo errado.
— O que faremos com os corpos? — Ronie chega perguntando e esperando uma instrução minha.
— Coloquem todos dentro do carro em que vieram e ateiem fogo — digo.
— Mas o que o Ronisthei vai achar disso?! — ele insiste.
— Ele não tem o direito de achar nada — falo sentindo uma veia pulsar na minha têmpora. — Era trabalho dele evitar que esse tipo de coisa acontecesse. Faz o que falei. Incendeia logo essa porra. Daqui a pouco a PM vai chegar e não podemos ser vistos aqui, lembra?
— Falou — ele refuta levantando as mãos em sinal de rendição.
Volto minha atenção à Karen, sentada no baú do furgão sendo apoiada por mim já que está esvaída pelo choque de ter me visto depois de eu ter sido dado como morto. Eu quero que ela acorde logo para que eu possa explicar como tudo aconteceu e o porquê.
— Você não pode levá-la com a gente. — ignoro as palavras da Vivian. — Não era nem pra você ter tirado a touca... E ela nem ia saber quem a salvou. Tudo estaria normal. E se ela...
— Dá pra calar a porra da boca?! — pergunto como um rugido.
— Se por acaso, você estiver pensando em esclarecer as coisas, saiba que esse não é o melhor momento. Esse ataque tem relação com o cartel e a imprensa vai cair matando em cima do Ronisthei daqui a pouco. — seguro a mão da minha mulher esperando por algum sinal de que ela não vai demorar a voltar, mas parece que o choque foi grande. — Vamos deixá-la aqui mesmo. Daqui a pouco a polícia vai chegar e prestar socorro.
— Como consegue ser tão fria? — questiono finalmente lhe direcionando a visão. Ela me lança um olhar estreito e confuso.
— Você costumava gostar da minha frieza. Quando foi que você se tornou tão sensível? — ela devolve com uma pergunta retórica. — ficamos em silêncio nos encarando. Eu sei que ela se morde de raiva. Nunca fui de me envolver tanto com uma mulher como me envolvi com a Karen. Era tão frio quanto um iceberg. — Liga pro Ronisthei. Ele vai arrancar as nossas cabeças, mas antes disso, vai ajudar a resolver esse problema.
— Por que não leva logo a gasolina pro Ronie e o Xavier queimarem aqueles vermes?
Ela não contesta minha ordem em forma de sugestão e faz como mandei, sumindo do meu campo de visão e me deixando à sós com a Karen, porém, cinco segundos depois o Ronie e o Xavier voltam. Os dois se encaram feito dois idiotas.
— Vai, fala — Xavier diz para o Ronie.
— Fala você! — Ronie devolve, mas Xavier continua mudo. Então Ronie se rende e abre a boca. — Cara, não podemos queimar os corpos.
— E por que não?! — questiono irado. Ronie inspira fundo antes de continuar.
— Só porque eu te conheço há anos e sou seu amigo, ok? — ele antecipa sua justificativa. — Isso é o seu impulso de raiva falando mais alto. Eles vieram atrás da Karen para executá-la e você está com ódio, eu entendo. Mas precisamos deixar os corpos do jeito que estão. Assim, a perícia vai fazer o trabalho dela sem furos, sem suspeitas de nada e não vai sobrar pra ninguém.
Engulo em seco sem querer admitir que ele está certo. Eu mataria cada um deles com as minhas próprias mãos só pela raiva que sinto, mas realmente estaria manchando o trabalho do Ronisthei antes mesmo de começar.
— Ele tem razão, Douglas — Vivian fala ressurgindo em nosso meio. Nesse caso, o maldito fruto.
— Então vamos deixá-la em algum hospital, pelo menos — falo olhando para a mulher que guarda um pedaço meu no ventre. — Xavier, liga pro Ronisthei no caminho e explica tudo o que aconteceu. Ele vai dar um jeito.
— Certo, patrão — concorda ele enquanto cada um de nós assume uma função rapidamente.
Me esgueiro para dentro do furgão segurando a Karen. Vivian me segue para dentro do veículo enquanto Ronie se prepara para pisar fundo no acelerador. A porta do carona bate deixando claro que Xavier já entrou e logo estamos à caminho do hospital. Ao mesmo tempo em que quero que cheguemos logo para que a minha pequena seja socorrida, desejo que os minutos se estendam para que ela desperte e eu tenha a chance de explicar as coisas, que elas saíram do meu controle e tomaram proporções muito maiores do que imaginei. Não foi assim que planejei. Achei que seria mais fácil e nunca me passou pela cabeça que viriam atrás dela. E não viriam mesmo se o Da Matta não tivesse falado merda. Uma puta rede de mentiras e jogo de poder que estão colocando a vida da mulher que eu amo à mercê de bandidos sanguinários. Tudo o que eu sempre quis evitar. É por isso que eu preferia fazer as coisas do meu jeito desde o começo. Só do meu jeito é que elas dão certo. Era um plano perfeito. Eu mataria o Alejandro, a Karen só descobriria quem ele realmente era depois de estar totalmente fora de perigo, e à essa hora, ela, o Théo e eu estaríamos na Califórnia, curtindo nossas merecidas férias.
Buracos na estrada fazem o veículo balançar e volto dos meus devaneios. Noto que a Karen está abrindo os olhos e imediatamente, todo o meu corpo pulsa com mais rapidez.
— Você deveria cobrir o rosto e ficar mudo — Vivian sussurra escondendo os cabelos dentro da touca, e eu a ignoro mais uma vez.
— Karen, está tudo bem, eu estou aqui — falo sob seu olhar fixo e ilegível. — Eu sei que parece estranho, mas eu estou bem.
Estranhamente, seu semblante vai ganhando um ar mais tranquilo, e de repente, ela começa a rir. Sorrio, pois isso deve significar que o choque passou. Ela se ergue com um pouco de dificuldade por causa da barriga saliente e me abraça. Se em algum momento eu imaginei que toda essa mentira levantaria um muro entre nós, ele desmoronou nesse exato momento. Encaixo meu rosto em sua clavícula e inspiro seu perfume doce.
Como eu senti falta desse cheiro!
— Eu preciso contar isso para a Dra. Juliana — ela fala me deixando intrigado. Me desvencilho de seu abraço e a olho nos olhos.
— Quem é ela? Karen, você não pode contar isso a ninguém — peço e ela volta a sorrir.
— Ela precisa saber... Tenho que acordar e dizer à ela que sonhei com você... Que você está bem e que superei a sua morte.
Se eu fosse um planeta, teria saído da minha órbita alterando o curso de todo o sistema solar. Vivian começa a gargalhar sem nem tentar disfarçar, o que me enfurece no mesmo instante. Superar a minha morte. Está mais do que claro que essa farsa está maltratando a Karen de um jeito que me faz querer acertar um soco na minha própria cara. Só de imaginá-la virando noites em claro, indo à terapia, sofrendo pela minha morte fajuta, sinto repulsa de mim mesmo.
— Pequena, isso não é um sonho, sou eu! Eu estou vivo! — ela continua a me olhar de forma engraçada, mas torce o rosto em uma careta e grita, alisando o braço que a Vivian acabou de beliscar.
— Você tá maluca?! — rosno para Vivian. — Ela está grávida! Você não pode beliscá-la!
— Eu belisquei o braço dela, seu imbecil! Não o útero!
Karen agora me encara com desconfiança, parecendo considerar que eu seja mesmo real e não uma ilusão.
— Você estava indo embora da casa da minha mãe e foi perseguida por membros do cartel, mas nós chegamos a tempo e impedimos o pior — explico. —Amor, sou eu — insisto pegando sua mão e levando até meu peito, para que ela sinta que meu coração ainda bate como na primeira vez em que ela o examinou. Seus olhos oscilam entre os meus e a mão em meu peito. Ela parece entrar em algum tipo de transe e chego a conclusão de que meus batimentos cardíacos não são o suficiente para que a ficha dela caia. Levanto a camisa e deixo a cicatriz à mostra. — Você fez essa marca em mim. Sou eu! — além de tocar toda a cicatriz com a ponta do dedo indicador, ela levanta um pouco mais a minha camisa, só que na lateral. Demoro um pouco até entender o que ela procura, mas depois me dou conta. A cicatriz que ela quer ver, é a do tiro que não me matou.
— Meu Deus!!! — ela exclama com a voz trêmula e lágrimas descendo pelo rosto assustado. Seu olhar fica perdido, tão perdido que ela volta a desmaiar.
Me desaponto comigo mesmo por não ter conseguido mantê-la lúcida e nem ter explicado nada do que queria. Seguro-a a tempo, antes do furgão frear. Duas batidas na lataria avisam que chegamos ao hospital.
— Coloca a touca de volta e deixa que eu e o Ronie levamos ela pro psiquiatra. Ops, pro médico — diz ainda parecendo achar graça da situação. — Relaxa, Douglas. A gente dá um jeito de vocês se encontrarem antes de... — Ronie abre a porta do furgão e todos os sons do lado de fora invadem o veículo abafando a voz da Vivian.
Me sinto um impotente fracassado. Não tenho outra opção sem ser assistir a mulher que eu amo ser carregada para a emergência, desmaiada.
█▀▀▀▀▀▀▀▀▀▀▀▀▀▀▀▀▀▀▀█
Olá, amores! Esse capítulo não seria publicado. Eu o escrevi apenas com o intuito de deixar os pensamentos e emoções do Douglas emergirem, mas acabei gostando do que saiu e resolvi publicar.
Infelizmente não estou conseguindo escrever com a mesma frequência de algumas semanas atrás, então as publicações vão atrasar um pouco e sairão a qualquer dia da semana. Espero que compreendam e não desistam da história.
Beijos e até o próximo capítulo!
█▄▄▄▄▄▄▄▄▄▄▄▄▄▄▄▄▄▄▄█
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro