Um fio de esperança
https://youtu.be/os2C0TdDphc
Por Gisinha Lima
Notas: Esta songfic foi criada tendo por base a música Just a kiss, uma versão cover da banda Boyce Avenue. Com exceção dos personagens adaptados da sua obra original, apenas descrições indiretas, todos os personagens fictícios são originais. Pode haver spoilers.
Classificação etária – acima de 16 anos.
Brighton, Inglaterra, julho de 2018.
Enquanto o sol entrava timidamente no pequeno quarto, uma jovem de cabelos castanho-escuros, toda vestida de noiva, sentada em frente à penteadeira, fazia pequenos cachos nas laterais do rosto, um sorriso maroto de felicidade. Seu grande dia havia chegado. Em poucas horas, seria, oficialmente, uma senhora casada e poderia passar o resto da vida com o homem que escolheu para amar. Atrás dela, ajeitando o véu da jovem, uma loira ligeiramente robusta sorria, amorosa, olhando a si própria no reflexo do espelho, vendo o quanto mudou no último ano.
Desde que ficou grávida, muitas coisas aconteceram, além dos novos amigos que a ajudaram na transição para a maternidade. Estes também contribuíram para muito do sofrimento que fora obrigada a aguentar. De modo geral, no entanto, vivia feliz, sem arrependimentos. Seu filho era um garotinho muito tranquilo e doce, não dava trabalho e dormia a noite toda. Naquele momento em particular, estava brincando com o bichinho de pelúcia favorito dele, uma versão menor do coelho da Páscoa de A lenda dos guardiões. Sorrindo, ele agitava o bichinho, enquanto balbuciava algo para a noiva, que começou a rir, virando-se para melhor observar o garotinho enquanto respondia.
- É claro que sei o que estou fazendo. Planejei isso durante meses, totalmente à prova de falhas! – Ela ainda ria ao virar-se para o espelho, terminando os retoques na aparência, um profundo suspiro. Do espelho mesmo, a jovem encarava a loira, que agora estava pensativa, bem longe dali.
- Agora tudo vai mudar, não é?
A moça, também suspirando, lançou lhe um olhar gentil.
- Não se preocupe, - ela sorriu, também encarando a outra do próprio espelho. – Vocês têm tudo que precisam para serem felizes juntos.
Com isso, a noiva sorria, agora mais confiante da decisão que estava prestes a tomar daqui a alguns instantes. Uma porta abriu-se, revelando o porte atlético de um rapaz de uns trinta anos, que entrou, estendendo a mão para a jovem. Ele não parava de olhar para a moça, um sorriso inchado de orgulho, ao ver a irmã toda de branco, mas que logo se transformou em um acesso de choro quando segurou a mão dela.
- Eu prometi que não ia chorar quando chegasse o dia do seu casamento, e olha só pra mim, chorando porque a minha irmãzinha... - ele soluçava, fazendo a irmã sorrir. As duas mulheres se entreolharam, voltando a rir. O rapaz as observava confuso, bem como o bebê, ainda brincando com o bichinho de pelúcia.
- E isso não é nada gay! – a jovem levantou para abraçar o irmão. O bebê balbuciou algo que fez os três rirem.
- Todo mundo vai chorar no casamento, então para com esse negócio de "não vá borrar a maquiagem".
- Mas ele tem razão. – O irmão ainda soluçava, quando a porta se abriu mais uma vez, a cabeça loira de uma mocinha passando pela soleira, um sorriso maroto ao ver essa cena.
- Maninha, está na hora!
Os três se entreolharam mais uma vez. A moça voltou a olhar-se no espelho, os cachinhos castanho-escuros emoldurando o rosto pequeno. Ela voltou a falar, encarando o reflexo da irmã.
- E os convidados?
- Estão todos acomodados, só esperando começar a cerimônia. – a jovem sorriu para o reflexo da noiva. – Bem mais do que havíamos combinado, mas, todos estão bem.
A jovem levantou, um sorriso confiante que murchou quando a irmã parou de falar.
- Inclusive o grandalhão? – ela lançou um olhar de preocupação para o reflexo da mocinha.
Ela já segurava o braço que o irmão oferecia, enquanto a amiga segurava o bebê nos braços, o bichinho de pelúcia fazendo um barulho incômodo. Todos, inclusive a mocinha, se entreolharam. A noiva sorriu, uma lágrima furtiva deslizando pela face. O irmão mais velho voltou a chorar. A mais nova acabou tomando a frente da situação.
- Vamos logo, antes que todo mundo acabe se debulhando em lágrimas e a sua maquiagem fique arruinada! – ela mordia o lábio inferior, segurando o riso.
A jovem soltou um profundo suspiro, olhando seu reflexo pela última vez. O irmão sorriu.
- Não se preocupe, vai ficar tudo bem. – Ele ofereceu o braço mais uma vez. A noiva suspirou novamente, agora voltada para a porta do quarto.
- Tem razão, - ela voltou a sorrir, mais segura de si. – Vamos lá.
Todos se dirigiram para a saída, a noiva e o irmão mais atrás, enquanto a irmã mais jovem, um vestido azul-claro com detalhes em renda muito delicados, ia à frente do casal, sorrindo levemente. A jovem mãe se acomodou no lugar onde devia, no fim da nave improvisada no jardim, onde o padrinho do noivo, um rapaz jovial, quase da mesma idade do casal prestes a se unir, já se encontrava.
Ao abrir a porta do jardim e ver todos se levantarem, a moça teve um ligeiro ataque de pânico, que logo foi acalmado pelo irmão. Ele sorria, olhando para o exterior da mansão onde se encontravam.
- Nada de desistir agora. O resto da sua vida está esperando lá fora. – O irmão voltou a oferecer o braço, um olhar tranquilizador para a jovem. – Vamos?
Ela sorriu, ainda nervosa, mas agora olhava mais confiante para o jardim, sacudindo a cabeça de leve. O casal, sorrindo, começou a marchar em direção à nave, duas garotinhas loiras de azul, igual a adolescente que ia a frente deles, enquanto um rapaz, no fim do percurso, não parava de sorrir, o olhar lacrimoso na direção da moça que vinha ao seu encontro. O sol vespertino, agora em tons de dourado e laranja suave, deixava os convidados em seus trajes formais muito mais encantadores e elegantes. Assim como o irmão da noiva, que agora a entregava, três dos convidados usavam trajes militares de gala. O restante usava trajes de festa. Ao chegar ao fim do percurso, a moça teve uma visão clara do homem em frente a ela, um sorriso triunfante de felicidade. O clérigo que já estava posicionado em frente ao casal, sorria para ambos. Os conhecia desde a infância, os batizou, deu-lhes a primeira Eucaristia e acompanhou sua jornada religiosa e nada lhe dava mais alegria que casar esses dois jovens. Todos os olhos voltados para o casal estavam atentos quando chegou o momento mais esperado da cerimônia.
- Se alguém tiver alguma coisa contra esta união, que fale agora ou cale-se para sempre.
Os dois se encararam, um sorriso de cumplicidade, que fez o clérigo sorrir outra vez. Um pigarro constrangedor interrompeu aquele silêncio tranquilo, levando a noiva lançar um olhar atravessado para um dos convidados, mais ao fundo, totalmente amordaçado e acorrentado, que também olhava atravessado para esta, tentando levantar os braços. Os noivos apenas se entreolharam, um sorriso maldoso se formando nos lábios da moça. Ao ouvir a tão esperada frase final, o casal trocou um beijo rápido, os aplausos quase os deixando surdos.
Ao observar todas as pessoas que aplaudiam os recém-casados (o convidado compulsório mais ao fundo ainda balançava as correntes, um olhar entediado para todos), a noiva apenas os encarou, um olhar distante, ainda duvidando que tudo aquilo realmente havia acontecido. E pensar que só se passaram cinco longas semanas, mas, parecia ter se passado uma eternidade...
(Violão/violoncelo in pizzicato)
Sofia Carson
Lying here with you so close to me
It's hard to fight these feelings
When it feels so hard to breathe
Caught up in this moment
Caught up in your smile
Alejandro Manzano
I've never opened up to anyone
It's so hard to hold back
When i'm holdin' you in my arms
Alejandro/Sofia
But we don't need to rush this
Let's just take it slow
ELISABETH
Londres.
Bom, por onde começar?
Meu nome é Elisabeth Mary Katherine, estou finalmente concluindo o Ensino médio na Academia Weston para moças e, bem... recebi a resposta da Universidade Berkeley quanto a minha intenção de ingressar. Fui admitida!
Eu sei, devia ficar feliz com isso, e eu estou, de verdade. Mas quando penso que a grande chance da minha vida só foi possível porque alguém simplesmente virou poeira... é, é isso mesmo que você entendeu. As pessoas viraram poeira espacial, como diria a minha amiga. Ironicamente, não fomos afetados por essa onda que alterou todo o planeta... E só porque não estávamos em Londres quando tudo isso aconteceu. Estávamos fora das vistas de quem fez essa bagunça toda.
As pessoas simplesmente sumiam do mapa pelo mundo todo. Foi assustador.
Eu e Lúcia ligávamos para todos que conhecíamos várias vezes. Kelly, no mesmo dia, perdeu os pais e o irmão. Não que o coitado fosse sentir falta deles. Para a família, ele era apenas uma despensa, uma reserva de sangue, medula e o que mais fosse necessário para o irmão mais velho, que sequer era agradecido pelo que ele forçosamente fazia. Só quando fez vinte e um foi que Kelly finalmente deu o grito de independência e saiu de casa. Os pais ameaçaram deserdar ele, blá, blá, blá, mas, no fim das contas, foi bem melhor assim.
Imaginar o Kelly ajudando a manter vivo um vegetal que sequer gostava dele era horrível. Agora até entendo porque meu futuro cunhado sempre enxergou no Sr. Darcy o irmão mais velho que sempre quis. Claro que (vamos admitir!) a relação deles era meio disfuncional... Tipo a Sra. Darcy, que atravessou metade do Estado havaiano sequestrando a melhor amiga. Pois é, uma amizade estranha que começou com um sequestro, sob a mira de uma arma de fogo, que virou uma amizade possivelmente duradoura, regada a muita – não acredito que vou dizer isso! – muita síndrome de Estocolmo. Eu sei, não deveria sentir vontade de rir disso (tenho certeza que, para a sequestrada em questão, a situação toda não teve graça alguma), mas o que eu posso fazer? É mais forte que eu!
Eu também entendo que esse povo passou por muita coisa, mas, sei lá, pedir as coisas com jeitinho sempre funcionou desde o início dos tempos... E tenho plena certeza de que, até agora, pelo menos, isso não mudou...
Eu ainda estava na frente do computador, olhando para a tela, ainda tentando imaginar como terminar de escrever minha redação, quando o Sr. Darcy estava parado, atrás de mim, lendo o que eu já havia escrito. Pulei, assustada, mas não antes de pôr as mãos na frente da tela, inutilmente, claro.
Ele sorriu ao ver o que estava escrito na tela do computador.
"É assim que você enxerga o meu irmão?".
Eu desisti de tentar cobrir a tela e me virei, resolvendo compartilhar o que já havia feito.
- Bom, eu acho, só acho, - ele sorriu, ainda me encarando. – Que o seu irmão caçula é um babaca, idiota, mal-agradecido, que ferrou com a própria família. – Eu fiz uma pausa pra puxar a respiração.
Ele sorriu.
"Já acabou o estoque de xingamentos?" (ele parecia a Lúcia falando. Incrível, não é, não?).
Eu dei uma risadinha com essa.
- Não, eu tenho mais alguns na manga, mas, não posso pronunciá-los, ou minha mãe me corta a língua. – Nós dois nos divertimos.
Passamos a tarde toda revisando o texto inteiro e, com a ajuda providencial dele, me contando um pouco da própria infância, se é que se pode chamar aquilo de infância (que dureza!), o texto ficou bem melhor, mas... Ainda tá faltando algo...
"Falta uma coisa.", ele sorriu, olhando para a tela.
- Eu tenho a mesma sensação, só não sei o que é. – eu ainda estava com o cotovelo apoiado na bancada da cozinha quando a minha mãe e a mamãe do Thomas entraram juntas, aos risos, uma Lúcia bem emburrada atrás delas.
- Parem vocês duas! – ela chorava de raiva. – Vocês parecem duas hienas!
Aí mesmo é que elas riam. Tadinha da minha irmãzinha, ela podia levar a vida menos a sério, não é?
Foi nesse momento o Sr. Darcy fez um gesto com a cabeça na direção da mamãe do Thomas. Aí foi que entendi tudo. Já sei exatamente por onde vou começar a contar.
- Obrigada! – beijei o rosto dele, voltando a digitar, as garotas me observando, abismadas. Tudo bem. Todo mundo vai entender depois que eu entregar a redação.
Agora... Que tal a gente contar essa história do começo? Talvez faça mais sentido assim, e, de repente, vou entender como foi que o Sr. Darcy conseguiu – finalmente! – arrancar da garota que ele ama as palavras mágicas Eu te amo. Eu acho que rolou uma trapaça básica aí, mas, quem sou eu pra julgar, não é? Por enquanto, só estou presumindo o que se passava na cabeça dele na hora dos eventos. Enfim, presumindo ou acertando, a trapaça deu certo. Acho que certo até demais. Mas... Foco na história, que assim vai ser bem melhor. Agora vamos ver, por onde eu... Ops! Já tenho um bom começo para a minha história...
****
Uma coisa que realmente me assombra é a capacidade dos vivos de manter a esperança (e, porque não, a compostura) em momentos de desespero, como o que nosso frágil grupo está enfrentando. A esperança, para alguns, às vezes, pode ser a diferença entre a vida e a morte, então manter mesmo que seja uma pequena centelha dela pode ser crucial.
Um único homem, provido de uma mortífera coleção de jóias, tomou para si uma tarefa que compete a mim, unicamente. Ao invés de ajudar, ele acabou por confundir o já tão dedicado equilíbrio entre vida e morte, dando a mim muito mais trabalho do que estava acostumada. Nem os conflitos armados recentes, tampouco a violência urbana diária fizeram tantas almas virem ao meu encontro como esse evento em escala universal. Não estou brincando! O universo foi literalmente afetado pelas ações desse homem, completamente preso em seu louco delírio de controle. Um rapaz que perdera sua mãe para um tumor cerebral quando ainda criança ficara muito feliz em revê-la e muito mais feliz em rever sua namorada e poder apresentar ambas as mulheres, que ficaram muito contentes uma com a outra pela chance de se conhecerem, e ele ainda pode rever seu pai de criação. Uma família pode se reunir no véu. Outros, no entanto, não tiveram a mesma sorte.
Contudo, as providências estão sendo tomadas no sentido de solucionar esse contratempo. O problema... É quando a solução, na verdade, se revela ser um problema bem maior...
****
Cinco semanas antes.
Em algum lugar do Pacífico.
Enquanto o resto do mundo ainda digeria o horror causado pelo fenômeno estranho que levava as pessoas se desintegrarem, o pânico e o caos se espalhando em todas as cidades do globo, um casal abraçado sobre a cama (o homem ainda fraco, mas já respirando normalmente) observava os raios de sol que entravam furtivamente através das cortinas do quarto onde estava, a penumbra sendo lentamente substituída pela luz do amanhecer. O calor que aos poucos aumentava acordava a mulher, que voltava a consciência, o horror do que havia acontecido na tarde anterior novamente invadindo sua lembrança.
Ao relembrar o terror de quase ter perdido o homem que amava, vendo-o se dissolver lenta e gradualmente, um dos braços ainda em sua cintura, novas lágrimas riscavam as bochechas, um tremor atravessando a espinha. A lembrança dos olhos castanhos brilhando mortiços, enquanto um dos braços, quase totalmente dissolvido, tentava alcançá-la, fez a moça ter vários pesadelos que acabaram por perturbar o sono do parceiro, que ainda não se recuperara totalmente do episódio. Salvar sua família era a prioridade, pois sem Thomas, não havia sucessão ao trono, além do que, perder a mulher que amava estava fora de cogitação.
Os dois ainda olhavam um para o outro quando um choro baixinho atraiu sua atenção. Dentro de um bercinho improvisado, bem distante da janela, o pequeno Thomas balbuciou algo, balançando os braços gorduchos, agitado. Ainda sonolenta, a mãe foi buscá-lo, um chiado suave acalentando o garotinho, agora espalhando os braços ao redor do pescoço dela. Lentamente, ela depositou o filho na cama e, deitada ao seu lado, despiu o seio para amamentar o menino, um olhar de ternura para o bebê. Ela ainda tentava dormir quando algo a sobressaltou, um esgar momentâneo de dor. O companheiro, agora preocupado, a encarava.
"O que houve?"
A mulher respirou fundo antes de voltar a falar.
- Só uma constatação óbvia... - ela ofegou novamente, mais uma careta de dor. - Os dentes do Thomas não são apenas bonitinhos... São funcionais, também.
O pai sorriu, voltando a se recostar nos travesseiros. Foi preciso um esforço hercúleo para não transparecer o orgulho que sentia agora...
****
As imagens na tela do computador, bastante assustadoras, agora apenas amorteciam os olhos castanhos de Lúcia, cansados ao ver as pessoas no noticiário da BBC, apavoradas, procurando, entre os milhões de desaparecidos, alguma notícia dos entes queridos. Ver esse terror em uma tela e presenciá-lo foi o diferencial para a crise de nervos que agora atacava a jovem. Ao ver que passar e repassar as imagens só a deixava mais nervosa, a moça optou por se desconectar, se dirigindo à mesa enorme de pedra, na qual o café da manhã estava sendo servido, algumas iguarias nunca vistas antes, a maioria causando certo desconforto à Lúcia. Ela já se servia de uma fatia generosa de pão e chá de hortelã, quando uma mulher extremamente pálida, os longos cabelos ruivos toldando parte do semblante, entrou no grande salão, sentando perto da jovem. Esta a encarava, surpresa com a palidez da outra.
- Você está bem?
A outra sentou um pouco desorientada, mas conseguiu forçar um sorriso, a guisa de desculpas. Lúcia compreendeu tudo no mesmo instante.
- Bom, sinto muito. – ela também sorriu, ligeiramente envergonhada. – Posso fazer alguma coisa por você?
A outra hesitou, mas voltou um olhar sério para Lúcia.
- Pode por um pouco de juízo na cabeça dele?
A garota começou a rir.
- Acho que está falando com a pessoa errada! – ela ainda ria quando Kelly e um dos primos da anfitriã, cheio de tatuagens no rosto, se voltavam para a mesa, também começando a se servir; As duas preferiram calar-se com a chegada deles. Kelly, ao sentar-se, começou a olhar para os lados, dando pela falta de alguém.
- Onde estão sua mãe e Lizzie? – a garota estava por demais histérica na noite anterior, assustando a todos, especialmente a irmã mais velha.
- Ainda dormindo. – Lúcia respondeu, seca. O outro os encarava, a mulher ao lado da jovem já ficando desconcertada. Ao perceber o mesmo, Lúcia imediatamente tentou desviar a atenção de todos para si.
- Vamos antecipar o casamento! – Kelly engasgou com a informação; Lúcia ainda se servia de um pedaço de pão de centeio, no qual espalhava generosas quantidades de geléia. O rapaz ainda tossia um pouco quando voltou a falar.
- Se você quiser me matar, por favor, só me joga fora do domo, eu não vou me importar! – Henry, acompanhado de uma garotinha de cabelos loiros, começou a rir quando chegaram mais perto.
- Eu falei sério, Kelly! – a garota ria, abraçando a criança, que retribuiu o abraço, beijando seu rosto. – Foi preciso essa bagunça toda acontecer pra eu perceber que esperar era ridículo e não valia a pena...
Henry imediatamente pegou a deixa.
- Espera, espera! Você dizia?
A jovem desejou que um buraco se abrisse naquele instante, tamanho era seu arrependimento.
- Cala a boca, Henry!
Todos à sua volta começaram a rir de Lúcia; a anfitriã, ainda fraca, apenas sorria, no entanto não se divertia menos que os outros com a situação.
- Então você admite que eu estava certo o tempo todo? – O olhar gozador de Henry deixara Lúcia em uma saia justa desconfortável.
- Cala a boca, todo mundo! – ela respirou fundo antes de voltar a falar. – Acontece que eu quero antecipar o casamento e por uma boa razão.
Kelly também suspirou ao olhar melhor para a namorada.
- Tudo bem, - ele resolveu ceder. – podemos antecipar para outubro, se estiver bom para você.
A garota olhou em volta antes de responder.
- Hum... Não. Queria pra daqui a duas semanas.
Kelly engasgou outra vez, agora a garotinha rindo junto com Henry.
- Lembra-se do que eu disse sobre você me matar?
Agora foi Lúcia quem riu.
- Eu estou falando sério! – ela sorriu, um pouco mais calma. – Eu quero me casar o quanto antes, de preferência antes que minhas roupas fiquem perdidas na cintura e eu fique maior que uma rolha de poço, dando um motivo justificável para assassinato em primeiro grau! – ela fez os amigos rirem. O rapaz tatuado deixou cair o talher pesadamente na mesa, assustando a criança no colo de Henry. A anfitriã ficou nervosa com a reação do outro; Lúcia e os demais, no entanto, preferiram ignorá-lo.
O homem levantou a cabeça, pesaroso.
- Eu devo mesmo estar ainda sentindo os efeitos da lesão cerebral... Acertei meus cálculos... – ele olhava, agora mesmerizado, para Lúcia. – No entanto, errei de pessoa...
A outra ficou pálida ao ouvir aquilo.
- Do que você tá falando, cara? – Henry sempre o achou esquisito, só que agora tinha certeza disso.
Ele olhou para o músico, uma expressão de assombro.
- Eu fiz os meus cálculos, procurando prever há tempo havia ocorrido a gravidez... Mas, pelo jeito, errei de mãe.
Lúcia explodiu, furiosa.
- Isso, imbecil! Fala mais alto, ninguém te ouviu ainda! – a garota imediatamente sentiu algo cingir seu corpo, impedindo seus movimentos. Ela apenas olhou exasperada para o lado.
- Sério? – ela riu. – Se eu quisesse matar esse babaca, e olha que não faltou oportunidade, era só jogar o bule na cara dele. – ele a encarou, surpreso. – No mínimo, causaria outro dano cerebral. – ela piscou ao concluir a frase.
- Ou fazia ele ficar bom de vez. – Kelly começou a rir do homem sentado ao seu lado. – O cara não sabe quando calar a boca, não é?
Lúcia o silenciou com a mão erguida, soltando outro suspiro exasperado.
- Me solta, tá? Por que eu o mataria? Seu marido ainda o ama, assim como ao resto dos primos.
A mulher ao lado da jovem sorriu, tranquila, ao perceber a verdade nas palavras de Lúcia.
- Por favor, releve o que ela disse.
O outro sorriu em resposta.
- Não se preocupe, minha rainha, vou ignorar o surto psicótico momentâneo dela, levando em consideração a ação dos hormônios alterados pela gestação.
- Quê?! – a expressão de Lúcia fez todos rirem na mesa.
Os risos ainda enchiam o ambiente quando um homem surgiu, as olheiras de cansaço deixando marcas no rosto outrora atraente e jovial. Os outros ficaram calados, Henry, no entanto, não teve a mesma consideração.
- Enfim a Bela adormecida decide acordar! – o músico sorriu, zombeteiro. – Como passou a noite? – Ele provavelmente teria dito algo mais, porém um pontapé certeiro de Lúcia o fez ficar calado. Apesar de ambos não serem exatamente próximos, o recém-chegado agradecera a todas as divindades que conhecia pela sensibilidade de Lúcia.
Que durou até a próxima frase dita.
- Ele estar assim é, diga-se de passagem, culpa sua, então demonstre um pouquinho mais de respeito! – Henry fechara a cara, cruzando os braços, uma postura bastante infantil. – Quer fazer a gentileza de me soltar?! Eu já disse, se quisesse, bastava arremessar o bule.
O recém-chegado sorriu ao ouvir as palavras de Lúcia.
"Confie em mim, primo, perto de uma bandeja de alumínio, um bule causaria menos problemas.", ele sinalizou para a esposa, ainda sorrindo. "Esposa, pode soltá-la."
Mesmo contrariada, ela fez o que o esposo pediu.
A garotinha que acompanhava Henry, ao ver o recém-chegado, levantou de onde estava, dirigindo-se corajosamente até a cabeceira da grande mesa de refeições onde estava sentado e estendeu algo em sua direção. Henry engasgou ante o comportamento da menina.
- Obrigada, nobre e gentil cavalheiro, você lutou bravamente, salvando esta donzela de um destino terrível. – exceto Henry, todos riam da criança. – Aceite este pequeno mimo, como símbolo da minha gratidão, Oh, bravo cavaleiro!
Lúcia se dobrava de rir. O nobre cavaleiro em questão, apesar do constrangimento, sorria.
E, mais uma vez, Lúcia salva o dia. Só pra jogar na cara dele depois...
- Eu entendo de Cavalaria e Vassalagem o bastante para saber... – a jovem pigarreou, fazendo os outros rirem ainda mais. – Que recusar um reconhecimento de gratidão de uma donzela é, no mínimo, uma grosseria.
Os demais apenas sorriam, a garotinha agitando os braços, espontânea. No alto de seus inocentes oito anos, ela não fazia ideia de que estava quebrando o protocolo, mas, os eventos recentes fizeram com que a situação se tornasse facilmente contornável.
- Eu não posso mais fazer a peça da escola, todo mundo sumiu! – um eufemismo desnecessário, já que todos sabiam o que acontecera de fato.
- Briseida, querida, não tem problema, - o tio a tranquilizava. – vai ficar tudo bem, gatinha. Logo será a Rapunzel mais bela da escola.
A menina sorria, envaidecida. Os cabelos dourados e as belas gemas que eram os olhos verde-claro faziam-na parecer um anjinho muito fofo e doce.
- Ainda assim, - ela estendeu uma toalhinha branca, sorrindo. – quero que esse gentil senhor saiba o quanto estou grata. Por favor?
Ele sorriu, desconcertado. O tio, emburrado, a observava, enquanto Lúcia olhava o amigo de canto, sorrindo.
- Pelo visto, ela já escolheu seu campeão, - ela se controlou para não dar gargalhadas na frente dos outros. – mas não se preocupe, titio, ela ainda te ama, com defeitos e tudo. – aquilo fez todos rirem, esquecendo as consequências da batalha sangrenta e desigual que ocorrera fora daquela redoma.
****
Lúcia ainda estava sentada em frente ao pátio, aproveitando os últimos raios de sol do fim da tarde, quando uma loira ligeiramente robusta sentou ao seu lado. O sorriso brincalhão nos lábios fez a jovem bufar outra vez. Já era a quarta pessoa naquele dia e sua mãe ainda estava enfurecida por ter descoberto tudo dessa maneira (ainda mataria o Sr. Darcy por traí-la, pensava a garota).
- Está bem, está bem, é tudo verdade! – ela levantou os braços para o ar, as palmas das mãos à mostra enquanto falava. – Culpada!
A outra riu.
- Ei, eu não disse nada, tudo bem? – mas ela ainda ria da jovem.
- Nem precisava. – Lúcia bufou, irritada, fazendo a outra rir ainda mais. – e você, futura Sra. Darcy nº2, como vão as coisas? Já contou a novidade?
A outra engasgou. Lúcia esperou a mulher se recompor.
-E então?
A amiga sorriu amarelo para Lúcia.
-Não faço idéia do que está falando. – a garota acabou caindo na risada com essa. Mas um olhar de soslaio para o computador no colo de Lúcia fez ambas silenciarem, Lúcia quebrando o silêncio mais que desconfortável.
-Então, esse é o grande plano do Sr. Darcy? Esperar a poeira baixar?
A loira, ainda olhando para o horizonte, hesitou antes de responder.
- Tem alguma ideia melhor? – a jovem estava prestes a responder quando Lizzie invadiu o pátio, a respiração ofegante, os olhos cinzentos postos na companhia de Lúcia.
- Vocês não fazem ideia do que está acontecendo lá... no salão!
Lúcia, ainda sentada em uma chaise longue improvisada, voltou os olhos castanhos para a irmã.
- O que foi? Perceberam que o tatuado idiota fala demais e decidiram que ele ficaria bem melhor sem a língua? – A outra riu, apesar de gostar desse primo.
Lizzie bufou, irritada.
- Parem com isso, a coisa é séria! Tá rolando uma audiência lá dentro, mamãe está lá com eles não sei por que, mas, deve ser importante, porque estão muito alterados. – Lizzie voltou a respirar normalmente. As outras duas imediatamente se puseram de pé, a loira se apoiando em Lúcia, ligeiramente tonta por ter levantado tão rápido. Lúcia ficou assustada com a reação dela.
- Melhor a gente ir logo! – Lizzie correu na frente, esbaforida, alcançando o local da reunião antes delas.
Um imenso grupo de pessoas, à frente deles uma adolescente só um pouco mais jovem que a irmã caçula de Lúcia, discutia fervorosamente com seus anfitriões, o rei ainda sentado, o rosto endurecido pela fúria.
- Você não entendeu ainda, não é? – um deles, uma aljava e várias hastes de flechas às costas, se pôs em frente aos demais, toldando a visão da adolescente que os acompanhava. – Metade da população da terra foi assassinada, sabe lá quantas outras pelo universo, além de planetas inteiros que foram massacrados na busca pelas jóias. Não estamos pedindo nada além da sua ajuda!
A rainha, igualmente furiosa, levantou de onde estava e dirigiu-se aos visitantes.
- E o que o faz pensar que podemos ajudá-los?
- Vimos o que ele fez, controlando as partículas de matéria, evitando assim se dissolver como os outros. Conseguir transportar pessoas em meio a... – uma loira de cabelos curtos foi mais rápida, até que uma mão erguida a silenciou.
- E isso quase custou sua vida! – a outra elevou a voz, que ecoava assustadora agora. Lúcia se encolhia, nervosa. – Nove pessoas, isso foi tudo que ele conseguiu trazer para a segurança do domo antes de quase... – ela ofegou antes de voltar a falar. – Meu marido não pode ajudar se isso matá-lo!
Ela insistiu mais uma vez.
- Por favor, sejam razoáveis, não fazem ideia do que aconteceu fora dessa...
- Desculpe a interrupção, mas, fazemos ideia, sim. – Lúcia decidiu intervir antes que as coisas começarem a piorar. – Tenho acompanhado aos noticiários da BBC. Então temos, ao menos, uma vaga ideia do quadro geral. – ela suspirou ao concluir a frase. A anfitriã sorriu, agradecida. Os outros, no entanto, não aceitaram muito bem a intromissão da jovem, muito menos a mãe das garotas, que lançou um olhar atravessado para a mais velha. A jovem adolescente voltou a falar, agora em lágrimas.
- Meu irmão abriu nossos portões quando pediram ajuda e se sacrificou, e agora ele está entre os milhões que foram pulverizados! O caso é que, agora, cabe a mim, até o retorno dele, decidir o que seria melhor para todos. – os outros olhavam pesarosos para a mocinha. – E o melhor que me ocorreu... Foi recorrer a vocês. Mas só fiz isso porque a SHIELD me garantiu que ajudariam, se precisássemos.
Um dos visitantes que estava mais perto abraçou a menina, enquanto que uma estranha mulher, que mais parecia um androide, tal o modo como se vestia, encarou o casal em frente a eles, o olhar feroz.
- Ele assassinou a minha irmã! A única família que eu ainda tinha! – ela encarou o rei, uma máscara de fúria. – Acha que não sei do que ele ainda é capaz de fazer?! Só estamos desesperados! – ela silenciou, um sorriso de escárnio.
Um silêncio imperou no enorme espaço onde se encontravam, até alguém ter a infeliz ideia de quebrá-lo.
- Para o caso de você nos ajudar... Como vamos encontrar Você-sabe-quem?
ELISABETH
Eu não queria parecer insensível, mas, concordava com a Sra. Darcy até certo ponto. Não valia a pena o marido dela ajudar esse pessoal e acabar morto, também. Mas entendo o quanto estavam desesperados, desmotivados e assustados. Eu mesma ainda estava muito assustada, mas, agora, tinha alguém precisando de um consolo.
Eu entrei no quarto da rainha adolescente, vendo o rosto dela muito pálido, enquanto fechavam a porta atrás de mim. Admito, senti inveja dela agora. Era só uma garota e já carregava o peso de liderar toda uma nação. Eu ainda nem dava conta de lavar minha própria roupa e ela já tinha que tomar grandes decisões, muitas talvez péssimas e outras bastante antipáticas (procurar nosso pessoal foi uma delas), mas, ainda assim, ela parecia saber o que estava fazendo. Até eu a ver desabando no sofá.
- Eu não sou o meu irmão! – duas mulheres se colocaram do lado dela, me impedindo de chegar mais perto. Quando ela fez sinal para que se afastassem, eu sorri, me aproximando devagar, me curvando em respeito. Ela sorriu.
- Não fazemos isso na minha casa. – ela ainda sorria, lacrimosa.
- Mas nós, britânicos, sim. – eu sorri, enquanto voltava a me levantar, sentando na outra ponta do sofá. – Tem algo que eu possa fazer?
- Bom, - ela voltou a chorar. – pode trazer meu irmão de volta?
Eu quis chorar junto com ela. Entendo bem a perda, eu ainda sentia falta do meu pai, mas Lúcia e eu aprendemos a ser bastante independentes com a mamãe. Aquela menina completamente órfã, inclusive de irmão, agora precisava mostrar que era capaz de governar.
- Não, não posso. – Respondi, piscando um olho pra ela. – Mas prometo te ajudar no que puder. Aprendi muito com a minha mãe e irmã juntas. Isso deve servir pra alguma coisa.
Gostei daquela risada. Significava que estava ajudando... um pouquinho, mas já era alguma coisa.
KELLY
Acho que alguém andou lendo Harry Potter demais. Você-sabe-quem? Sério?
Voldemort, de longe, parecia menos assustador do que aquele maníaco com as jóias do infinito, como chamavam. Bom, com um diferencial, claro... Voldemort era um vilão fictício. Esse doido pervertido era real e assassinou pessoas de verdade. E dizimou outras mais, bilhões delas, talvez muito mais. Mas o Sr. Darcy não precisava ajudá-los. Não nas condições em que estava. E pelo visto, a namorada dele também percebeu isso. E a esposa, pelo visto... Ué, cadê ela?
Ainda estávamos no grande salão com o rei, ele ainda encostado à parede, pensando, eu e Lúcia com ele. A futura esposa, com um choroso Thomas no colo, tentava de tudo pra não deixá-lo sair da segurança do domo. E por que ele era seguro?
Ela o havia projetado. Não dava pra subestimar algo assim...
- Olha, digamos que ele aceite ajudar. – resolvi me meter. Lúcia contribuiu e quase fez esse pessoal ir embora (em geral, basta um berro dela pra fazerem o que ela manda, mas, esse mané, eu hein...) – O que ele ganha com isso, além do risco de, dessa vez, ser pulverizado sem volta? Desculpa aí.
O Sr. Darcy só me encarou, um olhar atravessado. É, a Lúcia pode ter mais sorte agora...
- Desculpe, mas... quem são vocês? Por que a loira aí eu conheço. Tive a infelicidade de fazer uma parceria com o dono da sua companhia... Aliás, o idiota ainda quer construir um hotel no lado oculto da lua?
Ela sorriu à menção desse detalhe.
- Não faço a menor ideia. Não trabalho mais lá há mais de um ano. Sou professora assistente da Caltech, agora.
O outro cara ergueu a sobrancelha, abismado.
- O quê? Sério? Deixa eu ver... O que foi que fez pra ir parar lá?
- Um doutorado completo? – Eu tinha que me meter de novo, o cara já estava deixando a pobrezinha desconfortável.
Ele ficou quietinho agora.
- Ok, justo. Como eu disse, ela, eu conheço... Mas vocês dois, ao contrário...
- Ah, mas eu te conheço! – Lúcia finalmente voltou a falar, precisava pegar fôlego. Ela berrou um bocado com o arqueiro, que agora fazia de tudo pra não cruzar seu caminho. – Eu só tinha quinze anos, mas, nunca esqueci o que disse. Lia muitos jornais com o meu pai.
Ele lançou um olhar de deboche para Lúcia. Tadinho, ia se arrepender disso...
- Sério? E o que foi que eu disse lá no jornal do papai? – a esposa do cara ficava vermelha de raiva à medida que ele falava, agora.
- Você disse, abre aspas, - ela sinalizou o que disse com as mãos, igualmente debochada. – "Quando as armas não forem mais necessárias, eu vou construir maternidades". Você deixou alguns membros da câmara dos lordes bastante irritados.
Todos os olhares, inclusive o da esposa, se voltaram para ele, que olhou para baixo, indignado.
- Desgraçada, ela disse que nunca iria publicar aquilo!
A esposa do cara estava furiosa.
- Ela era jornalista, o que esperava?
O pobre rei agora olhava agradecido para Lúcia. Touché, ela conseguiu salvar o dia mais uma vez!
O arqueiro (tentando de tudo pra ficar o mais longe possível de Lúcia) tentou outra vez convencer nosso anfitrião.
- Tudo bem, entendo, você também uma família pra manter a salvo e conseguiu fazer isso. – ele olhou para o garotinho, que fazia beicinho agora para o pai. – Só tente lembrar das bilhões de famílias que não podem mais se dar a esse luxo. Quantos filhos nesse exato momento estão sem seus pais?
Agora foi a tia Hannah quem falou, e nunca seremos gratos o suficiente por isso.
- Olhem, estão desesperados e precisando muito de ajuda, eu entendo, mas, esse rapaz também precisa se recuperar. Porque não dão a ele o beneficio de alguns dias de descanso? Garanto que ele estará mais do que disposto a ajudar se estiver forte o bastante.
O arqueiro apenas olhou a distinta senhora, um olhar entre pesaroso e gentil.
- O universo talvez não tenha alguns dias.
O Sr. Darcy levantou de onde estava. Droga, por que a Lúcia não berrou mais um pouco?
"Dê dois dias!" Ele disse, por fim. "Dois dias e prometo ajudá-los!"
A namorada imediatamente se pôs entre o Sr. Darcy e o arqueiro.
- Nem pensar! – ela levantou a voz, segurando o namorado pelos braços, o bebê literalmente arremessado para o colo de Lúcia, ambos furiosos com esse arremesso sem aviso. – Não vou deixar. – Ela começou a chorar ao ver-se empurrada com gentileza.
"Querida, não se trata apenas de nós," Ele agora a cingiu com os braços, terno, ao vê-la voltar a soluçar, "Acha que ele vai se contentar com os bilhões que assassinou? Quem não garante que não virá atrás do nosso Thomas?"
- Quem garante que ele não vai matar você?
O arqueiro, acredite se quiser, entendia. Ele pôs a mão no ombro da mãe de Thomas, usando um tom de voz tranquilizador.
- Não se preocupe, vamos protegê-lo. – ele sorriu para ela.
- Além do mais, - a loira que o acompanhava sorriu – ele possui a arma mais poderosa já vista em todo o universo, - ela apontava para o próprio osso hioide. – e, com certeza, vai ser perfeitamente capaz de derrubá-lo.
Talvez essa mulher não soubesse, mas não estava errada. Um vídeo no youtube que viralizou em 2016 (nossa, parece que foi há séculos) mostrou essa mesma garganta de tenor detonando uma viatura policial, e olha que nem foi de propósito. Eu lembro bem do vídeo porque todo mundo na fraternidade baixava e compartilhava, rindo horrores, achando que era fake. Eu também fiquei achando isso por muito tempo... Até conhecer o dito cujo...
Nossa amiga ainda chorava quando a puxei para mais perto. Lúcia e a mãe se revezavam para acalmar Thomas, também. Aquele seria um dia bem ruim...
"Podem nos dar licença?", o Sr. Darcy pediu, olhando para mim e Lúcia, diretamente. Eu não pesquei aquilo de saída, mas ela, mais que depressa, começou a expulsar todo mundo. Nossa amiga ficou agradecida. Antes de nos afastarmos, vimos eles se abraçarem, ela chorava bastante ainda. Mas nunca saberemos as palavras que trocaram. Só posso imaginar que eles tenham, bom...
Melhor deixar no campo das ideias, mesmo. Ai, credo!
LÚCIA
Eu ainda estava digerindo tudo que havia sido dito – e não dito! – depois daquela audiência. E as coisas ainda podiam piorar muito. Só não saberia dizer o quanto, já que não tenho bola de cristal, nem nada.
Eu ainda estava terminando de bordar a manga de um uniforme preto no meu colo, quando a ajuda providencial que eu tomei a liberdade de chamar batia na janela. Quase rasguei a roupa que eu costurava, mas não consegui conter o gritinho de alegria quando vi, não uma, mas duas mulheres que não paravam de sorrir para mim (quer dizer, uma delas sorria, a outra deu um arremedo de sorriso, mas, posso lidar bem com isso...).
- Garotas! Ai, que bom ver vocês! – eu quase chorei agora. A mais nova sorriu pra mim.
- O nosso melhor amigo, por assim dizer, vai sair em uma missão não tão diplomática para recuperar e, se possível, destruir as joias do infinito e a gente ficaria de fora dessa?
- A Cavalaria tá certa. – ela torceu a boca quando a mais nova a chamou assim. – Vamos ajudar no que for preciso.
- Obrigada, não fazem ideia do que isso significa pra mim! – eu ainda as abraçava quando outro dos primos apareceu na minha porta. A mais moça das agentes da SHIELD sorriu ao vê-lo.
- Oi, cara de peixe, tudo bem? – é impressão minha, ou o dito cujo ficou parecendo um atum de tão vermelho? Até o Sr. Darcy atrás dele reparou isso e quase – quase! – deixou escapulir uma risada. Foi por pouco, hein...
- Senhorita...
- Sim, sim, sim, culpada de novo, eu que as chamei, você vai se dar mal se viajar sem elas! – eu falei, desviando todos desse constrangimento (deixemos o infeliz passando vergonha sozinho!). – a Sra. Darcy nº 2 me fez prometer que faria isso, caso não mudasse de ideia.
Ele me olhou com uma cara...
- Ei, não fique assim, não achou que íamos ficar de fora, achou? – a Cavalaria o encarou, séria. E ele a obedecia tranquilamente. Vou pedir umas aulinhas de negociação com essa mulher...
Eu ainda os observava quando ele viu o uniforme dele na minha mão. Antes que fechasse a cara de novo, mostrei o bordado que fiz.
- Isso aqui é o brasão da minha família. – eu vi um sorriso se formando no rosto dele quando estendi o traje, mostrando o bordado que fiz no pulso esquerdo. – Nada de mais, só queria levasse algo pra te dar sorte.
Ainda sorrindo, ele começou a se despir das roupas que usava, trocando-as pelo traje que eu tinha acabado de bordar. Ele já estava se vestindo na nossa frente? Não podia ir para outro canto? Eu já tenho noivo, não preciso desse tipo de exibicionismo. A Cavalaria e a outra, ao contrário, ficaram mais que tranquilas com aquilo. É, era só eu, então... – Bom... Então, veja se volta pra casa inteiro, entendeu? Ou dou o meu jeito e vou pra Titã, ou, seja lá onde for e faço picadinho de você, viu? – eu já estava quase chorando (eu não acredito que ele estava sorrindo daquilo, eu estava abrindo meu coração, poxa!). – Ou melhor, vou dar com a caçarola no seu nariz!
Aquilo ele entendeu direitinho!
- E vocês duas cuidem bem dele, tudo bem? – elas sorriam, encarando ele. O coitado ficou vermelho.
- Pode deixar, ele vai voltar inteiro, vamos cuidar de Sua Majestade.
- Nós também prometemos! – um homem literalmente enorme entrou pela minha sacada, observando o que falávamos. Ele sorria enquanto eu o observava de alto a baixo, parando no machado que ele segurava, uma cruza peculiar de ferro fundido e um meio galho de árvore, aparentemente bastante resistente. A sra. Darcy (a nº 2), procurando por alguém, parou os olhos, primeiro em mim, depois nele, fazendo – acredite se quiser! – o mesmo trajeto que eu fiz. O pobre coitado não sabia pra onde olhar depois dessa. Só que o constrangimento dele ficou esquecido na prateleira assim que ela pôs os olhos na Cavalaria e na amiga dela. Os gritinhos de alegria que vieram só perdiam para os meus...
- Promessa é dívida, vocês nos ajudaram, agora é nossa vez. – a Cavalaria abraçou a pobrezinha, que ainda estava com a cara inchada de chorar, mas, já bem mais animada. O outro homem que entrou agora também ficou animado ao vê-las (ao que parece já se conheciam também). Eu pensei que fosse ficar nisso, mas a doce mamãe do Thomas também reparou no curioso machado sustentável. Seus olhos se dividiam entre a arma e seu dono.
- Esse com certeza não é Mjölnir, certo? – o homem sorriu ao ouvi-la falar.
Os olhos da mulher se arregalaram.
- Você... Você é Odin? – Alguém podia ficar sem pagar esse king kong, né? Ele sorriu outra vez, quase rindo agora.
- Apesar de me sentir honrado em ser confundido com o Pai de todos, infelizmente, não sou ele. – ele baixou os olhos, uma sombra anuviando seus olhos. – sou o senhor de meu reino agora... - ele hesitou antes de falar. – do que sobrou, pelo menos.
Bom, pelo menos, o time está bem variado, pensei. O Sr. Darcy tem bem mais chances de voltar pra casa agora. Mas preferi manter esse pensamento para mim mesma por enquanto. A situação já estava bem preocupante pra ainda adicionar mais coisas à lista. Algo que sua majestade percebeu, agradecido, também.
****
Já estavam todos se preparando para viajar quando o Sr. Darcy resolveu me puxar para longe de todo mundo, fazendo sinal para que eu prestasse atenção no que dizia. Eu pareço tapada ou quê?
"Por favor, Lúcia, é sério!"
- Tudo bem, tudo bem. – eu me dei por vencida. Quantas vezes eu veria essa expressão nele?
Ele suspirou profundamente antes de começar.
"Sei que nunca te agradeci o bastante por sua ajuda..."
- Ah, não acredito! – eu rebati, já com raiva. – Nada desse negócio de "ah, se eu não voltar"...
"Lúcia!"
Eu parei agora. Ele estava nervoso? O coitado olhava para todos os lados – todos mesmo! – na esperança de quem ninguém nos ouvisse. Eu fechei a porta que dava acesso ao pátio. Todo mundo lá fora ficou estupefato.
- Pronto, dessa sala não sai mais nada.
Ele sorriu, novamente agradecido.
"Queria pedir desculpas por bater em você com aquele livro."
Sério? Ele pedindo desculpas? Não, por favor, alguém me belisca, eu estou sonhando, só pode...
- Só isso? – não podia acreditar, mas, ainda não era o bastante.
"Não," ele suspirou, mais calmo, "Preciso da sua ajuda com uma coisa."
Tava tão bom, por que ele estragou...
- Que seria? – sou muito idiota mesmo.
"Você teria como guardar algo até eu saber o que fazer?"
- Depende, cadê esse troço tão importante? – Droga, vou me arrepender com certeza. Ele voltou a olhar para os lados, mas agora estava mais seguro de si quando voltou a "falar".
"Ainda não está comigo", ele baixou os olhos, algo deixando-o preocupado. "Mas não posso me dar o luxo de confiar em ninguém além de você e Kelly."
Eu fiquei inchada de orgulho, toda boba. Claro que eu ia me arrepender a longo prazo, deixa eu aproveitar em quanto dá, né?
- Pode deixar, eu vou guardar. – eu sorri, consciente de que tinha gente esperando ele lá fora. – Ou melhor, nós vamos.
Ele sorriu mais confiante depois disso. Antes de ir embora de vez, ele também deixou instruções sobre o Thomas e a mamãe dele, me fazendo prometer que Kelly e eu cuidaríamos deles se algo desse errado. Eu prometi que cuidaria do Thomas e ajudaria a mãe com o processo de luto (bom, nessa parte do trato eu cruzei os dedos nas costas, admito. Ah, Qual é? Se ele se ferrasse, o máximo que podia acontecer era o caminho ficar livre para o Henry de vez).
Depois dessa audiência privada, nos despedimos, meu queixo despencando ao ver a Sra. Darcy – a ainda oficial e única – postada ao lado da loira e do arqueiro que falaram no salão no outro dia. Ao que parecia, ela partiria com eles, também, assim como os primos, deixando nossa casa provisória desfalcada. Mas garantiram que estaríamos seguros. Não duvido da arma poderosa dela (ela já fez uso dela, inclusive anteontem, me impedindo de arremessar o bule de chá na cabeça do primo). Eu fico receosa da condição atual dela. Isso não era bem um passeio no parque...
- Algo a preocupa?
Alguém aqui desconhecia o conceito de retórica...
- Tem certeza que é uma boa ideia você também ir? – e eu, pelo jeito, também esqueci, já que verbalizei minha preocupação.
- Não achou mesmo que eu ficaria para trás, achou? - Retórica de novo, querida!
- Não... Claro que não. – eu respondi, ah, droga, às favas com a retórica! – Só toma cuidado. Não é um passeio, sabe.
- Sei me cuidar.
Eu sabia disso, só que ainda estava em dúvida.
- Ele já sabe, Rapunzel? – ela torceu a boca quando perguntei.
- Ela já contou também? – eu já sabia de quem se tratava, nem me dei ao trabalho de perguntar o óbvio.
- Não, e vocês duas estão sendo muito idiotas, na minha opinião. – eu ainda pretendia dizer mais algumas coisas entaladas, mas os primos chamaram, então vai ficar para a volta. Se é que haveria alguma volta...
E eu ainda tinha tanta coisa pra dizer ao nosso querido babaca... Já que ele não teve a decência de verdadeiramente me pedir desculpas.
****
Três coisas foram decisivas para a ocorrência desse assombroso encontro de almas vindas em minha direção.
A primeira: a vontade de um déspota mimado e egoísta, que se achava mais preparado para governar do que o governante anterior;
A segunda: um irmão fraco e demasiado complacente, e com pouquíssimo pulso firme quando se fez necessário, se me permite o acréscimo;
A última e não menos importante (talvez a pior de todas): um tirano louco tomando decisões que cabem somente a mim!
Tudo isso somado não me fez ficar mais otimista, além do que, acabei de perceber uma quarta coisa: um cupido idiota interferindo e se metendo onde não era chamado...
Chorus - banda
Alejandro/Sofia
Just a kiss on your lips in the moonlight
Just a touch of the fire burning so bright
No, i don't wanna mess this thing up
I don't want push too far
Just a shot in the dark that you just might
Be the one i've been waiting for my whole life
So baby i'm alright
With just a kiss goodnight
Uma semana depois...
Eu ainda dormia (pelo menos tive essa impressão), quando ouvi uma batida suave no vidro da minha janela. Kelly, sobressaltado, pegou um taco de beisebol que estava próximo da cama e já se posicionava perto da porta, pronto para acertar o que quer que entrasse (Sério, Kelly? Um taco de beisebol?). Eu gritei ao ver o vulto enorme que atravessou a porta saindo ileso dos golpes de Kelly. Pronto, agora oficialmente estamos mortos. Kelly também se deu conta disso, já que começou a gritar feito uma menina!
Agora é certeza, eu vou morrer.
- Para de gritar, seu imbecil! – que?! A Cavalaria já estava de volta?
Então o grandalhão que quebrou o taco feito aqueles palitinhos de comer sushi...
- Você tá vivo! – eu dei um gritinho de alegria, atirando meus braços ao redor do pescoço do Sr. Darcy, quase derrubando-o no chão. Ele estava fraco e bastante detonado (eu não estava brincando, ele estava tão cansado e ferrado que se apoiou em mim pra poder sentar na ponta da cama). O uniforme tava bem destruído, exceto no punho esquerdo. Eu senti um sorriso se formando em meu rosto e o abracei outra vez. A outra moça também sorriu pra nós segurando algo volumoso nas mãos. Eu congelei ao ver o volume que ela segurava. O Sr. Darcy assentiu com a cabeça, confirmando o que eu só havia presumido. Aquela luva enorme e estranha decidiu as vidas de bilhões de pessoas. Não sei se teria estômago pra continuar olhando. Eu já me afastava da Cavalaria e da amiga quando o Sr. Darcy segurou outra vez minha mão, um brilho muito familiar nos olhos dele.
Eu já previa uma onda de arrependimento vindo...
"Lembra do favor que eu pedi?"
Droga!
- Podem sair, por favor? – até Kelly ficou surpreso, mas, não discutiu. Quando todos saíram, eu sentei ao lado dele, ainda nervosa ao ver aquela luva de metal. Eu senti um embrulho no estômago só de olhar para aquilo, mas tínhamos que acabar logo com isso.
- Você pediu para eu confiar em você, certo? – Eu suspirei enquanto ele deitava na cama, a respiração ofegante voltando aos poucos à regularidade. – Agora preciso que confie em mim, também.
Ele sorriu, voltando a sentar, me encarando, um olhar mais confiante. Eu não tinha nada genial para dizer agora, mas, tinha um plano se formando na minha cabeça e, contando que ele entenda e me ajude, tem tudo pra dar certo. Eu ainda estava pensando, os cotovelos apoiados nos joelhos, quando o Sr. Darcy sinalizou, querendo saber qual era o plano. Eu me senti tão Alvo Dumbledore agora...
- Bom... – Eu sorria ao me voltar meu ouvinte atento. – Pra isso dar certo, vou ter que revisitar as relíquias da morte e usar o mesmo expediente de Régulo Arturo Black. – ele piscava, confuso. Tive que ter o dobro da paciência (não podemos esquecer, o cara ainda estava ferrado). – Você nunca leu esse livro? O que você faz com os presentes dela?
Agora ele entendeu onde eu queria chegar.
"O que o último volume de Harry Potter tem a ver com isso?"
Eu voltei a sorrir.
- Vamos dizer que a mais importante das horcruxes de Voldemort estava ali, bem à vista de todos, o que me leva a uma pergunta coerente: qual o melhor lugar para esconder uma coisa do que bem à vista?
Ele sorriu, já entendendo minha linha de raciocínio.
"Muito bem, Almofadinhas," um olhar foi lançado para a porta. "o que você tem em mente?"
Depois de tudo explicadinho, ele se levantou junto comigo e íamos para o jardim quando um Kelly bastante aborrecido vinha da mesma direção.
- Não se atrevam a me deixar de fora!
Trocamos um olhar bem divertido. É legal dar uma de Dumbledore...
- Não vamos. - segurei a mão dele enquanto saímos. – Vamos lá, Pontas, nós temos até o amanhecer para resolver isso. – O Sr. Darcy me olhou, confuso. Mas aquela confusão ia ficar na prateleira. Temos um abacaxi maior pra descascar.
****
Em relação ao quadro geral:
Naquele momento, o Sr. Darcy havia percebido que casara com as mulheres erradas. Aquela diante dele, o coração a bater extremamente jovem, possuía uma mente astuta, fria e calculada, equivalente apenas à dele próprio. Essa bela cruza de um feroz defensor das próprias causas no parlamento britânico e uma mulher astuta e de mente engenhosa, no entanto, vinha acompanhada de um temperamento explosivo e um coração gentil. E ainda bem. Consegue imaginar o estrago ao feito ao universo, se tal criatura singular viesse ao mundo acompanhada de um coração perverso?
Sobre esse episódio:
Um dia, depois de muito bem vividos cem anos, o Sr. Darcy iria entender o que Pontas significava. Só que, quando esse dia finalmente chegasse, ele não poderia fazer mais nada a respeito... Afinal, ele já estaria em seu próprio leito de morte e Lúcia não estaria mais lá para sofrer as consequências...
THOMAS
Depois de muita confusão por causa das jóias do infinito (ainda foi preciso trazer todos que sumiram de volta), as coisas, aos poucos, voltavam ao normal. Ou pelo menos tão normal quanto seria possível em um momento como esse.
Com a situação toda (ou quase toda) resolvida, tudo que restou para enfrentar foram as crises de nervos da tia Lúcia. Com o casamento às vésperas de se realizar, ela andava muito irritada e, às vezes (ou melhor, quase sempre!) ficava mais estressada que o normal dela. Bom, ela já era estressada de nascimento, pensa ela às vésperas do casamento?
Agora tinha uma coisa me incomodando (e ninguém se dignava a me deixar pescar, nem pra matar a curiosidade normal de um bebê...). As gemas foram todas espalhadas, menos uma. Onde ela foi parar afinal? E, partindo do pressuposto que é a mais perigosa delas, só perdendo para a garganta do papai, fico preocupado só de pensar em onde ela poderia estar agora... Mas, infelizmente, eu ia descobrir, no grande dia, o que havia sido feito dela... E, aparentemente, aquela foi a pior ideia que já tiveram em relação a ela.
Mas vamos do começo, não é? Mais fácil e com certeza bem menos estressante. E já basta a tia Lúcia estressada por nada, eu entrar na onda seria o cúmulo do absurdo. Ok, vamos parar de papo furado e começar a contar tudo logo...
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Eu pensei que meu dom era o suficiente para acalmar uma noiva altamente estressada e irritadiça. Só que acabei de descobrir que, infelizmente, eu não conseguia manter essa pobre moça calma...
A bem da verdade? Eu exagerei na dose!
A pobrezinha parecia quase sempre dopada. Para a mãe dela, um grande alívio. Para a irmã, bom...
- Precisa deixar minha irmã desse jeito. – ela ria, o que é muito estranho para mim. – É a despedida de solteira dela, ela precisa estar, sabe, consciente... Se é que você me entende.
Como o casamento seria daqui a dois dias, estavam todos separando os presentes para que Lúcia pudesse apreciá-los (chamam isso de chá de panela, ainda não entendo bem o porquê). Já arrumávamos tudo na sala do casarão onde Lúcia e Kelly se casariam quando algo deu errado. Muito errado.
Era para ser só uma manhã normal, uma noiva feliz e consciente (Elisabeth insistiu muito nisso), rodeada de outras mulheres entre casadas, solteiras e enroladas (queria saber em qual grupo eu me encaixo, já que ninguém nunca se interessou por mim antes...), os presentes sendo abertos, Lúcia tentando adivinhar qual era e uma prenda a ser paga toda vez que errasse (isso era humilhante, porque ela se sujeitava àquilo?). O dia tinha tudo para ser perfeito, até que uma confusão enorme começou e fomos interrompidas, a mais próxima de nós levantando rápido para ver o que havia de errado.
Antes de mais nada, deixem-me esclarecer uma coisa: isso foi beeeeeem antes de eu estar aqui acalmando Lúcia (o chá de panela foi antes da dita despedida, então...).
Um grupo enorme de pessoas, entre amigos e completos estranhos, estava reunido na cozinha enorme, o acesso para o jardim bloqueado por duas figuras imensas, uma totalmente acorrentada e outra, igualmente grande e muito raivosa, que impedia o outro de fugir por esse acesso. Fico bastante feliz de não ter precisado estar lá para ajudar (um dos grandões já me deu bastante trabalho e, graças ao Senhor das estrelas, fracassei totalmente), mas, a situação até que foi resolvida bem rápido, para o bem de todos. Inclusive eu.
Todos ainda estavam na defensiva na cozinha enorme, o homem, agora sem a luva estranha que usava, estava acorrentado e tentando por tudo se defender de vários golpes no rosto. Tudo não podia estar mais tenebroso, até mesmo a mulher que geralmente ficava a margem, com o bebê no colo, dessa vez, arremessou algo no grandalhão acorrentado. Eles estavam tentando obrigá-lo a fazer algo muito importante, ou com certeza ele já estaria mortinho da silva. Enquanto todos – ou quase todos - ainda tentavam argumentar com ele (na base do soco, vale lembrar), uma ruiva de cabelos curtos até a altura do queixo apenas sentou na poltrona mais próxima, apreciando a confusão de camarote. Um dos amigos dela, espantado, aproximou-se de onde ela estava.
- Naty? – ele olhava abismado para ela. – Você não...?
De onde estava, apenas sorriu, tranquila.
- Hum... Não. Vocês tem tudo sob controle. Vou aproveitar a trivialidade, enquanto ainda posso.
O arqueiro já não teve a mesma paciência.
- Naty! – ele berrava, optando por desistir dela, voltando-se para o grandalhão que seguia acorrentado, um olhar debochado. – Você usou as gemas antes, pode usar de novo.
Ele apenas ria.
Lúcia, exasperada com a situação, simplesmente bateu no rosto do homem com uma caçarola novinha que havia tirado de uma das caixas de presentes que havia aberto hoje. O Sr. Darcy olhava para Lúcia, ligeiramente magoado com a atitude, ainda que sem estar surpreso. Os demais, no entanto, estavam temerosos. A vítima, no entanto, parecia resignada com a postura da jovem.
- O que foi que eu disse pra vocês? – ela berrou, furiosa. – Nada de confusão no meu casamento!
Engraçado, a atitude dela agora me lembrou daquela ratinha do desenho favorito do Thomas, Zootopia. Pelo menos, o nervosismo de noiva era igual. Ela voltou a apontar o dedo em riste pra ele.
- Eu não dou a mínima para você ou sua mania de controle populacional, desfaça agora isso ou vai apanhar outra vez e não vou ser boazinha!
Apesar do que possa parecer, ele realmente se assustou com a possibilidade de apanhar dela de novo. O único a assistir tudo mesmerizado, Kelly apenas olhava para a manopla nas mãos do Sr. Darcy. Ele sorriu para todos, Lúcia ficando assustada.
- Essa coisa pode trazer todos os que se foram de volta? Inclusive meus pais?
Até a mulher no sofá voltou o olhar para ele, entristecida. Foi o arqueiro quem respondeu essa.
- Sim, Kelly, até seus pais.
Ele sorriu.
- Eu não quero. – Lúcia e o Sr. Darcy se voltaram para o rapaz, a moça segurando a mão dele, quase chorando. – Sério, eu não quero. Deixe que outras pessoas voltem no lugar deles. Já tenho a família que sempre quis... – Ele voltou os olhos para Lúcia, o Sr. Darcy e Henry, pálido na escada. – Não poderia ser mais grato. Deixe que outras pessoas tenham essa felicidade, também.
Moral da história: uma mente enlouquecida pode até tentar mudar o mundo. Um coração abnegado, no entanto, faz muito mais e melhor, porque, nele, há amor.
****
Como dá pra ver, é mais ou menos isso que aconteceu. Pelo menos teve uma coisa boa pra quebrar o clima pra lá de ruim. Foi divertido até. Ganhei uma babá extra e banquei o cupido. Melhor eu contar como a noite terminou...
Bom, começou do jeito de sempre, já que tudo (ou quase tudo) estava resolvido, meus pais tentando conversar a meu respeito (parece que alguém andou fazendo a cama enquanto estava fora e agora era hora de contar as novidades). Mamãe estava aparentemente calma por fora, mas uma chaleira apitando por dentro (confie em mim, passei oito meses e duas semanas sendo hóspede dela, sei exatamente quando ela está calma e, principalmente, quando a paciência dela está prestes a se mandar). Papai também percebeu isso e tentou contornar a situação, explicando o inexplicável – eu entenderia isso depois. Um dos nossos hóspedes também percebeu que o clima estava tenso, tanto que teve uma idéia que a principio teria sido boa, se eu não soubesse como terminaria depois (eu parei de subestimar as brigas dos meus pais fazia tempo. Eles sempre se entendiam e voltavam às boas, principalmente agora que a mamãe sabia qual era o ponto fraco do papai).
O cara voltou a sorrir pra eles enquanto falava. Eles olhavam o sujeito com desconfiança, eu, bom, fiquei de boa. Esqueceram que eu pesco as coisas? Ele é um bom sujeito. Burro (muito burro!), mas um bom sujeito.
- Olha só, vocês precisam ter uma boa conversa, querem privacidade (quem diria, o cara não era tão burro, pelo visto). Por que não deixam o bebê comigo, eu tomo conta dele enquanto conversam.
Bom, qualquer outra pessoa – confiável – propondo, vá lá. Com esse aí, era problema na certa. Mas pelo visto meus pais preferiram arriscar (o assunto devia ser muito sério, e ninguém quis me explicar nada depois). Minha mãe ainda o encarou um pouco, mas acabou cedendo. Cadê a tia Lizzie nessas horas?
Quando todos se afastaram, o sujeito me levou para a cozinha (minha mãe disse para ele esquentar minha mamadeira, ou ele ia ter problemas...), e providenciou tudo, mas antes, colocou uma música bem legal e começou a dançar enquanto fazia as coisas na cozinha, a colher de pau virando um microfone improvisado. Eu não pude resistir, bati palmas, animado. O cara era muito engraçado.
Enquanto dançava pela cozinha, preparando a minha mamadeira noturna, me fazendo rir até a barriga ficar doendo, uma mulher ficou parada observando tudo isso. Ela não parava de sorrir feito boba pra ele. Ao perceber a mesma coisa, o cara estacou, congelando. Ela começou a rir.
- Eu não sabia que estava aí...
- Faz ideia do quão ridículo você soou agora?
Ele baixou os olhos, as orelhas ficando vermelhas. Ela sorriu outra vez, os olhos brilhando de empolgação (era isso mesmo? Às vezes, costumo errar). Ele piscou, confuso.
- Lembra da primeira vez que dançamos? Você primeiro pôs o fone nos meus ouvidos, depois dançamos. – Isso arrancou um sorriso dele também.
- Como poderia esquecer nossa primeira dança?
Os dois se encararam, o olhar dela muito intenso. Normalmente, meus pais faziam isso (já devem estar fazendo isso agora), mas, nunca imaginei que seria testemunha de outro casório. Ela ainda sorria olhando primeiro para mim, voltando os olhos para ele em seguida. Ele sorriu, um abraço apertado nela.
- Você vai ser um ótimo pai. – eles me encaravam. – Um pai muito bobo... Mas um ótimo pai.
E, depois dessa, os dois cuidaram de mim até minha mãe vir me buscar, ela estava com os olhinhos brilhando. Acho que ela ganhou essa, pelo menos, por enquanto. Acho que vou aproveitar o resto da noite, minha nova babá fazendo cover musical de graça.
LÚCIA
Vamos recapitular?
Primeiro: meu casamento estava indo ladeira abaixo, mas, ia sair. Confere.
Segundo: o incrivelmente babaca do Sr. Darcy me deixou encarregada – literalmente falando! – de esconder uma das jóias do infinito, partindo do pressuposto que nosso ilustre e acorrentado convidado tentará levar embora de novo. É, confere!
Terceiro e último (mas não menos importante): tem um batalhão de gente aqui, muito mais do que eu havia previsto, não apenas para a cerimônia em si, a minha mãe e Lizzie fizeram questão de organizar uma recepção para quinhentos convidados (como se fosse aparecer tudo isso de gente, nossa). Mas tem muito mais que quatro mil pessoas, duas mil são uma delegação inteira, além do próprio rei e a melhor amiga da Lizzie (sim, ela e a rainha por uma semana ficaram muito amigas. Foi quase um pesadelo. Uma vozinha esganiçada vá lá, mas, duas meninas falando fininho simultaneamente? A labradora de uma convidada ficava latindo toda vez que elas gritavam empolgadas). Confesso que fiquei bastante surpresa com toda esse comparecimento em peso, muito mesmo. Lizzie e as amigas que ela convidou ficaram a recepção toda babando pelos dois militares de uniforme que estavam perto da minha mãe. Até o fujão que devia uma contradança para Lizzie foi esquecido. Ela e as amigas ficaram bastante empolgadas quando os rapazes tiraram elas para dançar, não antes de Kelly e eu abrirmos a cerimônia, é claro. Tive quase vontade de chorar nessa hora. Meu pai não estava mais vivo, mas meu irmão Gregory que prestava serviço military no Oriente Médio fez questão de pedir uma licença para vir ao meu casamento e agora dançava comigo diante de quatro mil e seiscentas pessoas. Eu pensando que ele nunca viria, mas aqui está ele, que chorou feito manteiga derretida a cerimônia religiosa todinha, mas, ainda assim não fazia feio. Estava tão lindo de uniforme de gala! Morram de inveja, suas feias! Meu irmão é lindo!
- Dá pra parar com isso, Lucinda Marie Alice! – ele ralhou, eu só fazia rir. – Vocês já sabem qual o meu tipo de... ham, companhia.
Eu encarei Greggie, séria.
- Por favor, quem se importa com isso? – eu sorri, encorajando-o. Quantas vezes uma moça pode exibir o irmão mais velho pra todo mundo. – Além mais, não sei se você notou, mas, tem, pelo menos, três ou quatro dessas companhias te olhando.
- Onde? - Sério, ele conferiu isso?
Eu estava bastante ocupada rindo pra reparar no nosso ilustre convidado, já sendo servido por Lizzie (uma cortesia desnecessária, o cara estava mais acorrentado que cofre de banco, não tinha nem como pegar nos talheres). Ele simplesmente torceu a boca, irritado para o prato diante dele. Ele balançava as correntes, entediado. Até aí resolvi deixar a situação na prateleira. Só nos casamos uma vez, então sem estresse. Amanhã nos preocupamos com isso.
Após a primeira dança eu praticamente esqueci do nosso convidado acorrentado. Todos dançamos bastante (Alguém finalmente se lembrou que devia uma dança para minha irmã, ela sorria de orelha a orelha). A noite já ia bem adiantada quando finalmente resolvi chamar todas as moças presentes, afinal ainda tinha um buquê para arremessar. Um grande ajuntamento se formou em frente ao coreto onde o padre estava oficializando a celebração, duas em particular em polvorosa, doidas para serem as próximas noivas a fazerem o mesmo. Até Lizzie estava no meio junto com as amigas. Eu o arremessei, sem pensar muito. Torcia para que a única pessoa nessa festa a realmente precisar dele o pegasse. Foi com muita surpresa que vi a mãe do Thomas segurando o buquê, toda desalinhada e os cabelos desarrumados, um caos ambulante, mas erguendo seu espólio de guerra na mão esquerda. Não pude deixar de rir disso. Ela brigou com pelo menos cinco mulheres (uma briga desleal, já que a colega da Cavalaria e a irmã mais nova da Sra. Darcy também estavam na disputa), mas a sorte favoreceu a criatura com mais desvantagens ali, provando o que todos já sabem: sucesso é fruto de dedicação e esforço.
Só que eu, ironicamente, ainda tinha metade do buquê na minha mão, o que me deixou bastante surpresa (noivas, isso já aconteceu antes? Registrem aqui, sim?). Eu o arremessei também (torcendo para não ficar nada na minha mão) e esperei, vendo quem o pegaria dessa vez. Mais uma vez fiquei surpresa. Ele literalmente aterrissou bem no rosto da amiga do arqueiro. Ela ficou tão chocada quanto o rapaz com ela.
- Você está bem, Naty? – ela riu, ligeiramente desnorteada.
Era pra ter tudo corrido bem, tudo tranquilo, mas, alguma coisa tem que acontecer pra estragar. Exatamente como o Sr. Darcy previu... ai, como eu o odeio! Eu não pude sequer impedir!
O nosso acorrentado – já não tão acorrentado assim – simplesmente me agarrou pelo pescoço e arrancou o colar que eu usava. Ele sorriu enquanto me estrangulava.
- Não faz idéia do quão leviana você foi. – os outros haviam se postado em volta de nós dois, o rei e sua delegação, as lanças todas apontadas para nós. – Usar a jóia do poder como adorno. Que irresponsável... Que fácil. – Ele voltou a sorrir pra mim. – Você foi gentil em me devolver a jóia, em troca, não vou matá-la. Faça bom proveito de sua vida de casada, enquanto ainda pode.
Ele me jogou no chão, quebrando o restante das correntes, e fugiu com o meu colar; o arqueiro e os outros ainda tentaram alcançar o cara, mas, ele foi muito rápido. Ele estava furioso quando voltou.
- Ficou maluca?! Aquela era uma das jóias do infinito e você praticamente a deu de bandeja pra ele!
Kelly e o Sr. Darcy me abraçaram, ele ligeiramente - só ligeiramente! – culpado pelo esquema ter dado certo. A sra. Darcy, no entanto, não parecia surpresa. Estava mais pra furiosa. Eu comecei a rir apesar do nervosismo. Os outros me olhavam estranhamente, um misto desconfortável de confusão e pena. Kelly também estava ligeiramente nervoso, mas, ele tinha acompanhado todo nosso planejamento, então sabia como eu estava me sentindo agora.
- Sem querer criticar, mas... – um dos convidados, a babá do Thomas por uma noite, acabou se metendo na conversa. – Você é doida. Meus amigos e eu quase morremos segurando essa pedra, aí você aparece com uma das jóias no pescoço, linda e maravilhosa (eu tive que rir com essa). Achou mesmo que ele não ia tentar juntar as jóias novamente?
Eu cruzei os braços, irritada. Alguém precisava também, não vou passar por isso sozinha.
- E porque você acha que eu não sei disso? – Eles me encaravam. – Por esse motivo nós juntos bolamos um plano que podia ou não dar certo. – Eu encarei o Sr. Darcy enquanto falava. Ele fechou a cara pra mim.
- Plano? – a ruiva que pegou a outra metade do meu buquê me encarou, pensativa.
- Sim, - eu sorri. – Essa pedra, assim como as outras que espalhamos, não são originais.
Agora tudo me olhava, entre pálidos e bastante espantados.
- Aquela, por exemplo, é uma réplica de uma das jóias, feita sob medida. As demais também. E, considerando que ele tente usá-las, e com certeza vai... Só adianto que ele terá uma desagradável surpresa quando tentar usar as réplicas. - Eu olhei para baixo nesse momento, mas, tenho certeza que uma pessoa ou outra não ficou confortável com o que eu disse. A Cavalaria começou a rir, encarando o Sr. Darcy, agora com as bochechas ligeiramente vermelhas.
- Garotinha maquiavélica, hein! – A Cavalaria lançou um olhar divertido para mim e Kelly - E você bateu no rosto dela com um livro, né? – ela voltou a rir, encarando-o, ainda sorrindo. – Que tal pedir desculpas à moça? E dessa vez, é melhor caprichar! – fiquei tão feliz agora.
Ninguém parou de rir depois dessa.
- Bom, - um homem de óculos, postado mais atrás agora me abraçava pelos ombros e ergueu uma taça de champanhe, os demais fazendo o mesmo. – Não fosse isso, eu não poderia fazer meu brinde. – Um sorriso da outra contemplada com a metade do meu buquê o encorajou. – Ao Kelly, um homem generoso, honesto e de bom coração, que encontrou sua metade, uma garota teimosa, explosiva e temperamental. – todos nós rimos. – Que sejam muito felizes enquanto viverem... e que a vida de vocês seja sempre uma bela aventura.
Depois das lágrimas que esse brinde arrancou de mim, a noite seguiu tranquila, já que todos sabiam como possivelmente terminaria a empreitada do nosso convidado fujão. Achamos melhor aproveitar esse momento feliz. E, parafraseando o que uma pessoa disse recentemente, podemos ficar tristes com um único revés, ou ser gratos pelos momentos de felicidade que temos. Eu escolhi ser grata. Por isso, é por muito mais.
(banda/violoncelo in harpa)
Sofia/Alejandro
I know that if we give this a little time
It'll only bring us closer to the love we wanna find
It's never felt so real
No, it's never felt so right
HENRY
Os convidados já estavam se arrumando para voltarem para casa (nosso ilustre convidado acorrentado já havia fugido faz tempo, uma caçarola bem no meio do nariz já havia sido o bastante), quando finalmente consegui ter um tempo sozinho com a minha ex-namorada. Meio estranho pensar assim quando, há um mês, estávamos a um passo do altar. Bom, não sei se posso dizer que estou arrependido. Eu teria que abrir mão de algumas coisas em nome dessa relação e, arrisco a dizer, ela também teria que ceder. Já havia se refeito da demissão sem justa causa quando ficou doente antes do Thomas nascer, tinha um cargo de professora assistente muito bom no Departamento de Física do Instituto de Tecnologia da Califórnia e um salário igualmente bom (é, ela é nerd, não dá pra mudar isso, mas alguém consegue apreciar, então que bom pra todo mundo).
Só queria me despedir de forma decente, nem trocamos meia dúzia de palavras desde que terminamos (ver a garota que ia se casar com você se declarar para um cara semipulverizado faz você rever alguns conceitos, como o de quando se deve parar de bancar o trouxa, por exemplo). Só não quero pisar na bola. Vai que cola também. O Sr. Darcy trapaceou. Posso tentar, também.
Ela ainda sorria ao me ver. Ainda não está tudo perdido. Vamos à luta, meu velho!
- Tem um minuto? – preferi ir direto ao ponto, se não desse certo, ainda seriamos bons amigos. Ela sorriu amarelo agora.
Ok, estou ferrado.
- Olha, só queria te contar que... Eu vou pra Munique no mês que vem.
Apesar do sorriso, ela estacou, pálida.
- O que?
- Bom, a Orquestra Sinfônica de Berlim me ofereceu uma vaga entre os músicos, e como isso sempre foi o que eu mais queria, decidi agarrar a oportunidade. Ninguém me chamaria duas vezes. É uma oportunidade única.
Um profundo suspiro quebrou o silencio carregado que se seguiu. Sorrindo, ela me abraçou voltando um olhar sereno pra mim.
- Não sei se você teria outra oportunidade e, bom... – ela deu um meio sorriso, piscando um olho pra mim. – Eu meio que fiz você perder aquela audição, acho que é mais do que justo você aceitar essa oportunidade.
O que? Simples assim? Não entendi.
- Sério? Você está mesmo feliz? Quer dizer, lembro que sempre me apoiou, mas, nunca gostou de Vivaldi, ou Beethoven...
- Eu não gostava da música, confesso... Até conhecer você.
- Como assim?
Um rapazinho enxerido passou por nós e sorriu pra ela, piscando.
- Liga pra ela. - ele sorriu, zombeteiro. – Não tô brincando, liga pra ela!
A coitada ficou pálida quando ele disse isso, mas, sei lá, o que seria perder alguns centavos de ligação local se isso significar que tenho alguma chance real com ela de novo...
E lá estava o toque de chamada dela. Autumm, de Vivaldi, tocando cada vez mais alto à medida que os toques aumentavam.
Valeu, fedelho enxerido! Eu ainda tenho uma chance!
- Nossa, – Eu quase engasguei agora. – essa foi bem...
- Eu sei. – ela desviou o olhar, constrangida.
- Que bom que contribuí pra melhorar seu gosto musical. – ela torceu a boca pra mim. Mesmo brava, fica linda. – Espero que seja feliz.
Dei um beijo no rosto dela, sentindo um gosto salgado quando me afastei. Então, sem nem esperar, ela se jogou em cima de mim, me abraçando. Eu fui ao céu e voltei. Senti muita falta disso. O corpo pequeno no meu colo ainda tremia quando eu a afastei devagar. Ver os olhos brilhantes de lágrimas foi mais doloroso do que pensei que seria.
- Sabe que eu sempre vou amar você, não é? – sussurrei próximo ao ouvido. Ela chorou baixinho quando a soltei. – Eu não vou esquecê-la... Nem desistir de lutar.
Ela ainda chorava, olhando pra mim, mordendo o lábio.
- E pensar que você perdeu tempo tentando me paquerar pelo celular.
Eu ri com essa.
- Não foi paquera. – ela gargalhou. – Foi uma serenata. Nunca te fizeram uma?
Ela voltou a sorrir, chorosa. Nos abraçamos mais uma vez.
- Vou dar todo o espaço que precisar... Mas, saiba que meu coração vai ser sempre seu.
Espero que esse não tenha sido nosso último abraço, mas, pareceu definitivo demais para mim. Eu ainda circulei no casamento, dei vários abraços de urso em Lúcia, que chorava só de pensar que só íamos conversar pelo Skype. Nossa amizade se mantinha firme e forte, com Kelly agora liderando o quarteto e Lizzie, que conquistou o direito de se divertir junto com os adultos. Demos um abraço coletivo de despedida.
- Promete que vai ligar sempre? – Lúcia ainda chorava.
- Claro, mamãe, todo dia! – tinha que caçoar dela, ou não era amizade. E ganhei um chutão de praxe na canela. Pronto, ganhei meu dia!
- Vai pela sombra, cara. – Kelly me abraçou.
- Pode deixar.
****
Quando fui embora dois dias depois, Briseida comigo, não achei que teria grandes surpresas. Mas tive uma muito boa quando ainda estava arrumando as malas em casa, e que eu achei melhor guardar pra mim quando a recebi. E levei na lembrança depois que parti. Fiquei cinco anos fora, mas fiz cada dia valer a pena. Tornei-me um músico respeitado, tenho uma carreira da qual não posso me queixar e minha sobrinha, agora uma mocinha, tinha muitos amigos e uma adolescência feliz, livre dos traumas do que aconteceu no planeta. Mas essa jornada toda só valeu por causa de uma coisa, que me motivou a ter esperança.
Ela ainda me ama...
Chorus - banda
Alejandro/Sofia
Just a kiss on your lips in the moonlight
Just a touch of the fire burning so bright
No, i don't want to mess this thing up
I don't want push too far
Just a shot in the dark that you just might
Be the one i've been waiting for my whole life
So baby i'm alright
With just a kiss goodnight
THOMAS
Apesar de tudo, o casório correu conforme o esperado. Os noivos trocaram as alianças, se beijaram (Eca, desde o dia em que acabaram com a minha ilusão da Cegonha, fico com nojo agora quando adultos se beijam. Gostaria mesmo de voltar a ser inocente...) e todo mundo festejou bastante, minha mãe se divertindo pra valer. Ela até pegou o buquê da tia Lúcia (em uma disputa bastante acirrada com a Daisy, vale lembrar), estava mais feliz do que nunca. Eu no colo da tia Lizzie fiquei bem tonto, mas, me divertindo muito. Só que a diversão não durou muito. Para mim, pelo menos.
Dois dias depois da recepção do casamento, dois chefes de estado estavam decidindo o meu futuro todo e o de outra pessoa que nem gente era ainda. Que chato... Ela vai odiar quando ficar mais velha...
Depois do casório e da confusão toda com as jóias do infinito (sim, vou falar delas, sim, afinal, meu pai também deu um destino interessante para uma delas), um dos convidados foi até a casa da tia Lizzie e da vovó Hannah pra conversar com o meu pai, que ainda estava aproveitando a Lua de mel dele também, de um jeito meio estranho. Normalmente, recém-casados viajam para lugares especiais para conhecer e se divertir, mas, como eu disse antes, rolou uma confusão com as jóias do infinito. Viajar em lua de mel com um maluco homicida ainda à solta estava fora de questão.
O visitante chegou bem cedo à nossa porta, eu ainda desfrutava de um soninho mais que merecido, quando o receberam, ele muito feliz por ser paparicado. E quem não gosta? Mas que tal eu contar pra vocês como foi a visita do meu futuro sogro? (mesmo os melhores soluços da minha mãe – ela se tornou uma especialista em fingi-los com o passar do tempo, deixando a minha madrasta furiosa, coitada – não conseguiram contornar a situação, então vamos fazer uma limonada desses limões, que é melhor!).
****
Ainda eram 10 horas da manhã em Regent Park, quando um homem sobriamente vestido, acompanhado de uma jovem adolescente, chegavam em frente à casa da mãe de Lúcia. Algumas pessoas ainda estavam se recuperando da recepção do casamento da jovem, um casal ainda acordando lentamente, um bebê tirando-os da cama, um choro irritadiço de fome. Eles aguardavam, após tocarem a campainha, sendo recebidos por uma senhora muito distinta que os cumprimentou, um sorriso de contentamento ao vê-los.
- Bom dia, querido! – a grande dama especialista em chás vespertinos e enlaces matrimoniais os conduziu porta adentro, estendendo a mão com deleite – Pensei que estivesse voando para casa.
Ele sorriu. A mocinha que o acompanhava estava bastante ansiosa, à procura de alguém.
- Não poderia viajar sem o prazer de degustar um chá que, segundo me disseram, é delicioso. E minha irmã quis se despedir da sua filha, também. – ele voltou um olhar de reprimenda para a garota enquanto beijava a mão da anfitriã. Lizzie, ao ser mencionada, correu ainda de pijamas para a sala de visitas. As duas adolescentes se abraçavam, animadas. A festa agredia os tímpanos da pobre senhora.
- Vocês podem, por favor, ir lá pra cima? Agradeceria muito, garotas.
As mocinhas murcharam.
- Sim, senhora. – e subiam as escadas, arrastando os pés. O recém-chegado ergueu uma sobrancelha, estupefato. A Sra. Fairchild sorriu ante a reação dele.
- Elas ainda são mocinhas, precisam aprender ter modos. – ela ainda sorria, enquanto se sentava próximo ao rapaz. – a que devemos a honra da sua visita?
Agora ele murchou, um suspiro desconfortável.
- Vamos dizer que tive a infelicidade de preparar uma cama, sob efeito de muito álcool, devo acrescentar, e agora só tenho duas opções, consertar isso ou deitar nela.
- Bom, então que tal fazer isso logo? Assim ganhamos tempo para o almoço. – ela sorria, uma elegância que só uma senhora muito distinta possuía. – Aceita?
Ele sorriu de maneira igualmente distinta.
- Claro, será um prazer.
A sra. Fairchild conduziu o visitante até a varanda, onde um homem ainda sonolento desfrutava do sol matutino. O visitante sorriu ao ser anunciado, sendo logo deixado pela sra. Fairchild na varanda, ficando encantado ao ver-se bem recebido. Os dois homens se cumprimentaram de forma muito cordial.
- Com licença? – o homem em pé diante do nosso outro rei era muito respeitoso e incrível, o tipo de cara que era muito carismático e se fazia respeitar sem o menor esforço. – Podemos conversar?
O homem sorriu ao ver que ele também estava preocupado com a conversa de duas noites atrás. Não era pra menos também. O futuro e a vida conjugal de dois jovens que ainda nem se conheciam foi decidida por meio de uma única conveniência, a militar. Além de uma promessa feita pela irmã do recém-chegado de cumprir essa parte do acordo, caso as coisas dessem errado em Titã. Como, porém, tudo deu certo, os dois ficaram mais aliviados. Ambos reassumiram seus postos como chefes de estado e uma jovem adolescente pode, enfim, recuperar a chance de conduzir sua juventude como já vinha fazendo. Só que um acordo foi forjado, primeiro, no calor da batalha, depois, após assegurar a paz, em um casamento, agora regado a várias taças de vinho branco seco. No fim, um deles, a mando de uma esposa muito enfurecida, precisava desfazer o acordo. Agora dependia do novo amigo compreender sua saia justa.
Ele explicou-se como podia. O anfitrião também havia enfrentado problemas em casa com a própria esposa em virtude desse acordo firmado. Mas ela parecia mais propensa a aceitar, uma vez que a outra família ajudara seu companheiro a voltar para casa. Ainda assim, não parecia feliz de prometer seu filhinho em casamento ainda tão pequeno.
Os dois ainda conversaram por muito tempo, muito depois do almoço, regado a muitos risos da parte de Elisabeth, que partilhou várias situações ocorridas em sua escola para a nova amiga, que mal se aguentava sentada de tanto rir. Ao ver isso, uma amizade que sobreviveu a todas as intempéries que viveram recentemente, os dois amigos se entreolharam e perceberam que podia dar certo. Se duas meninas que mal se conheciam podiam se tornar grandes amigas, por que não dois jovens se casarem e serem muito felizes? Fora que, ao menos o outro sabia quem era o rapaz que ia desposar sua garotinha. Ele a trataria bem e com respeito e o outro, não menos feliz, confiava cegamente no bom senso que seu filho teria, afinal, ele seria conduzido desde cedo no sentido de tratar sua esposa com amor e bondade.
A esposa do outro, ao perceber que perdera essa disputa, aceitou a situação da melhor forma possível, cumprimentando o futuro sogro do filho com muita gentileza (algo muitas vezes aconselhado pela mãe de Lúcia e que – pra variar! – ela entendeu), trazendo muita leveza ao ambiente. Ele sorriu ao ver que sua nova esposa era bem diferente da outra. Ela aceitou de saída algo que a primeira teria logo recusado. Pelo visto, a convivência com a mãe das garotas a tornara mais serena. Os outros à mesa começaram a fazer troça quando ele percebeu que o observavam ainda admirando a esposa, que imediatamente baixou os olhos, corada. Com ternura, ele concluiu algo, ainda sorrindo para ela.
Ele tinha, sim, muita sorte.
****
Um dia antes.
Pensei que minha mãe fosse surtar depois de tudo que andou acontecendo.
O café da manhã parecia um campo minado, agora que minha mãe descobriu que, ainda em Titã, eu ganhei um sogro de presente dessa jornada intergaláctica. E, pra variar, só vou conhecer minha futura noiva, depois de um tempinho (bom, eu já ouvia os pensamentos dela – acreditem, bebês ainda sendo gestados também pensam. Eu sei disso, eu deixava minha mãe em papas de aranha, às vezes... mas isso já são águas passadas. Só que minha futura noiva já estava pensando bastante, e ficou furiosa com a novidade, também). Agora mamãe digeria tudo, mantendo a compostura, mas, pelo visto, não por muito tempo. Ela parecia uma chaleira prestes a apitar. E tadinho do papai quando isso acontecesse...
- Deixa ver se entendi... Vocês dois, pelas nossas costas, não vamos esquecer! – Vovó Hannah estava bem atrás delas com sussurros gentis tipo "calma, minha querida", ou "mantenha a compostura, mocinha!". Não esqueçam, é a minha mãe. Divertida, esquisita, o pacote completo. E papai, vale lembrar, sabia onde estava amarrando o burrinho dele. O Henry ainda tentou avisar... – Acertaram toda a vida dos nossos filhos e nem pensaram em consultar ninguém?
Papai amava a minha mãe, mas, trato é trato, não dá pra voltar atrás. Não da parte do papai, pelo menos. Talvez o outro tivesse bom senso, minha madrasta tentou ajudar – por si própria, claro, minha futura irmã já tinha dito pra mim que queria ficar fora dessa e eu que fizesse esse sacrifício pela família (pirralha nojenta, nem nasceu ainda já aprendeu a se escorar nos outros, não é?).
Só que meu pai já havia se decidido. Se o outro quebrasse o acordo, tudo certo, se não...
"Vamos esperar, querida," minha mãe ainda bufava de raiva, "eu o chamei pra conversarmos. Dependendo do que ele disser, podemos nem precisar disso. Afinal, vivemos tempos de paz agora."
Minha mãe ainda bufou mais um pouquinho, mas acabou aceitando. Ela também era grata pelo que fizeram pelo papai.
- Tudo bem, mas, só se ele mantiver sua palavra, do contrario, desfaça tudo, entendeu? – ele sorriu, concordando. Uma boa noite de sono dependia disso.
Mas... Sem pressão, sem pressão. Vinte e quatro horas depois ganhei uma noiva e a possibilidade de uma aliança. Não poderia ser tão ruim, poderia?
Vou aproveitar enquanto ainda sou bebê, que é bem melhor.
Alejandro/Sofia
No, i don't want to say goodnight
I know it's time to leave
But you'll be in my dreams
Alejandro/Sofia – nessa ordem
Tonight (3x)
ELISABETH
Três semanas depois.
Assim que o sinal tocou, anunciando o intervalo do almoço, os alunos começaram a se dirigir para a saída, eu um pouco mais atrás de propósito, quando o Sr. Matthews, meu professor de Literatura contemporânea, fez um sinal para mim, dando a entender que devia esperá-lo. Fiquei preocupada. Da última vez que isso havia acontecido, eu havia tirado uma média baixíssima em Química e isso podia prejudicar meu desempenho, o que refletiria no meu histórico. Então, presumindo que fosse isso, decidi atender ao Sr. Matthews e sentei em frente à mesa dele, aguardando o que ele diria. E voilá, eis que a minha redação estava ali. 20 laudas solicitadas e atendidas, tentando ao máximo atender a proposta dele. O que foi que ele viu de errado?
- Elisabeth, antes de tudo, quero que saiba que gostei muito da sua redação. É, de modo geral, elegante, bem construída, uma narrativa bastante envolvente, sem dúvida alguma. E divertida, com certeza. Sua irmã ainda é assim? Estourada por muito pouco? – antes de mim, ele também foi professor da Lúcia.
Eu não pude deixar de rir.
- Sim, professor, Lúcia ainda é desse jeito. – Eu engasguei um pouco antes de voltar a falar normalmente. Ele sorria ao avançar as páginas, com as correções sugeridas. Ele voltou a me encarar, pousando os óculos na mesa dele.
- Bom... Tirando o gênio péssimo da sua irmã... (eu dei outra risadinha) você sabia que a sua história era para ser não ficcional, certo, mocinha?
Eu baixei os olhos, ligeiramente envergonhada, mas, voltei a falar, agora mais confiante.
- Desculpe, professor, mas, parte do que eu narrei meio que estava em todos os jornais.
Ele lançou um olhar atravessado, primeiro a mim, depois para a minha redação. Contudo, se ele fosse me reprovar, ele não estaria fazendo aquele discurso, só me entregaria e pronto. Alguma coisa ele gostou, então decidi arriscar e esperar o veredito dele.
- Foi por isso mesmo que não a reprovei, Elisabeth. Mas recomendo a você que, da próxima vez que solicitarem uma tarefa, faça-a do jeito que foi solicitado, está bem? – ele me entregou o texto com uma tarja branca, destinada às melhores histórias, que receberiam um título final, a fim de que ele publique no blog da escola. Eu quase pulei da cadeira de felicidade. Minha história ia ser publicada! E ganhei um A-. Não é a nota máxima, mas, ainda é conceito A. Eu ainda estava pensando em um título interessante para a história, quando recebi uma foto no aplicativo de mensagens, uma mamãe toda inchada de orgulho, mandando pra todo mundo, em primeira mão, os dois novos dentinhos que o Thomas ganhou. Ele sempre teve um sorriso muito fofo, com os cinco dentinhos que ele tem agora, o sorriso ficou ainda mais fofo. Tenho certeza que quase babei agora. Quase...
Eu depositei minha história na mesa do professor com o título já escrito, mas, antes de sair, o Sr. Matthews me chamou outra vez.
- Lizzie? – raramente alguém me chamava assim, precisava ser muito próximo. – Você já considerou a ideia de escrever ficção?
Eu olhei de volta, incrédula com o que ele disse.
- Perdão?
Meu professor sorriu, um olhar condescendente, bem parecido com o Sr. Darcy quando fazia alguma crítica. E olha lá eu, fazendo a mesma malcriação da minha irmã...
- Sim, Lizzie, escrever ficção. – Ele sorriu, vindo em minha direção. – Você tem tudo que bom escritor precisa para desenvolver uma boa história, é inteligente, tem muita disciplina, é organizada... E possui muito, muito talento. – Ele pousou a mão no meu ombro quando disse isso.
Eu pisquei, ainda sem acreditar muito.
- Verdade?
- Sim, Elisabeth, você ficaria muito famosa. É uma escritora talentosa, sem dúvida. Eu compraria um livro escrito por você! – e ele voltou a sentar-se. Eu dava pulinhos de alegria quando fui para o refeitório, mas antes de ir, vi o meu professor sorrindo ao ler o título que dei para a minha história.
Eu ainda sorria feito boba quando fui almoçar com os meus colegas e, quando cheguei em casa, contei o que o professor havia dito e, às cinco horas da tarde, todas as histórias que o Sr. Matthews selecionou para postar no Blog da escola estavam lá, inclusive a minha, com o título que eu havia escolhido, sem quaisquer alterações. Três mulheres cujas vidas foram alteradas para sempre por aquela história agora aproveitavam para enxergar suas vidas e o rumo que tomaram, conduzidas por esta que agora vos conta essa história.
A ceifadora de histórias.
Eu ainda lia tudo que havia escrito ao longo de dois meses e meio quando, depois de um senhor acesso de espirros da Lúcia, resolvi pegar meu telefone (por falta de palavra que melhor descreva esse trocinho) e fui para a varanda fazer uma chamada, que foi prontamente respondida. Segundos depois, meu Totó de pelúcia estava lá, abanando o rabo, feliz em me ver. Coloquei junto à coleira, em um pacote bem grande, a carta imensa que escrevi em agradecimento, junto com uma cópia da minha redação em um envelope separado, tudo isso acompanhado por dois pares de olhos arregalados que nada entendiam do que acontecia.
Não espero que entendam isso, mas... Bom... Eu escrevi uma linda história, de fato. Só não acho justo levar sozinha todos os créditos. Tive uma senhora contribuição pra que essa redação saísse conforme o esperado. Então nada mais justo que minha coautoria veja com os próprios olhos a história que ajudou a contar. E foi nesse clima de gratidão imensa que me despedi (talvez pra sempre) do meu totó predileto. Precisei segurar o choro pra que ele não mudasse de idéia e resolvesse ficar. Amo meu pelucinho, mas ele já tem donos, então não posso fazer nada a respeito. Depois de tudo isso, voltei para o meu quarto, voltando a ler tudinho, um suspiro fundo, uma sensação leve e maravilhosa de missão cumprida, uma conclusão bastante óbvia.
É assim que se termina uma história!
Chorus - banda
Alejandro/Sofia
Just a kiss on your lips in the moonlight
Just a touch of the fire burning so bright
No, i don't want to mess this thing up
I don't want push too far
Just a shot in the dark that you just might
Be the one i've been waiting for my whole life
So baby i'm alright
Chorus - banda
Alejandro/Sofia
Whoa whoa...
Let's do this right
With just a kiss goodnight
Sofia/Alejandro – nessa ordem
With a kiss goodnight
Kiss goodnight
Em outro lugar bem distante dali...
Ao terminar de ler o texto de Elisabeth, que agora descansava solitário na bancada de trabalho da mulher que foi o pivô de toda a trajetória até aqui (a partir da qual pude observar, agora enfurecida, a total falta de respeito a mim demonstrada), acabei desfrutando da mesma sensação de assombro que senti (de forma fictícia, é claro) diante de Liesel.
É realmente espantoso como o ser humano, no intuito de satisfazer a si mesmo, acaba indo por caminhos tortuosos, às vezes, solitários. Mas, no fim, a jornada, para eles, é sempre compensatória.
Só que agora preciso manter o equilíbrio e isso significa que devo levar uma alma, em troca de outra, no alvorecer da sua jornada. E nossa jovem alma do meu lado, que também pode desfrutar do que Elisabeth havia narrado sobre ela, agora estava em paz, já resignada com a ideia de seguir em frente. Seus parentes logo mais acordariam. O dia anterior foi bastante divertido para todos, exigindo um sono mais que reparador. Levaria um bom tempo até perceberem que há um membro a menos na família.
Os dois, Cupido e nossa jovem alma, ainda discutiam, bastante irritados – ele merecia todos os insultos bastante eloquentes – quando, muito, mas muito distante dali, o sino das doze badaladas soava para alguém. Curioso. Seria só mais um dia de trabalho, não fosse a sensação de assombro que mais uma vez experimentei. A jovem alma diante de mim teve sua vida abreviada, consequência de causas naturais, por mim providenciadas. Essa alma jovem que agora escuto, tão distante dali, nas ruínas de sua antiga casa, escolheu abreviar sua vida. O que significa, no fim, que esta aqui na minha frente não precisava mais partir. Ainda que muito brevemente, ela ainda poderia desfrutar de um pouco mais de tempo ao lado dos seus entes queridos.
Ao ver minha expressão, alterada pelos recentes acontecimentos, minha jovem alma me observava, ansiosa.
- O que houve?
Como explicar para ela que sua partida não seria mais necessária, já que alguém tomou a dianteira por ela?
Ela, apesar da surpresa, não pode deixar de sorrir. Já fazia planos de como contaria a experiência aos familiares, quando decidi, mais uma vez, estourar sua bolha de contentamento. Uma pena, porém, necessário.
- Desculpe, mas, você não poderá contar o que conversamos para sua família.
Surpresa, ela voltou os olhos para mim. Cupido, ao contrário, já tramava das suas.
- Mas... Por que não?
- Por um motivo simples... Quando os vivos furam o véu de volta à vida, eles não se lembram da experiência que tiveram. – Ela me olhava, decepcionada. – Isso significa que, até você morrer de fato, nunca mais vai lembrar o que aconteceu aqui, ou de ter nos conhecido.
Ela voltou a olhar para Cupido quando eu disse isso.
- Bom... Dele eu não vou sentir falta.
Um chilreio de irritação a fez voltar-se para ele rindo e, com um profundo suspiro, já voltava para o mundo dos vivos. Ela, apesar de feliz por isso, queria muito poder avisá-los.
A jovem alma voltava à consciência quando Cupido fez algo inesperado, me deixando (mais uma vez!) desarmada. Ela também o encarou, desconfiada.
- O que está fazendo?
Ele sorriu para a moça, enquanto sua mão brilhava sobre a testa loira, os cabelos jogados para trás no ato.
- Algo de que você vai me agradecer depois. – Antes de partir, ele ainda segredou em seu ouvido, sussurrando. – Você ainda terá pouco tempo, mas, pelo menos vai poder passar com aqueles que ama. – Ele sorriu mais uma vez. – Você terá um tempo muito breve... Aproveite-o bem.
Ela ainda sorria depois que partimos. Agora, aos poucos, acordava, um cansaço leve, mas, a mente alerta, com as lembranças do que ela viu no véu.
No entanto, para minha surpresa, ela preferiu manter para si o que vivenciou, optando por desfrutar ao máximo o tempo que tinha com os seus. Que bom para ela.
Mais uma vez, fiquem assombrada...
Os vivos sempre me surpreendem!
Fim...
Dessa jornada, ao menos... Outra logo mais começará... E não deve demorar!
*Pequenas curiosidades sobre a arte de escrever Songfics:
1) Um pequeno conhecimento sobre música, seja ela clássica ou popular, ajuda muito! (na verdade, bastante – risos): Cada instrumento, ou voz, e onde cada um entra, é representado por cores, para ajudar na identificação, dentro da história. Por exemplo: azul-claro, representa os instrumentos que serão 'utilizados' na composição da melodia da songfic. Se um instrumento diferente entra, é representado na cor azul-petróleo. As vozes são representadas em verde claro. Vozes acapella (sem acompanhamento musical, ou pouco acompanhamento, por exemplo, a voz acompanhada de uma nota de piano em dó menor, são representadas em vermelho, a fim de destacar a voz acapella do restante. Sons de instrumento in pizicatto (o famoso beliscado na família das cordas sinfônicas) são representadas em verde bandeira. Os sons mais populares, como o violão e a guitarra, comuns em bandas de rock e metal, são representadas em roxo. Para bandas, a regra é a mesma. Para orquestras, usam-se dois tons de cores, mais nobres, digamos assim: amarelo-ouro para as Filarmônicas e Laranja-vivo para as Sinfônicas.
2) A música será usada fora de sua estrutura original, com leves alterações.
3) Alusão ao filme Os vingadores: guerra infinita.
4) Uma pequena homenagem à série The Big Bang Theory.
5) Participação especial de Daisy Johnson e Melinda May.
6) Essa parte da narrativa é contada de dois pontos de vista diferentes, um narrado por um dos guardiões da galáxia e o outro por Thomas.
7) Essa é a música Come and get your love (Redbone), referência à Playlist de Peter Quill (Guardiões da galáxia).
8) O narrador alterna entre narrador-personagem e onisciente.
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