Apenas mais uma vez
https://youtu.be/os2C0TdDphc
Por Gisinha Lima
Nota: Esta songfic foi criada tendo por base a música "Vivo por ella", do cantor Andrea Bocelli. Com exceção dos personagens adaptados da sua obra original, apenas descrições indiretas, todos os personagens fictícios são originais. Pode haver spoilers.
Classificação etária – acima de 16 anos.
Munique, Alemanha. 2023
Uma salva de aplausos fez estremecer o teatro municipal de Munique. Uma multidão de variadas idades pôs-se de pé para aplaudir uma linda jovem que cantou uma Bachiana inspirada em uma das peças de Villa Lobos, deixando todos emocionados. A jovem, que encantou a mais seleta e esnobe audiência de toda a Europa, agora desfrutava de um sucesso mais que merecido. Depois de tantos percalços, que incluíam um romance conturbado, cheio de idas e vindas, e a mudança para outra cidade, além de ser descoberta por um maestro miúdo que a conhecera quando ainda cantava como amadora, agora ouvia aqueles aplausos entre esnobes e enleados com absoluto deleite. O maestro, que também lhe dava aulas de canto e era seu fiel confessor e amigo, agora trazia um lindo ramo de rosas vermelhas, que ela erguera no ar, um olhar brilhante e lacrimoso de felicidade. Seu querido Kaito ainda sabia como derreter seu coração.
Um profundo suspiro a fez novamente esquadrinhar o palco com os olhos, tentando de tudo para controlar as borboletas que voavam no estômago. Aquele era seu segundo festival em cinco anos de carreira musical, mas, ainda assim, a sensação diante de um público ouvinte ainda era a mesma.
Durante a abertura do festival internacional de música de Munique, uma orquestra sinfônica formada por estudantes de uma escola pública da cidade tocaram, de forma muito descontraída, a abertura da série The Walking Dead, um belo sexteto de cordas, composto por três violoncelos, dois violinos e um contrabaixo acústico, arrebatando a plateia. Depois disso, um repertório dramático e belíssimo se fez ouvir.
Foi então que essa bela jovem subiu ao palco, primeiro arrancando pequenos suspiros de assombro, já que raramente uma orquestra tinha peças interpretadas por cantores brasileiros. Mais surpresa foi causada pela aparência da beleza em frente a eles. O rosto encantador possuía uma suavidade quase angelical, os olhos intensos esquadrinhavam o palco, a procura do agente, um leve sorriso ao ver o homem na primeira fileira. Isso a fez baixar os olhos, um sorriso largo de satisfação, que ela disfarçava a muito custo. O vestido longo que usava ia até seus pés, ocultando os lindos saltos prateados, uma estola de veludo formando uma canoa em volta dos ombros, o tecido preso junto ao decote por um broche feito de diamante e pérolas, um par de brincos de diamantes em forma de gotas de água faiscavam nas orelhas da moça, como uma chuva que caía fina. Um coque formal prendia seus cabelos, dois pequenos cachinhos delicados emolduravam suavemente seu rosto.
Ela sorriu, curvando seu corpo, uma elegante mesura para o maestro, um miúdo ser de feições orientais, um rosto duro e severo, que fez o mesmo para ela e para a plateia logo em seguida. Assim que os estrondosos aplausos dirigidos ao gênio da música erudita, Kaito Fujiyama, cessaram, as luzes diminuíram, uma luminosidade clara e suave pairava sobre a mulher no palco, um pequeno e fino bastão em riste, que logo em seguida, como que ganhando vida, começou a se mexer, levando os músicos, entre eles um violoncelista de suaves e intensos olhos verdes, a tocarem uma delicada nota, fazendo as pessoas na plateia suspirarem.
Assim que a primeira nota, tocada no violino, um fresco e delicado som, foi encerrada, uma poderosa voz de soprano se fez ouvir, surpreendendo os ouvintes mais atentos. Ao fim da melodia, todos estavam literalmente apaixonados por sua bela voz. O sorriso que figurava em seu rosto não conseguia traduzir toda a alegria de estar ali. Muitos de seus amigos estavam na primeira fila, fizeram questão de estarem ali, seu namorado, seus familiares, dentre eles uma sobrinha, completamente fascinada pela melodia suave que foi tocada logo em seguida, dois suaves clarinetes que pareciam o repicar de sinos. A criança olhava para tudo extasiada. Aquela era a segunda experiência dela, vendo-se pisando em um teatro tão belo, a arquitetura interna, das poltronas ao teto com pinturas grandiosas, e todos os pequenos detalhes nos coretos onde as pessoas ficavam, e no palco, onde a jovem agora cantava, uma versão suave de La Traviatta, prendiam os olhos claros da garotinha, tornando toda essa nova experiência memorável. A tia entendia. Ela também ficara muito impressionada quando pusera os pés em um palco para cantar pela primeira vez. Ver uma plateia tão seleta querer ouvir sua voz interpretando clássicos fez seu estômago dar vários solavancos, mas, hoje em dia, ainda que nervosa, sabia que havia nascido para isso.
Uma nova salva de palmas se fez ouvir estrondosa, quase sacudindo a estrutura do prédio, deixando os músicos ligeiramente nervosos, mas, como já estavam acostumados a ter casa cheia desde que a colega passou a integrar a orquestra, aquela reação já era quase que esperada. A jovem voltou os olhos brilhantes de lágrimas, fixos na plateia, para o violoncelista que estava mais ao fundo, um ar de orgulho, um sorriso encantado para a figura angelical ali na frente. Foi quando, após os aplausos que o rapaz levantou, todos muito atentos, e curvando-se, ele limpou a garganta, um suave pigarro, e falou para todos os presentes, que incluía uma delegação inteira, toda acomodada em um dos camarotes reservados especialmente para os chefes de estado.
- Antes de tudo, peço a todos um minuto da sua atenção. – ele voltou a sorrir, um ligeiro nervosismo, que logo arrefeceu, ao ver-se frente a uma jovem de cabelos ruivos cheios, o violino no colo, olhando-o nervosa, os olhos castanhos angelicais que aprendera a amar naqueles anos difíceis. A moça também estava nervosa, contudo, as lágrimas vieram ainda mais intensas ao ver o rapaz se ajoelhar diante dela, uma pequena caixinha de veludo, um pequeno e modesto brilhante faiscando sob a luz do palco, todos assobiando, encantados, a moça quase desfalecendo diante do homem ali a sua frente. Os olhos dele estavam totalmente fixos para a jovem. – Isabella, eu não costumo ser muito poético ou genial, nem consigo escrever uma poesia direito, nunca fui disso, quem me conhece sabe – a frase fez todo mundo rir na orquestra. - Mas eu preparei essa peça, esperando que você entenda, não apenas como eu me sinto desde que a conheci, mas o que eu mais desejo. – e estendendo a caixinha na direção dela, ele sorriu, amoroso. – Quer casar comigo?
A moça não parava de sacudir a cabeça, um sorriso doce no rosto banhado de lágrimas. Todos no teatro, inclusive o maestro e os membros da orquestra, deram uma ensurdecedora salva de palmas, o casal trocando um abraço apaixonado diante de todos.
- E como um presente para a minha futura esposa. – ele apontou para um dos músicos que, naquela noite, uma grata surpresa, se postou a frente do casal, um pequeno microfone na lapela, erguendo uma das sobrancelhas da moça, tamanha surpresa. Os dois, além do próprio maestro, sorriam, esperando, enquanto a cantora também voltava ao seu lugar, o rapaz sentando-se diante do violoncelo, as primeiras notas acompanhadas do piano, uma nota muito suave. Enquanto isso, um camarote mais afastado, dois olhos muito azuis viam sua vida passar diante dela, imaginando-se no lugar daquela mulher, o parceiro ao lado dela, corando, os olhos castanhos travessos. O tenor, a voz poderosa ali no palco, não podia ser mais exato ao traduzir o sentimento do jovem casal. A mulher no camarote sorria, ao vê-los ali no palco, a voz delicada prestes a encher o teatro. Suavemente, a música penetrou em seu coração, traduzindo os próprios sentimentos, dos quais, há muito tempo, achava não ter mais dúvidas. Agora, ouvindo aquela canção, o tremor delicado que a atravessava, percebia o quanto estava enganada...
(Duo – violoncelo in harpa/piano)
Andrea Bocelli
Vivo por ella sin saber
Si la encontré o me ha encontrado.
Yo no recuerdo como fue,
Pero al final me ha conquistado.
Vivo por ella que me da
Toda mi fuerza de verdad.
Vivo por ella y no me pesa.
Sandy Leah
Vivo por ela eu também
E não há razão pra ter ciúmes.
Ela é tudo e mais além
Como o mais doce dos perfumes.
Ela vai onde quer que eu vá.
Não deixa a solidão chegar.
Mais que por mim
Por ela eu vivo também.
THOMAS
Antes de eu começar a contar o que aconteceu nesse festival (que, aliás, foi incrível, tio Henry mandou bem de verdade!), preciso contar duas coisinhas, pra que ninguém fique perdido durante os eventos.
Primeiro: ganhei, não um, mas, dois irmãos. A mamãe foi pega de surpresa bem no meio do percurso. Foi um choque e tanto – papai que o diga, ele desmaiou quando soube;
Segundo: esse não foi o primeiro festival do tio Henry, não! Antes desse, houve outro festival. Na verdade, esse foi O festival. E desse dia em diante, muita coisa começou a mudar...
Que tal a gente falar desse festival antes de voltar para o outro, hein?
Cinco anos antes...
HENRY
Não achei que fosse me adaptar ao clima de Munique, mas, enfim, acabei gostando da ideia de morar nessa cidade tão animada. A cidade literalmente respirava música onde quer que eu fosse e acredite ela estava em todo lugar. A Velha Europa era o berço da música erudita e ali, na Alemanha, ainda um desconhecido no meio de gênios tão talentosos, me sentia miúdo e insignificante, mas, ainda assim tinha um objetivo, e iria até o fim. Só uma coisinha de nada parecia estragar minha estreia na orquestra. Quisera eu saber que essa coisinha de nada iria mudar toda a minha vida e, por um breve (?) instante, me fazer ter mais uma oportunidade com a mulher que amei nos últimos dois anos.
Sem qualquer aviso prévio ou outra coisa que o valha, o diretor da companhia nos avisou que teríamos uma semana apenas para ensaiar as melhores músicas do nosso repertório, porque nós íamos abrir o Festival internacional de música erudita. Simples, certo? Errado!
Não bastasse isso, eu e os outros iriamos ensaiar o repertório junto com uma cantora estreante, vinda da Espanha, uma tal de Rose Cohen, saída sabe-se lá de que buraco. Consigo imaginar a criatura, uma gorducha baixinha de nariz empinado, que, só por ter uma voz clara de soprano, era chata e fazia todo tipo de exigência, um verdadeiro – desculpe a expressão! – pé no saco! Foi quando Isabella, minha namorada, uma brasileira recentemente adicionada ao time dos violinistas, sentou ao meu lado, vendo minha expressão contrariada.
- Ela não é isso, não – Isa sorriu, entendendo o celular para mim, sorridente. – ela é linda e tem uma voz muito legal. Segundo o pessoal do American Idol, ela foi sondada por eles, também, – Isa me confidenciou com um risinho. – ela tem uma voz que parece mais um repicar de sinos. Essa é a música mais legal do single dela, Mallorca.
Eu ouvi atentamente a música que compunha a playlist de Isabella, a voz suave confirmando o que ela disse. Ela tinha um embalo gostoso e muito ritmado. Eu não sou eclético, confesso, mas foi legal ouvir o balanço daquela música. Isa sorriu ao ver-me dançar, rolando de rir quando despenquei da cadeira, os outros indo no embalo.
Pois é, pra quem cresceu ouvindo Chopin, Beethoven e Bach...
- Eu sabia que você ia gostar. – ela me estendeu o telefone, ainda sorrindo. – pode passar para o seu, se quiser mais alguma música, é só copiar.
Eu adoraria poder simplesmente dizer "passo!", mas (nunca vou me esquecer disso!), o que eu realmente disse foi:
- Faz isso pra mim? – eu coloquei o melhor sorriso no rosto, as garotas sempre caem. – Não sei mexer nesses celulares modernos demais, provavelmente eu apagaria o arquivo. - Isabella fez um muxoxo pra mim. O cabelo ruivo caía feito uma cascata pelos ombros, costas e colo, o vestido xadrez desenhando o corpo dela sem que este lhe conferisse uma aparência vulgar, o comprimento da saia rodada descendo o limite dos joelhos, meio anos 50. Como ela era robusta, tipo a minha ex-namorada depois de ter o bebê. Aquele conjunto a deixava muito atraente, os caras só faltando quebrar o pescoço quando ela passava. Ela sabe que causa esse efeito (com certeza, sabe). Eu sou a maior prova disso. Estamos juntos desde que ela chegou a Munique, há oito semanas.
O ensaio do repertório foi bem puxado, ensaiamos por longas cinco horas, eu estava todo moído quando saí do conservatório, desejando imensamente só chegar em casa, tomar um bom banho e cair na cama, não sem antes dar o jantar de Briseida, ajudar com a lição de casa. A escola dela tinha um ritmo extremamente rígido e o fato de ela ainda não falar alemão muito bem também não estava contribuindo em nada para sua educação. Devido eu estudar música dentro e, principalmente, fora da esfera acadêmica, aprender alemão era obrigatório para mim, mas, não fazia parte da realidade de minha sobrinha, pelo menos até agora.
Eu já tinha organizado tudo, inclusive o dia seguinte na escola de Briseida, quando o celular tocou, a única música que detesto na face da terra mais que música pop. O Kelly podia gostar de Star wars, Hannibal, ou mesmo Harry Potter, igual à Lúcia, mas, ele tinha que gostar logo de Psicose? Não interessa se o diretor é o Alfred Hitchcock, podia ser até o Quentin Tarantino (e olha que eu sou um fã apaixonado dos filmes do Quentin Tarantino), detesto a trilha sonora do Norman Bates matando o povo do Motel Bates e por uma boa razão. Gosto de sétima arte saudável, não esse lixo.
- Oi, Kelly, que você manda? – deu uma vontade de rir, me senti feito o Dean Winchester falando com o irmão ou os amigos.
- Oi, cara, olha o tempo que a gente que não...
- Corta o papo!
Kelly riu do outro lado da linha. Não gostei da risada...
- Vamos todos para Munique.
Eu engasguei com essa.
- Como assim? Você... Todo mundo?
- Sim, claro, Lúcia, eu, Hannah e Lizzie e, bom, claro... Sua Majestade real e a delegação inteirinha. – Eu senti uma leve ironia na voz dele, mas, naquele momento, só uma informação era importante...
- Todos? Todos mesmo? Até mesmo... Ela?
Agora foi Lúcia quem riu.
- Sim, senhor, todos irão pra ver você! Achou que íamos perder sua estreia na orquestra?
Não pude deixar de sorrir. Meus amigos viriam para me assistir tocar no festival de música de Munique, a mulher que mais amei também viria junto. Não achei que fosse vê-la de novo, ainda mais depois da nossa tarde de despedida (foi muito bom poder abraçar aquele corpo delicado outra vez). Mas fico preocupado com como seria o reencontro. Agora que estava noiva de outro homem – O trapaceiro tinha a vantagem de já ter um filho com ela – as coisas poderiam ficar um pouco estranhas. E quando é que não ficam?
Vou aproveitar a oportunidade como der, afinal, já diz o ditado, a cavalo dado não se olha o dente...
(Duo – violoncelo in harpa/piano)
Andrea/Sandy Leah
Es la musa que te invita
A sonhar com coisas lindas.
En mi piano a veces triste
La muerte no existe
Si ella está aquí.
ELISABETH
Eu realmente quis rir muito dela. Sério!
Sei que não é muito educado, mas, não tem como resistir, ainda mais quando a pessoa que te faz rir é justamente aquela para quem avisamos "não faz isso!". Mas não tem como evitar, né?
A Sra. Darcy (a nº 1) ainda estava decidindo o que levar nas mais de quinze malas que levaria (?) para Munique, onde só passaríamos (me deixa lembrar – só para desencargo de consciência!) uma semana. Lúcia, sentada na beira da cama de casal do quarto de hóspedes, também olhava abismada as malas espalhadas pelo quarto, não sabendo se ria, ou sentia pena dela. Eu sei exatamente o que dizer, agora que ela nos encarava, mais perdida que cego em tiroteio.
- O que foi? Exagerei na quantidade? – alguém desconhecia mesmo o conceito de retórica. A outra Sra. Darcy (a noiva) só pôs a cabeça na soleira da porta e, vendo o caos no quarto, deu de ombros, já voltando para o corredor. A outra apenas olhava todas nós, perdida. Lúcia ainda tentou segurá-la (acho que o problema era dela). A pobre mulher, ocupada demais com o bebê que agora armava um escândalo no colo – ele adivinhou que hoje era dia de vacina! – apenas deu de ombros outra vez.
- Não quero saber! – e marchou para a sala de estar, onde minha mãe já estava esperando, junto com a guarda-costas (quanto exagero!) para irem para a clínica onde a tortura – ops, vacina! – seria aplicada. É, acho que somos só nós duas. Seriam três, se a irmã da Sra. Darcy não estivesse indo passar o fim de semana com o namorado dela no Havaí. Eu ainda tentei avisar que era furada – a Lúcia também tentou avisar da furada – mas, bom, sabe como é mulher querendo quebrar a cara, né? Ainda mais agora que nós duas descobrimos que, além de mão boba, o cara era mesquinho. Pode um negócio desses?
Quanto ao problema das malas, minha mãe resolveu antes de sair, e de um jeito bastante ortodoxo, até mesmo para ela. Mas admito agora que foi bom assistir.
- Querida, tem certeza que quer levar tudo isso? Só passaremos uma semana fora.
- E? – Ela não entendeu o recado ainda.
- Uma coisa que você precisa saber sobre bagagens quando se anda de trem... Cada um cuida da própria bagagem.
A coitada da Sra. Darcy rapidamente levantou os olhos para minha mãe.
- Exato, cada viajante cuida da própria mala.
Foi incrível. Em menos de dez minutos, todas as mais de quinze malas se resumiram a apenas uma grande, já deixada fechada no canto. Ela estava cansada, mas, pelo menos, a perspectiva de carregar apenas uma mala era bem melhor. Sua Majestade real achava realmente que seria servida durante a viagem? Precisei segurar o riso quando sentei na cama, em respeito ao esforço dela. Já a irmãzinha dela não teve essa consideração toda.
- Nossa, que impressionante, agora sobrou uma mala pra mim.
Eu engasguei quando ela falou isso. Garota, dá uma folga!
- Nós já conversamos sobre isso. Você não vai poder ir para a casa do seu, ham... Companheiro.
- Ele me convidou, irmã, por favor...!
- Eu já disse que NÃO!
Achei melhor deixar as duas brigarem em paz, já que ainda havia muito assunto pra conversa. Eu desci pra fazer um lanche pra mim, quando vi a guarda-costas sair do lavabo, pálida feito um fantasma e as mãos na barriga, o suor escorrendo pela testa dela. Eu coloquei a chaleira no fogo para fazer um chá para ela, do contrário, não aguentaria nem chegar à clínica. Apesar da frieza e a expressão sempre dura no rosto, o olhar que vi hoje foi surpreendente. Ela realmente era capaz de agradecer um pequeno gesto que lhe fizessem. As palavras agora eram desnecessárias, a moça sorriu, ainda pálida e pôs a xícara vazia na minha frente, saindo da cozinha acompanhada do Príncipe Thomas e as nossas respectivas mães.
Mas, considerando a situação vista, e conhecendo bem o cara com quem ela está saindo, a pobre mulher vai ter um fim de semana bem agitado. Melhor deixar tudo no campo das ideias, afinal, tenho coisas mais importantes pra me preocupar, como a nossa viagem para Munique, por exemplo.
(Duo – violoncelo in harpa/piano)
Sandy Leah/Andrea
Vivo por ela que me dá
Todo amor que é necessário.
Forte e grande como o mar.
Frágil e menor do que um aquário.
Vivo por ella que me da
Fuerza, valor y realidad
Para sentirme un poco vivo...
THOMAS
Adoraria poder dizer que a semana que antecedeu nossa viagem para Munique transcorreu às mil maravilhas, que tudo foi perfeito e ninguém saiu ferido ou irritado.
Só que não.
E tudo isso por três motivos.
Primeiro: minha mãe ainda estava uma pilha, já que era a primeira vez em semanas que veria o tio Henry, ainda mais depois de... Eu sou só um bebê, mas que culpa eu tenho se ela fica lembrando (detalhe, corada até a raiz dos cabelos) da tarde, por assim dizer, interessante que ela passou com o tio Henry antes de ele partir para Munique?
Segundo: ainda pela mesma razão, meu papai estava meio inseguro, já que o tio Henry era – literalmente falando – um adversário à altura dele. Sério, não havia um momento em que eu não pegasse o papai pensando em como as coisas teriam sido ótimas sem o Henry por perto. Mas ele tinha com o que se preocupar? O cara tem uma das gargantas mais poderosas do universo, poderia rachar a Terra no meio se assim quisesse – por favor, nada de dar ideias. – ele era o cara mais poderoso já visto, mas ali estava ele, todo inseguro e preocupado por causa de um simples violoncelista. Só que tem um pequeno detalhe. O simples músico era o tio Henry... Mas que tal pendurar isso na prateleira, pelo menos por enquanto?
Agora sim o motivo mais importante: minha tia divertida iria com a gente para Munique. Adivinha só por quê?
Bom, a história toda começa e termina com o namorado dela bancando o maior pateta e a tia Lizzie – gentil como sempre – ensinando a esse pateta o seu devido lugar. Mas não agora. Isso só aconteceria depois da nossa viagem (isso é conversa para outra oportunidade...). Agora era apenas o esclarecimento antes do chute. Vamos do começo, que tal?
****
Lizzie ainda arrumava a mala que levaria para Munique quando viu sua porta ser aberta de forma abrupta, a figura loira e esguia desabando enfurecida na cama da jovem. A irmã caçula de Lúcia apenas sorriu, observando o constrangimento da outra que, tarde demais, percebera que não estava em seu próprio quarto. Um olhar triste e murcho foi o que serviu de desculpa a ser dada naquele momento. O sorriso no rostinho miúdo, agora mais largo, a encorajou a falar.
- Minha irmã não me deixou passar o fim de semana com ele. – ela lançou um olhar murcho a guisa de desculpas por seu comportamento. Lizzie apenas sentou-se ao seu lado, a mala por fazer completamente esquecida.
- Posso perguntar uma coisa?
A jovem a encarou, ressabiada.
- Minha resposta é importante?
Lizzie sorriu, um olhar calmo.
- Bom... Vai mudar o tom da próxima pergunta.
Ela sacudiu a cabeça, sorrindo para Lizzie.
- Já ouviu alguma vez na vida a frase "pra quê comprar a vaca, quando se pode beber o leite de graça"?
A reação a essa pergunta foi um cubo mágico na mesa de cabeceira ser derretido por completo nas mãos da outra moça. Ela ainda sorria ao ver o olhar aborrecido de Lizzie.
- Isso era especial?
- Talvez, - a mocinha deu de ombros. – Lúcia me deu presente um dia desses, logo quando conhecemos a mãe do Thomas. – a figura pequena na cama da jovem empalideceu na mesma hora. – Tudo bem, como eu disse, minha irmã me deu faz tempo.
A outra murchou outra vez.
- Por que queria saber isso? Parece algo horrível de se dizer!
- Mas que faz todo sentido. – a garota sentiu que podia fazer a próxima pergunta. – sendo assim... Você já se perguntou por que seu namorado e a ex dele se chutam tanto?
A outra se sacudiu onde estava, desconfortável com a pergunta. Lizzie sorriu outra vez.
- Minha mãe sempre diz que, se quer saber como será seu futuro marido, veja como ele trata seus pais e demais familiares, depois veja como ele se comporta na presença dos seus pais. – a menina sentou, lamentando o cubo que ganhara da mãe de Thomas há quase um ano, uma informação que preferiu guardar para si mesma. – Alguma vez seu namorado já te apresentou aos pais dele?
A outra moça se sacudiu, novamente constrangida.
- Não.
- Ele alguma vez te falou dos pais pra você? – a garota torceu a boca, irritada. – E com a sua irmã? E seu cunhado? Alguma vez eles sentaram para conversar sobre esse namoro?
A garota corou, envergonhada. Lizzie, apesar de tudo, sentiu pena.
- O que foi que a Ex deixou escapar quando se conheceram?
Ela voltou a murchar.
- Ela falou algo sobre ele querer de volta as roupas emprestadas.
Apesar de aborrecida, a irmã mais moça de Lúcia respirou fundo e sentou-se ao lado de sua visita compulsória, pesando bem as palavras que diria a seguir.
- Você precisa entender que, na vida, de modo geral, alguns homens são mais desonestos que outros e todos, em algum momento, só querem beber leite de graça. Compromisso sério de verdade só vem depois de serem postos no seu devido lugar. – Lizzie voltou a sorrir, pousando a mão no ombro da outra gentilmente. – Esse rapaz pode até gostar de você, mas, precisa ser posto no lugar antes.
A Srta. Darcy não parecia convencida disso, até voltar novamente os olhos para a irmã de Lúcia. Isso fez a moça novamente murchar, agora parecendo desesperada.
- Mas como eu vou fazer isso? – ela parecia prestes a chorar. – Como eu vou saber se ele realmente me ama?
Lizzie sentia pena da pobre mocinha, mas, ao abraçá-la novamente, um sorriso malévolo pairava no rostinho miúdo, emoldurado por dois pequenos cachinhos loiros que escapam do belo coque que usava. A garota, por um instante, se assustou, para logo depois sentir-se reconfortada.
- Deixe isso comigo. – Lizzie disse, estendendo o celular para a Srta. Darcy. – Agora você vai fazer duas coisas para mim. Uma vai ser ligar para o seu namorado para dizer que vai acompanhar a gente para o festival, - os olhos arregalados foram completamente ignorados pela jovem. – depois quero que ligue para a ex dele, se souber o número. Quero ter uma conversinha com ela.
A outra parecia bem nervosa. Lizzie sorriu encorajando-a.
- Não se preocupe com isso, deixe que eu me vire com ela. Tudo que precisa fazer é ligar. Se a moça não quiser falar com você, deixa que eu fale, sim? – Lizzie sabia que a ex do namorado perdera um celular quando as duas moças se falaram pela última vez, queimado da mesma forma trágica que seu cubo mágico, agora só uma bola de plástico derretido e fedorento no chão.
A jovem sorriu um pouco mais feliz enquanto via Lizzie discar os números que fornecera no celular. Depois disso, a semana transcorrera o mais tranquilamente possível, reinando a paz e a harmonia naquela boa e charmosa casa de Regent Park.
****
Paz e harmonia?
Eu estava sendo irônico, viu? Alguém já viu a paz e a harmonia reinarem numa família esquisita feito a minha?
Esse problema da minha tia divertida, por hora, estava resolvido. Agora só resta uma coisa: papai e tio Henry no ringue, e mamãe no meio, tentando decidir quem leva a melhor. Trilha sonora de luta de boxe, por favor!
Não sei por que, mas, essa trilha sonora parece bastante apropriada.
(Duo – violoncelo in harpa/piano)
Sandy Leah/Andrea
Como dói quando me falta
(vivo por ella en un hotel).
Como sai quando me assalta
(vivo por ella en propria piel).
Si ella canta, en mi garganta
Mis penas más negras espanta.
Uma semana depois...
LÚCIA
A melhor coisa que poderia ter acontecido comigo em semanas resolveu acontecer agora, depois de vários altos e baixos, que incluíam um aumento exponencial do meu peso, causado pela minha hóspede temporária chamada Minerva (eu vou matar o Kelly! E não interessa que esse nome seja uma homenagem à prof. McGonagall, ninguém além de mim e Kelly poderia escolher o nome da nossa filha, mas não! Alguém tinha que se meter!).
Mais de um mês após o meu casamento e o terrível estalo que houve na terra (aquilo estava mais pra atentado terrorista, mas tudo bem), agora estou em uma cabine chique no Expresso do Oriente, indo para a Alemanha passar uma semana de gordices e boa música erudita com o meu melhor amigo. Já sentia falta das tardes divertidas antes do trabalho ou pegar carona com o Henry pra casa – ou tentar, depois que ele começou a namorar a mãe do Thomas, eu e Kelly tivemos que nos virar, ainda mais depois da bicicleta dele ter sido roubada.
A viagem, apesar de muito confortável e gostosa, foi muito rápida. Depois de três dias, já estávamos em desembarcando em Munique, Henry nos esperando, acompanhado de outras duas pessoas, uma garota de cabelos cor de cenoura, parecendo a Gina Weasley, exceto que era cheinha e sem sardas, e um japonês miúdo de quem eu ouvia falar sempre que ele entrava no Skype pra falar comigo. Aquele era Kaito Fujiyama, não acredito!
Os três vieram nos receber, Henry vindo em minha direção, um abraço de urso que quase quebra minhas costelas. Kelly, ao ganhar sua cota de sufocamento, começou a rir com a minha reação ao abraço de Henry. Estou grávida, gente, tenham do!
- Você deve ser a Lúcia. – Isabella era encantadora, o sorriso no rosto extremamente afável. – Henry falou muito bem de vocês.
- Você, no entanto, foi uma surpresa pra mim. – típico dele, só contava pra gente quando o bonde já está andando. – É um prazer conhecê-la.
O sorriso dela murchou ao ver a mãe do Thomas, ao lado de Lizzie. Isabella, com certeza, sabia do romance anterior de Henry com ela, mas, esse olhar fixo na figura robusta significa que meu melhor amigo, muito provavelmente, andou subtraindo informações (outra vez, típico dele!). A aparência da minha amiga devia, no mínimo, estar deixando a pobrezinha insegura, e sinceramente não vejo motivo para isso. Não vejo nenhuma ameaça iminente em uma mulher miúda e ligeiramente robusta que estava noiva de outro homem. Tá, ela era robusta nos lugares certos (não sou cega, comparada a mim e Lizzie, ela tinha mais corpo). Ainda assim, não havia motivo pra ciúmes.
Como eu estava enganada...
- É um prazer conhecê-lo, Herr Leighton. – Kaito Fujiyama era um perfeito cavalheiro, se curvando enquanto nos cumprimenta, o alemão dele perfeito. – Esta deve ser Frau Leighton. – Ele me olhava, um misto de curiosidade e receio, mas, caprichei no sorriso e, desse jeito, ele baixou a guarda.
Apresentações feitas, todos fomos para o hotel onde Kelly havia feito as reservas pra nós, um merecido descanso a caminho. Depois do almoço, enquanto Lizzie e mamãe preparavam todo nosso dia seguinte (acredite, elas estão fazendo isso) e Kelly e Henry, meus homens prediletos, colocavam o papo em dia, eu resolvi tirar uma soneca, o cansaço da viagem levando a melhor. Eu ficaria bem contente com a soneca, mas, ao despertar, quase quatro horas depois, vi um bebê e uma mãe dormindo tranquilos, ocupando pouco espaço na cama enorme. Eu sorri, prevendo um futuro não tão distante para mim e Kelly, virando para o lado, tentando adormecer enquanto sentia um pesinho fofo se jogar em cima da minha costela, ouvindo a chuva forte que tamborilava na janela embalando nosso soninho vespertino.
A única coisa que eu gostaria, mais que tudo, é não ser a última a saber das coisas – Tá, exagerei, eu sei. Algumas coisas andaram acontecendo no intervalo entre a minha soneca e o soninho compartilhado com esses dois. E tudo culpa de uma mamãe muito indecisa... E um músico pra lá de esperto...
Que tal voltarmos para a nossa sonequinha? Eu estava gostando tanto dos ronquinhos do bebê Thomas. Já os roncos da mãe são totalmente dispensáveis! Que bom que estava chovendo lá fora...
****
Lizzie, eu e a mãe de Thomas enfim tínhamos nossa tarde de garotas. Há quanto tempo isso não acontecia? Colocamos o papo em dia, enquanto íamos ao salão de beleza, procurávamos sapatos e roupas novas para a abertura do festival de música erudita que seria daqui a dois dias. Passamos a manhã seguinte à nossa chegada à Munique procurando as melhores lojas de departamentos, salões de beleza e tudo no centro comercial que nos ajudasse a estar bem vestidas para a noite especial de Henry.
Depois de toda a agitação da caça ao melhor traje de noite, agora estávamos na suíte do hotel, nossa tarde de garotas incluindo todos os cuidados corporais e faciais que Lizzie e eu sabíamos e aprendemos com a nossa mãe, quando uma mulher saía de um dos quartos, um vestido longo de seda prateada, as linhas caindo como uma luva no corpo dela, a pele alva de porcelana realçada sob a luz das janelas, agora fechadas devido à chuva torrencial que caía lá fora.
Lizzie, o rosto totalmente coberto de argila, agora estava boquiaberta ao ver a mãe de Thomas, vermelha feito um pimentão com a reação da minha irmã, enquanto eu simplesmente estava pasma. Ela estava linda demais!
- Ficou mesmo bom? – A pobrezinha não confiava mesmo no próprio taco.
- Você devia se vestir assim sempre! – ela parecia um cisne de tão linda. Minha mãe e a Sra. Darcy chegaram bem nessa hora e agora contemplavam a figura feminina vestida de prata líquida. Minha mãe quase chorou ao vê-la, dizendo o quanto estava lindíssima, até que o Sr. Darcy, provavelmente procurando alguém, a viu. Ele estava literalmente embasbacado, foi por muito pouco que ele não abriu a boca.
- NÃO! – todas nós gritamos ao mesmo tempo. Já tive emoções demais para um dia só sem que esse bobalhão assuste a gente! – Que tal bater na porta antes de entrar? – essa foi a única vez que vi Lizzie ficar irritada com o Sr. Darcy. Eu caprichei no sorriso para desfazer a tensão causada pelo susto.
- Olha só, esse era pra ser um momento de garotas, só nosso. – Foi divertido ver a Sra. Darcy torcer a boca ao ver-se excluída. – Fico feliz que tenha gostado do resultado da busca pelo vestido ideal (Lizzie disfarçou a risadinha com uma tosse), mas, ainda não estamos prontas, pode deixar as damas a sós, por gentileza? – ele me encarou, as sobrancelhas erguidas de surpresa. Que é? Eu sou capaz de ser gentil, sim!
Ele marchou de volta para a saída, contudo o sorriso largo no rosto severo deixou nosso pequeno cisne prateado com as bochechas em chamas, para a fúria de alguém.
*****
HENRY
A grande noite havia finalmente chegado. Orquestras sinfônicas e filarmônicas do mundo todo se apresentariam no festival, o Teatro Municipal de Munique se tornando pequeno demais para tantos músicos e expectadores juntos. Era uma balbúrdia em todos os camarotes e bancos, da primeira à última fileira. Atrás do palco não era muito diferente. Todos estavam muito nervosos, a moça que iria cantar, abrindo o festival, agora estava pálida, parecendo prestes a vomitar. Eu sorri, lembrando-me da minha primeira audição. Foi assustador, mas, ficou tranquilo, à medida que a melodia que eu toquei avançava. Ver uma cantora lírica profissional vinda de Lisboa, convidada especialmente para essa ocasião, que agora encantava a multidão, a voz grave e poderosa literalmente enchendo o palco com a canção linda que interpretava, com certeza não estava ajudando.
Eu a abracei pelos ombros, tentando tranquilizar a garota, que sorriu agradecida. Eu podia ficar calado, mas, sabia que precisava de um incentivo.
- Relaxa, você tem uma voz incrível, essas pessoas metidas à besta ainda vão te aplaudir de pé. Você vai ver.
A moça sorriu, o olhar perdido para a primeira fileira. Ela viu alguns rostos conhecidos, alguns até a surpreenderam (ela convidou mais por educação, já que, segundo ela, as coisas com o rapaz com quem saía não andavam muito boas). A família dela toda estava lá, a sobrinha dela era muito fofa, tanto que segundos depois ela e Briseida já brincavam como se fossem velhas amigas.
Quando as meninas ainda brincavam, um rapaz veio até nós nos bastidores para avisar que as apresentações iriam começar. As garotas pareceram bem desapontadas, mas se foram com suas respectivas companhias, Briseida com Lúcia, que veio buscá-la, e a sobrinha, Amara, cujo nome eu soube depois, por Briseida, foi para a platéia, ficar com a avó. Foi de cortar o coração ver que Rose e a sobrinha eram muito ligadas. Depois que passei a tomar conta de Briseida, ela me ensinou o quanto eu mesmo precisava resolver minha vida, e não apenas a amorosa.
Depois que o primeiro sinal tocou, marcando o inicio das apresentações, eu sentei, acomodando o violoncelo, a partitura à minha frente. Eu fiz uma seleção rigorosa de tudo que seria tocado, tanto no solo que eu faria, quanto nas apresentações com os outros músicos. Isabella acabou se revelando uma parceira de ensaios incrível. Era muito fácil estar com ela. Gostávamos das mesmas coisas, ela também apreciava um solo de violoncelo, apesar de ela ser claramente uma apreciadora de Beethoven. Isa era uma garota muito versátil e talentosa, tocava violino, piano, clarinete e flauta doce. Hoje, nós tocaríamos uma versão leve de um cover de violino que ela viu na internet no começo da semana e tivemos apenas cinco dias para ensaiar, mas, ficou perfeito, eu no violoncelo e ela no piano. Começamos a melodia, deixando que a mesma fizesse seu trabalho, emocionando a multidão. No camarote no terceiro andar, minha ex-namorada, os olhos brilhando, emocionados, observava enquanto tocávamos juntos, ela quase esqueceu de respirar.
Depois, se apresentou um pequeno grupo, formado por seis alunos da sétima série de uma escola pública de Munique, tocando versões produzidas por eles das séries de TV mais famosas da atualidade. Eles interpretaram músicas das séries Supernatural, The Walking Dead e Game of thrones. Foi incrível, três violoncelos, dois violinos e contrabaixo acústico que beiravam a perfeição! A orquestra da qual fazem parte devia estar muito orgulhosa deles agora.
Quando finalmente anunciaram a abertura do festival, a cantora convidada quase vomitou. Ela estava muito nervosa, ainda mais depois de tudo viu.
- Eu não combino com esse mundo! – ela estava pálida, mas a mãe e o empresário a acalmaram, ficando assim pronta para a apresentação.
Quando estava para entrar no palco, todos nós nos levantamos, Kaito Fujiyama se curvando para a platéia, que aplaudia ruidosamente nossa apresentação anterior, uma das quatro estações de Vivaldi, Spring, minha favorita. Após os aplausos cessarem, um tenor que estava ali para interpretar uma das músicas de Andrea Bocelli, Vivo per lei, junto com a nossa orquestra, já estava em frente ao maestro, esperando sua colega intérprete para começar a apresentação. Depois daí, foi como mergulhar num sonho. Só não sabia as consequências desse mergulho na minha vida amorosa...
Kaito estava certo em dar uma chance a essa desconhecida de se lançar na música lírica, a voz de soprano dela era incrível, forte e poderosa, enchia todo o teatro, deixando os expectadores de queixo caído. Claro, ela ainda não era uma Charlotte Church da vida, mas estava no caminho certo, com muito ensaio e empenho, ela faria muito sucesso no circuito erudito, se assim quisesse.
A apresentação foi um sucesso estrondoso, o teatro todo estremecendo com os aplausos ruidosos da platéia. A moça se curvou para a platéia após a apresentação, junto com o tenor e o maestro, além de toda a orquestra. Ela estava chorando com a reação do público. Mas Kaito era a estrela do festival, um maestro respeitado em todo o circuito de música erudita. Se essa menina era uma cantora lírica profissional, ela era, ponto. O cara nunca aposta em ninguém que não tenha verdadeiro talento musical.
As outras orquestras se apresentaram hoje e durante todo o festival, que duraria uma semana. Mas essa abertura épica ficará guardada para sempre na memória. Estou muito feliz por, finalmente, poder realizar meu maior sonho.
****
Depois do concerto, eu e meus amigos decidimos comemorar o sucesso da orquestra, as pessoas nos aplaudindo de pé. Realizei meu sonho, pude me provar como músico e agora estou ao lado das três pessoas mais importantes da minha vida, festejando minha conquista. Não poderia ser melhor.
- Ao Henry, que ele tenha uma carreira maravilhosa e um futuro melhor ainda! – dizia Kelly, ligeiramente alto do champanhe.
- E que sempre possamos estar juntos em todas as nossas vitórias, servindo de motivação para seguir em frente! – Lizzie estava emocionada. Brindamos depois dessa e voltamos a rir, relembrando nossos maiores micos da infância.
Se eu soubesse o que me esperava a seguir, teria ido bem mais cedo pra casa. Nunca pensei que diria isso, mas, não tenho quaisquer arrependimentos. Depois dessa noite, minha vida amorosa nunca mais foi a mesma.
Ficou muito melhor!
Sandy Leah/Andrea
Vivo por ella y nadie más
Puede vivir dentro de mi.
Ella me da la vida, la vida...
Sí está junto a mí... (2x)
Desde un palco o contra un muro
(vivo por ela e ela me tem).
En el trance mas oscuro
(vivo por ela e ela me tem).
Cada día una conquista.
La protagonista
Es ella también.
HENRY
Eu ainda estava bastante agitado da noite divertida que tive com Lúcia e Kelly, o coração bastante acelerado, quando, chegando em casa, me vi dando de cara com a minha ex-namorada, o olhar ainda brilhante, me encarando, corada. Ela estava sentada próximo à minha porta, talvez por horas, os olhos claros ligeiramente avermelhados me levando a crer que devia ter chorado. Apesar da surpresa, não sei o que dizer da presença dela. Eu estava bem com Isa e, honestamente, achei que tivéssemos nos despedido em Londres. Depois de tantas semanas afastados (tá, nem faz tanto tempo assim), achei que as coisas estivessem bem. Fiquei confuso agora.
Ela se levantou, o sorriso vacilando ao ver minha reação. Lembro-me da última vez que ela apareceu assim na minha porta, mas, hoje, ela não estava com as roupas encharcadas de chuva, nem estava pálida ou assustada. Ela me olhava, um brilho intenso nos olhos. Ela sabia exatamente o que veio fazer aqui e eu, sabendo disso, podia simplesmente mandá-la embora. Era a primeira opção. Mas...
Eu sou um idiota. Um idiota que disse, quando nos despedimos, ainda no casamento da Lúcia, que não ia desistir dela. Eu estava apaixonado, curtindo uma baita dor de cotovelo (ela tinha acabado de aceitar o pedido de casamento de outro cara) e ainda tinha esperança em relação à mulher com quem passei meses sonhando em passar o resto da vida juntos. Resumindo: sou um idiota!
Só que o idiota aqui devia ter tido o bom senso de dispensar essa mulher, mas, eu queria fazer isso? Ela não se movia, apenas me olhava, provavelmente esperando eu tomar a iniciativa. E foi exatamente o que eu fiz. Abri a porta, abrindo passagem para que ela pudesse se sentar no sofá que ocupava um bom pedaço da sala apertada. O apartamento estava uma bagunça, os brinquedos de Briseida espalhados por tudo que é canto. Fiquei um pouco envergonhado, mas, minha visita inesperada apenas sorriu. Em Londres, ela havia se acostumado com isso. Servi duas taças de vinho tinto, vendo um brilho divertido nos olhos delicados ao ver aquela taça à sua frente.
- Você ainda... ?
- Merlot ainda é o seu favorito, certo? – nos encaramos por um tempo, até que um leve rubor tingiu suas faces, me deixando totalmente sem jeito. Costumava ser mais fácil antes, apenas nos beijávamos, o resto vinha naturalmente. Só que agora o caso não era mais esse. Agora o que estava sentada diante de mim era uma criatura suave que, com um único sorriso, desarmou todas as minhas defesas, levando minhas duas mãos nada afoitas na direção da cintura fina e perfeita, as mãos pequenas acariciando minhas costas e ombros. O sabor adocicado do vinho na boca macia me fez sentir uma rigidez que me formigava o corpo, enquanto uma das mãos me apertou, fazendo eu abraçá-la mais forte, minha boca quase esmagando a sua.
Tudo foi muito rápido para o meu gosto.
Delicioso. Maravilhoso. Perfeito. Só que rápido demais.
Quando percebi, já estávamos na cama, os dois completamente sem fôlego, os lençóis de linho branco sendo nossa única vestimenta. Nunca me esqueci daquelas curvas deliciosas, muito cheias e atraentes, era perfeita a visão das linhas macias do busto farto, ou os quadris largos e arredondados, um convite para as mãos. Ela ainda arfava depois de tantos beijos e agora eu me apoiei na cama enquanto me senti totalmente dentro dela, deliciosa e apertada, as pernas trêmulas se esfregando nas minhas costas e o meu quadril. Era tão quente dentro daquele sonho, não quero acordar nunca mais.
Estávamos exaustos quando nos deitamos, ela sorrindo enquanto se afastava do meu peito, que havia feito de travesseiro, eu deitando com ela de conchinha, louco por uma boa soneca, quando ela virou-se para mim, o rosto vermelho feito um pimentão, me deixando totalmente sem jeito. O que foi que eu fiz?
- Henry? Posso pedir uma coisa? – Eu fiquei mudo de surpresa com o que ela me pediu ao pé do ouvido.
Normalmente, eu nem cogitava pedir isso, primeiro, imaginando que ela recusaria; segundo, será que uma mulher realmente apreciava isso? Talvez gostassem, mas, não sei ao certo. A verdade é que nunca perguntei o que realmente lhe dava prazer quando namorávamos, agora percebendo que perdi uma grande oportunidade.
Foi maravilhoso estar dentro dela outra vez, o corpo delicado todo trêmulo de prazer. Ela arranhou os travesseiros arfando enquanto a segurava suave e firme ao mesmo tempo. Eu senti em minhas mãos todos os arrepios que atravessavam sua espinha quando eu a penetrava, era maravilhoso sentir cada novo arrepio que atravessava seu corpo belíssimo.
- Ai, Henry, por favor, continua, mas, bem devagar dessa vez! – foi a última vez que ouvi alguma coisa com nexo sair dos lábios dela. Vários gemidos de prazer saíram, prova de fiz exatamente como ela gostava. Foi maravilhoso ouvi isso! O corpo todo tremia de desejo, eu não parava de beijar seus ombros e braços, até finalmente o clímax veio para nós dois. Foi perfeito chegar juntos! Delicioso demais!
- Isso foi maravilhoso, H-henry... – ela ainda arfava, segurando o travesseiro. Quando ela sentou em meu colo, uma cavalgada intensa e ritmada, seus olhos brilhavam, cheios de uma malícia que eu nunca tinha visto antes. Ela sempre foi tão tímida, esse momento de amor me surpreendeu totalmente!
O prazer intenso dessa noite durou por mais quatro horas e ainda perdurou até eu a levar, ainda trêmula de prazer, até o hotel um pouco antes de amanhecer. Ainda nos falaríamos depois dessa noite, mas, tenho certeza que nunca mais tocaríamos no assunto de novo.
Foi bom enquanto durou e essa despedida foi perfeita, para ficar pra sempre na lembrança.
(Duo – violoncelo in harpa/piano)
Andrea
Vivo por ella porque va
Dándome qual la salida,
Porque la musica es así,
Fiel y sincera de por vida.
Sandy Leah
Vivo por ela que me dá
As noites livres para amar.
Se eu tivesse outra vida, seria
Dela também...
********
KELLY
- Sério? Ela... Hum... Topou isso?
Lizzie era sempre um doce, mas, ela também sabia como ninguém a melhor forma de constranger uma pessoa.
Nós quatro nos reunimos no fim da tarde, após o ensaio de Henry, para lanchar em uma confeitaria no centro de Munique, bastante famosa por seus bolos e doces refinados, além do chá servido por eles, variados sabores e aromas, fisgando o estômago e cativando a lembrança.
Era super gostoso nos ver reunidos em uma mesa pra bater papo, como nos velhos tempos. Claro que, nessa época, Lizzie ainda não tinha idade, mas sempre dava um jeitinho de estar com Lúcia quando íamos sair juntos e, no fim, todos se divertiam bastante. Exatamente como agora. Todos aqueles alemães que passavam perto, ou sentavam próximo a nós, se assustavam vendo aqueles quatro jovens ingleses rindo alto e falando asneiras colossais – confesso, sou responsável por parte das asneiras – enquanto comíamos fatias deliciosas de uma torta de chocolate com um maravilhoso glacê de limão que não estava nenhum pouco enjoativo, graças às raspas de limão siciliano que davam um toque levemente ácido a cada mordida. E tudo isso regado a muita asneira dita. Não poderia ficar melhor.
- Bom, - Henry corou até a raiz dos cabelos, os olhos verdes se revirando, o que provocou ainda mais risos das garotas. – ela pedir isso pra mim foi mesmo uma surpresa. Confesso que quase sempre pensava nisso, mas, não pedia justamente por pensar que, bom... Se alguém recebe, tem que dar de volta, não é essa a idéia? – Ele corou ainda mais, aumentando o coro de risadas. – Mas..., enfim... Era... Vocês sabem...
- Entendo, - eu segurei o riso antes de voltar a falar. – Ao invés de mexer no capô, você optou por brincar com o porta-malas do carro. – as meninas explodiram de rir em meio a vários gritinhos de protesto.
- Que baixaria, Kelly! – Henry corou mais furiosamente agora.
As meninas não paravam de rir, eu também já vermelho parei um pouco de falar pra poder pegar fôlego, as risadas me deixando exausto, as lágrimas escorriam pelo rosto. Nunca pensei que as peripécias amorosas de alguém seriam tão divertidas, mas, agora, vendo que Henry parecia tão feliz, eu vi que não valia a pena insistir. Ele teve uma aventura que foi boa enquanto durou, eles mataram a saudade, se despediram adequadamente, agora era hora de seguir em frente. A mãe do Thomas estava noiva do pai dele e Henry até que estava se saindo bem com a garota que ele conheceu recentemente, Isabella. Mas ainda assim aquele olhar me dizia que a moça nunca ocuparia o lugar que já fora dela em seu coração. E, pelo visto, na cama também não.
- Eu ainda não acredito que você e a mãe do Thomas foram pra cama outra vez. – Lúcia sorriu.
- Pois é, eu pensei que não ia haver mais nada entre nós, que seria só uma conversa entre amigos, mas... Quando nos abraçamos, senti faíscas, e ela estava sorrindo, tão linda... – Lizzie corou, sorridente. Lúcia e eu também nos olhamos, apaixonados.
- E agora? – Lizzie sorria.
Henry nos encarou um pouco antes de responder.
- Bom... Somos amigos. Se funciona assim, beleza.
Lúcia fez um muxoxo quando ouviu isso. De todos ali, era a única que realmente o conhecia, como uma irmã conhece o irmão. Ela sabe quando minto (Henry se sentia nu todas as vezes que tentava mentir também. Ser pego de calças curtas por outros, vá lá, mas, quando era Lúcia a pegar a gente de calças curtas, aí o bicho pega...).
- Henry, só me permite dizer uma coisa? – o tom de voz não era de quem perguntava. – Vocês realmente se gostam... Eu, pelo menos, nunca esqueci aquela serenata via Instagram (Lizzie ria horrores toda vez que alguém a lembrava disso), mas, vale a pena querer só amizade quando vocês sentem algo mais forte? E a Isa? Ela parece ser legal, mas, também te enxerga como um passatempo.
Os ombros de Henry murcharam agora.
- Você é um cara legal, não duvide disso, além do quê, merece coisa melhor, se a Isa, ainda assim for o que você quer, beleza, mas... Se ainda sente algo pela mãe do Thomas... É melhor lutar e tombar no campo de batalha que nunca ter ido à luta. – Lúcia me surpreendeu ao dar uma piscadela ao concluir a frase. Ela nunca falou assim, nem com Henry. Acho que o tempo e as experiências passadas a fizeram crescer.
Seja lá o que foi dito nas entrelinhas, Lizzie pescou de imediato, aliás, como sempre. Até Henry entendeu seja lá o que for de saída, o olhar de compreensão no rosto. Por que só eu nunca entendo logo de cara? E foi justamente a minha cara que fez todos rirem ainda mais. E assim terminou nossa tarde, as risadas e as peripécias amorosas de Henry indo até o anoitecer.
Que pena a semana ter passado tão rápido. Mas é essa a vantagem de ser jovem. É quando podemos construir momentos felizes que irão embalar nossa lembrança durante a velhice, quando tudo que podemos fazer é soprar a poeira das memórias, escolhendo o que passar adiante para as futuras gerações, a fim de que não cometam os mesmos erros e sejam tão felizes quanto nós já fomos.
Três semanas depois...
THOMAS
Hakuna matata! É lindo dizer!
Hakuna matata! Sim, vai entender!
Os seus problemas você deve esquecer!
Isso é viver! É aprender!
Hakuna matata!
Sabe qual a vantagem de ser um bebê? Ninguém liga se você está ou não entendendo a conversa, os adultos continuam conversando, como se não houvesse ninguém, além dos interlocutores, presente. Do mesmo jeito que mamãe e tia Lúcia agora. A mamãe queria desabafar com alguém aquela, por falta de palavra melhor, pulada de cerca dela. E queria ter certeza que eu não ia entender patavinas. Daí ela por meu desenho favorito depois dos pinguins de Madagascar, as aventuras de Timão e Pumba, no youtube pra eu assistir.
Só um conselho? Nunca subestime a memória recente de uma criança. Ela costuma ser melhor do que imaginam...
- Espera aí, me explica isso de novo! – Lúcia disfarçou o riso com um engasgo agora. – Você e o Henry... Transaram? De novo? – maldade, tio Henry já havia contado a versão dele da história, pra que fazer minha mãe sofrer? (tia Lúcia nem disfarçava que estava se divertindo).
Seria uma boa ideia mostrar a importância da filosofia de Timão e Pumba para a minha mãe? Na falta de opções, achei melhor ficar quieto e bancar o bebê, ela só precisava desabafar, vamos deixá-la desabafar, que tal?
- Lúcia, por favor, dá pra falar mais alto? Ninguém te ouviu ainda! – a tia Lúcia se dobrava de rir. Às vezes, ela e tia Lizzie eram tão parecidas que eu sentia pena de quem desabafava com elas. Mas... Vamos combinar? Mamãe não estaria essa pilha toda se ela realmente tivesse se decidido. E, apesar de amar o papai, ainda acho que o tio Henry é mais adequado para ela. O problema é que os adultos nunca são sensatos. E no caso dos meus pais, sensatez nunca foi um ingrediente que contasse na relação.
- Ah, tá, como se ninguém soubesse... Tudo bem, o que realmente está preocupando você? – a mãe da tia Lúcia, como sempre, estava perto ouvindo tudo, com certeza esperando o momento certo de aconselhar mamãe... E ela realmente precisava disso.
- O que me preocupa?! - mamãe agora estava à beira de um ataque de nervos. – Só uma coisinha pequenininha de nada! Nada realmente importante, se eu não tivesse procurando um calendário para outra coisa, até passaria batido!
- E qual o motivo dessa paranoia toda? – a tia Hannah só a olhava, ainda em duvida se com raiva ou pena dela.
- Mamãe! – Tia Lúcia guinchou, igualmente irritada. As duas a encaravam, enquanto eu, ainda bancando o bebê, só olhava pra ver a reação da mamãe, já quase arrancando os cabelos de preocupação quando olhava pra mim. Bom, eu já sabia qual era o problema, bem como a causa dele... – Conta logo! O que foi que aconteceu? – Mamãe voltou a olhar pra mim. Fiz a cara mais inocente que encontrei, deixando a pobrezinha ainda mais nervosa. Às vezes, ela esquece que sou um bebê de verdade.
- Acontece que... Não achei que pudesse acontecer, sabe de fato...
- Fala logo! – um berro da tia Lúcia, em geral, era o bastante. Mamãe despencou na poltrona mais próxima. Tia Hannah começou a rir depois desse providencial berro. Minha mãe só fez encarar as duas de cara feia.
- Quanta solidariedade! – ela resmungou ao ver Lúcia já bufando. – Estou atrasada. Duas semanas atrasada! Satisfeitas?!
Mãe e filha se entreolharam por um instante, estupefatas, para depois caírem na gargalhada, agora deixando minha mãe estupefata. Eu simplesmente dei de ombros, voltando a assistir as peripécias do Timão. Eu já sabia como ia terminar mesmo...
- Esse é o motivo dessa choradeira? – Tia Lúcia, já refeita das gargalhadas, pôs a mão no ombro da mamãe. – Quer dizer, só agora você percebeu?
Minha mãe empalideceu com essa.
- Como assim?
Tia Lúcia e a mãe voltaram a se olhar, sorridentes.
- Você já suspeitava disso na época do meu casamento...
- Eu sei! – coitada da minha mãezinha. – Só que eu fiz o teste, na época, e deu negativo. Só que agora eu... – ela começou a chorar. – atrasei duas semanas... É muito azar...
- Querida, eu tenho mais experiência nisso que você. – Como eu disse, já sabia o fim dessa história, vamos deixar tia Hannah falar agora. – Duas semanas apenas não é o suficiente para confirmar uma suspeita dessas. E você já estava atrasada desde antes do casamento. – mamãe deu um pulo na poltrona com essa.
Tia Lúcia sorria também, balançando a cabeça.
- Você já não fazia sexo desde o nascimento do bebê. – tia Hannah continuou a falar, uma autoridade no assunto. – Pensávamos que você se sentiria melhor com Henry sem essa, bom, preocupação no caminho...
- Confiem em mim, não há mais desestimulante para uma relação a dois que a lactação. Você vai saber disso mais cedo do que pensa. – mamãe encarou tia Lúcia, que deu algumas risadinhas, parando ao olhar da mãe.
- Enfim, sem isso desde que seu bebê nasceu. – mamãe fechou a cara agora. – você estava em abstinência, até que eventos recentes a tiraram...
- Poupe a minha inteligência, mãe! Estalo terrorista, por favor.
- Ah, que seja! – a mãe sacudiu a mão na frente do rosto, exasperada. – Enfim, isso aí (mãe!) fez você, bom, ter uma recaída, entende...
- O pai do Thomas semi-pulverizado fez você sair da abstinência. – tia Lúcia voltou a rir.
Mamãe foi da palidez à completa confusão em segundos. Sobrou para tia Hannah sanar as dúvidas, coitada.
- Esse evento em particular... – Lúcia quis rir da mãe. Ela ainda estava em negação quando se trata do estalo causado pelo nosso convidado fujão. – ocorreu duas semanas antes do casamento de Lúcia. E no mesmo dia... Você saiu da sua, digamos, zona de conforto...
- Abstinência, mãe! – Lúcia se dobrava de rir.
- Lúcia! – Mamãe ainda não tinha o nível de decibéis necessários para rivalizar com ela (quer dizer, antes de eu nascer, talvez, mas, em geral era calma feito gato), mas chegava perto.
- Enfim! – tia Hannah fez as duas pararem apenas elevando um pouco a voz. Ela é mesmo uma lady. – Foram duas semanas entre isso e o casamento. Henry partiu para Munique uma semana após o casamento. Aí já são três semanas. Estamos em Setembro...
- É. – minha mãe sentiu os ombros murcharem. Faço aniversário no dia 19, curiosamente, a mesma data de aniversário da Hermione Granger.
- Então, até aqui, já passaram onze semanas, querida. – tia Hannah estava feliz com o silêncio, tia Lúcia ainda ria e minha mãe estava mais pálida do que nunca.
Agora sim a gente pode voltar para o outro festival, mas, só resumindo: meu pai soube depois desse cálculo (tia Hannah também deu uma explicação completa para ele). Ele fez as próprias contas e desmaiou com a notícia. A boa notícia: vou ter mais um irmão; a má notícia? É outro menino. Por que a mamãe e o papai não encomendaram outra menina para a cegonha? Não ia me importar em ter outra irmã!
Vamos voltar para o outro festival? Meus nervos agradecem...
(Duo – violoncelo in harpa/piano)
Sandy Leah/Andrea
Ella se llama musica.
E ela me tem.
Vivo por ella, créeme.
Por ela também.
(yo vivo per lei)
Yo vivo...
E viverei...
De volta àquele instante...
O pedido mais esperado fora feito diante de uma casa cheia composta por mais de 15 mil pessoas. O concertista ainda ajoelhado aguardava, enquanto a moça diante dele, ainda tremendo, estendeu a mão delicada, os olhos brilhando emocionados. Os amigos no camarote ainda aguardavam, a amiga de infância ainda pulava, refreando o impulso de gritar para que a moça aceitasse logo. Passaram-se dez minutos, os mais longos já transcorridos, até que, novamente em lágrimas, a jovem, a voz embargada, sorriu.
- Eu aceito. – um abraço de urso quase a esmagou, o agora noivo não cabia em si de contentamento. Uma estrondosa salva de palmas se fez ouvir, sacudindo o prédio. Os amigos do concertista ficaram felicíssimos, um garotinho de não mais que cinco anos berrava no colo da mãe do camarote onde estava "é isso aí, tio!". As outras pessoas no palco e fora dele não paravam de cumprimentar o feliz casal.
Ninguém poderia estar mais feliz, exceto uma mulher que pessoa alguma conseguia ver, postada perto dos outros músicos, o sorriso imponente. Ela observava há tempos as idas e vindas de todos que nasciam e morriam. Observou a trajetória desse jovem músico; a garota que agora aceitava seu pedido de casamento, bem como a outra jovem que cantou durante todo o festival, uma grata surpresa ainda a caminho. Até mesmo o menininho que brindava a felicidade do tio favorito também era sondado, sua trajetória ainda muito tenra, mas, já cheia de tantos percalços. Cada uma daquelas vidas ali já tinha um destino já traçado, dependendo apenas das decisões que os levariam até a jornada final. E um dos ali presentes terminava sua jornada, um último batimento enquanto ouvia a voz suave e maviosa. Ele estava muito feliz enquanto vinha ao meu encontro, como se eu fosse uma velha amiga. Enquanto esse encontro acontecia, as demais vidas seguiam até o fim de sua jornada.
Ainda não era sua hora.
Fim.
Notas finais:
1) A música será usada fora de sua estrutura original, com leves alterações.
2) Referência à obra literária Orgulho e preconceito, em geral, usada de forma depreciativa por Lúcia. Lizzie também se vale do mesmo expediente ao se referir à princesa Cristalys, que está bem longe de se parecer com Georgiana Darcy.
3) Crossover com a fanfic La vie in rose, da ficwritter Mari Rafaela, publicada na plataforma Spirit Fanfiction.
4) Alusão ao filme Vingadores: guerra infinita.
https://youtu.be/SJZfCg51xlU
https://youtu.be/XTAMz738nTU
https://youtu.be/-tlAN0yzuoU
https://youtu.be/4ToVOGRqdZ4
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