
Capítulo 18 - Até a última bala
Acredito que Dother esteja indo ao local público onde conduz as orações. Estou seguindo minha intuição, pois o máximo que me deparo é com a silhueta dele virando em corredores e descendo as escadas.
Minha respiração e passos são furtivos. Com paciência, não provoco o olhar de Dother e me escondo atrás dos móveis para garantir, porém ele está disperso, descendo mais um andar e assobiando uma musiquinha.
Quase ninguém está nessa parte do Crann Bethadh por conta do casamento. Qualquer som produz eco e agrava a minha insegurança. Tenho que me manter racional e vigilante. Não preciso me preocupar em ser avistada pelos criados, pois sou uma convidada e tenho liberdade por aqui.
Essa área do Crann Bethadh é uma novidade, considerando que nunca desci tantos lances de escadas. Os arredores estão inabitados, sem tanto luxo. Os corredores adquirem um aspecto rudimentar e as janelas desaparecem por estarmos no subsolo.
As arandelas são distintas das que ficam nos andares comuns. Estas se iluminam quando Dother passa por elas e seu rastro vai se apagando conforme os minutos, o que facilita para encontrá-lo, mas dificultará meu retorno.
Certamente olhar para trás vai me causar uma sensação vertiginosa, como olhar para baixo do topo de um prédio.
Há poeira no ar. O espaço claustrofóbico tem uma iluminação dessaturada, se comparada ao espetáculo de cores que produzem nos andares acima. Essas arandelas são cinzas, sendo engolidas pela escuridão, onde é possível avistar raízes finas se alastrando pelas paredes feito veias em um corpo.
Melhor não tocar em nada.
Vou evitar me expor, dependendo do que Dother estiver fazendo. Meu trabalho é testemunhar e relatar à Leanan.
O problema é que eu sou obrigada a ficar quieta nesse lugar que se assemelha a um labirinto mórbido, com raízes invadindo o chão, bloqueando passagens inteiras e formando o labirinto. Meu ritmo lento me faz perder Dother de vista, contudo, ao invés de me desesperar quando a luz é escassa, permito-me ouvir. Se Dother está tão despreocupado, tenho chances.
Ouço o eco no noroeste e me apreço. Está perto.
Assim que viro a esquina, me deparo com uma silhueta enorme que só perderia para Balor. Nós dois damos um passo de recuo e de pouco em pouco reconheço os ombros largos, a expressão gentil feito o calor da manhã e seu item marcante: o boné vermelho com faixas pretas e uma amarela no centro.
— Liam? — sussurro seu nome.
Trabalhei com ele na criação do arco. Talvez posso chamá-lo de amigo, já que Liam sempre foi amigável comigo, Alby e Quinn. Enquanto esses dois recusaram revelar como gastariam a recompensa pelo arco e as flechas, Liam foi quem se manifestou e nos uniu para uma das raras conversas em grupo que tivemos.
O que vão fazer com o dinheiro? O meu vocês já sabem: vô dar tudo pras crianças. Cobertor que tava faltando. Lanche de presunto, essas coisas aí.
A lembrança alegre veio de um Liam esperançoso que não me remete ao atual, não dessa forma, com Liam segurando um revólver.
— Bridie? Tu quase me matou de susto. — Ele põe a mão livre no coração.
— Vai apontar essa arma para quem? — pergunto.
— Para qualquer druida que aparecer no meu caminho. — Sua voz ganha firmeza e suas sobrancelhas franzem. — Pra mim chega, Bridie, eu vou enlouquecer aqui. Enlouquecer ou morrer. Eu preciso achar a saída desse lugar. Só quero ir pra casa e fingir que nunca vi nada daqui.
Ele é humano, senão não estaria segurando um revólver, quando druidas renegam a posse de armas. Certamente está amaldiçoado à miséria como eu, pois Liam contribuiu na forja do arco que trouxe a morte do rei.
Ou melhor, foi o próprio Liam que atirou em Dagda, a mando de Balor. Eu lembro de reconhecê-lo, mesmo que ele tenha disparado a flecha e corrido como se não houvesse amanhã.
— Onde arranjou essa arma? — Meu foco é evidente.
— De que isso importa agora? — Liam passa por mim, impaciente, andando a passos largos.
— Eu já atirei com esse revólver um dia e tomaram ele de mim. — É uma constatação fútil que resolverá nada. Eu não posso permitir Liam andar por aí com isso e nem perder Dother de vista. Teria sofrido uma grande indecisão se um detalhe me escapasse: — Você nem sabe segurar uma arma. Me dê isso antes que atire sem querer no pé.
— Tá maluca? — Liam abraça a arma. Suas mãos são enormes e seus dedos mal cabem no gatilho.
— Eu sei atirar. Me dê logo isso.
— Só se tu souber onde fica a saída. — É óbvio que ele não daria de graça.
Estou de saco cheio.
Vou contar com a sorte. Não tenho tempo.
— Passa a arma e te levo para a saída.
Ele me entrega o objeto, sem pestanejar. Seu desespero é claro para mim, percebendo que Liam está, também, colocando sua vida nas minhas mãos.
A saída está por perto, apesar de estar numa espécie de labirinto tenebroso e insólito. Nós regressamos pelo caminho que me recordo, virando à direita e esquerda, comigo querendo acreditar que Dother não ouvirá nada. Estamos quase cegados pela escuridão. Eu mal digeri o que acabou de acontecer e não sei o que fazer com Liam.
O que acontece a um humano flagrado em Kildare? É uma dúvida que me faz balançar a cabeça para esquecê-la.
Nossos passos são as únicas coisas audíveis no espaço fechado e de iluminação escassa. Preciso esconder Liam em algum lugar, continuar seguindo Dother e ir adiante. É bem improvisado. Posso levá-lo às passagens secretas do Crann Bethadh...
— Tem certeza do caminho, Bridie? É daqui que você veio?
Paro de correr e olho para a porta enferrujada que Liam sinaliza para mim.
— Não... Eu vim de uma escada.
Eu me aproximo devagar, meio perplexa com a única porta que vi aqui, e viro a maçaneta em vão. Está trancada.
Foram poucas as vezes que me senti devorada pelo espaço. Um medo indescritível toma os meus pensamentos e arranha minha convicção, incentivando-me a olhar para todas as rotas e confirmar que ninguém está nos observando. Tenho a impressão de que estão apertando o meu pescoço e me estrangulando, o que não passa de delírio.
Um senso de obrigação me incentiva a apontar a arma para a maçaneta. Quero verificar se posso estourá-la e ver o que há lá dentro, contudo, as arandelas iluminam tudo ao redor e sua intensidade faz com que algumas se sobrecarreguem e estourem.
O ruído à minha esquerda leva meu olhar para a silhueta que caminha até nós. Dother está com as mãos nas costas, avançando com uma postura ultrajante. Sua presença é intimidadora, por mais que pare a sete passos de nós.
Sua atenção fica em mim por um tempo, acompanhado de um pressentimento enigmático até Dother se desviar.
— Balor mencionou que você assinou o contrato antes de vir para cá — esclarece para Liam. — E sempre foi dito que não poderia desistir do seu trabalho. Tudo foi explicado desde o começo. Por que está manchando sua promessa?
— Me deixa em paz! — Liam vacila, com temor na voz.
Dother rejeita a resposta e seu semblante se fecha.
— Eu lhe fiz uma pergunta.
— Posso fingir que não vi nada e posso fazer o que vocês quiserem. Eu nem preciso desse dinheiro. É sério! Eu prometo! — implora.
— Você prometeu a elas uma vez e não cumpriu. Eu não acredito nas suas palavras. — A voz de Dother se mantém contida, embora a ameaça explícita.
Ele vai matar Liam.
Meu corpo se move por conta, dando um passo para o lado antes que Dother alcance Liam. Eu levanto o revólver na altura da cabeça do príncipe, que devolve sua atenção para mim. O descontentamento na sua expressão se mistura a pesar, mas não dou a mínima.
A palavra "hipócrita" se repete tantas vezes nos meus pensamentos que ela perde o sentido em meio a tantas repetições. Hipócrita. Repito, mais raivosa, mais sem controle. Toda a confusão e remorso estão condensados em uma frase que eu nunca pude dizer antes:
— Eu também não acredito mais nas suas palavras.
— Você não foi a única a se decepcionar. Não presumi que fosse me seguir até aqui — lamenta Dother, sem levantar os braços ou demonstrar medo. — Pretende atirar em mim outra vez?
Engatilho a arma.
— Vou pensar no seu caso. Depende se você vai responder o que veio fazer aqui e por que envenenou os meus criados e Dian.
— Como já elucidei: minha intenção não era que o gaol causasse aquilo à Erin. Por que está se preocupando com os criados daquela casa e agora com Dian? Meu irmão tentou te traumatizar e desejou sua morte. Você está tendo empatia por alguém que te fez beber da seiva e te fez caminhar descalça sobre um roseiral.
— Isso não é problema seu. — Eu o fuzilo com o olhar. — Responda a droga das perguntas.
— Vai estar desperdiçando suas munições, Bridie.
Dother sabe que vou fazer isso. Sabe que não vou deixá-lo chegar perto de nenhum de nós, mas ele reitera suas ações, ignorando a existência da arma e sem nenhum indício de que vai esclarecer o que eu quero. Sua atitude pretensiosa faz o meu sangue ferver e tenho a impressão de estar ouvindo algo como uma sirene de emergência na minha mente.
Sem pensar, eu pressiono o gatilho e o som me ensurdece, só que dessa vez aguento o recuo da arma e ela não sai voando da minha mão.
Se você não mata, você não sobrevive. O que Balor me disse um dia revive nas minhas memórias a partir do momento que vejo a cabeça de Dother atravessada pelo disparo. O sangue dele espirrou no chão, parede e escorre da sua testa para o seu queixo, pingando, porém Dother resiste e me encara profundamente. O disparo foi incapaz de sequer fazê-lo dar uma guinada para trás.
O cartucho cai e produz outro eco ensurdecedor, em meio ao silêncio do que acabou de acontecer.
Inexpressivo, Dother passa a mão na parte superior do seu rosto e observa o vermelho que mancha a sua palma, então me fita, comparando.
— É de fato da cor dos seus olhos.
Tudo ao meu redor fica embaçado, comigo atordoada pela sensação de que vamos morrer aqui. As pernas estão bambas e a garganta seca. O desespero me consome numa fração de segundos e eu mal raciocino ao dar dois passos para trás e correr, contudo, de relance, algo brilhante passa diante dos meus olhos em uma velocidade inescapável e ouço o grito atroante de Liam, que cai distante de mim.
Do pouco que compreendo, sua panturrilha foi perfurada por um cristal avermelhado, exatamente na cor de sangue. Eu tento ir ao seu socorro, mas somos separados pelas raízes que se entrelaçam de repente e bloqueiam o meu caminho.
Sozinha contra Dother, me escoro nas raízes e viro bruscamente, já apontando a arma para a cabeça dele.
— Há somente duas opções, Bridie — propõe Dother, imponente e ignorando o sangramento que deveria tê-lo matado. Ele para próximo a mim e a sua antipatia me faz sentir esmagada pela ameaça iminente. Eu nunca vi Dother usar esse tom de voz hostil. — Permita que eu me livre deste homem e você pode manter a arma, ou, do contrário, eu garanto que você não vai querer saber o que acontecerá contigo se pressionar esse gatilho uma segunda vez.
Em um ponto quase perdido na minha memória, houve certo momento em que eu achava os olhos de Dother deslumbrantes. Suas íris de cristal refletem todas as cores e mudam completamente a aparência dependendo do ambiente. É como se tivessem substituído por joias únicas e que jamais serão encontradas. Hoje não guardo nada mais do que desprezo por elas. Meu estômago embrulha só de ter contato visual com Dother. Eu quero distância dele. Quero que saia da minha vida e me deixe em paz.
Não vou abandonar Liam. Ele não deixa de ser uma vítima de tudo isso, de todas as ameaças que sofreu e dos dias que dormiu temendo a morte, tudo por um valor que é considerado esmola em Kildare.
Eu empurro Dother com meu ombro, usando o impulso de todo o meu corpo e o afasto alguns passos de mim. Já é o suficiente para apertar o gatilho e o disparo acertar o seu coração. Dother cambaleia para trás, empurrado pela força da bala e, assim que se recupera, só a forma como ele me encara já poderia ter me matado.
— Felizmente você me obriga a tomar uma atitude drástica — profere, com a voz novamente serena. Não entendo o que quer dizer, nem por que isso me perturba mais do que se ele estivesse enfurecido. — Você vai se arrepender muito por isso.
Meus dentes estão trincando de raiva quando eu engatilho a arma de novo.
— Não vou. Uma velha me ensinou a garantir a morte de um druida desgraçado feito você.
Eu prendo a respiração e atiro assim que ele tenta me alcançar. Sua expressão não muda nem quando o disparo atinge sua cabeça pela segunda vez, no entanto, agora suas pernas falham e Dother cai de joelhos. Eu me aproximo e um olhar denso é o que recebo dele. Respondo dando o quarto tiro, este que o derruba para trás e Dother fica imóvel, de costas para o chão.
Não sou idiota de esperar e faço igual Leanan. Eu descarrego todos os tiros restantes sem nem pensar.
Foram cinco disparos na cabeça, um nas artérias do pescoço e outro no coração. Nascido como druida ou humano, todos têm um limite.
No último disparo seus olhos de cristal ficam estáticos e perdem o brilho. O semblante calmo também abandonou seu rosto há muito tempo. Não há mais nada ali. A poça de sangue se expande e atinge as minhas sapatilhas, comigo cambaleando para trás.
As raízes das árvores se secaram e eu consigo facilmente quebrá-las para ir até Liam, mas, chegando até ele, sou eu quem preciso de ajuda porque estou hiperventilando e nem consigo me manter de pé, com o meu corpo e consciência sentindo o peso do que eu fiz.
Agora são meus olhos que estão presos nos desfalecidos de Dother. Não sei o que é isso. Se é culpa. Se é alívio. Se é dessa forma que eu deveria ter resolvido meus problemas. Se estou errada. Se estou perdida por ter feito isso de novo, por ter matado, e ter tido o sangue frio de fazer de novo. Não sei se foi para descontar a raiva. Está tudo tremendo e querendo apagar.
Eu sempre estou sozinha quando isso acontece. Sempre penso no que meu pai pensaria de mim, no quão decepcionado ficaria. Penso no medo que meu irmão poderia ter de mim. Eu sei que desde a infância me dizem que é comum fazer isso nos condados humanos, mas não há satisfação no meu ato. O sangue nas minhas mãos pesa a minha consciência, independente de quem seja, eu não aguento mais fazer isso.
— Bridie! — Liam me tira do transe chacoalhando violentamente meus ombros e me puxando para longe do corpo de Dother.
Minhas pernas estão formigando durante a corrida. Não sei se tem sangue no meu vestido, se tiver, talvez nem apareça, mas pode ter no meu rosto ou cabelos.
— Tu atirou num príncipe! — grita Liam, correndo de mau jeito por conta do ferimento que Dother o causou.
— Eu te salvei, seu imbecil! Ingrato! — berro de volta, desproporcionalmente alto, e minha garganta dói. Meus sentimentos estão explodindo. Meu corpo treme o bastante para eu não respirar direito. — Eu coloquei tudo a perder por sua causa, então cale essa boca e me ajude a achar a saída!
As escadas que eu desci, na verdade, estavam à nossa frente esse tempo todo. Não me perguntei como. Dane-se isso. Nós subimos pulando os degraus e eu considero que seja uma bênção o fato de estar de noite lá fora, assim podemos nos locomover no escuro.
De volta à área comum do Crann Bethadh, eu puxo Liam para outro lado.
— Não dá pra ir assim. Vem aqui.
Ele me segue, sem questionar.
Nem sei como estou conseguindo raciocinar nesse estado. Lembro que há uma passagem secreta no antigo quarto de Boann, a mãe de Dian, o cômodo empoeirado que eu entrei para Muirenn e Muirne me trocarem para o aniversário de muito tempo atrás.
Nós passamos correndo pelo piano de diamante e adentramos o quarto. Eu abro as portas do armário, empurro as roupas e encontro a passagem. É bem apertada para Liam, mas ele se esforça para entrar e caber aqui dentro.
— Pra onde estamos indo? — pergunta baixinho.
— Seguinte: eu vou pegar umas roupas de criado, você veste e só me acompanha até a Imundice. Dali, te coloco numa carruagem e ela vai te levar até Wexford. Quando chegar, vá à Rua Plaina, número 407. Uma velha vai te atender e provavelmente te apontar uma espingarda, depois diga que você conhece Bridie Marfach, que fugiu de Balor e que é uma emergência.
— Tu vai mesmo fazer tudo isso por mim?
— Eu sou humana como você, sei como é o sentimento — constato, sem encarar a Liam. Não quero falar mais que isso por conta do enjoo.
Como já encontrei o caminho no túnel de pedra para o Bhaile, o prédio onde moram os criados, eu abro o carregamento da arma e coloco o dedo em cada espaço, para confirmar que a munição esgotou. Ou melhor, isso me faz perceber que agora essa arma é inútil.
Eu efetuei sete disparos em Dother, porém essa arma tem capacidade para oito balas, o que significa que não repuseram a bala da vez que eu atirei nas costas de Dother — no dia da morte de Dagda.
Pela textura que sinto ao tocar, posso dizer que é um revólver antigo. Antigo demais para os padrões atuais, que me dá certeza de que o revólver foi produzido nesse condado e, assim, concluo que eu não fui a primeira humana retirada dos condados pobres para forjar dentro de Kildare.
É burrice ficar com a arma do crime nas mãos. Tenho que me livrar disso. Não sei como funciona a investigação dos druidas scelaiges para desvendar crimes, porém insisto em ao menos passar o tecido do meu vestido na arma para retirar as minhas digitais do objeto. Feito isso, deposito a arma num canto esquecível do túnel de pedras pontiagudas que costumava encontrar Dian e prossigo para o Bhaile.
A porta de saída está emperrada, pois acima de nós está a beliche que dormem Muirenn e Muirne. Elas estão trabalhando na festa do casamento, certamente o quarto está vazio.
— Consegue forçar a porta para cima? — peço para Liam.
— Vô tentar.
Auxiliando ou só esperando, nada do que eu faço é suficiente para Liam conseguir abrir o alçapão. A posição que nós ficamos é horrível e não dá para colocar toda a nossa força.
— O treco que tá pesando a porta vai cair se eu forçar demais e vai causar um barulhão. — Liam também desiste.
Estalo a língua e dou meia-volta.
— Esquece a ideia de pegar roupas. Deve ter outra saída por aqui.
— Não, não, pera aí. — Liam me segura pelo ombro e me impede de continuar. — Vão saber que eu sou humano se me virem.
— Escuta, ficar pensando demais não vai ajudar — retruco —, eu também não vou sair ilesa de me encontrarem contigo.
— Eu vou sair morto.
— Já era para você estar morto. — Eu empurro seu braço para longe de mim e ando apressadamente na direção contrária. Não dá para enxergar nada aqui. É questão de sorte encontrar uma nova saída. — Você vem ou não?
Com segundos de hesitação, os passos de Liam se aproximam e eu prossigo a esmo. Não sei quanto tempo leva até sentir uma correnteza de ar próxima, que me indica o fim do túnel, contudo, assim que encontro um resquício de luz azulada, eu corro na direção dele e forço o alçapão pesado para cima, tendo a ajuda de Liam até termos sucesso em abrir.
O Crann Bethadh está próximo demais de nós, o que significa que não avançamos em nada e essa é uma área perigosa.
— Fique aqui. Vou ver o que posso fazer. — Eu passo a mão pelo meu corpo, para verificar se tem sangue, à medida que subo as escadinhas e sinto o ar fresco mais uma vez, longe de toda aquela poeira e escuridão intermináveis.
Preciso ser ágil e pensar como posso levar Liam para fora de Kildare, sem que o avistem. Mas nada. Não sei se isso tem solução. Eu tanto não quero acreditar que esse seja o fim da linha, que começo a andar pela região, aproveitando que todos estão festejando o casamento e ninguém está reparando em mim.
Avistar a minha carruagem faz os meus olhos brilharem e eu volto correndo para Liam, me jogando no gramado para sussurrar para ele sair da passagem secreta. A carruagem está alocada na entrada da floresta, onde o movimento é baixo, o que facilita para Liam mancar até a entrada da mesma e se acomodar, respirando finalmente aliviado.
Ainda tem sangue escorrendo da sua perna. Eu espero que ele fique bem.
— Repita as recomendações que te dei mais cedo — mando.
— Rua Planos, 407. Vou falar com uma velha e dizer que te conheço.
— Plaina — corrijo, com pressa. — Rua Plaina. É uma rua sem placa, mas você vai achar.
Não posso levá-lo eu mesma para Wexford, pois Dian passará extremamente mal caso nos distanciarmos tanto. Quero evitar que isso ocorra de novo, por isso vou até o druida mudo que fica à disposição de me levar para onde eu quiser e nunca comenta absolutamente nada. Ele é estranho, devo dizer, porém agora não é hora de avaliar quem conduz minha carruagem.
— Vá até Wexford e retorne para cá o mais rápido possível. — É a primeira vez que uso meu título de lady para me impor. — E não olhe para trás em nenhum momento. Não quero que veja o rosto dessa pessoa. Entendeu?
O druida me observa esse tempo todo e apenas assente à minha ordem, imediatamente se preparando para conduzir a carruagem.
No pouco tempo que nos resta, eu retorno para Liam e o vejo da janela. O brilho da lua evidencia as lágrimas no rosto do homem alto de rosto bobo e amigável. Ele até precisa passar as mangas da sua roupa desgastada no rosto para se secar, enquanto fala comigo num tom emocionado.
— Obrigado. Obrigado, mesmo. — Ainda que seja difícil para ele sequer falar, Liam insiste em dizer: — Eu não vou esquecer disso.
Não sei bem como reagir a agradecimentos. Minhas bochechas esquentam e eu decido usar nossos últimos segundos para indagar:
— Qual o nome do seu orfanato?
— Dóchas, por quê?
— Nada. É bom saber. — Com um notável suspiro, eu dou dois tapas na carruagem, indicando para que o druida dê partida. Odeio me despedir. — Boa viagem, e trate esse ferimento quando puder.
Fica muito difícil manter a compostura vendo um homem devastado pelo desespero ainda sendo capaz de sorrir para mim, como uma forma carinhosa de despedida. É uma serenidade em meio a tempestade que fica para trás.
— Se cuida, Bridie.
Meus movimentos ficam estagnados até não ouvir mais o som da carruagem, depois disso, eu me viro e vou me arrastando na direção da Imundice, com a cabeça baixa, para evitar ter contato visual com qualquer um.
Eu arruinei tudo. Minha função era só vigiar Dother, ser furtiva e agir com cautela. Não deveria ter resolvido da maneira mais brutal possível, ainda mais porque Dub preza pelos irmãos.
De todos os cenários que inventei e de várias situações que bolei um plano para me precaver, dessa em específico eu me sinto boiando em um lago e afundando inevitavelmente, sem ninguém para me socorrer. Não sei como seguir em frente e nem uma forma de me proteger quando descobrirem.
Nunca fiquei tão feliz de ver a grama morrer e as árvores secarem, o que indica proximidade com o lugar que chamo de casa. Se alguém falou comigo durante minha caminhada, não ouvi e nem respondi. Minha mente só está revisitando os últimos momentos com Dother.
A metros da mansão, de volta à monotonia onde não há nem grilos, é como se uma força oposta me puxasse para trás e me derrubasse sobre o gramado, com os braços abertos. Sinto todos os meus músculos latejarem. Estou exausta, física e psicologicamente.
Em Wexford as estrelas não são visíveis como aqui. Lá a poluição das fábricas cobre esses brilhinhos que, mesmo simples e mal organizados, são tranquilizantes de alguma maneira misteriosa. Instigantes também.
Eu garanto que você não vai querer saber o que acontecerá contigo se pressionar esse gatilho uma segunda vez.
Ao fim de tudo, a lua, a noite calorosa e minhas próprias lágrimas são as únicas que estão aqui para me acolher.
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HELLOOOOOOO
Como bastante gente me pediu, e aproveitando que o cap tava "pronto", eu aproveitei pra publicar no feriado heuehue
Tem uma pequena chance de segunda que vem não ter o cap, até pq era pra lançar o 18 nesse dia, e só essa semana eu publiquei 8k de palavras. Meus dedos tão doloridos, e a mente nem se fala KKKK
Agora bora pro que é importante
Que seis acharam da situação toda?
Teoriasssssss?
Ah, pra quem tava falando de romance. Rusmance é no cap 19, e no 20 tem umas respostas bem legais (isso se meu planejamento der certo)
Ah², e o lance da Kiera tá bem perto de ser desvendado
Ainda tem tanta coisa pra tratar nesse livro que ele deve ter lá seus 45 capítulos sim.
Ah³, com esse capítulo, o livro já tá com 50k de palavras e 120 páginas alksals caramba
Bão, agora me voy
INTÉ SEGUNDA QUE VEEEEEEEM (ou não. Pode ser que sim, pode ser que não, com certeza, talvez)
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