Os comprimidos estão espalhados pela cama, copos convertidos em estilhaços que ornamentam a casa com o seu perigo. Há clima morto no lindo espaço com detalhes da cor da luz, você sente. Perdeu a vontade de viver.

A sua face lhe denuncia nitidamente. Rugas se formaram no seu rosto de tristeza profunda, angústia e cansaço.

Os seus dias tornaram-se monótonas, sem vida. Você conversa com a sua consciência que lhe espera para fazer uma escolha, pois a sua escolha será a resposta da sua vida. Você sabe que é o único que pode sair dessa, claro que o motivo que lhe pôs nisso é muitíssimo forte, mas você tem que fazer de tudo para vencer o líquido que das suas órbitas escapa.

Desde a partida dos seus dois amados, a sua vida se transformou em algo amargo, sem cor e cruel.

Não tem mais saído de casa, até se esqueceu do seu último dia que apalpou a rua sentindo os raios lhe banhando de forma a lhe trazer mais inspiração para fazer o que mais gosta nas manhãs, juntamente com os seus amigos; jogar futebol.

No seu quarto, que um dia compartilhou com a sua esposa, você sente o peso da perda esmagando o seu peito com uma força quase insuportável. Na mão direita você segura um envelope que tem como remetente, o nome; Arão.

Além do quarto que você está, também carrega o peso do seu filho no quarto próximo. Somando os dois pesos você tem como resultado, toneladas de avassaladoras dores que queimam o seu peito, juntamente com as suas entranhas.

Você repara no espelho e este lhe repara de volta, porém com algo diferente que você já não apresenta, a vontade de respirar e continuar, mas o seu reflexo, diferente de si, é forte. Um sorriso bem sincero aparece da imagem que lhe olha com a sua aparência.

A manhã já não é gostosa para si, que gostava muito de cantarolar as melhores canções que conhece. Os pássaros tentam ao seu máximo lhe transmitir felicidade com canções de inspiração e motivação. A sua mente viaja em cada detalhe do triste acontecimento que acabou com as suas forças, vontade, garra e sua energia para sentir a alegria.

A visita do seu melhor amigo tem feito diferença, entretanto algo em si ainda se nega a aceitar a existência da palavra "SUPERAÇÃO".

Você presta mais atenção no seu reflexo, que faz o que você não faz, o sorriso continua lá intacto e com brilho que tem raios de felicidade e amor que os seus amigos e os restantes familiares exalam. Você cobre as suas pálpebras e volta a lhes descobrir e mesmo assim o sorriso continua ali, no espelho.

Depois de escassos segundos a imagem acena com um movimento terno, ulteriormente ela lhe pergunta:

"Por que você não está sorrindo?"

Você por um longo tempo não responde, apenas continua olhando ao seu reflexo e tenta esboçar um sorriso que logo escorrega, pois ainda falta ingredientes para você sair vitorioso.

Então, você decide sair de casa para tentar alcançar essa palavra difícil de se alcançar no estado em que se encontra, todavia não consegue mexer os seus pés. A imagem bem parecida consigo continua no espelho olhando para si e parece ser o motivo pelo qual você continua na casa. No quarto.

"Quero sair daqui, mas não consigo"

"Você consegue, mas falta uma coisa muito importante" A voz proveniente da imagem no espelho diz com ternura.

"O quê?" Você pergunta.

O seu reflexo sorri antes de dizer:

"O sorriso."

O envelope continua na sua mão esperando para ser aberta e lida. Ela anseia ser lida, pois tem um conteúdo muito importante, muitíssimo importante. De repente você escuta a carta falando:

"Por favor, me abra. Por favor me leia."

O seu reflexo, com os olhos brilhando e com o sorriso que parece eterno, pisca um olho e diz:

"Faz isso, confia em mim. Eu sou você."

Você olha para o envolope com uma curiosidade que começa a nascer do seu interior, gradativamente. O cheiro do mesmo invade as suas narinas conquistando o seu olfato, um aroma muito deleitoso.

Você sabe, a partir do momento que segura o envolope com as duas mãos que ainda há muitos amigos, muitos irmãos, muitos primos, muitos sobrinhos, muitos tios que se importam consigo. Você sabe que precisa abrir o envelope antes de pensar no pior. Você pode sair dessa.

A campainha soa e você vai atender, logo encontra o homem dos correios com um leque de envelopes com o igual cheiro do primeiro que segurou durante a sua reflexão no espelho. O olor é deleitável.

Os pássaros ornamentam a sua melodia quando você põe os envelopes na cama e se preparando para descobrir o conteúdo que ali lhe espera.

Você solta um suspiro e se lembra da tragédia que acabou com os seus dois amados. A tristeza vem com uma velocidade absurda batendo na porta do seu coração, você hesita antes de abrir.

Uma dor forte atinge o seu coração e a sua alma. Você meneia a cabeça negativamente direcionando a sua mão no envelope que caiu no seu campo de visão. Você vê o nome do seu melhor amigo; Arão. Com calma abre e lentamente desdobra a folha no interior do envelope.

Os seus olhos vermelhos e sonolentos passeam na folha que parece não ter muitas palavras a serem exploradas.

Ficando sem mais forças você pensa no pior enquanto a sua visão passea na primeira letra; S. A letra lhe lembra a inicial do nome da sua falecida esposa; Sophia, pessoa que lhe acompanhou por muitos anos com lealdade, amor, paixão, confiança e todo conjunto das coisas mais boas na face da terra.

Continuando com o seu passeio na folha através da visão, você vê a segunda letra; O. A letra lhe lembra a inicial do nome do seu filho que sempre desejou ter e que lhe completou como pai, um pai ideal. Pai que soube como aplicar as suas responsabilidades sobre o filho único.

Agora você vê a letra; R. Letra que você gostaria que não fosse real, pois é inicial da palavra "real", coisa que você gostaria que não estivesse acontecendo agora, no entanto, nada do que está acontecendo agora é um sonho.

Mais um R é detectado pela sua visão que está quase a se perder.

O I lhe agride o coração já agredido anteriormente, você de imediato pensa na palavra infelicidade coisa que predomina na sua vida.

Novamente aparece o S, inicial do nome da sua esposa. Você descansa o papel na cama e limpa o rosto que já não derrama nenhuma lágrima, agora.

E por fim a última letra da palavra; O. Você vê esta sendo trancada com um ponto final e mais nada estava escrito na carta além da assinatura do seu melhor amigo, Arão.

Você quase ri ao ver a simples palavra.

Então, sem mais delongas você abre os envelopes espalhados pela cama, um por um e no interior encontra o mesmo conteúdo, mesmíssimo conteúdo. Cartas enviadas pelos seus amigos, irmãos, primos, sobrinhos, tios e muitos outros.

Você volta ao espelho, mas lá já não há um sorriso no seu reflexo, pois quem tem direito de colocar um no seu rosto é você.

"Você tem razão" Você diz, em seguida solta um sorriso genuíno vindo do coração e da alma.

Você sabe que eles se foram, mas você precisa continuar vivo para mostrá-los que lhes ama. Você sabe que eles querem lhe ver vivo e feliz.

A palavra que sujou os papéis que jazem ao longo da grande cama, ressuscitou a sua outra parte que havia morrido. Você sabe, todos fizeram de tudo para lhe ajudar.

Uma palavra tem poder.

Você cobre as pálpebras por escassos segundos e quando abre vê os dois; Sophia e Osvaldo sorrindo para si ao seu lado, no espelho. Você retribui com um sorriso verdadeiro vindo da sua alma.

A partir de hoje você se libertou. Você alcançou a SUPERAÇÃO.

Com uma roupa de praia você se aprecia no espelho.

"Preciso pegar umas ondas" Você diz em seguida sorri.

Um papel cai com as escritas:

O Poder duma Palavra

★★★

Fim