Quem sabe eu ainda sou uma garotinha...
Estou aqui, naquele ponto de ônibus escuro, sozinha, em que me deixou
Ainda estou segurando a barra de chocolate, suspensa sobre minhas coxas, para que não derreta com o calor das minhas mãos
Olho a rua atenta, mas o brilho no meu olhar foi embora com você
O chocolate me encara, e mesmo também sendo meu, sei que não posso comer
Meu único poder delegado é cuidar dele por você
Porque enquanto você desbrava a vida e abre o caminho entre as árvores com seu facão afiado
Eu fico para trás, e os galhos me atingem mesmo a quilômetro de distância
As palavras que cortam os obstáculos são agressivas e geram cicatrizes
Meu ombro conta com uma. O chocolate está derretendo, e eu estou morrendo de fome
Meu sapato está gasto, afinal, sinto o impacto de todas as mudanças climáticas
Grito quando a tormenta atinge a minha pele parda
Mas ninguém me escuta
Suplico a você, que apenas tem boca, mas está muito ocupada desbravando em função do seu egoísmo
Rasgo um pouco da minha camiseta para proteger o chocolate
Prometo protegê-lo mesmo que isso custe toda a minha personalidade
Quando vejo. Quando abro os olhos novamente. Quando sinto a luz do ônibus me levanto desesperadamente
Aceno em frenesi para o motorista, mas o ônibus passa com pessoas sorridentes
É um passeio escolar
O motorista não me vê
Mas os passageiros fazem caretas ao me ver maltrapilha
A imagem de seus rostos, contra o meu de selvagem que luta pela vida com o mínimo de respeito e dignidade, será meu maior fantasma
Independentemente de tudo
Você age como se eu não sentisse nada
Uma fantasia burra, estúpida e incapaz
Ninguém será capaz de nada comigo enquanto eu não ceder aos seus desejos desumanos
Você será sempre a única capaz de crer me conhecer e usar cada aspecto da minha personalidade como adaga contra mim
Com o raiar do dia, um anjo suplica em meu ouvido
Apenas o imaterial escuta minhas lamúrias
Quando devolvo como me ensinara, em forma de grito para que me ouça, devido a distância
Percorre toda a distância entre nos em uma velocidade recorde
Quando me vê, aponta o facão na minha direção e desfere golpes simbólicos
Cospe no chocolate que seguro
Quebra o cabo do facão em meu ombro esquerdo
Levanto minha mão em um pedido de súplica
Então, você dá o golpe final: as palavras
O chão que me apoia, se torna nulo
Meu apoio se esvai e meu corpo encontra o chão enquanto as palavras ainda podem ser ouvidas
Fala baixo, mas grosso
O cálcio em meus ossos é reabsorvido pelo sangue
Fico fraca
Choro
E então, você me deixa
Me rastejo até o chocolate e o encontro em um estado deplorável
Você pisou nele antes de ir embora
Contudo, é a única coisa que tenho
Uma lembrança vaga que agora já é turva
Há um pensamento que se cristaliza cada dia mais devido a suas ações e palavras ácidas
Negação do princípio básico da vida
Você não sente culpa?
Você acha que elas te amam?
Porque eu não o faria
Realmente
Eu também não me amaria. Eu também não me amo
Agarro o chocolato
Seu aspecto, assim como o meu, é assustador
Suspiros pesados. O ar está rarefeito
Outro ônibus, sei pelo farol que me cega
Então, em um ato de pura coragem, me arrasto até o meio da pista
E ele não para
Passa por cima de mim
E mesmo assim não para
Afinal, não havia vida em mim que pudesse ter sido eliminada
Você fizera isso antes
Agora, em migalhas, integro o asfalto
O que me constitui se atenta ao condutor do veículo que concretizara meu assassinato
E é então que vejo: você era a motorista
Ri satisfeita, olhando para trás
Quer ter certeza do que fez
Parabéns. Você conseguiu.
Você. Suas palavras. Seus quereres. Suas adagas mascaradas.
Não há marcha fúnebre
Como você mesma propora, ninguém me ama, logo, inexiste coveiro e padre
Não há flores
A única coisa que me persegue até o estado mais singelo e bruto da matéria é o chocolate
Aquele que me deu e pediu para que eu segurasse
A única coisa que tenho.
pu*inha,
01 de fevereiro de 2021
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