Era sábado, eu me lembro. Me lembro da cor do dia que ultrapassou a janela quebrada e o canto do passarinho que, provavelmente, vive na rua de trás. Também me lembro de quando o som da construção começou, ao passo que meus dedos cumpriam com sua função remunerada; se há algo que me lembro, é desse dia. 

Mas as lembranças se retorcem quando sou invadida pelo sentimento que fez questão de implantar em mim, por menos de 20m². Ela realmente vale tudo isso?

"Te amo e sinto saudades"... Como tivera coragem de escrever algo assim se nunca o fez? Sempre soube do seu parcial desafeto para comigo, mas nunca imaginei que transbordasse ódio a ponto de suprimir a minha existência em questão de segundos. 

Tudo ocorreu tão rapidamente e em uma sequência voluptuosa de eventos desnecessários e repletos de ataques pessoais... Apenas ao remontar tudo isso, apenas consigo pensar uma coisa: era pras coisas serem assim?

Argumentos infudados, repetições de acusações e rancor daquele que nunca deveria ser reformulado... Ataques direcionados aquelas que padecem psiquiatricamente. E os filhos sempre são exponencializados nessa causa; nos conhecíamos esse enredo, apenas não acreditavamos ser possível a sua reprise, todavia, quem sai aos seus não degenera.

E ele não degenerou, nem o ódio que ele sente pela própria família.

Estavámos quase em dezembro, no mês de nossos aniversários. Fui sufocada pela sua ausência, fico estarrecida apenas de lembrar o porquê...

Em meu âmago, anseio em te entregar tal metragem, ela não é válida o suficiente por todo esse sentimento que marginaliza o meu eu, faz com que meus lábios se retorçam e uma nascente se forma de gutural e precipitada. Mas a questão não é a potencialidade daquele espaço, mas sim o que nunca signifiquei para você... Cuspindo ódio, arrotando comentários perjorativos, vomitando críticas, você as direcionava, sempre que possível, a mim, e agora, sei que nunca ponderou em fazê-las com outrem.  

Não achei que a base dos relacionamentos entre tia e sobrinha fosse essa. Me deixei levar pela minha capacidade ficcional, e da mesma forma como mentalizava passar mais tempo com você, criava, de maneira falha, um sentimento de carinho seu para comigo. Mas os nós da minha mente agora me sufocam e as cordas que o fazem estão aqui porque você as colocou. 

Minha ruínca fora crer no impossível: você gostar de mim. 

Agora, pouso meu olhar sobre a abertura da janela, a mesma que me permitiu guardar as características do céu naquele dia, e, assim como entrara em minha vida se deparando com portas abertas, elas estão abertas para que você saia, uma pena eu estar tão apegada a você a ponto de cogitar anular nossos direitos para que possa se apropriar e retornar a sua farsa.

Mas isso não é sobre a metragem. É sobre você, e o fato de nunca ter gostado de mim ou de nos.

Isso não é sobre o fato d'eu também ter errado. É sobre eu ter dito aquilo na tentativa de te matar dentro de mim pois te amo. 

Isso não é sobre nós, porque nunca existiu. É sobre as minhas criações sentimentais irracionais e o seu desejo de se apropriar de todo bem material que esteja ao alcance de suas mãos.

Espero que valha a pena ter destruído todo o laço que havíamos trabalhado em anos por um cômodo estúpido em uma casa velha. Espero que se sinta satisfeita quando deixemos tudo que está aqui para você. Espero que valha a pena pra você, porque pra mim, isso não vale e não é racional. 

sobre direito real, sucessões e a vara da família. que a justiça seja feita.

valentina,

10 de dezembro de 2020.