Capítulo 1 - O último desejo de Ethan Carter.
"Meu nome é Ethan Carter. Por favor, Musk, eu estou em fase terminal de um câncer... Realize meu último desejo. Leve-me para Marte em um dos ônibus espaciais, nem que seja no depósito... ou até como funcionário a bordo!"
O rapaz se via diante de seu último desejo, talvez a única chance de escrever um final próprio para a sua história, algo grandioso e compensador nestes 18 anos vividos. Sua pele, pálida e marcada pelas batalhas internas contra a doença, cintilava na luz da tela. Ele repetia a mesma mensagem na live de Elon Musk, pedindo uma vaga para Marte. A voz trêmula ressoava em cada sílaba digitada com determinação.
Ethan estava no banheiro de sua casa, com o olhar alternando entre a live de Musk no celular e a higiene bocal. Ele escovava os dentes com uma escova motorizada eficiente.
A casa exalava um misto de sonho e tristeza, um santuário para seu fascínio pelo espaço e, ao mesmo tempo, um refúgio das sombras da realidade. Pelas paredes, pôsteres de foguetes atravessavam nebulosas e, ao lado de um cartaz de Musk em uma missão espacial, havia porta-retratos com fotos de Ethan quando criança, sorrindo ao lado dos pais.
Um dos modelos de robôs Tesla, Waio, anunciou:
- Seu café está pronto, Ethan Carter. - A voz eletrônica soava amistosa, puxando a cadeira de madeira com um movimento fluido e calculado.
Sobre a mesa, o café da manhã esperava: frutas cortadas, um mingau ralo e pálido e alguns pedaços de pão integral. Leve demais, adequado para alguém em tratamento, mas destituído de qualquer sabor que pudesse recordar as manhãs de outros tempos.
Ethan olhou para a comida, com os olhos semicerrados de frustração:
- Não, Waio, eu quero comida de verdade. Bacon, ovos, batata frita... - Ele empurrou o prato em direção ao robô, com um misto de cansaço e desafio.
O robô hesitou por um segundo antes de responder com a voz ainda calma e formal:
- Ethan Carter, suas restrições médicas são severas!
Ethan lançou um olhar ácido, voltando ao celular, onde Musk continuava sua live. Lá fora, uma vida cheia de aventuras e de destinos possíveis acontecia, enquanto ele se prendia às paredes daquela casa, como uma nave que nunca partiria.
- Que diferença faz, Waio, se só me restam alguns dias? - A voz saiu firme, cortante. - Faça o que estou mandando, sem questionamentos.
O robô pausou, talvez como quem avalia uma nova ordem, e finalmente respondeu:
- Tudo bem, seu café da manhã rico em calorias, açúcar e gorduras saturadas estará pronto em dois minutos.
Ethan suspirou, jogando-se na cadeira, com uma mistura de frustração e alívio. A verdade é que ele mal conseguia sentir o gosto da comida leve de sempre.
Entre as fotos da infância e os quadros de foguetes, ele sentia a casa como um pequeno universo de memórias. Seu olhar recaía numa foto em particular: ele, de uns oito anos, com o sorriso largo e os pais ao lado, felizes e cheios de vida.
- Hoje, você tem consulta agendada... o Horário se aproxima, não vá se atrasar! - Waio o lembrou do compromisso que estava por vir.
- Estou ciente, Waio, é por isso que levantei cedo. - Falou sem tirar os olhos do aparelho.
Ethan iria ouvir os resultados dos últimos exames, mas sabia o que o esperava. Mesmo assim, preparava-se mentalmente para encarar as respostas frias e formais dos médicos, as expressões de pena contida, e as falas previsíveis sobre:
"aceitação" e "superação". Isso o incomodava quase tanto quanto a doença.
Na cozinha, o cheiro de bacon começava a se espalhar, quebrando por um instante a aura estéril do lugar.
Do outro lado da tela, o Centro Espacial Kennedy estava um caos controlado, com equipes finalizando os preparativos. No imenso hangar, os técnicos verificavam cada detalhe dos foguetes. O ar ali era denso, misturado com o cheiro metálico do combustível e o som intermitente das máquinas. Engenheiros de sistemas testavam sensores e comunicadores, enquanto as equipes médicas revistavam kits de emergência, ajustando equipamentos de suporte vital. Era uma operação meticulosa, mas carregada de propósito: eles estavam lançando o futuro da humanidade ao espaço.
Entre as corridas frenéticas dos funcionários e os murmúrios de expectativa dos passageiros, Elon Musk continuava a transmissão ao vivo, rodeado de jornalistas e organizadores. Sua energia era contagiante, sua visão ambiciosa: mil pessoas estavam prestes a embarcar rumo a Marte. Os passageiros eram uma mistura de figuras poderosas e influentes; cientistas de renome, milionários que pagaram pequenas fortunas por seus lugares, e políticos que buscavam um pedaço da história. Cada um deles trazia consigo uma história, um propósito, uma missão que os levava para além dos limites da Terra.
Enquanto o jornalista fazia perguntas animadas, ele percebeu a insistência de uma mensagem no feed ao vivo. Curioso, leu em voz alta:
- Elon, aqui tem uma mensagem inusitada. Um jovem chamado Ethan Carter pede para ir na viagem, ele diz estar no estágio terminal de câncer!
Ao ouvir isso, Elon franziu a testa. Por um instante, o brilho de excitação em seus olhos apagou-se, substituído por um leve desconforto.
- Uau! Isso é... chocante! - respondeu, piscando várias vezes, como se as palavras o atingisem com uma força inesperada. - A verdade é que todos os lugares estão ocupados, e a viagem requer um treinamento intenso...
- Então, sem chances, Musk? - pressionou o repórter, com um toque de provocação, sentindo que aquele momento poderia se tornar algo maior do que uma simples entrevista.
Houve um silêncio denso, no Centro Espacial Kennedy quebrado apenas pelo zumbido das máquinas e murmúrios dos presentes. O repórter, com o olhar fixo em Musk, parecia desafiar o bilionário a ir além, a transcender o esperado. Musk, tocado pela mensagem, finalmente respondeu, desviando o olhar como se estivesse ponderando o peso daquela decisão.
- Talvez seja possível, numa próxima janela! - Ele pausou, buscando as palavras com cautela.
- Mas, Musk, 26 meses é muito tempo, o talvez o rapaz tenha apenas alguns dias...
- Yes, é verdade, mas Infelizmente não posso fazer nada a respeito, eu sinto muito... - Falou com pesar, mas completou:
- Digo a ele para trazer seus exames médicos. Quero que ele conheça o interior de um dos foguetes, pelo menos isso. Eu posso garantir a você, Ethan Carter essa experiência!
Waio o robô, ainda cozinhando declarou em uma voz mecânica, porém firme:
- Parabéns, Ethan Carter!
Ao ver o robô saudando-o, respirou fundo, sentindo um misto de gratidão e dor. Ele sabia que o sonho de partir para Marte ainda escapava de suas mãos, mas o gesto de Elon, por mais simbólico que fosse, lhe deu uma faísca de esperança.
- Obrigado, Waio, mas eu queria mais... Queria partir em um deles. Mesmo assim, Musk é um grande homem!
Ele não pôde conter o sorriso amargo. No fundo, desejava algo além de um simples vislumbre. Queria a oportunidade de fazer parte de algo maior, de alcançar uma nova fronteira, de viver o que lhe restava longe do peso de sua doença.
Waio girava com precisão na cozinha ultramoderna, o som metálico de seus movimentos cortavam o silêncio frio do ambiente. Sua figura de aço refletia a luz fria das lâmpadas e emitia um brilho suave enquanto se aproximava de Ethan. O robô parecia mais vivo do que qualquer outra máquina na Terra, mas seus olhos, feitos de diodos luminosos, não tinham qualquer emoção. Com uma suavidade inesperada, ele pousou o prato à mesa, onde Ethan, sem dizer nada, fitava o nada com uma intensidade que apenas aqueles que se sentem à beira do abismo conseguem manter.
- Se quer mesmo ir, você tem que acreditar que irá realmente. Ethan... tem algum plano? - A voz de Waio soou com uma calma perturbadora, enquanto seus olhos de diodo piscavam com uma intensidade azulada. A pergunta pairou no ar, preenchendo a cozinha com uma atmosfera densa e quase conspiratória.
Ethan deu um suspiro pesado, afastando a cadeira da mesa enquanto lançava um olhar frustrado para o robô.
- Imaginei várias possibilidades. - confessou, com a voz carregada de uma inquietação sombria. - Mas penso ser impossível driblar a segurança da NASA. Cada rota, cada saída... todas parecem se fechar diante de mim.
Waio observou-o em silêncio por um momento, como se estivesse calculando cada palavra. E então, com uma voz baixa e firme, murmurou algo que Ethan jamais esperaria ouvir.
- "Xyforas."
Ethan franziu o cenho, a palavra reverberou em sua mente, como uma senha para um segredo desconhecido. - Xyforas...? - repetiu, intrigado.
- Essa é a senha! - confirmou Waio, com a voz ainda mais grave. - Diga essa palavra e alcançará tudo o que almeja... uma porta que apenas poucos ousam abrir.
Ethan engoliu em seco, um arrepio percorreu sua espinha. Algo na maneira de Waio falar, naquela segurança inabalável e na estranheza daquela palavra, trouxe uma mistura de fascínio e medo.
- Às vezes... você me assusta, Waio! - disse, encarando o robô com olhos carregados de um misto de incredulidade e reverência, como se ele realmente guardasse segredos que humanos jamais deveriam conhecer.
Waio não respondeu, limitando-se a inclinar levemente a cabeça, como se dissesse a Ethan que ele próprio precisava decidir qual caminho seguir. O silêncio tomou conta da sala, e por um instante, Ethan sentiu-se como um estrangeiro em seu próprio lar, confrontado com algo tão antigo e incompreensível quanto o próprio espaço.
- Diga, Ethan Carter, o que quer encontrar em Marte? - A voz de Waio soou com uma calma científica, quase indiferente. Havia algo inquietante em sua pergunta, como se um cálculo profundo se escondesse por trás dela, algo que ia além da compreensão humana.
Ethan continuou olhando para o vazio por um instante, mas então desviou o olhar para a tela do celular, onde a foto de Jessica, sua namorada, sorria para ele. Os cabelos dela refletiam o sol, os olhos eram de um azul claro que lembrava a paz do céu terrestre. Mas agora, o rosto dela parecia um fantasma, uma lembrança de uma vida que ele começava a se ver forçado a abandonar.
- Eu ainda não sei, Waio... - murmurou ele, quase para si mesmo. - Talvez... talvez o amor, a cura... mas, acima de tudo, quero sentir a sensação de deixar tudo para trás.
A resposta saiu como uma confissão, e o próprio Ethan parecia surpreso ao dizê-la. Havia um desespero subjacente, uma sede de fuga que ele mal conseguia compreender.
- Amor? - Waio pareceu hesitar por um segundo, como se processasse o conceito em camadas profundas de sua programação. - Jessica parece lhe amar muito. Mas... você não a ama de igual forma, Ethan, se está disposto a deixá-la para trás.
A lógica afiada do robô o pegou de surpresa. Ethan ergueu a cabeça, encarando Waio com uma mistura de espanto e irritação. Algo na frieza do cálculo o fez refletir, e, por um segundo, ele sentiu o peso esmagador de sua decisão.
- Jessica é tudo que me resta, Waio... más ela me perderá de qualquer forma, seja pela jornada a Marte, seja... pela minha morte. - Falou tristemente.
- Você acha que existe amor em Marte? - A pergunta de Waio saiu quase como um sussurro, carregada de uma tristeza que ele não conseguia explicar.
- Não... não há amor em Marte, Waio. Só haverá um deserto escaldante... e a morte que eu quero tanto evitar. - Olhou para Waio parecendo o testar.
- Existe vida em Marte, Ethan Carter. - A resposta de Waio foi imediata, quase como uma reprimenda. - Sou um robô da Tesla, fui programado para saber isso. A informação está ao alcance dos seus olhos.
- Bem, Waio, isso é que nós vamos ver. - Ethan pareceu se divertir, revirou os olhos, tentando se distanciar do debate, mas a insinuação de Waio continuava a ecoar em sua mente. Curiosamente, uma sombra de esperança lhe veio à mente ao lembrar das lendas sobre tecnologias avançadas, curas impossíveis, segredos que a NASA guardava sobre o planeta vermelho.
- Talvez você tenha razão, Waio! - admitiu, pegando o garfo com a mão ainda hesitante. - A cura talvez seja uma razão mais... lógica para deixar tudo para trás. Se há vida em Marte, quem sabe... os marcianos tenham respostas. Respostas que... a Terra não pode oferecer!
- Então é uma fuga. - afirmou Waio, sem qualquer emoção. - O amor, a cura... ou talvez... um vazio a ser preenchido. Eu fui programado para não entender o que leva alguém a fugir. Humanos falam sobre coragem e sacrifício, mas você me parece mais... incompleto.
Ethan sorriu amargamente. A análise crua de Waio atingiu um ponto sensível.
- E você acha que não pensei nisso? - retrucou ele, empurrando o garfo para dentro da comida. O sabor era quase indiferente, como se seus sentidos já não pertencessem àquele lugar. - Às vezes, Waio, a vida parece tão saturada... tão cheia de buracos que nada pode preencher.
Waio inclinou-se levemente, com um brilho enigmático em seus olhos de diodo. - Talvez encontre o que procura em Marte. Ou talvez... descubra que aquilo de que você fugia está mais próximo do que imagina.
As palavras ecoaram pela sala. Ethan permaneceu em silêncio, observando Waio com uma curiosidade renovada, como se aquele robô carregasse algo a mais, uma sabedoria enigmática, um sentido oculto entre seus circuitos.
No entanto, assim que terminou o café da manhã, Ethan sentiu o estômago embrulhar de forma violenta. Um gosto ácido subiu à garganta, e ele afastou a cadeira abruptamente, correndo para o banheiro. Mal teve tempo de se ajoelhar antes de vomitar tudo no vaso sanitário, com o som ecoando pelo pequeno espaço azulejado.
Por um momento, ficou imóvel, ofegante, com o suor frio escorrendo pela testa. Passou as costas da mão trêmula pela boca, limpando os resquícios do café da manhã. Sem forças para se levantar, deixou-se cair no piso gelado, encostando as costas na parede.
E então veio o choro. Primeiro, um soluço contido, como se tentasse se segurar. Mas logo foi impossível. As lágrimas escorreram livres, silenciosas no início, até que ele desabou completamente. Cada soluço parecia vir de um lugar mais profundo, como se todo o desespero acumulado estivesse finalmente escapando.
Do lado de fora, Waio, o assistente doméstico, ouviu o som abafado e parou na porta do banheiro.
- Senhor Ethan, está tudo bem? - perguntou, com sua voz carregada de preocupação.
Ethan apertou os joelhos contra o peito, tentando conter os soluços, mas falhou. Sua doença não apenas corroía seu corpo como ácido, mas parecia devorar sua alma, sua vontade de continuar.
- Vai embora, Waio! - murmurou irritado entre soluços. Sua voz estava fraca, quase inaudível.
Do outro lado da porta, o silêncio de Waio foi breve antes de responder com suavidade:
- Estou aqui, senhor Ethan, caso precise de algo.
Ethan fechou os olhos com força, com as lágrimas escorrendo quentes pelo rosto. Tudo não deveria acabar assim, ele queria viver, precisava viver...
Mas ali, sentado no frio e na solidão do banheiro, parecia não haver escapatória.
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