CAPÍTULO 7
Quando as luzes e cores voltaram a tomar forma ao meu redor, percebi que era uma lembrança roubada, pois quem vi foi Yofiel, na forma humana, junto a Raguel, ambas nuas. De uns tempos para cá, desde que comecei a ver essas lembranças, passei a repensar minha sexualidade. Ver anjos e demônios com seios e pênis à mostra me fez perceber que sinto mais desejo por Raguel, Yofiel e Empuza do que pelos vários homens com quem transei nos últimos meses.
— Foi aqui? — Yofiel perguntou, olhando ao redor, e era nítido o ódio que ela sentia pelo mundo humano. Ondas de fúria saíam de seus olhos.
— Sim, Yofiel, mas está vendo? — Raguel apontou para uma árvore onde havia um sigilo. — O maldito protegeu o lugar.
— Muito mais que isso. Ele se trancou lá, e aqueles outros símbolos ali são para afastar demônios.
— Yofiel, é sempre bom manter demônios afastados, ainda mais se quer ficar escondido e não chamar atenção.
— Não é isso, Raguel. Olhe os símbolos para afastar demônios; eles são mais antigos que os símbolos para afastar anjos. Eu diria que esses símbolos têm aproximadamente quatro séculos.
— Está dizendo que Rafael se trancou com o demônio?
Yofiel demorou a responder. Enquanto ela ficava em silêncio, eu a observei, prestando atenção em seus traços bonitos.
— Não sei o que pensar. Só sei que onde Rafael está é território de um demônio antigo.
Ela finalmente falou. Raguel levou a mão à boca para esconder um suspiro de horror, lentamente retirando-a depois de um tempo, deixando escapar de seus lábios:
— E o que esse demônio está fazendo aqui?
Yofiel permaneceu em silêncio, e as trevas tomaram conta de tudo novamente.
Quando as cores do mundo voltaram a dar forma ao cenário ao meu redor, vi minha avó, Dona Marieta, deitada, pálida, quase sem vida. Antônio, meu avô, estava sentado em uma cadeira ao lado da cama, chorando. Era visível que ele havia perdido as esperanças. Algum tempo havia se passado entre essa visão e a outra lembrança, mas eu não sabia quanto tempo. Apenas pude perceber que minha avó estava morrendo.
— Meu amor... Ah, meu amor... Que desgraçado sou... Se você se for e me deixar só, minha única companhia será um demônio bondoso e um anjo mal-humorado.
Ele começou a rir, mas não era uma risada feliz ou irônica, e sim a risada infeliz de um homem que já havia perdido todas as esperanças. Foi muito triste ver isso.
Rafael surgiu de algum lugar e parecia diferente. Seus olhos não tinham mais aquele olhar arrogante, superior; agora eram olhos bondosos, realmente angelicais, que transmitiam gentileza e luz, muito parecidos com os olhos de...
— Sabe, Antônio, gostaria de pedir perdão por ser tão rude com você e Marieta. Há milênios, Adonai, meu pai, me prendeu, segundo ele, por toda a eternidade. O motivo, bem, isso não importa. Só sei que um de meus irmãos achou que foi injusto e me soltou, junto com uma outra irmã. Eles queriam que eu fugisse, e foi o que fiz. Matei alguns dos meus irmãos e caí aqui. O que estou querendo dizer é que, durante todo esse tempo preso, fiquei irritado e descontei minha raiva nas pessoas erradas — em você e Empuza. Vocês estão me ajudando, então peço perdão por qualquer transtorno que causei a vocês. Não era para eu ter sido grosseiro, e a pobre Dona Marieta não merecia o tratamento que dei a ela. Você pediu minha ajuda para curá-la e eu não fiz isso.
Rafael aproximou-se da cama onde minha avó estava. Ele pôs uma de suas mãos na testa de Dona Marieta. Uma luz verde saiu de sua mão e, quando Rafael a retirou, aquela luz se espalhou por todo o corpo dela, até desaparecer. Quando a luz se apagou, minha avó abriu seus olhos verdes. Seu rosto já não estava mais pálido e seu cabelo voltou a brilhar.
— Vou deixá-los sozinhos. Acredite, Dona Marieta não sabe da minha natureza nem da de Empuza. Diga a ela tudo.
Eu vi a confusão no rosto de Marieta com as palavras de Rafael. Antônio acenou afirmativamente, e a lembrança se dissolveu. Caí nas trevas novamente.
Como sempre, o mundo se formou diante dos meus olhos outra vez.
Segundos depois, vi Rafael em um bosque. Ele estava caminhando e, de repente, parou. Olhou para o céu por um segundo e depois para um canto à sua direita. Empuza estava lá.
— Empuza, eu estava pensando e decidi que devo ir.
Empuza fechou o livro que estava lendo, cujo título era νεράιδα. Lembro que já vi esse livro várias vezes na estante da sala, mas nunca o li.
— Ir?
Rafael olhou para o céu, depois encarou o chão. Após alguns segundos, seus olhos encontraram os de Empuza.
— Ir embora, Empuza. Sinto que sou um peso morto que não ajuda em nada de útil. Se for para eu morrer assim que sair daqui, tudo bem. Não existe nada com o que eu me importe.
— Pode parar.
— Como é?
— Pode parar. — Ela disse, soltando o livro em cima de uma pedra e levantando-se, ficando a centímetros do rosto de Rafael. Naquele momento, senti uma química entre os dois.
— Faz semanas que estou te mantendo aqui por causa do nosso pacto, e você não vai embora quando quiser, mas sim depois de me dar o que quero.
— Nem você sabe o que quer.
Empuza começou a rir.
— Sabe de uma coisa? Quer ir? Vá em frente. Mas saiba que a cidade está cercada de anjos, todos ansiosos para saber como entrar aqui e te pegar.
— Como sa...
— Eu vi.
Rafael ficou em silêncio.
— Rafael, acho que você deve fazer o que achar melhor. Se quiser continuar aqui até terminar de se recuperar e depois ir embora, faça isso. Se quiser ir agora e possivelmente morrer nas mãos dos anjos que estão lá fora, fique à vontade. Eu lavo minhas mãos.
Rafael contemplou os próprios pés, depois as próprias mãos, como se fosse a primeira vez que as visse. Então olhou para o céu, por um bom tempo, como se quisesse ver se ia chover. Eu também olhei, mas o céu estava lindo, azul, sem uma única nuvem. Fui forçada a desviar o olhar, pois não consegui suportar a luz do sol. Voltei meus olhos para Empuza no mesmo instante em que Rafael o fez.
Rafael foi em direção a Empuza e, antes que ela pudesse dizer alguma coisa, ele a tomou nos braços e a beijou. Não foi como o beijo que deram no dia do pacto; aquele beijo tinha algo mais, tinha sentimento, fogo, paixão, e muitas outras coisas que eu só pude sentir, mas não descrever. Rapidamente, não sei quando ao certo, o beijo ficou mais intenso, e Empuza, com um simples movimento de mãos, fez as roupas de Rafael desaparecerem, assim como as suas.
— Empuza, espera.
Ele disse, afastando-se.
— O que foi, anjinho?
— Parece errado... um anjo e um demônio...
Empuza colocou uma das mãos no rosto de Rafael e sussurrou de forma melosa:
— Mais errado do que um demônio se cansar do inferno? Mais errado do que um anjo ser expulso do céu? Mais errado do que um anjo fazer um pacto com um demônio?
Ambos se deitaram no gramado e fizeram amor ali. A imagem foi ficando embaçada e turva, até desaparecer por completo, deixando apenas as trevas ao meu redor.
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