Capítulo 2
Ela sabia que estava sendo tola. Não havia como escapar dali. Não havia nada que pudesse ajudá-la por mais que procurasse. Não havia nem mesmo uma janela por onde pudesse tentar sair ou chamar alguém. Só havia palha, palha e mais palha.
Num misto de frustração, medo e irritação, Audrey chutou as tiras secas e deixou-se cair no banco, em frente a roca de fiar. Ela dobrou os braços, colocando-os em cima da mesa e enterrou a cabeça ali, derrotada. Como detestava James! Foi quando sentiu uma mão tocar seu ombro. Seu corpo enrijeceu-se. Não ouvira o barulho da porta. Tinha certeza que não havia amanhecido. Ou será que, aflita como estava, perdera tanto assim a noção do tempo?
Audrey ergueu a cabeça. Ela estava determinada a lutar por sua vida antes de deixar que qualquer rei a levasse dali. Sem ponderar muito, ela levantou-se rapidamente e, pegando o candelabro sobre a mesa num movimento rápido, tencionou acertá-lo em quem quer que estivesse ali, mas, assim que se virou, uma mão ágil agarrou seu pulso, impedindo-a de executar sua ideia.
Todo o sangue de Audrey congelou e, estupefata demais para acreditar em seus olhos, quase deixou que o objeto caísse, mas, a mesma mão que a detivera também fora ágil o bastante para segurá-lo.
- O se... o senhor? - conseguiu murmurar.
Diante dela não estava nenhum guarda, mas sim o misterioso homem que morava além das colinas. Por breves segundos, os lábios dela abriram-se e fecharam-se sem emitir palavra alguma. Não podia compreender aquele delírio insólito que num momento como aquele a fazia até mesmo pensar que estava vendo Rumpel.
- Peço que não se assuste. - Rumpel pousou calmamente o candelabro na mesa, ao lado de Audrey que ao movimento dele inclinou-se para trás. - Eu soube o que aconteceu e vim ajudá-la. Posso transformar toda essa palha em ouro - garantiu.
- Espere - pediu Audrey e fechou os olhos por alguns segundos, procurando assimilar e digerir a presença de Rumpel ali, à sua frente, e sua proposta. - Como... Como...?
Audrey tornou a abrir os olhos. Não sabia se era real. Era possível que ela estivesse sonhando ou que aquilo fosse uma grande loucura de sua mente. No entanto, talvez não fosse tão ruim assim se deixar levar por aquela insanidade momentânea. Qualquer gotícula de esperança era preferível a perspectiva do que a aguardava.
- Tudo que eu preciso para realizar essa tarefa é que me dê algo em troca.
- Como o quê? - Audrey franziu o cenho, desconfiada.
- Algo que seja importante para você.
O olhar de Rumpel desceu até o pescoço dela de onde pendia uma corrente fina e dourada adornada por um pingente redondo com uma pequena pedra azul no centro. Mecanicamente, Audrey levou as mãos até o colar. Aquela era uma peça valiosa, não só porque realmente era de ouro, mas porque havia sido um presente de sua mãe. Até mesmo em suas fantasias mais fantásticas era doloroso para ela se desfazer daquela peça.
- Não temos a noite toda - lembrou-lhe delicadamente.
- Tudo bem - ela disse e, com pesar, puxou o cordão.
Audrey estendeu a mão para ele com a palma voltada para cima e sentiu a textura do couro quando a mão enluvada dele tomou o objeto. O olhar de ambos se cruzou mais uma vez naquele dia. Sob a penumbra daquele cômodo, ela pôde observar o rosto dele mais de perto e admirar ainda mais seus traços. A barba rente, os olhos que cintilavam com um brilho perigoso... Talvez fosse por achá-lo tão bonito que dentre todos a quem conhecia sua mente tivesse escolhido exatamente ele.
Após guardar o objeto, Rumpel contornou Audrey e sentou-se em frente a roca de fiar. Ela, por sua vez, sentou-se no chão, abraçando os joelhos e apoiando as costas na fria parede. Ela ficou observando a mágica acontecer. A palha de um amarelo opaco estava mudando sob seus olhos. Fina, com um dourado reluzente, aqueles fios d'ouro encheram sua visão. Tudo ainda parecia inacreditável. Como ele tinha poder para fazer aquilo? Será que os aldeões estavam certos a seu respeito?
- Falam muitas coisas sobre o senhor.
- É mesmo? - Rumpel ergueu a sobrancelha, mas não tirou os olhos do trabalho que estava fazendo. - Imagino que não sejam coisas boas - ele riu de forma irônica.
- Dizem que a magia do senhor... ela... Bem, o que importa é que eu não acredito em nada do que dizem, pois se fosse verdade o senhor não estaria me ajudando.
- Não estou fazendo nada de graça - lembrou-lhe.
- Mas também não está ganhando muito - retorquiu docemente.
- Nisso você está certa - gracejou ele voltando-se para ela com um meio sorriso.
Audrey não foi capaz de conter a onda de deleite que aquele sorriso lhe causou. Numa situação como aquela, ela não deveria sentir nada. Mas ela sentia. Ela quase poderia se considerar como uma donzela sendo salva por um príncipe, mas Rumpel não estava enfrentando dragões para resgatá-la. Ele estava fiando ouro. Ainda assim, não deixava de ser um herói.
- Mas diga-me - ela quis saber, os olhos brilhando com uma curiosidade inocente - seria muita ousadia a minha perguntar como o senhor conseguiu esses poderes?
Os lábios de Rumpel comprimiram-se numa linha fina e, por alguns segundos, o barulho da roca foi substituído por um silêncio desconfortável, mas que não durou muito. Logo a voz dele reverberou suave e carregada de algo que Audrey não soube definir num primeiro momento.
- Quando eu era pequeno, minha mãe ficou muito, muito doente. Um dia, querendo fugir da dor que a possibilidade de não tê-la mais comigo me causou, corri para bem longe, adentrando a floresta até seus limites. Uma mulher apareceu. Ela tinha uma expressão angelical no rosto, longos cabelos dourados e olhos gentis. Ela se aproximou e me perguntou o motivo da minha tristeza, dizendo que podia ouvir minha alma chorar. - Rumpel contava como se estivesse vivenciando aquele momento novamente. - Contei tudo a ela e revelei como me sentia perdido por não poder realizar o desejo de minha mãe de ficar mais tempo conosco. Ela sorriu e tocou meu rosto com delicadeza com seus dedos longos e finos. Disse-me que era uma fada e que, por ver quão genuína era minha dor, ela iria me conceder o poder de ajudar as pessoas. Mas haveria um preço. Essa pessoa teria que me dar algo em troca.
Rumpel fez uma pausa e engoliu em seco, o olhar perdido.
- Não me importei com isso naquele momento, pois vi a oportunidade de curar minha mãe como ela queria. Por isso, aceitei o que a fada concedeu. Entretanto, quando cheguei aos aposentos de minha mãe, infelizmente já era tarde demais.
- Eu sinto muito que tenha ganhado esse dom e não tenha podido realizar seus desejos - disse Audrey com a garganta apertada.
- Dom? - Rumpel deixou que um riso sem humor escapasse de seus lábios. - Isso está mais para uma maldição - disse num tom amargo. - Por causa dele, eu perdi tudo. Depois que minha mãe morreu, meu irmão descobriu o que eu podia fazer e, então, tentou utilizar meu dom para seus intentos egoístas, usando como arma as pessoas que eu amava para que eu não me negasse a cumpri-los.
- Que horrível...
Rumpel concedeu a Audrey um meio sorriso antes de virar e tornar a fiar. Olhando-o e conhecendo agora um pouco de seus segredos, ela começava a compreender o motivo de aquele homem ser tão taciturno.
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