06
Depois de conseguir me recompor, não pude evitar de levar uma bronca do meu advogado por causa dos conflitos nas minhas declarações. Eu estou ciente de que estou muito encrencada, já que eu não faço ideia do que tinha naqueles relatórios. Achar que tudo se tratava do Alejandro, foi a conclusão que eu tirei já que o Douglas estava investigando-o e havia ficado muito nervoso por eu quase ter visto o conteúdo daquelas pastas.
— Não vai mais comer, Karen?! — indaga minha mãe ao ver que eu mal mexi na comida.
— Eu estou tentando, mãe. Juro que estou tentando — respondo olhando o macarrão à bolonhesa que ela fez para o almoço.
Ela suspira fundo, provavelmente com pena por eu não estar sentindo fome como era de costume. Kássia e papai carregam o mesmo peso no olhar.
— Você não vai querer ficar fraca ou até mesmo desmaiar no momento em que chegarmos lá — diz meu pai.
— Eu preferia isso — respondo e logo minha mãe faz gestos negativos com a cabeça.
Continuo me obrigando a comer, mas eu mastigo, mastigo, e simplesmente não consigo engolir. Parecido com tudo o que tem acontecido, eu me esforço para acreditar e seguir em frente, mas todos os passos que eu dou, me trazem para o mesmo lugar. Como o depoimento. Era para ele marcar o fim desse martírio, mas infelizmente, eu preciso ir até a casa do Douglas para que o delegado possa buscar aqueles malditos relatórios.
Depois de mais três garfadas de comida que descem como arame farpado, me levanto mostrando minha impaciência com mais um dia de luta contra a realidade da minha vida.
•°• ✾ •°•
Era para ser mais uma tarde em que eu ficaria deitada repousando e tentando conviver com a falta que o Douglas me faz. Em vez disso, estou na porta da nossa casa, mais precisamente destrancando-a, rodeada de policiais federais que estão aqui para buscar o que restou da essência do Douglas, seu trabalho.
— Primeiro a senhora — diz um dos policiais assim que eu abro a porta.
Meu advogado e meu pai entram logo depois.
Basta inspirar o ar uma única vez para senti-lo aqui. É incrível como a presença de alguém pode se tornar tão viva quando sentimos seu cheiro. Por isso tenho dormido todas as noites com a camisa do Douglas. O que me sufoca é que tudo aqui faz parecer que ele também está.
— Onde fica o cofre? — pergunta o delegado passando os olhos por toda a sala.
— No quarto, ao lado da cama — respondo apontando para a porta, sem sair do lugar. Ninguém se direciona até lá.
— Preciso que a senhora entre também — fala por fim o delegado.
Sinto um nó se formando em minha garganta nos segundos em que crio coragem para entrar no quarto. Esse era o nosso lugar preferido da casa, onde passávamos a maior parte do tempo quando não estávamos trabalhando. Era onde nos amávamos e fazíamos nossas juras de amor. Não que isso fosse algo exclusivo do quarto, batizamos toda a casa, mas nossa cama era especial.
Entro no quarto e acendo a luz, pois as cortinas com blackout impedem que os raios do sol entre. Logo uma sensação de asfixia começa a tomar conta de mim e resolvo abrir as cortinas e a janela. O som que eu provoco ao abri-la não chama a atenção de ninguém, pois todos querem saber que tesouro o Douglas estava protegendo.
— Sabe onde ele guardava as chaves? — um dos policiais inquire abaixado em frente ao cofre, analisando-o.
— No bolso — falo impassível e soando um tanto idiota. — Digo, eu o vi guardar no bolso uma única vez e nunca mais o vi mexer nesse cofre.
O que eu queria dizer mesmo, é que, muito provavelmente, essas chaves podem ter ido para a cova com ele.
— Vamos tentar encontrar as chaves antes de arrombar o cofre, tudo bem? — Da Matta pergunta, mas não soa como se quisesse autorização, mas sim, avisar.
Eles iniciam uma busca por toda a casa. Sinto um forte incômodo ao ver tantas pessoas vasculhando os cômodos. Parece que estão violando nossa intimidade. Fico pensando no que o Douglas estaria achando disso, de ter sua casa revirada com o intuito de pegar um trabalho que ele fazia sozinho, por não se conformar com a impunidade. Apesar dele ter trabalhado com sede de justiça, várias vezes dizia que se sentia impotente. Falava que a lei deixava muitas brechas e que seu trabalho era feito em vão. Ao lembrar disso, me sinto feliz por ter criado coragem para vir aqui hoje. Mesmo que ele não esteja mais entre nós, o que conseguiu sozinho, pode ser o segredo para chegar aos outros membros do cartel e pôr fim à essa ameaça. Começo a ficar ansiosa para ver o desfecho disso.
— Senhor Delegado — chamo-o —, podem estourar o cofre de uma vez. Enquanto estamos procurando as chaves, pode haver toneladas de drogas entrando no país.
Seu olhar fixo nos meus mostram sua surpresa. Ele faz um gesto positivo com a cabeça, quase imperceptível.
Me sento na cama enquanto os técnicos se empenham em abrir o cofre, não importa como. Cada um analisa de um jeito. Uns dão palpites, outros só observam.
— Isso vai acabar logo, Karen — diz meu pai ao perceber o quanto isso me massacra.
Assinto e continuo refletindo sobre os interesses envolvidos nesse caso. Este é o final do mandato do delegado Da Matta como chefe da Interpol no Brasil. Se o olhar preciso do meu pai para ver a ambição das pessoas estiver certo, o delegado só está querendo sair por cima. Eu não me importo. Quero chegar ao final disso pelo Douglas. Quero que todo o esforço que ele fez e suas noites em claro tenham um propósito. Ele não se importava com a glória, mas ele a merece.
— Já estamos terminando, Dra. Karen — diz o delegado quando um barulho de engrenagens soa pelo quarto. — Pronto, conseguimos. Tenha certeza de que sua atitude foi muito sábia e logo teremos um grande avanço nesse caso. Logo logo...
— Da Matta — um dos policiais o interrompe com um olhar receoso.
O delegado para seu discurso triunfante e substitui seu semblante ganancioso por uma careta de fracasso ao ver o cofre vazio.
— Ah, Douglas... — ele fala em meio à decepção enquanto eu sinto que mais uma vez, não saímos do lugar. — A senhora tem alguma noção de outro lugar que o Douglas possa ter guardado isso?
Sim, eu tenho uma pequena noção, o que não é uma certeza. Tem grandes possibilidades disso estar com a Vivian, mas não vou envolvê-la nessa confusão.
— Infelizmente não — respondo.
— Tem certeza?! — ele insiste em perguntar em tom de descrença.
— Senhor Pedro Henrique Da Matta, não há ninguém nesse país mais interessado em derrubar esse cartel do que eu! Fui enganada pelo Alejandro, meu noivo foi tirado de mim de forma cruel por causa disso! E é a minha integridade física que pode estar sob ameaça! — esbravejo e ninguém me repreende. — Se eu soubesse onde esses relatórios estão, não esperaria o senhor me perguntar outra vez.
O silêncio que se instala no cômodo o faz refletir e possivelmente, dar algum crédito às minhas palavras. Mesmo assim, ele não se mostra satisfeito por não ter conseguido as informações que tanto queria. Mais buscas são feitas nas próximas duas horas até desistirem de vez. Eu também não estou satisfeita, mas acredito que posso conseguir isso com a Vivian e entregar à polícia depois, alegando que encontrei em algum lugar da casa que não foi inspecionado. Isso é algo que eu faço questão de conseguir pela honra do Douglas, afinal, ele levou um tiro por mim.
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