Capítulo 3
Stefan
Alexia Menezes. Esse é o nome dela.
Foi isso o que Teresa disse minutos atrás quando cheguei ao campus, logo depois de sair da empresa: "Sua monitora não pôde vir hoje. A única que sobrou dessa matéria é Alexia Rodrigues Menezes, mas ela é do terceiro período. Não tem como dar monitoria para um aluno do quinto.".
É claro que ela reconsiderou essa ideia depois de alguma insistência, então ali estava eu, escutando uma música qualquer no último volume pelo fone de ouvido, prestes a admitir que precisava da ajuda da garota que estragou a festa na noite anterior.
Maravilha!
Por um segundo, considerei sair pela porta em que havia entrado, mas não levei essa ideia adiante. Não que eu fosse burro ou algo assim, mas estudar sozinho não era minha praia. Nessas horas, eu me pegava até contando os azulejos do meu quarto, tirando o fato de que eu tinha uma última prova antes das férias e se eu não fosse bem nela, poderia facilmente ficar em dependência e, sinceramente, essa ideia não me agradava nem um pouco.
Tirei os fones do ouvido quando vi a garota na frente dela se levantar e sair, mas antes de fazer meu caminho até sua mesa, a observei organizar os materiais recém-usados e abrir um novo livro que me parecia um tanto familiar. Ela folheou algumas páginas e enrugou o nariz numa careta que por pouco não me fez rir.
Respirei fundo e caminhei até sua mesa.
Vamos lá, Stefan. Você pode lidar com isso.
Alexia tinha o cabelo escuro preso de maneira desleixada em um coque e usava uma roupa casual que não se parecia em nada com o pijama com o qual a vi tarde da noite passada. Certo, eu não seria hipócrita: ela é linda, mesmo usando tanta roupa.
Quando levantou os olhos para mim, sua surpresa foi perceptível. É claro que não esperava me ver, pelo menos não tão cedo.
- Ora, ora, se não é a Marrentinha Destruidora de Festas... - Eu disse com meu melhor sorriso, tentando não demonstrar o quanto estava em desvantagem por precisar dela.
A garota vacilou por um segundo antes de se levantar bruscamente.
- Você só pode estar brincando se acha que eu vou te dar monitoria.
- Bem, dizem por aí que alunos bolsistas monitores são meio que... obrigados a dar monitoria a quem precisa. - Respondi casualmente me sentando na cadeira à frente da sua mesa e ergui uma sobrancelha, incentivando-a a se sentar também.
- Você se lembra de que foi você quem aumentou o volume do som quando eu pedi educadamente para que abaixasse porque eu tinha que estudar? - Seu humor parecia variar entre extremamente irritada e extremamente inconformada enquanto eu tirava meus materiais da mochila.
- Sim. E foi você quem chamou a polícia dois minutos depois. Por onde a gente começa?
- Você se acha o bonzão, né? Já que é assim tão espetacular, por que precisa da minha ajuda?
Olhei para ela e sorri. Sorte a minha que eu sabia pensar rápido.
- Estou aqui te fazendo um favor, meu anjo. Aposto que há muito tempo você estava querendo um momento a sós comigo.
Seu queixo caiu como se ela não acreditasse no que havia acabado de escutar. Em seguida, balançou a cabeça e começou a recolher seus livros.
- Quer saber? Eu não sou paga para aturar tipos de pessoas como você.
- Pare de se fazer de difícil, garota. Você sabe que estará em maus lençóis se for embora agora.
- Eu não sou obrigada a ajudar você, playboyzinho dono do mundo! Contrate um professor particular e torça para que ele te ature.
Tentei encontrar algum outro argumento válido enquanto ela guardava as coisas e se virava para sair, mas, pela primeira vez, percebi que uma garota conseguiu me deixar sem palavras.
Ela jogou os livros no balcão de Teresa, que a olhava curiosa.
- Sabe, dona Teresa... acho que vocês deveriam escolher melhor a quem se oferece monitoria. Certos indivíduos estúpidos não merecem esse privilégio.
Teresa piscou perplexa com sua atitude, e eu quase podia ver a pergunta se formar em sua mente: Que garota em sã consciência fala assim sobre Stefan Strorck?
- Alexia! - Eu a chamei quando ela se encaminhou para a porta.
Não podia deixá-la ficar com a última palavra. Ninguém jamais me deixou sem argumentos antes, ela com certeza não seria a primeira.
Alexia parou e se virou para mim novamente, o que me fez sorrir.
- O número de garotas querendo ir para a cama comigo está bem grande. Você não acha melhor anotar logo seu nome na lista?
Ela rangeu os dentes e levantou seu dedo do meio para mim.
- Babaca.
- Marrenta.
Eu não tenho certeza se ouviu minha última palavra. Ela já estava fora.
- Cara, me fala que aquela garota não era sua monitora - Pedro resmungou se aproximando atrás de mim.
Ele também estava recebendo monitoria, o que me fez acreditar que, no mínimo, metade da sala ouviu minha discussão com a marrentinha.
- Ela devia ser, mas agora parece que me odeia.
- Stefan, você tem noção do quanto precisava da ajuda dela?
Esse era Pedro. Parecia ser meu irmão mais velho, apesar de ser um ano mais novo. Acho que era por isso que éramos amigos: o juízo que me faltava, sobrava nele.
Olhei para o rapaz com a pele da cor de chocolate quase dez centímetros mais baixo do que eu e sorri.
- Ela vai me ajudar.
- É mesmo? Ela parecia estar disposta a tacar fogo em você quando saiu daqui.
- Pode apostar, Pedro... - Olhei em direção da porta novamente - ela ainda vai implorar para me ajudar.
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Alexia
- Vocês irão perceber que essas demonstrações contábeis são apenas dados... - O professor dizia na frente da turma, mostrando as contas e anotações que ele acabara de fazer no quadro negro, totalmente alheio ao fato de que uma das alunas da primeira fileira não prestava a mínima atenção.
Idiota. Imbecil. Ridículo.
Perfeito. Eu precisava me concentrar, mas por mais que tentasse, não conseguia afastar Stefan dos meus pensamentos. Me obrigava a controlar minha mente quando a pegava divagando, mas logo me distraía outra vez. Eventualmente, aqueles olhos verde-claros, aquela expressão debochada, aquele corpo de tirar o fôlego e aquele cabelo bagunçado invadiam minha cabeça.
"Aposto que há muito tempo você estava querendo um momento a sós comigo."
Aquela voz... ele sabe como ser charmoso até sendo um completo babaca.
O quê?! Eu não acredito que pensei isso! Lexy, droga, foca na aula!
Precisei me esforçar mais do que qualquer outro dia para absorver tudo o que foi passado e, no fim, eu quase podia sentir a fumaça em meu cérebro.
- Você parece péssima - Megan disse depois de me olhar.
Ela estava dirigindo, enquanto eu descansava minha cabeça no encosto da poltrona do carona, a caminho de casa. Ela sempre me dava carona depois das aulas, o que, convenhamos, era ótimo, já que gastar dinheiro com passagens diariamente não estava na minha lista de coisas agradáveis a se fazer.
- Meu dia foi cheio - respondi de olhos fechados.
- Seu dia é sempre cheio. Algo novo hoje?
Suspirei e balancei a cabeça, cansada.
- Não. Nada novo hoje. Apenas exaustão.
- Mamãe! - Alice gritou correndo para me encontrar na porta, estendendo os bracinhos para que eu a pegasse no colo.
- Caraca, o jeito que ela fala quase me faz acreditar - Megan disse atrás de mim.
- Ei, tia Megui!
- Ei, Lice. Fez muita bagunça? - Megan deu um beijo em sua bochecha.
- Não. Eu binquei de cóba-cega!
- Mas agora você não devia estar dormindo, mocinha? - perguntei.
- Ela disse que não ia dormir enquanto você não chegasse - Lívia disse vindo ao meu encontro. - Veja o desenho lindo que ela fez na escola.
Alice foi para o colo da Megan, enquanto eu pegava o papel que Lívia me estendia. No meio de rabiscos típicos de uma criança de três anos, pude perceber que ela tentou desenhar três pessoas. Provavelmente dois adultos e uma criança.
- Quem são, meu amor? - perguntei-lhe mostrando o desenho.
- Você, eu e papai. - Ela apontou cada rabisco.
Pisquei e olhei para Megan, que devolveu meu olhar com as sobrancelhas erguidas. Lívia ficou em silêncio.
- Anh... é muito bonito. - Megan sorriu. - Mas quem seria o papai?
Alice encolheu os ombros e se forçou para descer do colo dela.
- Num sei. Vamos ver as estelas, mamãe? - pediu me puxando.
- Amor, eu estou cansada. - Me desculpei com o cérebro a mil.
Será possível que ela ainda se lembre...?
- Pú favô, mamãe... - Ela implorou. - Vamos, pú favô?
Entreguei o desenho para Megan.
- Tudo bem, tudo bem. - A peguei no colo e me virei para Lívia. - Obrigada, Lili. Amanhã pode deixar que eu a pego na creche, vem seis horas direto para cá. Não vou dar monitoria.
Ela balançou a cabeça.
- Tudo bem.
- Megan, deixe a porta encostada. Eu não demoro.
Saí junto com Lívia, mas enquanto ela desceu, eu subi para o terraço com Alice nos braços.
Como na maioria das noites, nos deitamos no chão e olhamos para o céu estrelado, já que o terraço não tinha teto. Alice adora isso.
- Mamãe, cól é a sua mamãe? - Ela me perguntou com o rostinho virado para as estrelas.
Eu a olhei e respirei fundo antes de dizer o que vez ou outra eu lhe respondia em momentos assim:
- Não é só minha. É nossa mamãe. Minha e sua.
Alice se virou para mim. Não havia humor em seu rosto.
- Não. Minha mamãe é você.
Pensei um pouco.
Quando ela começou a me chamar de mãe, a psicóloga disse que eu não podia forçá-la a parar. Talvez uma figura materna fosse melhor que fraterna, mas a cada dia que se passava, eu me perguntava se ela realmente achava que eu era sua mãe de verdade...
Mas ela não podia achar. Eu não tinha o direito de tomar o lugar da nossa mãe na vida dela, mesmo que ela nunca a tenha conhecido.
Respirei fundo, como sempre, decidindo não prosseguir com esse assunto. Três anos é muito pouco tempo para uma criança ter que entender isso.
Olhei para cima e procurei uma estrela em especial.
- Aquela. - Eu disse apontando. - Está vendo? É a mais brilhante.
- Pu quê ela é a mais bilhante?
Eu sorri.
- Porque ela está feliz que viemos vê-la hoje. Você consegue ver? Ela está sorrindo. Por isso é a mais brilhante.
Alice pensou por um tempo olhando a estrela, então sorriu.
- Ela é a mais ninda de todas.
- Sim... ela é.
Minha irmã me abraçou, se deitando sobre meu peito. Continuei olhando aquela estrela até ter certeza de que ela havia dormido, então a peguei no colo, deitei sua cabeça sobre meu ombro e voltei para o apartamento me dando conta de que, mesmo eu não querendo admitir, os traços do rosto da minha mãe estavam se perdendo em minha memória.
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Stefan
Eu tinha três semanas antes da maldita prova. É claro que eu podia continuar recebendo monitoria da Poliana - apesar de não fazer meu estilo, ela era inteligente e uma ótima monitora -, mas eu não podia negar que a marrentinha parecia estar me desafiando e, desde que eu me lembro, fugir de um desafio nunca fez parte da minha natureza.
Eu estava tão absorto com esse pensamento, que nem prestei atenção ao que Julia me perguntou quando eu parei o carro na frente de sua casa, após o fim das aulas.
- Como...? - perguntei olhando para ela.
- Ontem você não entrou porque estava cansado... quer entrar hoje?
- Seus pais ainda não voltaram?
- Eles só chegam na próxima semana.
Balancei a cabeça.
- Abra a garagem para eu estacionar.
Ela me lançou um sorriso safado que parecia garantir que eu teria uma boa noite.
- Te espero no quarto. - Então desceu, bateu a porta e correu para casa.
Peguei meu celular e digitei uma mensagem rápida para minha mãe:
Não vou dormir em casa hoje. Não se preocupe, estou bem. Te vejo amanhã.
Na manhã seguinte eu não sabia se devia me sentir satisfeito ou irritado ao ser acordado pelos beijos suaves de Julia em minhas costas:
- Stefan, acorda...
- O que é? - perguntei com uma voz rouca.
- Hoje é terça-feira... - Outro beijo. - Oito e meia da manhã.
Levaram dois ou três segundos até que meu cérebro turvo pelo sono compreendesse de fato aquelas palavras, então levantei-me em um salto.
- Por que não me chamou antes?! - Peguei minhas roupas no chão.
- Eu também só acordei agora.
- Me traga uma toalha - E corri para o banheiro da suíte.
Oito e meia. Inferno. Eu devia estar na arena oito horas. Karatê era a única coisa que eu gostava de fazer sob ordem do meu pai; como pude dar um vacilo tão grande?!
- Trouxe a toalha - Julia disse ao entrar no banheiro sem autorização.
- Deixe aí - respondi debaixo do chuveiro, esfregando o shampoo no cabelo de olhos fechados.
- Quer que eu tome banho com você?
Eu sabia o que ela queria dizer com tomar banho comigo, mas, apesar de a ideia ser tentadora, eu devia evitar distrações agora.
- Você sabe que estou atrasado.
- Eu sei, só pensei que talvez...
- Valeu pela toalha, Julia. Pode sair agora.
Depois de ouvir os sermões monótonos do Mestre de karatê sobre ter compromisso e pontualidade, eu finalmente pude entrar na arena e fazer o que fazia de melhor. Essa era literalmente a única coisa da qual eu era grato ao meu pai por ter me obrigado a começar a fazer. Segundo ele, o plano era me preparar para as responsabilidades que eu começaria a adquirir ao longo da vida, mas, no decorrer do tempo, ele deve ter percebido que seu plano foi um fracasso. Os únicos compromissos que assumi ao longo de vinte e um anos foram o karatê e festas universitárias. Não me sobrava tempo para ter outros além desses.
Meu pai também foi carateca. Começou aos oito anos, mas eu lutava desde que me entendia por gente. Foi ele mesmo quem me ensinou os primeiros golpes, então, ao fazer seis anos, eu entrei na academia com uma base dos ensinamentos. Aos dezoito já era faixa preta, mas ainda assim não pensava em largar os treinos; o campeonato mundial, com certeza, iria exigir todo o meu esforço.
- Tem planos para o final de semana, Stefan? - Pedro perguntou ao fim do treino, se secando em uma toalha.
Ele era quase tão bom quanto eu na arena, mas não saía da faixa marrom.
- Qual sua ideia? - rebati antes de beber o restante da água em minha garrafa.
- Praia. A previsão diz que vai chover esta semana, mas sábado o dia vai estar ensolarado.
Dei de ombros.
- Pode ser. Avise aos meninos.
Quando saí da academia a caminho do meu carro, peguei meu celular e encontrei duas mensagens não lidas da minha mãe:
Juízo, Stefan. Não quero ser avó antes da hora.
Amanhã venha pra casa que eu e seu pai queremos falar com você.
A primeira mensagem me fez rir, já a segunda me fez revirar os olhos. Há dias eles queriam "falar" comigo, mas eu até podia prever o que seria tratado nessa conversa: Tenha mais compromisso. Tenha mais responsabilidade. Você já fez vinte e um anos, precisa começar a agir como adulto.
A mesma ladainha de sempre. Eu não estava a fim de ouvir.
Por sorte, ela fazia plantão no hospital e meu pai estava no escritório quando cheguei, então depois de dar ordem aos empregados que não o avisasse da minha presença, me tranquei no quarto com meu Xbox e só saí na hora de ir para a faculdade.
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Alexia
- Mamãe! - Alice pulou no meu colo quando me encontrou esperando no portão da creche.
- Ei, meu amor. - Beijei sua bochecha. - Como foi o dia?
- Eu apendi a fazer a leta A de Anice.
- Que menina esperta! Você precisa me mostrar isso. - A coloquei no chão e arrumei minha bolsa no ombro. - O que você quer fazer hoje?
- Sovete!
Sorri.
- Tudo bem. Vamos tomar sorvete.
Caminhamos alguns quarteirões de mãos dadas. Alice estava tão elétrica quanto todos os outros dias, e sua vozinha suave e delicada preenchia o ambiente chamando a atenção dos pedestres até chegarmos à sorveteria, me fazendo rir quando ela errava as palavras mais fáceis.
- Qual sabor? - A atendente perguntou.
- Cocolate. Pa mamãe tombém.
A moça sorriu abertamente para minha irmã antes de se retirar para atender ao nosso pedido.
- Minha linda, não é "cocolate". É "chocolate" - Eu a disse com delicadeza.
- Mamãe, você sabe que minha níngua é piquena. - Ela passou a mão no cabelo caindo sobre os olhos e franziu a testa. - Você pecisa cotar minha fanja.
- Ah, sim... vamos fazer isso quando chegarmos em casa.
- Aqui está - A atendente disse estendendo para mim dois sorvetes de chocolate. - Desejam mais alguma coisa?
- Pululito! - Alice mais uma vez respondeu por mim. - De molango.
A atendente riu e me olhou, como se esperando uma confirmação. Assenti, sorrindo também.
- Um pirulito, por favor.
Depois de pagar, saímos da sorveteria. Alice tomando seu sorvete com uma mão e segurando o pirulito em outra.
- Agola vamos no paquinho.
- Eu tenho que ir para a faculdade, Lice. E ainda preciso cortar sua franja.
Ela me olhou levando a mãozinha que segurava o pirulito fechada em um punho até a cintura e a cara fechada.
- Não é Nice, mamãe! É meu amô!
Eu ri alto.
- Tudo bem, meu amor. Mas nós não podemos demorar.
Ela concordou com um aceno de cabeça e caminhamos até o parquinho de mãos dadas. Vinte minutos depois, minha irmã estava completamente lambuzada do sorvete de chocolate enquanto eu a empurrava suavemente no balanço.
- Isso é divetido, mamãe! - Ela gritava em meio a risos.
- Segure, não solte.
- Tá bom, pode palar, pode palar.
Me afastei deixando que ela voasse contra o vento, segurando as correntes do balanço com suas mãozinhas delicadas e o cabelo loiro amarrado em marias-chiquinhas esvoaçando enquanto ela jogava a cabeça para trás. Seu riso era contagiante, deixando visíveis seus dentinhos brancos recém-formados e denunciando duas profundas covinhas em ambas as bochechas. Minha irmã parecia um anjo, tanto em aparência quanto na personalidade. Como não amar um ser tão puro e inocente assim?
- Já chega, vamos lá - Eu disse ao segurar as correntes do balaço.
- Você vai dar monitolia?
- Não, amor, a monitoria é amanhã. Hoje vou estudar e não faço ideia de que horas são.
Eu preciso comprar um relógio, refleti, talvez pela milésima vez.
Alice não reclamou por ter que sair do parque, o que não me surpreendeu. Ela nunca reclama.
- Me dá - pediu pegando os dois pratinhos de sorvete vazios na minha mão e seu pirulito, então saiu da areia e correu até um cesto de lixo. Depois de jogar os pratinhos lá dentro, ela voltou. - Podemos ir agola.
Tirei forças do meu âmago para apostar corrida com ela até em casa.
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Stefan
- Quando você vai me apresentar aos seus pais? - Julia me perguntou pela milionésima vez quando entramos no corredor principal da Universidade.
- Por que isso é tão importante para você?
- Qual é, Stefan? Você conhece meus pais desde que era criança, mas eu nunca conheci os seus. Isso é a única coisa que falta para a gente ter um relacionamento sério de verdade!
Quase caí na gargalhada, porque era exatamente esse o problema. Eu não queria um relacionamento sério. Nem naquele momento, nem nunca.
- Por que você está rindo?!
- Eu não estou rindo. - Balancei a cabeça.
Parei na frente do meu armário, o abri e joguei minha jaqueta lá dentro.
- Stefan, olha que aberração! - Reconheci a voz de Pedro às minhas costas e me virei.
Dessa vez meu trio de amigos estavam juntos, fazendo barulho e atraindo atenções como sempre enquanto vinham em minha direção. Pedro e Fabrício riam de se curvar, enquanto André sustentava uma cara emburrada e o cabelo totalmente pintado com um vermelho fluorescente, como se estivesse pagando algum tipo de promessa humilhante ou algo do tipo.
- Mas que merda é essa, André? - Eu quis saber.
- Vocês são patéticos! Vermelho significa poder e guerra, deviam experimentar.
Nós rimos ainda mais.
- Tenho certeza de que ninguém ficaria tão bem desse jeito quanto você.
André revirou os olhos e olhou para a garota ao meu lado que parecia ter chupado limão, tentando fugir da chacota:
- Boa noite, Julia.
Mas ela não respondeu, então as risadas se desfizeram aos poucos.
- Bomba? - Fabrício me perguntou baixinho.
- Você não tem ideia.
Ele fez uma careta.
- Então a gente se vê mais tarde. Boa noite, gatinha. - Ele piscou para ela e os três se afastaram, retornando ao assunto sobre o cabelo de André que certamente não seria esquecido tão cedo.
Me voltei para Julia com um suspiro e a encontrei de braços cruzados, me encarando como se fosse me fuzilar com os olhos. Mas que porra!
- Okay - Eu disse levantando as mãos em sinal de rendido. - Você sabe que o campeonato de karatê será em três meses, certo?
- E daí? - Ela levantou uma sobrancelha.
- Vamos fazer o seguinte: se eu sair de lá inteiro, sem nenhum osso quebrado, vou me ajoelhar na arena e te pedir em namoro na frente dos seus pais, dos meus pais e da cidade inteira.
Seus olhos brilharam e a sombra de um sorriso surgiu em seus lábios. Mas uma coisa que eu aprendi nos últimos anos se tratando de garotas, era diferenciar "paixão" e "interesse". Julia, com certeza, se incluía na segunda palavra.
Eu podia parar por ali, mas levar a brincadeira adiante parecia ser mais divertido.
- E depois vamos sair para jantar no melhor restaurante da cidade, tudo por minha conta. E então... - Me aproximei dela e alisei sua bochecha com o polegar. - Vou te levar para a minha casa, para o meu quarto, e vou garantir que você tenha a melhor noite da sua vida até o nosso casamento.
De onde raios eu tirei isso?! Não ria... não ria... Stefan, você não pode rir.
Seus olhos transmitiam animação quando ela inclinou o rosto ao meu toque.
- E então... você acha que vale a pena esperar três meses por isso?
- Promete? - Ela perguntou de olhos fechados.
Eu podia jurar que ela seria capaz de se entregar a mim ali mesmo, no corredor principal da Universidade.
A segurei contra o armário e colei nossos lábios sem ligar a mínima para a plateia, me dando conta do quanto é fácil iludir garotas assim. Sua respiração saía aos tropeços quando me afastaei apenas o suficiente para perguntar:
- Precisa de uma promessa melhor do que essa?
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Alexia
Lívia era uma mocinha dois anos mais nova do que eu que decidiu parar de estudar aos quinze, para ajudar a família a colocar dinheiro em casa. Cerca de dez centímetros mais baixa, a garota de cabelo curto acima do ombro e uma pele que vivia sempre bronzeada foi a babá que mais cativou Alice. Eu precisei cometer alguns erros na procura pela pessoa certa, mas assim que minha irmã colocou os olhos em Lívia cerca de um ano atrás, eu soube que tinha de ser ela. Alice se sentiu à vontade em sua presença de maneira absurdamente instantânea, e considerando o grau do trauma que minha irmã carregava na época, eu simplesmente não podia perder a chance.
Desde então ela nunca me deixou na mão. Nunca faltou a qualquer dia de serviço, mesmo quando não se sentia bem - ela me deixava saber sobre isso apenas quando melhorava. Lívia era com certeza o tipo de pessoa a quem eu confiaria minha irmã de olhos fechados, tanto por sua responsabilidade quanto pelo carinho que nutria por ela. Era o tipo de pessoa que tinha a índole amável estampada nos olhos escuros, e eu percebi isso tão bem quanto Alice.
Naquela noite, como em todas as outras, ela chegou pontualmente às 18h00min.
- Megan fez almoço mais cedo, Lili. É só esquentar para janta - Eu a instruí arrumando minhas coisas para sair. - Não deixe Alice me esperar acordada hoje. Se ela quiser ver as estrelas, a leve ao terraço, mas por favor, a faça dormir nove horas. Ela acorda muito cedo.
- Pode deixar. Ontem ela não quis dormir de jeito nenhum, mas hoje eu dou um jeito.
- Está pronta, Lexy? - Megan perguntou entrando na cozinha com a bolsa pendurada no ombro.
- Estou. Alice!
Minha irmã saiu do quarto correndo, carregando seu urso de pelúcia pelo braço.
- Tchau, mamãe - Ela abraçou minhas pernas.
- Durma cedo hoje, está bem? Nada de me esperar acordada.
- Tá bom. Tchau, tia Megui.
- Tchau, meu pimpolho - Megan a pegou no colo e lhe deu um beijo na bochecha. - Te vejo amanhã. Boa noite, Lívia.
- Boa noite.
Megan me deu carona para a Universidade ao som de Call me maybe, e enquanto Carly transmitia a música pelo aparelho de som, nós duas fazíamos nossa excelente performance em plenos pulmões, o mais alto que podíamos, com direito a gestos e risos.
- Te vejo mais tarde - falei sorrindo e desci do carro na frente do portão do Campus.
- Até mais - Ela levou o carro para o estacionamento e eu entrei ainda com a música ecoando em meu cérebro, imaginando, não pela primeira vez, o quão divertido seria se Megan estudasse na mesma turma que eu. Acontece, porém, que além de ter ingressado na faculdade um ano antes de mim, sua paixão sempre foi pela arte, então embora eu me sentisse sozinha na maior parte do tempo na área de economia, eu estava satisfeita por minha amiga cursar o que ela queria. Era evidente que teria um futuro brilhante pela frente, eu jamais me oporia a isso.
Meus pensamentos ainda divagavam quando avistei Stefan no corredor principal assim que entrei pela porta. Ele parecia estar tendo algum tipo de conversa íntima com a garota que eu e Megan chamávamos de Pirigaita, mas era de conhecimento público que seu nome de batismo era Julia.
Tentei passar despercebida por eles, mas infelizmente meu plano não deu muito certo.
- Marrentinha... - Stefan disse com seu sorriso ridículo, fazendo Julia se virar para mim. - Que honra te encontrar de novo
Merda. Impossível descrever como eu consegui adotar uma aversão tão repentina por esse rapaz.
- Boa noite, Stefan. Se você me der licença, tenho aula agora - Tentei soar educada e continuar meu caminho, mas dando um passo para o lado, ele bloqueou meu espaço.
- Ei, ei, ei... calma, garota. - Abrindo um sorriso digno de outdoors gigantescos, ele olhou para Julia. - Essa é Alexia. Foi ela quem acabou com nossa festa de domingo e... me negou monitoria ontem.
As sobrancelhas da loira se ergueram em curiosidade.
- Ah, é mesmo? - perguntou cruzando os braços. - Mas não dizem que monitores que não têm dinheiro para pagar a faculdade são obrigados a dar monitoria a quem não é pobre?
Levei um segundo para entender que ela pretendia me humilhar por eu não ter o mundo aos meus pés como ela. Ah, querida... hoje não.
- Talvez as regras tenham mudado - respondi tranquilamente. - Dizem por aí também que é proibida a entrada de animais na universidade... por que então tem uma vaca bem na minha frente?
Ela abriu a boca para revidar, mas aparentemente não encontrou nada para dizer. Então, após lhe dar um momento de silêncio, revirei os olhos e passei por Stefan.
- Com licença, eu tenho mais o que fazer.
Nossos olhares se cruzaram por um milésimo de segundo, mas foi o suficiente para eu perceber o sorriso que ele tentava esconder.
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Stefan
- Você não vai fazer nada?! - Julia berrou depois que Alexia passou por nós.
- O que você quer que eu faça? - perguntei, usando até a última gota do meu autocontrole para não cair na gargalhada.
- Ela me chamou de vaca na sua frente!
- E você a chamou de pobre.
Está aí outra coisa que eu não suporto. Certo, eu nunca fui pobre e não sei se conseguiria passar por essa experiência, mas não é por isso que devo me achar superior às pessoas que são. Parece que Julia pensa diferente.
- M-mas... eu só... constatei um fato - Ela gaguejou ao tentar se explicar.
Dei de ombros.
- Ela também.
Não esperei a menina encontrar uma resposta para mim. Virei às costas e saí, a deixando parada sozinha no corredor.
Me peguei sorrindo várias vezes durante a aula enquanto rabiscava círculos aleatórios em uma folha do meu caderno.
Vaca. Nunca alguém se atreveu a chamar Julia assim. Nunca alguém se atreveu a me negar monitoria. Nunca alguma garota ocupou meus pensamentos sem que eu quisesse. Mas então ali estava ela, tirando totalmente minha concentração durante a aula. Não que algum dia eu prestei atenção ao que o professor dizia, mas preferia ocupar minha mente com os planos que eu teria para o dia seguinte.
O que essa garota tem de especial? Na boa, ela não passa de uma nerd ridícula. Não tem nada a ver comigo.
No entanto, não importa o quanto tentasse me convencer, novamente me via preso em um par de olhos azuis me observando com uma determinação que eu ainda desconhecia.
Me remexi na cadeira, incomodado.
Porra, o que ela tem de diferente?
- Com licença... - Pela primeira vez, meus pensamentos me deram um descanso quando uma senhora vestida formalmente abriu a porta da sala de aula. - Desculpe atrapalhar sua aula, professor, mas eu preciso falar com o Stefan.
- Claro. - O professor Hugo e o resto da turma olharam diretamente para mim.
Levantei-me sem fazer ideia do que aquela mulher queria. Eu costumava vê-la vez ou outra na área de monitoria ou caminhando pelo campus, mas nunca antes havia me dirigido a palavra. Que raios está havendo agora?
- Desculpe o incômodo, Stefan, mas acabou de chegar uma denúncia até a mim...
Eu ri.
- Dessa vez é mentira. Seja lá o que disseram, eu não fiz nenhuma merda essa semana. Pelo menos, não dentro do campus.
- É verdade que uma aluna bolsista te negou monitoria?
Levou um pequeno intervalo de tempo entre o momento em que ela proferiu as palavras e o momento em que elas fizeram sentido para mim, então deduzi que a senhora à minha frente devia ser a diretora do Programa de Monitoria ou algo do tipo. Constatei também que eu já devia saber que Julia não ficaria calada quanto a isso.
- E se for? - perguntei calmamente.
- Bem... se for, eu terei que tomar algumas providências.
- Que tipo de providência?
Ela inclinou levemente a cabeça para o lado, me observando como se soubesse que eu conhecia as regras. É óbvio que eu conhecia, mas ainda assim, ela esclareceu:
- É de conhecimento público que qualquer monitor bolsista que nega monitoria perde o direito à bolsa.
Balancei a cabeça devagar e me vi medindo minhas próximas palavras:
- Segunda-feira, minha monitora oficial não pôde vir, então uma garota do terceiro período se dispôs a me ajudar. Ela nem precisava fazer isso, mas fez. A propósito, foi excelente.
A diretora levantou as sobrancelhas, mas não disse nada. Então eu continuei:
- Hoje mais cedo, Julia Kamiski insultou essa garota. Ela respondeu ao insulto, mas você sabe como é... pessoas como a Julia não aceitam ser confrontadas. Talvez isso a levou a inventar essa mentira para prejudicá-la.
- Eu nunca disse que foi Julia quem denunciou.
- Não precisa dizer. Eu não sou idiota.
A mulher apertou os lábios e balançou a cabeça lentamente.
- Então, você está dizendo... que essa denúncia é falsa.
- Exatamente.
- E não existe qualquer possibilidade de você estar mentindo para acobertar uma aluna bolsista.
Eu ri.
- Qual é... por que eu iria querer protege-la?
Isso parece ter servido para convencer a diretora, porém, mais tarde naquele mesmo dia, eu me vi fazendo a mesma pergunta:
Por que eu iria querer proteger a Alexia?
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