II 2.9 Ele virá
Mais uma vez, ele ordenou que ela dançasse. Estaria no salão, aguardando-a. E ela deveria proporcionar aos filhos um espetáculo digno da favorita do líder.
Só que, nesta noite, ela não quis obedecê-lo.
Estava cansada, sentia os ossos pesados, os músculos fracos. Vagou solitária pelas ruínas do palácio inundado, acompanhada somente da criança que insistia em segui-la.
– Vashirï – cumprimentou uma filha de Amadum, de longos cabelos ruivos e olhos sonhadores. Ela carregava duas crianças, uma no colo e a outra no ventre. – Vou levar minha filha ao jardim, posso levar a sua... pequena companheira?
– Gostaria de ir? – ela perguntou para a menina.
A criança a observou desconfiada. A mãe colocou a filha no chão e ela abriu um sorriso para a pequena rani de roupas esfarrapadas. A filha de Amadum tinha um sorriso bondoso e as duas concordaram. A criança foi na companhia delas.
Ela se viu sozinha pela primeira vez em algumas semanas.
Sempre que a criança se afastava, ela se sentia mais leve, menos sufocada. Sabia que a criança era o elo com memórias perdidas, confusas e uma vida de dor. A sua presença era como uma faca cega fazendo pressão contra a carne. Não a perfurava, nem fazia com que sangrasse, mas era um constante lembrete de que, se quisesse, poderia fazê-lo.
Na maior parte do tempo, tudo o que ela queria era que a criança compartilhasse com ela o que sabia.
Porém, quando ela se afastava... Que alívio! Que liberdade!
Se quisesse, poderia acreditar que era uma pessoa inteira, nova, sem passado algum. Era livre como aqueles filhos que dançavam naquela noite de festa.
Nesses momentos, ela se permitia pequenos prazeres aos quais não se entregava na frente da criança.
Foi atrás do único que poderia servi-la.
Ele sempre ficava numa galeria quase deserta. Os aposentos eram sucedidos por um amplo salão de espelhos, rachados pelo tempo. Até mesmo o chão era coberto por espelhos. Assim como ela, ele apreciava música e uma boa bebida. Sempre tinha o que ela precisava. Naquele salão, escondida dos olhares dos outros filhos, ela gostava de dançar. Ouviu a música que vinha dos aposentos pessoais dele e seguiu a toada antiga.
Assim como ela, ele era capaz de fazer fogo com as mãos, música com a mente. Não precisava daqueles tolos que tocavam amedrontados atrás do líder.
Era só desejar... E pronto.
Ali estava a música, a vida.
Os sons não eram produzidos por instrumentos, eram sussurrados pelos deuses, vinham no ar, dançando no vento e balançando os cabelos negros.
Ela passou pelo interior do quarto, percebendo a cama desarrumada iluminada apenas pela lua de sombras. Aos pés da cama, dormindo relaxadamente, havia uma imensa pantera como a noite. Ela afagou suas orelhas sem temê-la e saiu para procurar seu dono.
Nunca conseguia lembrar o nome dele, mas, se estivessem assim, um diante do outro, os deuses sussurravam nos seus ouvidos como faziam com o líder.
– Ariel – ela chamou, encontrando-o jogado em uma rede entre pilastras cobertas por musgo. Ele tinha os olhos sonhadores, mirando o sorriso de Bhaskar, um braço atrás da cabeça, os pés descalços como todos os filhos. Usava um colete de couro antigo, com um G costurado, sobre o qual apoiava uma garrafa de vinho.
– Hannah – ele a cumprimentou. Era o único que a chamava pelo nome e, por isso, ela só sabia quem era quando estava em sua presença, o que era raro. O líder não gostava que estivessem juntos e, mais de uma vez, a sua insistência em procurá-lo custou caro para Ariel e até mesmo para ela. – Vejo que Liliana a encontrou.
– Liliana... A filha de Amadum? Você a enviou?
– Sim... – Ele se sentou na rede, oferecendo-lhe a garrafa. Hannah aceitou e bebeu um longo gole. – Imaginei que me faria uma visita, caso estivesse sem a criança... Precisamos conversar.
Hannah abriu um sorriso sem graça e sorveu mais um gole de vinho: – Sou tão previsível assim?
– Não. É que sou seu único amigo aqui – respondeu o homem esguio, se levantando. Ela não sabia por que era assim, só sabia que era a verdade. Aquele homem era jovem, com o corpo magro bem delineado, os olhos tão lindos quanto os dos filhos que ela odiava. Por que simpatizava com ele? Por que o considerava um amigo? Ela não compreendia.
– A criança diz que o líder é nosso único amigo – rebateu.
– Luc é o nome dele – Ariel refrescou sua memória inútil. – E está longe de ser seu amigo. Talvez tenha sido um dia... Mas isso acabou.
– Luc – Hannah repetiu aquela palavra, querendo guardá-la para usá-la contra ele.
– Venha – pediu Ariel, saindo do quarto na direção do salão de espelhos. – Desde que o velho chegou, ele tem alertado Luc sobre você, sobre o que ele fez conosco.
– Eu vi o velho no último baile... Quem ele é?
– Ele é um curandeiro e um ghaya poderoso. A maioria desses filhos que se juntaram a nós veio da tribo de Babakur que ele liderava... Acontece que o velho não era propriamente um líder. Era apenas um ancião, um sábio. Ele desejava que um filho liderasse, unisse as tribos decadentes e fortalecesse os filhos. Há muito tempo, o velho tem o sonho de viver na cidade dos filhos, um lugar onde nós fôssemos aceitos.
– Este era o seu sonho também?
– Não, eu sou um Gwenaël, rani. Pense em mim como um nobre mimado que não se mistura com o povo. É assim que minha família é reconhecida entre os filhos. Nós nos infiltramos nos filhos dos clãs e fizemos parte de sua nobreza até que mostramos a nossa verdadeira face.
– Qual?
– A da dor.
Eles viraram em um corredor escuro, e Ariel abaixou o tom de voz: – Minha família era mais rica e mais poderosa que todos os outros filhos e gostava de luxo. Viver como nômades em meio ao mato não era suficiente para os Gwenaël. Enquanto nós vivíamos entre os filhos dos clãs, os outros filhos de Babakur se dividiam em tribos. A tribo dos guerreiros atraía os homens mais fortes, a tribo do velho ghaya acolhia mulheres, crianças, velhos. O antigo ghaya via em Luc um líder em potencial. Afinal, ele traiu os filhos quando a seguiu, mas ainda se consultava com ele. Não era querido pelos guerreiros, mas poderia ser ainda mais poderoso que Roch, o antigo líder.
– Você parece ter decorado essa história, imagino que já tenha me contato algumas vezes – observou Hannah, cabisbaixa.
– É verdade, mas isso não importa. Contarei quantas vezes a rani quiser ouvi-la – ele piscou, ajeitando os cabelos negros.
– Por que é gentil comigo? Por que não está ao lado dos outros filhos? Por que não tem medo de mim?
– Qualquer haya em plena consciência a teme, Hannah. Eu sou um haya e consigo senti-la. É claro que eu a temo. Mas você e eu somos iguais, agora. Estamos partidos, aprisionados por Luc.
– Isso nos torna aliados, então.
– Não somente isso. Quando você era uma menina, eu enviei a pessoa mais preciosa da minha vida para você. Um ghaya me disse que você a acolheria. E assim você o fez.
– Quem era essa pessoa? – perguntou, ansiosa, querendo saber qualquer migalha sobre o seu passado.
– Na época, era minha irmã – comentou. – Hoje, é uma saudade constante. Mas estou aqui por causa dela. Nós que somos Gwenaël temos uma responsabilidade sobre a nossa família... Os danos que foram feitos... Chegamos – ele se interrompeu, colocando um dedo sobre os lábios finos.
– O que vamos fazer? – Hannah sussurrou.
– Ouvir o que pudermos até que ele nos descubra – respondeu Ariel, oferecendo uma piscadela travessa que fez com que ela tivesse vontade de rir.
Hannah reconheceu a porta do quarto de Luc ao final de um corredor rodeado de pilastras cobertas por heras cheias de espinhos apodrecidos. Aquela ala era mais deserta e um vento frio soprava, carregando folhas secas que vinham do jardim abandonado. Hannah avançou sobre o chão rachado, evitando as folhas que se desmanchariam com cracs reveladores. Ao seu lado, Ariel a acompanhava com a mesma habilidade de um tigre em uma caçada. Nenhum deles emitiu qualquer barulho. O filho de Babakur se apoiou contra a porta, girando a maçaneta dourada. Os cabelos pretos e curtos caíam sobre os olhos que se estreitaram para espionar o amplo aposento que o líder chamava de quarto.
Como um felino, Ariel escorregou para dentro, escondendo-se atrás de cortinas esvoaçantes e esburacadas.
– Vamos ser pegos – ele informou a Hannah, assim que ela se postou ao seu lado. – Mas vai valer a pena, apesar da dor.
– Não tenho medo de sentir dor.
– Nem eu – ele abriu um sorriso irônico que fez Hannah se lembrar do que ele realmente era.
Entre as frestas das cortinas, ela viu algumas filhas de Amadum. Uma delas servia bebidas, outra inclinava-se sobre uma mesa, cheirando o pó translúcido da magnólia, já outra dormia profundamente sobre um sofá alongado.
Hannah teve vontade de imitá-las, entregar-se a uma noite sem sonhos.
Eles ficaram ali, aguardando, até que a porta se abriu novamente e uma bengala bateu contra o chão coberto de pétalas transparentes.
– Seu plano está fadado ao fracasso, meu filho – decretou o velho ghaya, sendo seguido por Luc.
– Saiam todas – ordenou o líder em um tom que fez as filhas correrem, enrolando-se em lençóis brancos. – Estou cansado de ouvir suas previsões inúteis, velho! Me dê alguma solução!
O líder caminhou pelo quarto agora vazio, jogando uma taça contra a parede. Ela se estilhaçou, derramando o líquido vermelho nos lençóis e nos tapetes encardidos.
– Não há solução, você criou seu próprio inimigo. Ele virá buscá-la.
– Quer mesmo que eu acredite nisso, velho? Eu mesmo o treinei! E ele era fraco, inútil! Não é páreo para mim, não chega nem mesmo aos meus pés...
– Não era – concordou o velho. Hannah se encolheu quando ele a mirou com o rabo do olho, mas não deu qualquer indício de que soubesse que ela estava ali, escondida atrás da cortina. – Mas agora é. Você o transformou, Luc. Ele não é como nós. Nós somos filhos de Babakur, carregamos o sangue do deus nas nossas veias. Já eles... Eles são filhos dos clãs, tocados pelos deuses. Podem não ter poder algum. E podem ter todo o poder que os deuses quiserem lhes dar. É por isso que a Maël é mais forte que todos nós. O que é Babakur contra os 11 outros? Ela é a vashirï, filha dos deuses, escolhida pelos outros. Os deuses lhe deram poder. Eles fizeram o mesmo com ele. Graças a você.
– O poder que ele tinha era o mesmo que crianças pequenas têm aqui na tribo – desdenhou o líder.
– Sim... Era. Ele havia perdido a família e os deuses o tocaram, mas estava tão escondido da verdade que mal sentia o próprio poder. E, então... Você foi lá e tirou tudo o que ele tinha. Você tirou o chão dele, você o afogou na dor. E, agora, os deuses o fortaleceram.
– Eu fiz o que tinha que ser feito!
– A que custo, Luc? Acha que foi isso que ele pediu quando fez um tratado pela proteção da rani? Você foi traiçoeiro, pensou em si mesmo, queria ser líder!
– E eu sou o líder! Nasci para ser o maldito líder e estou aqui reerguendo a cidade que você tanto sonhou, assumindo a posição que você queria que eu assumisse! Não era isso que você pedia sempre? Uma cidade para a nossa tribo? Construir como irmãos? Ter nossas mulheres protegidas e não largadas à própria sorte? É o que temos hoje! Uma cidade, um clã! O que mais quer de mim?
– Quero que abra os olhos! Quer reinar sobre cinzas?! Bahadum vai queimar! Ele virá atrás de vingança e vai ferir cada pessoa que estiver nessas terras! - a voz do velho se exaltou e ele bateu a bengala contra o chão, irritado, demonstrando ter mais força do que parecia.
Luc passou as mãos pelo rosto até pousar os dedos sobre os olhos: – Ele não tem força para isso, ele é um inútil...
– Ele é o haya mais forte que existe hoje, Luc! É ainda mais forte que você! Eu o senti! Você o transformou! É um homem afogado na dor e dentro dele só existe raiva. No dia em que ele vier até aqui, vai ser para queimar cada um de nós – ressaltou o ghaya. Seu tom de voz era, ao mesmo tempo, impaciente e assombrado.
– Diga logo o que quer dizer, maldito! – gritou Luc, dando-lhe as costas.
O velho olhou na direção de Hannah enquanto dizia: – Você precisa libertá-la. A tribo inteira sofrerá porque ele quer vingança. Deixe que ele tenha a mulher dele. Liberte a rani.
– Não. Ela não é mulher dele – cuspiu Luc, sem se virar. – O que ele fez por ela além de abandoná-la à própria sorte? Além de se afogar em magnólia e esquecer-se de quem ela era? Ele que carrega o sangue do homem que abriu as portas para os assassinos. Ele que diz que é dono dela, usurpa a sua coroa, senta no trono do seu pai... Ele não passa de um usurpador. Ela veio até mim. Ela está viva por minha causa. Ela é minha. Ele nunca a terá.
O coração de Hannah retumbava no peito enquanto ela absorvia cada palavra.
Ele.
Luc dissera apenas coisas terríveis sobre esse homem.
Usurpador.
Dono.
E, mesmo assim, ela sentia que ali estava algo que ela procurava há anos.
Os longos dedos de Ariel envolveram seu pulso, como se ele soubesse o que ela queria fazer, mas não foram capazes de contê-la.
– Quem é ele? – questionou Hannah, saindo de trás das cortinas em um impulso. O velho engoliu em seco, dando um passo para trás, postando a bengala cuidadosamente na frente do corpo. – Quem é ele?! – berrou Hannah, puxando Luc pelo braço.
Luc a mirou com olhos insanos que a fizeram recuar. Ela viu a mágoa no olhar dele quando ele disse: – Ninguém. Um nada. Ele não existe aqui, nem nunca vai existir.
– Me conte – pediu Hannah, deixando a mão encontrar o rosto de Luc, pousando-a suavemente sobre a bochecha dele. – Eu perdoarei qualquer coisa, mas, por favor, deixe que eu me lembre da minha vida. Quem é esse homem que virá por minha causa?
Luc colocou a mão sobre a dela, levando os dedos de Hannah aos lábios. Ele fechou os olhos e ela insistiu: – Por favor, Luc. Me conte ao menos o nome dele... Eu vou esquecê-lo assim que sair deste quarto.
– Não posso, pelo seu próprio bem – foi a resposta dele, cálida entre seus dedos.
– Ele tem razão – interrompeu o velho. – Há uma profecia antiga sobre a rani e o homem que ela escolherá. E apenas dizê-lo nesta fortaleza... Os ventos podem soprar o nome para os ouvidos errados.
– O que a profecia diz? – perguntou Hannah.
– Diz que, por causa desse homem, a rani vai abrir o Portal, libertando Vïc Babakur para um reinado de dor e vingança sobre os filhos que o trancafiaram.
Lágrimas escorreram pelo rosto de Hannah, quando seu coração reconheceu aquelas palavras, a maldição que pesava mais que as correntes amarradas no pescoço da criança.
Ela soube que era verdade.
– É por isso que me temem? Os filhos? Achei que fossem filhos de Babakur, por que não ficariam felizes com o retorno do deus?
– Não somos esse tipo de filhos – assumiu o velho. – Nem mesmo os filhos de Babakur deixam de temer o próprio pai. Além disso... O que Babakur pensa sobre os filhos que desistiram? Aqueles que não viveram uma vida tentando que ele retornasse? Ele se voltará contra nós.
– Esse homem acha que estou morta – percebeu Hannah.
– É melhor que ele pense assim. Isto – Luc abriu os braços – é o que você queria, rani. Você está protegida. Ele irá se casar com outra, dará continuidade à linhagem. Seu povo está feliz, seguro. E a maldição não acometerá ninguém. Você será a última Maël e levará a profecia do Portal com você quando fizer o voo nas asas de Amadum. Você veio até mim e me pediu ajuda. E esta era a ajuda que você queria. Eu sou seu único amigo.
A voz de Luc era doce e suave. Ela se sentiu tentada a acreditar nele. Na sua mente confusa, aquilo fazia sentido, parecia algo que ela escolheria, sim. Um sacrifício. No fundo, ela sabia que era o que seu sangue pedia. Mesmo assim, não se conteve: – O que você chama de cidade não passa de um túmulo. Aqui devo esperar pacientemente até a morte. É isso que está dizendo?
Hannah percebeu que o velho ghaya deixava os aposentos. Aquela conversa não era para os seus ouvidos e ela entendeu que não levaria a nada.
– Não – disse Luc, pegando novamente a sua mão. – Um novo clã nasce aqui em Bahadum. Alim escreveu sobre mim, rani. A minha linhagem dará continuidade ao 13º clã. Esqueça a sua profecia de morte e junte-se a mim para a vida.
– Está me pedindo...
– Que seja minha. Sob qualquer laço que você escolher, Ayman ou Bahija, não me importa.
– Mas você disse que devo ser a última Maël – balbuciou Hannah.
– E a última Maël não pode se casar?
– Para ser a última, não posso ter filhos – as palavras escapuliram de Hannah e, mais uma vez, ela reconheceu uma frase que já tinha sido muitas vezes ditas no passado. Nas pupilas negras de Luc, ela reconheceu um sentimento raro: compaixão, pena.
– Sinto muito, Mani. Faz parte da sua profecia...
– Não terei filhos - ela percebeu. Imediatamente, uma das mãos encontrou o ventre e ela se lembrou da barriga inchada de Liliana e da filha nos braços dela. As lágrimas escorreram sem que ela precisasse piscar e as palavras saíram raivosas: – Você já tem filhos. Já tem uma linhagem, por isso que não se importa – adivinhou, lembrando-se das várias mulheres que vira nos braços de Luc.
Ele assentiu para a primeira acusação, mas balançou a cabeça para a segunda.
– Eu me importo. Mais do que qualquer outro. Apenas... Não a quero pelo seu sangue, Hannah. Nem pelo seu poder, nem pela sua linhagem.
– Por que, então?
Ele levou os nós dos dedos até a bochecha dela, descendo pelo pescoço e pelo colo. Quando a mão roçou o seio de Hannah, ele passou o polegar sobre o mamilo, sentindo-o sobre o tecido sedoso.
– Sou o haya mais poderoso de Adij Alim, estou à sua altura, rani.
– Não estou perguntando por que eu devo escolhê-lo. O velho acaba de dizer que este homem da minha profecia é mais poderoso que você.
Essa afronta fez com que Luc a pegasse pelo braço, aproximando-a dele. Ali estava o aperto forte demais, os dedos que marcavam sua pele. Ela sentiu medo, mas não se acovardou: – Perguntei por que você me quer. O que eu tenho para te oferecer agora? Um dia fui uma rani, hoje não sei nem meu próprio nome. Tenho uma maldição em minhas costas, um ventre trancado por uma profecia de morte. Por que me quer?
Os dedos não se afrouxaram, mas ele chegou ainda mais perto. Com a outra mão, desabotoou o primeiro botão que se fechava logo entre os seios. Depois, a mirou nos olhos e, mesmo sem saber qualquer coisa sobre a vida, ela reconheceu o brilho de um desejo profundo: – Porque você é... linda. Porque não me canso de vê-la. Porque prometi que iria protegê-la e isso se tornou toda a minha vida. Porque não sei viver sem você desde que a encontrei naquela caverna há 16 anos. Fraca, imunda, à beira da morte. Foi assim que ele a largou. Foi isso que eles fizeram com você e eu não vou permitir que façam novamente. Confie em mim, Mani. Eu posso protegê-la, posso fazer isso para sempre...
Luc se aproximou, os lábios firmes pousaram sobre os dela, os cabelos negros roçaram o seu rosto. Por um momento, Hannah teve vontade de experimentar, deixar que seu corpo a guiasse para ele, ficar entre seus braços, sentir um carinho que fosse. Há anos, ninguém a abraçava, ninguém a tocava, ninguém ousava nem mesmo chegar perto dela.
Porém a energia que emanava dele era tão intensa que ela se viu sem ar, não conseguia respirar, não conseguia pensar, nem sentir nada que não fosse aquela sensação de que estava queimando, mas não na chama branda de um calor que acolhe, mas no desespero de uma fogueira que arde.
Isso pode ser bom, ela pensou.
Eu posso ser menos sozinha.
Mas seu corpo lutava, protestava.
Sua pele se eriçou e não foi de desejo, foi de repulsa.
Quando não conseguiu mais conter o impulso nas suas mãos, ela o empurrou.
E, imediatamente, viu o ódio nas feições dele.
– Ainda assim você me nega! – ele berrou, indignado. A palma da mão encontrou sua bochecha antes que ela pudesse recuar. Caiu no chão com a força do impacto, mas se ergueu imediatamente, jogando-se contra ele.
– É assim que você me quer, não é? Você fala em me proteger, mas como é que você me protege?! Me exibindo na frente dos filhos, exigindo que eu dance para eles, que eu os entretenha! Você não me quer na sua cama, me quer a seus pés!
Ele a pegou pelos pelos braços e a jogou contra a cama desarrumada, a fúria dominando-o completamente.
Hannah sabia que tinha que fugir, correr para bem longe dali, mas também sentia-se insana e arrancou os botões que faltavam do vestido, puxando-o para os lados: – É isso que você quer? Poder entrar em mim e dizer que se deitou com a vashirï? Dizer que eu sou seu prêmio e poder mostrar aos filhos que você me domou? Eu quero ver você conseguir!
A mão de Luc se ergueu novamente e, dessa vez, ela se encolheu, fechando os olhos, mas o impacto não veio. Quando os abriu novamente, viu que Luc e Ariel brigavam no chão, um sobre o outro, em uma disputa de braços. Ariel detinha Luc contra o chão, fazendo tanta força que suas veias saltavam sob a pele.
– Corra daqui, Hannah! – berrou Ariel e ela o obedeceu, mas não foi longe. Escondeu-se logo atrás da porta.
Através de um espelho rachado, ela conseguia ver os dois ainda brigando, um filete de sangue já escorrendo da boca de Ariel. Até que Luc projetou energia bruta e rara sobre ele, jogando-o contra a parede. Ariel caiu no chão, gemendo.
– O velho está certo, Luc. Você precisa libertá-la – pediu Ariel, erguendo-se. Luc bebeu um gole de um líquido arroxeado, diretamente de uma garrafa. – O seu plano é perfeito. Exceto por Hannah. Deixe-a ir... Se ele vier buscá-la, ele vai matá-lo.
– Quantas vezes preciso dizer que ele é fraco e inútil?
Ariel o ignorou: – Se você morrer, tudo o que construímos, essa aliança, esses grilhões... Tudo perderá valor. Estaremos de volta à estaca zero, Hannah estará em perigo novamente, a profecia do Portal retornará e toda cidade que você construiu ruirá!
– Hannah me pediu para protegê-la e eu o farei até o resto da minha vida – respondeu Luc, categórico.
– Você está obcecado, Luc. Ela jamais será sua, precisa desistir...
– Quem é você para falar sobre obsessões, Ariel? Quando foi que você desistiu?! – berrou Luc. – Saia da minha frente, antes que eu mostre a você o que acontece com quem me desafia dessa forma.
Hannah esperou por Ariel no final do corredor. Ele mancava e tinha um corte no lábio inferior. Ela se compadeceu dele, mas Ariel sorriu satisfeito assim que a viu: – Não disse que valeria à pena? Sabemos agora que ele virá buscá-la.
– Você sabe o nome dele, Ariel?
– Eu sei, mas neste ponto concordo com Luc. É melhor que você não saiba, por enquanto.
– De qualquer forma, esquecerei tudo assim que dormir...
– Será mesmo? A menina tem o controle do que você sabe... Mas será que ela pode controlar até mesmo o que não viu?
Quando ela chegou no quarto, naquela noite, a menina já estava deitada, brincando com uma boneca de pano.
– Quem te deu esse brinquedo? Liliana?
– Sim.
– Qual o nome dela? – perguntou Hannah, sentindo pena da menina que abraçava a boneca como se fosse a sua própria filha.
– Meena – suspirou a criança. – Significa "aquela que dorme com os deuses".
– É um lindo nome – concedeu, deitando-se na própria cama e cobrindo-se com o lençol. Refletiu sobre o sonho perdido daquela criança, imaginando se, mesmo tão nova, ela já conhecia a maldição que a acompanhava desde o berço e que a impediria de se casar e ter uma família. Quando estava prestes a apagar as chamas que iluminavam o quarto, perguntou: – Quer trazer Meena aqui? Para dormirmos juntas?
A criança abriu um sorriso e se deitou ao lado dela, colocando a boneca Meena entre as duas. Então, sussurrou: – Que Amadam beije seus olhos e abençoe seu sono, pequena Meena. Boa noite, minha menina.
~*~
Quem estava ansiosa pra ter notícias de Ariel?
E ele continua ali... Entenderam os motivos dele?
O que aconteceu na Torre do Arzhel, gente? Já juntaram as peças?
E Hannah? Será que Luc a libertaria para preservar seu reinado na cidade dos filhos?
E, mesmo se ele o fizesse, será que Rariff o perdoaria?
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