Epílogo
As perninhas dobravam e esticavam impondo força e rapidez repetida vezes, sem indicar qualquer cansaço ou mesmo que pararia de fazer tal ação. Os gritinhos de satisfação indicavam exatamente o oposto. Dessa forma exigia maior cuidado e atenção de quem lhe segurava. E também lhe arrancava risos e uma sensação de felicidade extrema.
A dona daquelas pernas travessas estava para completar sete meses de vida e já fazia a sua primeira viagem internacional rumo a um país quente como o inferno – forma como a sua mãe definia seu local de origem, tão diferente daquele em que viviam e que recebeu aquela pequena criança de olhos castanhos e redondos e tão expressivos.
Aquele bebê não fora planejado. Aconteceu no acaso em um descuido dos seus pais. Uma imensa surpresa. Era assim que sua mãe definiu aquela gravidez quando anunciou para o outro responsável. A mulher chegou a ter ressalvas de como o homem receberia tal informação, de toda forma já sabia exatamente o que fazer.
— Professor! — Manoela chamava do andar de cima. — Vem aqui! Rápido!
Stephen olhou por cima da armação dos óculos em direção aquele sotaque quase musical. Seus dedos pararam de dançar sobre as teclas de sua velha máquina de escrever. Outro romance começava a ser rascunhado. Já era o quinto após Manoela de Alencar ter entrado em sua vida e com ela fontes infinitas de inspirações e realizações.
— Pai porque Manu lhe chama assim?
Stephen encarou o filho com um sorriso enorme nos lábios passando por ele sentado no sofá entretido com seu smarthphone, lhe bagunçando o cabelo.
— É a forma dela de dizer que me ama!
Timothy sorriu para o pai de forma sincera e voltou a sua atenção novamente para as mensagens que trocava. Um encontro para mais a noite. Vida de universitário era tudo que ele queria. E melhor, estava morando com seu pai. Conhecendo aquele homem sem interferência ou empecilhos e cada dia que passava o admirava mais e mais.
Stephen ainda com o sorriso em seus lábios seguiu andar acima rumo ao quarto que dividia com a mulher que julgou ter esperado por toda sua vida e que quase deixou escapar entre seus dedos. Ao entrar no cômodo já pode sentir aquele cheiro cítrico que tanto amava e que lhe despertava desejos. Seguiu rumo ao banheiro onde Manoela se encarava com uma expressão de espanto diante do espelho.
— Já é o terceiro teste que faço! — Manoela desviou o olhar de espelho assim que percebeu a chegada do seu parceiro. — Não tem como estar errado. E eu sinto pelas mudanças no meu corpo...
— O que está acontecendo? — Stephen também mudou sua expressão de felicidade para uma de preocupação, não fazia ideia do que ela falava.
— Dá uma olhada nisso e tire as suas conclusões.
Manoela estendeu em sua direção um bastão um pouco mais largo e firme que canudos. Nele continha uma brecha onde duas riscas vermelhas podiam ser vistas com muita nitidez.
Stephen com o objeto em suas poses acomodou melhor seus óculos em seu rosto olhando atentamente aquele sinal. Manoela lhe encarava com receio. Estava insegura quanto a sua reação, ainda mais depois de tudo que aconteceu na sua vida nos anos anteriores a sua chegada.
Havia passado três anos desde que aceitou o pedido oficial de casamento de Stephen na sala de estar de sua mãe. A mãe apareceria assim que o sim havia sido dito em uma língua que dona Cláudia sentia certa dificuldade em entender com clareza. E depois daquilo acabou se dedicando mais em suas aulas particulares de todas as terças e quintas-feiras. O professor também sentiu necessidade de aprender a língua nativa de sua futura esposa e estava saindo-se muito bem nesse processo.
— Você está grávida?
— É o que parece.
— Manoela você está grávida! — Stephen avançou rapidamente para cima daquela mulher pequena lhe arrancando do chão. — Você acabou de me fazer novamente o homem mais feliz desse mundo!
E agora Stephen segurava sua pequena Anne Alencar Weber fazendo travessuras em seu colo enquanto sua mãe descansava um pouco nesse voo longo até a casa de sua avó materna no Brasil.
Manoela seguiu com sua vontade. Tentar equivaler seu diploma de enfermeira no Brasil para poder exercer essa função também na Inglaterra. Manoela com ajuda de Stephen foram atrás de todos os documentos pedidos pelo NHS que é o serviço de saúde pública inglesa e Manoela se matriculou no curso oficial exigido que tem duração de um ano. Manoela se dedicava com afinco deixando Stephen cada vez mais orgulhoso de sua pequena brasileira.
E agora depois de todo esse tempo e finalmente acostumada com a carga horária muito maior e mais pesada que a brasileira Manoela fosse abençoada com a chegada de um bebê tão parecido com ela exceto pelos cabelos lisos herdados de seu pai.
— Cadê o neném mais fofo? — Charlotte acordaria com um dos gritinhos de felicidade de sua irmã menor que estava do outro do corredor lhe fazendo caretas divertidas, Anne começou a gargalhar e pular com mais rapidez no colo de Stephen.
— Charlotte não atiça! Assim vai acabar acordando Manoela.
— Dá ela aqui! — Charlotte estendeu os braços na direção de Anne que também repetiu o gesto.
— Tem certeza?
— Eu e Tim cuidamos um pouco dela para você descansar um pouco, não é Tim? — Charlotte deu um cutucão no braço do irmão ao seu lado lhe assustando.
— O que você quer? — Tim removeu os fones de ouvido sem entender o que estava acontecendo.
— Quero que me ajude a distrair Anne para o pai descasar um pouco.
— Manda essa pirralha linda para cá!
Anne ficaria acomodada no colo da irmã com Tim lhe fazendo várias cocegas até que o pedido de colocar os cintos fosse acionado. Em breve estariam em solo brasileiro sendo acolhidos pela família quente e afetuosa de Manoela.
A casa de Stephen cedida pela universidade antes vazia, nesses últimos anos estava cheia e da melhor forma. Havia vida, barulhos, bagunça e o principal muito amor. Charlotte estava mais fortalecida e em breve sairia do ninho, algo que Stephen ainda não sabia, mas que lhe apoiaria em tudo que precisasse. Timothy estava no primeiro ano de estudos ainda teria muito tempo ao lado do seu pai e esse tempo revelaria que tinham muito em comum. Afinidades que ficaram adormecidas pela falta de proximidade.
Porém nem tudo eram flores. Elizabeth não aceitava muito bem essa situação, a diferença estava em Stephen que não se importava mais, seguia impondo o seu ponto de vista de forma categórica.
Certa noite Charlotte chegaria mais cedo da universidade e encontrou o pai acomodado no sofá lendo um livro como habitual. Manoela estava em mais um plantão então aproveitou aquele momento deles sozinhos para conversar, passou apreciar esses momentos de confissões que tinha com o pai.
— Pai! Posso me sentar ao seu lado? Não quero lhe atrapalhar.
— Você nunca me atrapalha minha filha, venha sente-se aqui!
Stephen abriu seu braço indicando o lugar que ela deveria se acomodar e Charlotte assim o fez. Acomodou a cabeça em seu ombro deixando seu corpo esguio relaxado sobre o sofá.
— O que está lendo?
— Uma coletânea de contos de uma autora brasileira muito interessante que Manoela me deu. — Stephen virou a capa em direção a Charlotte onde ela podia ler o nome de Clarice Lispector.
— Está em português?
— Está! — Stephen respondeu sorrindo. — Preciso de algo para treinar e ver se estou aprendendo essa língua tão difícil.
— E como está se saindo?
— Poderia estar melhor.
— Manoela deve estar feliz por essa iniciativa.
— Ela está sim e vem sendo uma ótima professora.
— Agora você pode a chamar da mesma forma.
Stephen não respondeu, apenas aconchegou a filha para mais perto lhe dando um beijo no topo da cabeça e voltou sua atenção para o livro em sua mão. Charlotte depois de longo tempo quebraria novamente o silêncio.
— Você e a mamãe já foram assim?
— Assim como?
— Como é com Manoela.
— Apaixonados?
— Felizes.
— Vendo pelos últimos anos sei que é difícil de acreditar que já fomos um casal feliz. Mas fomos.
— Antes de eu e Tim ter nascido presumo.
Stephen largou o livro sobre a mesinha de canto ao seu lado. Removeu os óculos colocando ao lado do livro e encarou Charlotte.
— Filha, você está achando que o aconteceu conosco foi por causa de vocês?
— Talvez.
— Tire isso de sua mente! O que aconteceu conosco não é culpa de nenhum de vocês. Os únicos culpados fomos nós pela distância que nos impelimos. Ela queria um marido bem sucedido e eu queria ser apenas um escritor. O que aconteceu foi que nos frustramos com nossas expectativas e aspirações e dessa forma deixei que ela levasse vocês. Esse é o maior arrependimento de toda a minha vida.
Aquela conversa com a filha ficaria dias na mente de Stephen. Seu coração comprimia com mais força toda vezes que recordava como fora a sua vida ao lado de Elizabeth e por conta disso desde que soube da chegada de Anne daria o seu melhor para que aqueles erros não se repetissem e por conta disso estava decido que aquele Natal seria passado em família e quando ele pensava em família vinha apenas em sua mente a adorável e unida família de Manoela.
— O que é isso?
— Como assim o que é isso? São as nossas passagens para o Brasil. — Stephen seguiu com um sorriso no rosto sentando no chão ao lado da filha que brincava tranquila com seus brinquedos. — Será um problema para sua mãe se meus filhos também forem? Gostaria que eles fizessem essa viagem conosco.
— Stephen! Você está falando sério?
— Meu Deus! Quanto espanto! Lógico que estou.
— Por isso que insistiu para que eu conseguisse uns dias a mais de folga no hospital.
— E você conseguiu e iremos todos para o Brasil! Passou da hora de termos um Natal com a sua família.
— Minha mãe vai enlouquecer no melhor sentido!
— E ela precisa conhecer a neta pessoalmente e não apenas por Skype.
— Realmente é algo que ela vinha desgostosa. Acho que ela planejava vir no aniversário de um ano da Anne.
— Porque planejava? Ela pode vir quando quiser. A sua família é mais do que bem vinda em nossa casa Manoela.
— Eu sei meu professor! Eu sei!
Stephen já não podia dizer o mesmo sobre a sua família exceto por Emily e Laura. Emily e Michael foram os escolhidos para batizar a pequena Anne e cada qual tinha seu jeito particular de mimar a criança. Os pais de Stephen ainda não conheciam a neta.
A mãe de Manoela receberia aquela notícia da vinda de sua filha com Stephen e seus filhos com euforia. E proibiu que eles reservassem acomodações em hotéis. Já tinha tudo esquematizado. Seu apartamento era suficiente para acomodar todos, mesmo que apertados.
A chegada ao país do carnaval aconteceu dentro do previsto e com o calor já esperado por Manoela - não pelos os ingleses que lhe acompanhavam. Saíram de Londres com temperaturas abaixo de zero e agora tentavam não se sufocar com o ar e o medidor de temperatura marcando mais de quarenta graus.
Quando enfim conseguiram um táxi Charlotte estava com o rosto inteiro avermelhado, porém com um sorriso imenso em seus lábios. Timothy eufórico e Stephen feliz.
Durante o trajeto Manoela parecia uma guia turística apresentando o que dava para aquelas pessoas fascinadas pelo país "exótico". Manoela já não se importava mais quando falavam assim do seu país.
— Meus amores!
Dona Claudia já estava na porta esperando quando saíram do elevador. Assim que o porteiro, seu Joaquim – Manoela o conhecia desde seus oito anos quando mudaram em definitivo para esse apartamento na Tijuca e dali nunca mais saíram – anunciou a chegada dos visitantes.
— Mãe! — Manoela tomou a dianteira com Anne em seu colo olhando tudo muito atenta.
— Deixe-me ver essa coisinha mais fofa!
Dona Cláudia com os olhos cheios d'água aproximou-se da filha e neta com cautela, sabia que a criança podia estranhar, mesmo que a menina já conhecesse a voz da avó, o contato direto era totalmente diferente e Cláudia sabia lidar com crianças, mais de trinta anos fazendo festas infantis lhe dava essa sabedoria.
Sendo assim deixou que Anne explorasse e reconhecesse. A pequena criança, primeiro escondeu seu belo rosto entre os caracóis dos cabelos de sua mãe. Recebeu algumas cócegas na lateral do corpo, nada muito forte, apenas um toque carinhoso para lhe chamar a atenção. Anne remexeu seu pequeno corpo e voltou a encarar o rosto sorridente de sua avó. Manoela encorajava a filha nessa busca lhe passando segurança. E quando menos esperavam lá estava ela estendendo seus pequenos braços em direção ao aconchego do colo de sua avó e foi com Anne em seus braços que dona Cláudia receberia seus outros convidados.
— Fizeram boa viagem? Meu Deus! Como ela é linda Manoela! Igualzinha você quando bebê?
— Fizemos sim Sra. Alencar.
— Para tudo! — Dona Cláudia arregalou os olhos e nesse instante Stephen reconheceu Manoela e voltando-se para filha seguiu: — Ele está falando português?
— Não vamos exagerar nesse falando... — Manoela já começava a se divertir com tudo aquilo. — Podemos dizer que ele consegue se virar.
— Bom então querido genro... — Cláudia seguiu em português ignorando que Charlotte e Timothy não estavam entendendo absolutamente nada. — Não me chame de senhora!
— Está certo. Cláudia. — Stephen disse o nome de forma muito tímida, para ele era difícil impelir certo tipos de tratamento antes de ter um grau de intimidade.
— Viu! Bem melhor. — Cláudia ainda com neta no colo deu um cheiro em seu pescoço a fazendo gargalhar e então se voltou para os jovens, em português. — Charlotte e Timothy é isso né? Acertei? Devem estar cansados, precisando tomar banho, venham comigo que vou mostrar o quarto...
— Mãe! — Manoela lhe interrompeu se divertindo com tudo aquilo. — Stephen já nos entende, mas os filhos dele não!
— E o que vamos fazer?
— Sei que a senhora voltou a estudar, que tal aproveitar e praticar o que aprendeu?
— Muito justo! Mas agora eu quero ficar com essa bonequinha e você acomoda todos eles.
Dizendo isso, dona Cláudia seguiu com Anne para a cozinha, havia bolos, pães e vários quitutes ali esperando seus convidados.
— Bom! Essa é minha mãe! — Manoela sorria. — Ela é sempre assim então terão de se acostumar. Podem falar com ela no idioma de vocês porque ela entende, apenas não gosta muito de falar, provavelmente ela vai misturar os dois idiomas, qualquer coisa peçam para ela repetir, ok?
— Adorei sua mãe. — Charlotte respondeu com sinceridade.
— E tenho certeza que ela irá se apaixonar por você.
— E por mim? — Timothy entrou na conversa.
— Acredito que as filhas dos meus primos que irão ficar encantadas por você. Bom, vou levar vocês para o quarto que era do meu irmão.
Stephen não seguiu com eles ficou ali na sala observando aquele cômodo. Nada havia mudado desde que estivera ali quando veio resgatar o seu amor. E supunha que sempre fora assim desde que Manoela era uma criança. Mesmo que aquele lugar fosse desconhecido se sentia acolhido.
— Perdido em pensamentos meu genro?
— É inevitável.
— Venha cá, me acompanhe no café. Bebe café? Se quiser posso fazer um chá, vocês ingleses gostam mais de chás...
— Aceito o café.
— Certeza, porque posso fazer o chá.
— E perder o melhor café que existe.
— Está querendo me bajular é isso?
— De forma alguma, apenas um pouco.
— Então não pare, adoro ser bajulada.
— Obrigado por estar nos recebendo. Principalmente por não ter se importado com a vinda dos meus filhos.
— E porque me importaria? — Cláudia ainda com Anne nos braços colocou água para esquentar, resolveu passar um café fresco. — Nós brasileiros gostamos exatamente disso: casa cheia. E estamos muito longe de lotar isso aqui com seus dois filhos. O menino é muito parecido com você.
— Apenas fisicamente, de gênio é mais próximo da mãe. Charlotte nesse ponto é minha cópia e às vezes me preocupo com isso. — sem entender Stephen soltou aquela confidência, havia algo em sua sogra que fazia com que se sentisse seguro.
— Sempre iremos nos preocupar com os filhos. Isso é inevitável, seria tão mais fácil se ficassem assim como essa doçura. — Cláudia beijaria Anne que reclamou da investida, a pequena já queria explorar outros ares.
— Não fui um bom pai com eles.
— Agora é a chance de mudar.
— Ah! Vocês estão aí. — Manoela os encontra na cozinha cada qual com uma expressão séria no olhar. — O que aconteceu?
— Nada. Estamos apenas conversando. — Cláudia deu as costas para filha e começou a despejar a água quente no coador e o cheiro do café se espalhou. — Viu! Tem fumacinha porque está muito quente...
Enquanto Cláudia conversava com a neta, Manoela acomodou-se no outro banco da mesinha que ficava na cozinha e encarou com desconfiança Stephen.
— Está tudo bem Manoela, é sério. Como eles estão?
— Com calor! Mas já liguei o ar-condicionado do quarto em que estão. Achei que Timothy ficaria ressabiado de ter de dormir em um colchão no chão, mas ele adorou a ideia.
— Talvez devêssemos ter ido para um hotel, não quero dar trabalho para a sua mãe.
— Você a magoaria se fizesse isso.
— E muito! — Cláudia voltou a sua atenção para eles despejando aquele líquido escuro em suas canecas. — Não é trabalho algum receber vocês em minha casa. Como te disse gostamos disso de casa cheia e barulhenta e seus filhos já são grandes em nada irão me incomodar.
— Falando em filhos grandes quando Felipe chega? Estou louca para ver meus sobrinhos. — Manoela se serviu de um pedaço de bolo e bebeu do café com imensa satisfação, estava com saudades do gosto daquele lar. — Meu irmão que você não chegou a conhecer daquela vez que esteve aqui vai vir também para o natal com a esposa e os filhos. Ele também tem um casal como você. Só que ainda são crianças e destruidoras.
— São lindos todos meus netos! Né lindeza? Essa menina tá começando a ficar com sono Manoela.
— Acredito que sim mãe, estamos na verdade todos exaustos.
— Então terminem o lanche e vão descansar.
Os dias que seguiram foram com Manoela apresentando a cidade maravilhosa. Manoela sabia que não era tão maravilhosa assim, mas iria poupar aqueles visitantes das mazelas de um país desordenado e corrupto e iria apenas naquela breve visita focar só na parte boa.
Passaram um dia na praia de Copacabana com Manoela lembrando aqueles ingleses quase transparentes da necessidade de passar protetor solar constantemente. Stephen e Timothy sentiriam naquela noite as consequências de suas teimosias. Foram para o Cristo, andaram de bondinho, viram o por do sol nas pedras da praia do Arpoador. Timothy se arriscou saltando de asa-delta. Uma experiência que sempre ficaria gravado em sua memória tanto pela emoção do salto quanto pela vista que podia ter daquele lugar onde as paisagens se misturam da mata para o mar naquele azul inconfundível.
Manoela e Stephen também tiveram seus momentos a sós enquanto os jovens se aventuram por outras bandas em baladas mais jovens o casal seguiu para Lapa um dos lugares favoritos de Manoela nesse mundo. Stephen ficaria um tanto ressabiado com toda aquela aglomeração de pessoas sentadas nos bares em suas calçadas e música invadindo o ambiente impossibilitando conversas. Manoela dançou para ele com um sorriso aberto em seu rosto e o homem sairia dali mais apaixonado do que quando chegou – como se isso fosse possível. E fecharam o projeto turista tirando um retrato ao lado da estatua de Carlos Drummond de Andrade o poeta do primeiro contato de Stephen com a literatura brasileira que graças a Manoela o fascinava cada dia mais.
— O que eles estão achando de tudo isso? — Cláudia questionava com interesse
— Fascinados e ao mesmo tempo ressabiados. Stephen quase teve um ataque quando o garçom praticamente jogou a caneca de chope na hora de servir. — Manoela respondia se divertindo com toda aquela situação tão diferente entre suas culturas. — De toda forma estão gostando e acho que vão acabar vindo mais vezes para cá.
— É o que eu mais desejo, nossa família juntas nesses momentos inesquecíveis.
— Bom deixe-me ir lá passar mais caladryl nas costas daquele homem teimoso, falei para ele passar de hora em hora o bloqueador solar, mas não adiantou agora está aí todo queimado.
— Seu pai quando chegou aqui se portava do mesmo jeito, foram anos até ele se acostumar com a ideia de que o sol castiga.
— Espero que Stephen já tenha aprendido essa lição.
— Até parece que não conhece como os homens funcionam. O que me preocupa é a menina de todos é a mais branquinha, parece de cera.
— Charlotte é coisa mais linda, apesar de magra demais, mas com ela não fico preocupada. É a que mais se protege, passa protetor toda hora, usa chapéu e fica debaixo do guarda-sol. O problema é que só o nosso ar quente já castiga a menina deixando todo o seu rosto avermelhado.
— Ela me lembra a minha mãe nesse ponto.
— É a vozinha era assim também. Agora me deu uma saudade dela.
— Ela nos faz muita falta.
Manoela sentia falta de muitas coisas, mas a do seu pai era que mais lhe machucava.
Os visitantes do outro país sentiriam também diferenças entre suas tradições durante a ceia de natal que diferente dos brasileiros acontece no dia 25 no final da tarde. Também não foram à missa da meia noite do dia 24, ou cantariam pelas ruas músicas natalinas e tão pouco, veriam as crianças deixando suas meias para o Papai Noel. E muito menos o discurso de natal da Rainha. O que viram seria um lar cheio onde os familiares, amigos e agregados trocavam presentes em um amigo secreto. Manoela explicaria que faziam dessa forma por motivos financeiros já que eram muitas pessoas e não daria para presentear a todos e assim ninguém fica de fora.
— Pessoal vai começar o show!
Dona Cláudia anunciou com entusiasmo, aumentando o volume de sua televisão.
— Gente ainda tem isso?
— Claro! Natal sem Roberto Carlos não é Natal! — Dona Claudia respondeu para Manoela com ar de indignação se acomodando no sofá ao lado do genro que não estava entendo absolutamente nada.
— Achei que ele já tivesse morrido!
— Que é isso menina!
— Quem seria essa pessoa? — Stephen curioso resolveu fazer a pergunta que todos ali naquela sala esperavam.
— O nosso rei. — Manoela respondeu tentando segurar a gargalhada.
— Estou confuso. — Stephen não percebeu a brincadeira da esposa, raramente percebia. — Achei que o país de vocês fosse republicano.
— E é professor! Manoela para com isso! — Dona Cláudia olhava feio para filha que não conseguia mais controlar a gargalhada.
— Stephen... — Felipe irmão mais velho de Manoela também segurando o riso entrou na conversa. — Roberto Carlos é rei, só que da nossa música.
— Vocês tem a Rainha lá discursando no Natal e nós temos as "belas"... — Manoela faria o gesto de aspas no ar e recebeu o olhar fulminante de sua mãe. — Canções do Roberto Carlos. E isso acontece todos os anos acho que desde antes de eu nascer.
— Menina desaforada! Meu genro são lindas sim as canções dele. Acredite.
Manoela sentou no braço do sofá ao lado de Stephen já refeita dos risos. Ele ainda encarava aquilo de forma muito confusa, até porque não compreendia com muita clareza o idioma da esposa, estava fazendo um esforço surreal para acompanha-los.
— E ele quase foi o motivo de separação dos meus pais. — Manoela voltou a encarar a mãe com o olhar travesso ao mesmo tempo em que acariciava os cabelos ralos de Stephen.
— Manoela suma daqui!
Os ingleses também encontrariam diferenças nos alimentos servidos nessa festividade. O único ponto em comum seria o peru. Sai de cena o purê de batatas para dar espaço à maionese com maçã verde, as linguiças assadas seriam substituídas por uma bela farofa cheia de uvas passas – detalhe que sempre dividia opiniões e que dona Cláudia dizia em tom de irritação para que quem não gostasse separasse nos pratos. Havia também na bela mesa montada por Cláudia um pernil assado, com a travessa enfeitada por pêssego, figo e cerejas em calda.
Por conta dos hábitos do pai de Manoela, dona Cláudia em sua memória mantinha também um prato de bacalhau, que Stephen apreciou muito. Ele também havia gostado dos bolinhos fritos de bacalhau quando em uma noite extremamente quente ficaram sentados na sacada tomando cerveja até de madrugada.
E para sobremesa, muitas frutas tropicais, alguns pavês seguidos das piadinhas típicas, que Stephen e seus filhos jamais entenderiam, e a famosa rabanada, algo que lembrava a eles as toast britânicas.
Mas o que mais chamava a atenção era a harmonia desorganizada daquela família. Os natais que passou com sua família eram sempre tudo muito contido. Conversas vazias, amarguras sendo levantadas. Silêncio em um quarto acompanhado de uma das Brontë.
E ali em solo brasileiro, não precisaria se refugiar em um romance. Recebeu abraços, beijos e acolhimento por todos os lados. Via alegria nos rostos de seus filhos mais velhos, e amor nos olhos de sua esposa.
— O que está achando de tudo isso? Demais não é?
— No melhor sentido! Confesso que fiquei preocupado quando vi todas essas pessoas chegando...
— Achou que não caberiam todos dentro desse apartamento?
— De fato pensei. Estamos apertados, mas de uma forma boa.
— É uma delícia tudo isso. Meu pai sempre fez questão que todos encontrássemos no Natal e desde então a família cai inteira aqui, mesmo após a sua morte.
— Você era muito jovem quando ele morreu?
— Não. Eu estava começando o curso de enfermagem. — Manoela olhou pela janela e de lá podia observar as outras famílias comemorando ao seu modo o Natal. — Foi o que fez da minha dor e saudade por ele ser suportável.
Stephen a abraçou. Manoela se afundou em seu dorso deixando que uma lágrima de saudade o marcasse na camiseta presentada pela sogra.
— Manoela...
— Professor!
— Obrigado por ter me dado o melhor natal de toda a minha vida!
Manoela o encarou com aqueles olhos redondos ainda marejados pelas lágrimas. E nas pontas dos pés estendeu seu corpo, envolveu o rosto anguloso dele em suas mãos e selou aquela noite de esperança e nascimento com um beijo. O retorno ao ar frio aconteceria dali a dois dias e enquanto ele não viesse iriam desfrutar cada segundo daquele ar tão quente, mas incrivelmente acolhedor. E o professor agora sentia pela primeira vez o que era ser uma família de verdade.
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