Que Inveja dos Jovens
Obs: Outro miniconto passado no universo de AQDE(A Queda das Espadas). Acompanhando Jormungand Ouroboros(a moça dos minicontos: O luto de uma bêbada; Suave como o passar dos dias). Treze anos antes dos eventos de AQDE.
Sim, não fazia mais sentido.
— Vou embora.
O velho a encarou. Olhos estreitos, pálpebras quase totalmente abaixadas. O lábio sob o bigode branco teve a ponta a descer.
— Por que? Certamente não acha que alcançou o auge - ele disse. Sentados na varanda interna. Diante um amplo espaço pavimentado com placas de madeira.
— Preciso de motivo? - era noite. Um alforge de madeira abrigava trinta espadas sem fio no canto do tatame. Já o cômodo, vazio. As tábuas do piso refletindo pedaços do luar. - Eu...
O quê? Não saiu de casa para brincar de espadinha? Estava cansada dos fracassados dali? Era absolutamente invencível e treinar com eles fora perda de tempo?
— Eu não vi nada ao norte do continente - meia mentira. O velho a dera uma cama, comida, roupas. Conversas e ensinamentos. Alguma delicadeza não mataria.
Ele respirou fundo. A mão caindo sobre o queixo. Pernas dobradas. Antes de suspirar e apoiar as palmas no piso marrom.
— Hum... a cidade dos anões é cheia de aparatos curiosos - o velho.
A garota riu e acertou o ombro dele com dois leves tapas. As xícaras com resquícios de chá preto ao lado dos joelhos de cada um balançaram.
— Você realmente me entende - disse, um largo sorriso na boca. - Não posso mais esperar para ver com meus próprios olhos.
Ele soltou o ar pela boca em seu quimono branco. Largas e folgadas mangas. E limpou o nariz com o dedo mindinho.
— Não há aqui mais nada do seu interesse, não é? Você é uma jovenzinha bem enérgica.
Ela tornou a fitar o luar. Pondo as íris lilases a refletir o céu. Traçando a linha de algumas constelações. Orion, Gêmeos, Apocalipse.
— Eu não vou viver muito. Nenhum dos meus antecessores sequer chegou aos quarenta e oito - falou. Sob o quimono purpura, cabelos negros deslizando com a brisa pelas costas. Chifres marcados de rubro no topo. - Eu esqueço disso sempre que posso, por quanto tempo consigo. Mas, é, não tenho muito tempo. Agora já possuo dezessete anos, só estou a vinte e três anos, mais ou menos, do fim.
O velho riu.
— Sabe que fala para um homem que dificilmente terá mais três anos de vida, certo? Está me deixando com inveja - ele pegou a xícara. Verde. Duas longas e superficiais rachaduras indo da boca a base do recipiente. Sem alças. E suspirou. - Tinha esperança de que casasse com meu neto. Sua força seria um acréscimo inestimável para este dojo e família.
— Eu sei. Pedi a ele para me ensinar a beijar, mas ele também não sabia. Nossas tentativas foram uma bela comédia - contou. Pousou a mão na xícara erguida pelo velho e recriou o chá recém bebido. - Sou grata por não ter pedido para casar com seu neto. Provavelmente teria sido incapaz de aceitar teto, roupas e comida. O que teria-lhe sido melhor... receberia seu ''não'' e não gastaria recursos comigo.
Ele bebeu. Deixou o líquido pairar na boca por três segundos. Então engoliu.
— Você sabia desse meu desejo quando se aproximou de Zaza?
Assentiu. Encheu o próprio copo.
— Desde que ponto?
A garota bebeu um gole. Íris a deslizar pelo telhado da varanda delimitando o tatame. Telhas verdes. Apoiadas em vigas de madeira talhadas com desenhos de ondas. Quatro metros do piso. Baixou as pálpebras.
Provavelmente a última vez que as veria.
— Não leve a mal, mas foi tediosamente fácil perceber.
A mão do velho subiu ao peito.
— Ough, essa doeu - ele, seguido de risada.
— Me recepcionou na sua propriedade e foi hospitaleiro demais. Eu tenho dois longos chifres, a maioria das pessoas não confiaria nem em um oni normal. Só pude supor que conhecia minha família e suas características incomuns o suficiente para saber sobre sua força e atual ''líder'' - contou. Ergueu um dedo. - Mais importante, quando me apresentou seu neto, o senhor foi terrivelmente babão. Elogiou tanto que quase perguntei se confundira o moleque com uma divindade.
Gargalharam.
— Acho que a idade me fez pouco bem ao juízo... não gosta de Zaza?
O rapaz alto e atlético? Nervoso demais para falar tranquilamente? Com mãos suadas e desajeitadas?
— Ele é divertido - ponderou um pouco. - Eu poderia dizer ''sim'' a sua proposta. Mas não pretendo parar até ver o que houver para ver nesse continente e, se possível, além. Ou até achar algo terrivelmente divertido. Perguntei se ele não queria vir comigo, mas aparentemente tem um dever como herdeiro do dojo.
O velho fechou os olhos. Balançou o líquido na xícara.
— Meu tolo neto... alguma chance de voltar para se casar com Zaza?
Fitou o negro espremido das íris do velho com seu lilás.
— Nenhuma. Nem eu sei dizer quando isto vai terminar, ou quanto terei mudado... ou o que estarei desejando.
O senhor voltou o olhar para a frente.
— Que inveja dos jovens - ele disse, sorriso no rosto enrugado pelo tempo.
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