Capítulo Nove
Arthur Kaymin:
Assim que saí do escritório, um vulto pequeno e ágil se lançou contra mim, envolvendo minha cintura em um abraço apertado. Meu corpo se enrijeceu por um instante antes de reconhecer aquele calor familiar. Olhei para baixo e encontrei os olhos grandes e brilhantes de Silas, que ergueu a cabeça para me encarar, os fios de cabelo macios se espalhando contra meu peito.
— Silas... Você não deveria estar estudando com a Layla? — perguntei, surpreso, mas sem qualquer dureza na voz.
Ele hesitou por um momento, mordendo o lábio como se tentasse encontrar as palavras certas, antes de falar com sua voz infantil, carregada de preocupação:
— Eu estava preocupado... — Seus dedos pequenos se apertaram ao redor do tecido da minha roupa, como se quisesse se certificar de que eu realmente estava ali. — A tia Layla me deixou vir atrás de você.
Fez uma pausa e então, mais hesitante, sua voz saiu ainda mais baixa:
— Tio... O papai não te machucou ou disse algo ruim para você?
Meu coração apertou com a pureza daquela preocupação. Ele era tão pequeno, tão inocente, e ainda assim carregava um medo que não deveria pertencer a alguém da sua idade. Meu sorriso veio sem esforço, e minha mão foi automaticamente até seus cabelos, bagunçando-os de leve. Havia algo nele que sempre me lembrava um filhote de gato, miúdo, esperto e carente de carinho. Se eu comparasse, Thales era o oposto—um leão selvagem, indomável, que exalava poder e intensidade.
— Eu estou bem, pequeno — assegurei, agachando-me até ficar à sua altura, permitindo que nossos olhares se encontrassem no mesmo nível. — Seu pai só queria conversar.
Os olhos de Silas brilharam com um misto de esperança e curiosidade.
— E sabe de uma coisa? Ele me disse que vamos tirar um dia inteiro para não estudar. Só diversão, sem nenhuma aula chata! Podemos brincar do que você quiser.
O rosto dele se iluminou, mas eu não terminei.
— Ah, e tem mais uma coisa... — continuei, com um tom mais conspirador, fazendo sua atenção se prender completamente em mim. — Ele também designou alguém muito especial para cuidar de mim. Um verdadeiro cavaleiro. O melhor que eu poderia ter ao meu lado.
Silas piscou algumas vezes, como se processasse minhas palavras, antes de inclinar a cabeça para o lado, intrigado.
— Quem...?
Minha mão pousou delicadamente sobre o peito dele, bem no lugar onde seu coraçãozinho batia acelerado.
— Você.
Por um instante, o silêncio foi absoluto. Seus olhos se arregalaram, e então, como o nascer do sol após uma longa noite, um sorriso enorme e radiante se espalhou pelo seu rosto. Seu corpo vibrou de emoção, e ele soltou uma risada pura, cheia de alegria genuína.
— Eu? De verdade?!
— De verdade — confirmei, rindo da empolgação que transbordava dele.
Antes que eu pudesse reagir, ele se atirou nos meus braços outra vez, me apertando com força.
— Eu prometo, tio! Eu vou te proteger!
E naquele momento, vendo o brilho determinado nos olhos dele, senti que talvez eu fosse mesmo a pessoa mais segura do mundo.
Soltei uma risada suave, sentindo um calor aconchegante crescer no peito ao ver toda a determinação estampada no rostinho dele.
— Com você me protegendo, vou me sentir mais seguro do que nunca — falei, sorrindo com sinceridade.
Apertei levemente sua pequena mão na minha, sentindo a confiança infantil e pura que ele depositava em mim. Então, sem soltar sua mão, comecei a caminhar de volta pelo corredor, guiando-o comigo. Cada passo ao lado dele parecia dissipar qualquer resquício de tensão que a conversa anterior havia deixado.
**********************
Na parte da tarde, fiquei observando Silas treinar com seu professor particular de esgrima. Mesmo sabendo que ele estava em boas mãos, era impossível não sentir um certo pavor ao vê-lo manejar aquela espada com tanta determinação. Seus golpes eram rápidos, seus movimentos precisos—e, de certa forma, um pouco assustadores.
— Não é tão intenso assim... — murmurei para mim mesmo, tentando acalmar meu próprio nervosismo.
Olhei de relance para o lorde Thales, que estava tão distraído assistindo ao treino que nem percebeu minha presença ou o comentário que fiz. Um segundo depois, senti algo pressionando perigosamente perto do meu pé e, por instinto, me afastei bruscamente antes que fosse pisoteado.
— Ohhh, peço desculpas. Eu não tinha visto você aí — Thales disse, desviando o olhar para mim, aparentemente surpreso.
Cruzei os braços, fingindo uma indignação que logo foi substituída por um sorriso travesso.
— Por favor...
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Huh? Você não vai dizer nada estranho, vai?
Soltei um suspiro exagerado, como se estivesse prestes a declarar algo de extrema importância. Então, segurei suas mãos com força e olhei diretamente em seus olhos, carregando minha voz com toda a seriedade do mundo:
— O lorde é um pai amoroso e dedicado, cujo único foco é o bem-estar de seu filho. Eu consigo entender isso perfeitamente. Então, se for preciso pisar em mim para garantir o conforto de Silas... que assim seja.
O silêncio pairou no ar por um momento, até que vi seus olhos se arregalarem levemente.
— Eh?!
Ele piscou algumas vezes, claramente pego de surpresa, e sua expressão era simplesmente... preciosa. Quase ri da reação dele, mas me segurei. Ver o lorde Thales desconcertado daquele jeito era um espetáculo e eu definitivamente estava aproveitando cada segundo disso.
Thales piscou algumas vezes, como se estivesse tentando processar minhas palavras. Sua expressão, normalmente austera e séria, parecia se desfazer em um misto de incredulidade e leve constrangimento.
— Você realmente tem um talento para dizer coisas absurdas com a maior convicção possível — ele murmurou, passando uma das mãos pelo rosto, como se tentasse disfarçar um sorriso que ameaçava surgir.
— Apenas estou reconhecendo seu amor paternal e me oferecendo como mártir em prol do conforto de Silas — retruquei com falsa solenidade, soltando suas mãos e dando um pequeno passo para trás.
Ele bufou, cruzando os braços enquanto voltava seu olhar para o treino. Mas, mesmo sem encará-lo diretamente, percebi o canto de seus lábios se curvando levemente.
Silas, por sua vez, continuava concentrado na esgrima, seus golpes cada vez mais precisos, embora ainda carregassem aquele fervor infantil de quem se empolga ao aprender algo novo. Cada vez que errava um movimento, franzia as sobrancelhas, claramente frustrado consigo mesmo, mas logo se corrigia e voltava a tentar.
— Ele é muito esforçado — comentei, quebrando o breve silêncio.
Thales assentiu, os olhos fixos no filho, carregando um brilho de orgulho que ele provavelmente não admitiria em voz alta.
— Silas sempre foi assim. Quando decide que quer aprender algo, não desiste até conseguir.
O tom dele era mais suave do que o normal. Pela primeira vez, não havia o peso de formalidade ou distanciamento. Apenas um pai observando seu filho crescer.
Aproveitei a deixa e o provoquei, um sorriso travesso surgindo no meu rosto:
— Um dia ele vai te superar.
Dessa vez, Thales me olhou diretamente, arqueando uma sobrancelha.
— Se ele conseguir, ficarei satisfeito.
— Ohhh? Isso foi uma resposta humilde? Não esperava isso do temível lorde Thales — brinquei, colocando uma mão no peito, fingindo choque.
Ele suspirou, como se estivesse repensando todas as suas escolhas de vida que o levaram até esse exato momento comigo.
— Às vezes, me pergunto por que ainda converso com você.
Ri baixo, voltando a observar Silas, que agora recebia algumas instruções do professor antes de retomar a prática.
— Porque sou encantador — declarei, sem um pingo de modéstia.
Thales apenas balançou a cabeça, mas, pelo brilho divertido em seus olhos, não me desmentiu.
Thales me encarou por alguns segundos, como se estivesse tentando decifrar minhas intenções. Sua expressão séria contrastava com o brilho intenso nos olhos, aquele olhar afiado de quem está sempre à frente dos outros, sempre calculando, sempre se protegendo. Mas eu não me intimidava—não mais.
— Você é muito estranho — ele disse enfim, apontando para mim com um leve movimento da mão. — Por que diz essas coisas como se fossem tão fáceis?
Dei de ombros, um sorriso brincando em meus lábios.
— Porque eu gosto de te provocar.
Ele revirou os olhos dessa vez, exalando um suspiro longo, como se estivesse lidando com o ser mais irritante do mundo.
— Quero que me diga algo com sinceridade — sua voz soou mais firme agora. — Por que está tão interessado em mim?
Seus olhos prenderam os meus, desafiadores, como se esperasse que eu vacilasse, que desviasse o olhar ou recuasse. Mas eu não recuei.
— Eu não vou me interessar nesse tipo de coisa — ele completou, o tom seco e definitivo.
Minha reação foi sorrir. Um sorriso tranquilo, sem tristeza, sem decepção.
— Eu não me importo se você nunca retribuir meus sentimentos — respondi, minha voz saindo calma e sincera. — Só desejo que saiba que eu te amo e quero a sua felicidade.
Aquelas palavras flutuaram no espaço entre nós. Mesmo que Thales tentasse manter sua expressão neutra, eu vi quando sua respiração ficou levemente mais pesada.
— Também sei por que você é tão protetor com o Silas... assim como a Martha e o Leopoldo.
Eu fiz uma breve pausa, esperando alguma reação, mas ele apenas permaneceu ali, imóvel, em silêncio.
— Ele é humano. Completamente humano.
Thales congelou. Seu corpo ficou rígido, como se eu tivesse acabado de tocar em um fio desencapado de sua alma.
O silêncio que se seguiu foi espesso, carregado de significados não ditos.
Respirei fundo e continuei, minha voz agora mais suave, mas sem hesitação:
— Você o protege para que os outros lordes e os demônios do mundo exterior não descubram que o herdeiro do lorde é um humano.
Seus olhos se estreitaram levemente, a mandíbula tensa.
— Eu não vou contar — acrescentei antes que ele pudesse dizer qualquer coisa. — Mas, honestamente, acho que ninguém se importaria. Não deveriam, pelo menos. Seu filho ser humano não muda o que ele significa para você.
Thales permaneceu em silêncio, seus olhos queimando sobre os meus, e por um instante, me perguntei o que estava passando por sua mente. Talvez fosse raiva. Talvez fosse alívio. Ou talvez fosse o medo de alguém finalmente enxergar a verdade que ele escondeu por tanto tempo.
Thales me olhou com uma expressão sombria, seus olhos carregando um peso que parecia muito maior do que qualquer um deveria suportar sozinho.
— Você não entende — ele murmurou, a voz carregada de amargura. — Todos vão criticá-lo apenas por ser quem é... por desejar viver.
Seu olhar se desviou por um instante, fixando-se em algum ponto distante, antes de voltar para mim com algo que beirava o ressentimento.
— Aposto que você deve ser muito querido por seus pais e por seu povo. Que te encheram de amor e carinho desde que nasceu.
Minhas mãos se fecharam em punhos ao lado do corpo, e senti um gosto amargo na boca.
— Você acha isso mesmo? — Minha voz saiu mais baixa, mas carregada de algo que fez Thales me encarar com mais atenção.
Deixei escapar um sorriso sem humor, vazio.
— Eu não sou querido. Pode não saber, mas sou um filho ilegítimo... a criança que o rei teve fora do casamento.
Ele ficou surpreso, seus olhos se arregalando por um breve momento antes de recuperar a compostura. Mas eu já tinha visto. Já tinha visto que ele não esperava por aquilo.
— Desde que me entendo por gente, fui julgado apenas por existir — continuei, a voz amarga, mas firme. — Meu pai? Indiferente. Minha madrasta? Apenas observava, como se eu fosse uma sombra que não valia a pena notar. E meu meio-irmão mais velho? Ele me tratava como se eu fosse um incômodo que precisava ser eliminado.
Thales não disse nada, apenas me escutava, e eu senti a pressão no meu peito aumentar enquanto as palavras saíam.
— O povo do reino aproveitou para me julgar. Como se a culpa fosse minha. Como se eu tivesse escolhido nascer. Apontavam os dedos para mim a cada vez que me viam. Cresci ouvindo cochichos, encarando olhares de reprovação, acreditando que talvez eu realmente fosse um erro.
Respirei fundo, tentando afastar o peso daquelas lembranças.
— E mesmo que eu tivesse alguém que me tratava bem... Layla, minha babá e empregada, que tentava me dar algum carinho... ainda era complicado. Porque uma única pessoa tentando me segurar não impedia que o resto do mundo me esmagasse.
Fiz uma pausa, sentindo a tensão no ar, e olhei diretamente para Thales.
— Mas Silas... Silas é diferente.
Ele piscou, como se voltasse à realidade com minhas palavras.
— Ele tem você. Tem Martha. Tem Leopoldo. Ele tem pessoas que o protegem — continuei, minha voz saindo com mais intensidade. — Mas ao mesmo tempo em que o protegem, vocês o afastam. Como se ele fosse feito de cristal.
Thales franziu a testa, mas não me interrompeu.
— E isso... isso é o pior.
O silêncio que se seguiu foi pesado, mas eu não desviei o olhar. Thales podia tentar se esconder atrás de sua fachada inabalável, mas eu via. Via o homem por trás do título, via o pai que amava seu filho mais do que tudo, mas que estava tão apavorado com o mundo que esquecia de deixá-lo viver.
Fitei Thales com firmeza, deixando que minhas palavras saíssem com a clareza que ele precisava ouvir.
— Se você realmente quer o bem de Silas, então esteja presente. Dê carinho a ele e o proteja, sim, mas de uma forma saudável — falei, minha voz saindo mais suave. — Isso o tornará ainda mais forte.
Desviei o olhar para onde Silas treinava, o corpo pequeno, mas ágil, desviando habilmente da espada de madeira de seu professor. Havia uma determinação ali, um brilho no olhar, como se ele quisesse provar algo para o mundo.
Thales permaneceu em silêncio por um instante, os olhos fixos no filho. Quando voltou a falar, sua voz estava baixa, carregada de incerteza.
— Eu sei que estou errado em querer protegê-lo tanto, mas eu... não sei o que fazer.
Aquele foi um raro momento de vulnerabilidade. Algo no peito se apertou ao ver Thales tão incerto, tão perdido em seu próprio medo. Ele, que sempre parecia impenetrável, agora estava diante de mim, admitindo sua fraqueza.
Apertei suas mãos com leveza, um gesto que ele não afastou.
— Ninguém nunca sabe — murmurei. — Mas Silas vai aprender a ser forte. E você também vai.
Ele me olhou nos olhos dessa vez, e pela primeira vez, vi algo diferente ali. Não era irritação, não era desconfiança. Apenas cansaço... e talvez, um pouco de alívio.
— Sei que você vai conseguir — acrescentei, oferecendo um pequeno sorriso.
Thales soltou um suspiro e, com uma sinceridade inesperada, disse:
— Obrigado, Arthur.
Não havia sarcasmo, não havia irritação. Era genuíno. Pela primeira vez, ele me chamava pelo nome sem aquela barreira entre nós.
Antes que eu pudesse responder, ele continuou, seu tom mais sério:
— E... quero dizer que sinto muito por você. Pelo que seu povo fez, por serem uns bastardos ingratos.
Dei de ombros, soltando uma risada breve, sem humor.
— Não me importo mais com eles.
Ele franziu o cenho, como se tentasse entender.
— Em algum momento, esse sentimento de querer ser aceito... de querer me importar com a opinião deles, simplesmente desapareceu — expliquei.
E essa era a verdade. O Arthur de antes, aquele que ansiava pela aprovação de um povo que sempre o rejeitou, havia morrido em algum momento. No lugar dele, restou apenas alguém que aprendeu a viver por si mesmo.
Ele se arriscava sem hesitar, sem se importar com as consequências. Essa lembrança ainda era vívida dentro de mim, como uma chama que nunca se apagava. Desde que recuperei todas as memórias e me tornei ele, tudo se tornou tão real, tão intenso—como se cada fragmento do passado pulsasse dentro do meu coração, da minha alma, da minha mente.
Era como carregar dois tempos dentro de um só corpo. Como sentir o peso de decisões que não foram originalmente minhas, mas que, de alguma forma, agora eram parte de quem eu sou.
Se eu pudesse, teria ido até ele. Teria o abraçado. Teria segurado seus ombros e dito que ele não precisava carregar tudo sozinho. Mas o tempo não me permitia isso. A única coisa que restava era seguir em frente, com suas memórias ardendo em meu peito como brasas incandescentes.
Thales permaneceu em silêncio ao meu lado, os olhos fixos em Silas, mas eu podia sentir que sua atenção estava dividida. Como se, pela primeira vez, ele estivesse realmente me vendo.
O peso da conversa ainda pairava entre nós, mas, curiosamente, o silêncio não era desconfortável. Havia algo diferente ali, algo que eu não sabia nomear.
Respirei fundo, sentindo a tensão se dissolver um pouco.
— Você sabe... — comecei, minha voz saindo mais baixa, quase hesitante. — Se Silas tem você para protegê-lo, talvez também precise aprender a enfrentar o mundo sozinho.
Thales suspirou e passou uma das mãos pelos cabelos, um gesto que revelava um raro momento de vulnerabilidade.
— Eu sei... — admitiu, sua voz saindo quase como um desabafo. — Mas como faço isso sem sentir que estou falhando como pai?
Havia uma frustração sincera ali. Algo que, por algum motivo, me fez querer ficar mais perto.
Sem pensar muito, toquei seu ombro de leve, um gesto que chamou sua atenção instantaneamente. Ele me olhou, surpreso pelo contato, mas não recuou.
— Você não está falhando — falei, firme. — Está tentando. Isso é mais do que a maioria faria.
Por um momento, ele apenas me encarou, como se procurasse alguma mentira nas minhas palavras. Como se não soubesse lidar com alguém que o enxergava de verdade.
— Você fala como se entendesse — murmurou, os olhos estreitando ligeiramente.
— E entendo — retruquei, um sorriso leve brincando em meus lábios. — Não que eu tenha sido pai antes, mas eu sei o que é tentar fazer algo certo e sentir que, não importa o quanto tente, nunca é suficiente.
Thales desviou o olhar por um instante, parecendo refletir sobre isso.
— E então? Como você lida com isso? — perguntou, cruzando os braços, mas sem aquele tom de deboche que normalmente usava.
Dei de ombros.
— Eu finjo que sei o que estou fazendo e continuo andando para frente.
Ele soltou um suspiro longo, quase um riso abafado.
— Você realmente é estranho, Arthur.
Meu sorriso se alargou.
— Obrigado.
Thales revirou os olhos, mas havia algo diferente na forma como me olhava agora. Um resquício de curiosidade, talvez? Ou apenas um reconhecimento silencioso de que, apesar de tudo, eu estava ali.
E pela primeira vez, senti que aquela distância invisível entre nós tinha diminuído um pouco.
Thales permaneceu me olhando por um instante, como se ainda tentasse me decifrar. Ele parecia lutar consigo mesmo, entre manter sua postura rígida e ceder, mesmo que só um pouco, à proximidade que começava a surgir entre nós.
— Você realmente não tem jeito — murmurou, passando a mão pelo rosto, mas dessa vez, não havia exasperação em seu tom. Havia algo mais suave ali, algo quase... divertido.
Meu sorriso se manteve.
— Eu sei. E ainda assim, aqui estou, ao seu lado, te irritando.
Ele soltou um suspiro longo, mas, para minha surpresa, foi seguido por um riso baixo, discreto. Não um riso debochado ou carregado de sarcasmo, mas um verdadeiro momento de rendição à leveza da situação.
Silas ainda treinava, completamente concentrado, sem perceber o que acontecia entre nós. Por um momento, apenas observamos o garoto, lado a lado, sem a necessidade de palavras.
Eu poderia ter ido embora ali, poderia ter encerrado a conversa e deixado que ele processasse tudo sozinho. Mas havia algo em mim que não queria que aquele momento acabasse tão rápido.
— Você sabe, Thales... — comecei, minha voz assumindo um tom mais suave. — Você se preocupa tanto em proteger Silas, mas talvez seja você quem precise de proteção às vezes.
Ele me olhou, claramente pego de surpresa, e pela primeira vez vi algo quase vulnerável em seu olhar.
— E quem cuidaria de mim? — ele perguntou, sua voz carregada de ceticismo, mas também de algo que parecia um desafio velado.
Segurei seu olhar, sem hesitar.
— Eu.
O silêncio se estendeu entre nós, pesado de significados não ditos. Seus olhos permaneceram presos aos meus por alguns segundos, como se tentasse entender se eu estava brincando ou se realmente queria dizer aquilo.
E então, de forma quase imperceptível, Thales desviou o olhar, soltando um suspiro baixo.
— Você realmente não tem jeito — repetiu, mas sua voz agora tinha algo diferente. Algo mais... suave.
Não era um convite, mas também não era uma rejeição.
E para mim, naquele momento, já era o suficiente.
Ficamos ali, lado a lado, observando Silas treinar. Mas dessa vez, algo entre nós havia mudado. Algo que talvez nenhum de nós estivesse pronto para admitir ainda.
Mas estava ali. E eu sabia que, cedo ou tarde, Thales perceberia também.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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