Começo de Um Sonho
Era um vez um presidente
Em uma atitude surpreendente, sua função era carregar cimento para uma obra
Os alicerces eram tão frágeis quanto o investimento
O dinheiro era cruzeiro
Contudo, ele sabia que essa moeda não era mais válida
Mas isso não impedia seus olhos de brilharem quando recebera o valor
Era uma miséria
Na verdade, nunca receberá nada se não a miséria
Na verdade, nunca receberá nada, sua cabeça que formulava os projetos falhos
Mas o sabor da miséria, quando não verificada, era tão delicioso
Um aveludado que derrete na boca e faz com que os olhos se expandam
A renovação que chega conforme o cimento escorre faz que o suor reluza
Oh, como gosto desse sentimento
Não há nada como se sentir útil e ver a possível concretitude do obviamente falso
A minha residência tem prazo indeterminado na rua da amargura
O meu coração é abrigo de fantasmas de passados
"E se" que murmuram enquanto tento dormir
Por favor, que fardo pesado é esse que tenho de carregar
Amar e nunca ser amada
Sentir e nunca ser tocada
Imaginar finais felizes que até nos sonhos terminam prisões emocionais
Por que estou aqui?
A faixa presidencial está erguida sobre um corpo no meio de quarto
Não há nenhuma saída
Não há entrada de ar
Como não morrera de falta de ar?
O seu sustento é a amargura
No anonimato ele regorjeia sofrimento
A sombra do que não se enquadra, é corroído
Os ratos lhe roem a vida
Ah, presidente, sua faixa presidencial apenas ostenta a sua figura
Mas no fundo todos sabemos que é incapaz de ser o que pretende
Sorrir, ser feliz, ajudar, gostar de todos
Não há porque tudo estar fora do lugar
Mas é como se as prateleiras tivessem desaparecido
Um quarto branco me enlouquece
Essa situação me leva a extremos
Silêncio. Estrondo.
Noticiário do dia: "Presidente da República Cai do Vigésimo Sétimo Andar de um Prédio em Construção - Técnicos Analisam a Obra que Era Irregular"
É o dia do velório
Ninguém vai
As flores estão murchas porque, mesmo morto, emana tamanha tristeza e insatisfação que anula qualquer tipo de vida
Morto porém preso
Os fantasmas do passado eram o sombra de sua vida póstuma
No lugar que acreditava ser o inferno, arrancara os olhos
Acreditou que assim deixaria de ver os vultos que lhe assombravam
Tudo piorou
Todos os passos do presidente eram errados
Um metro e noventa e quatro centímetros de puro erro
Bambeava como um boneco de posto
Inflável, frágil e repudiado
Aquele pedaço de tecido com ar tinha mais vida que a carcaça que era corroída pelos ratos que invadiram seu caixão
Na verdade, não fora enterrado
Ficara abandonado
A mercê do maior pavor da sua vida: a solidão perene
Estava preso no inferno que era reviver os erros
Estava preso no inferno que era o sonhar
Estou presa ao inferno que é ver as possibilidades intangíveis a minha vida
Oh, caí de novo
Arranha-céu infinito
sobre ser eu. sobre o grande fardo de ser eu. sobre o simples fato de ser eu. pelo erro flagelante de sonhar. sobre infligir dor porque meus pensamentos e possibilidades são danosas. sobre sonhar os sonhos mais lindos que não serão concretos. sobre engolir a fruta e o caroço e sumir por causa disso. sobre os ratos que roem as estruturas dos meus sonhos. sobre a visão repetida e embaçada sobre um quase realidade. sobre o desejo de cair de vinte e sete andares e morrer.
doutora das possibilidades,
23 de março de 2021
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