31. Aquele com a Família Perfeita
Ser bom nem sempre é fácil, não importava o quanto tentasse
Quando ele começava à me falar docemente, ele veio me dizer que estava tudo bem
Ele veio me beijar e dizer que estava tudo bem
Posso fugir outra vez esta noite?
(Son of a Preacher Man - Dusty Springfield
Me sentia estranha enquanto encarava meu reflexo no espelho. Não que eu não estivesse bonita, longe disso, na verdade, eu ficaria bonita mesmo se vestisse um saco de lixo.
A questão é que eu me sentia estranha diante do que estava prestes à fazer. Aquilo era ridículo, já que, para um namoro falso, Stuart e eu estávamos chegando longe demais. Conhecer os pais dele definitivamente não estava nos meus planos, mas aqui estava eu, parada em frente ao espelho, usando um vestido verde rodado, que me fazia parecer uma garota dócil e inocente.
Coloquei um anel em meu dedo, enquanto alguns flashes invadiam a minha mente. Nunca conheci os pais de Dylan, céus, éramos tão jovens e nunca nos importamos com isso. Quanto aos pais de Edward, vez ou outra, eu os encontrava quando ia na casa dele, então, tecnicamente, era a primeira vez em que iria à um jantar com os pais do meu "namorado". Não diria que estava nervosa, talvez um pouco apreensiva fosse o termo certo.
E mesmo que Stuart não tivesse me dito nada, eu iria me esforçar para ser a "namorada perfeita". O pobrezinho não deve ter tido nenhuma na vida, não queria tornar essa primeira experiência traumatizante na vida dele e dos pais, mesmo que não fosse real.
— Eu já estou indo, Marla. –Avisei enquanto dava alguns retoques no meu batom rosa, depois de escutar a porta sendo aberta. Stuart havia chegado para me buscar há alguns minutos, agora estava na sala com o meu pai, e Marla com certeza havia voltado ao meu quarto para me apressar.
Estranhei quando não obtive nenhuma resposta, então franzi as sobrancelhas, me virando em direção à porta. Fechei o batom e o coloquei na minha mesinha, dando de cara com Marla me analisando.
— Estou linda, não estou?! –Dei uma voltinha, fazendo meu vestido balançar.
— Está cada dia mais parecida com a sua mãe. –Sorriu ao responder. E involuntariamente, meus lábios esboçaram um curto sorriso.
Charlotte era uma mulher muito bonita, sim, era a verdade, e muito elegante e culta, pelo que me lembrava. E de certa forma, saber que eu estava ficando parecida com ela, inflava ainda mais o meu ego. Eu não via a hora em que ela conseguisse o tão sonhado estrelato, e então viesse me buscar, assim eu não seria mais obrigada à aturar Genevieve e a sua incansável tentativa de por as mãos na fortuna do meu pai.
— Eu sei. –Afirmei sorrindo.
Mantinha meus olhos na estrada, enquanto Son of a Preacher Man tocava baixinho no rádio. Encarei o garoto ao meu lado, que prestava bastante atenção na estrada, parecendo alheio ao meu olhar atento sobre ele. Desci o olhar para as suas mãos no volante, céus, fazia tanto tempo que eu não dirigia.
— Então, qual é o plano? –Desviei o olhar para a frente, diante daquela pergunta. Talvez eu tenha me enganado, e Stuart tenha percebido que eu o olhava, no entanto, aquilo não fazia muita diferença.
— Não tem um plano. –Dei de ombros. — Eu posso ser a namorada perfeita por uma noite, se você quiser, mas não espere que eu vá voltar à ter mais jantares com os seus pais.
Olhei em sua direção novamente, o escutando murmurar um "justo".
Dirigir a noite era uma experiência inexplicável. O carro escuro, sendo iluminado vez ou outra pelas luzes dos postes, uma música tocando ao fundo, as ruas de Santa Mônica passando lentamente pelo vidro do carro... Eu geralmente me sentia relaxada ao dirigir, mas hoje em especial, apenas olhar Stuart me fazia sentir a mesma sensação relaxante. Sentia que podia passar a noite inteira o assistindo dirigir.
Talvez eu tenha passado tempo demais distraída, tanto que, só percebi que havíamos chegado quando vi o carro parar em frente à uma casa.
Fiz uma rápida observação do lugar, a casa em tons pastéis, a grama era verde e bem aparada, e o caminho até a porta parecia ser cercado por rosas. Era uma casa formidável, embora fosse uma típica casa de classe média.
— E então, seus pais são normais? –Questionei depois de abrir a porta do carro. Notei uma certa expressão de surpresa em Stuart, mas não sei se foi pela pergunta em si, ou pelo fato de não ter esperado ele abrir a porta para mim.
Ele tirou o cinto de segurança, esboçando um sorriso.
— Não muito.
— Ok, vamos lá. –Assenti, finalmente saindo do carro.
Senti a brisa fria da noite me abraçar, trazendo um certo arrepio em minha pele. Comecei à caminhar até a porta, acompanhando Stuart, que trocou um último olhar comigo, antes de abri-la e sermos invadidos por um certo caos familiar.
— Eles chegaram! –O grito da garota loira sentada no sofá quase me assustou.
Antes que eu tivesse tempo de observar a casa direito, fui invadida por um casal caminhando feliz demais em minha direção. Por um momento, eu me senti uma super estrela sendo recepcionada calorosamente por seus fãs.
— É um grande prazer te conhecer. –A suposta mãe de Stuart não me deu tempo para responder, e logo me puxou para um abraço apertado, me fazendo quase ficar sem ar. Forcei um sorriso, tentando retribuir seu abraço, dando algumas batidinhas em suas costas.
A mulher se afastou, me fazendo agradecer mentalmente por poder voltar a respirar, então segurou as minhas mãos, parecendo me analisar, e um sorriso brotou em seus lábios pintados por um tom nude de batom.
Eu tinha que admitir que a mãe de Stuart era muito bonita. Ela tinha a aparência jovial, o que fez eu me perguntar se ela já tinha feito algum procedimento estético para retardar o envelhecimento, ou se, ela era mesmo sortuda. Ela possuía cabelos castanhos e ondulados super hidratados, e olhos azuis, sua aparência lembrava um pouco a atriz Courteney Cox.
Concluí mentalmente que Stuart não havia herdado a cor dos olhos dela, já que os dele eram castanhos.
— Ela é mesmo linda. –Exclamou enquanto olhava Cindy, dando a entender que a caçula da família já havia comentado sobre a minha aparência. Dessa vez, um sorriso verdadeiro escapou dos meus lábios.
— Muito obrigada. É uma honra finalmente conhecê-la, senhora McGreen.
— Pode me chamar de Jane, querida. –Sorriu, tocando meu rosto com uma das mãos. — Você parece um anjo.
Aquilo me fez sorrir ainda mais, então virei a cabeça para trás, na direção de Stuart. Ele arqueou uma das sobrancelhas.
— E eu sou o pai do Stuart, Nicholas. –O homem mais velho fez eu desviar a minha atenção. Vi sua mão estendida e então a segurei, o cumprimentando. — Mas pode me chamar de Nick.
Ao contrário de Jane, o pai de Stuart já demonstrava alguns sinais do tempo, como alguns fios de cabelo branco, e a barba rala um pouco grisalha, mas ainda possuía um certo charme. Eu chutaria uns trinta e oito anos de idade.
— É um prazer finalmente conhecê-los. –Disse, buscando a minha voz mais suave. — Stuart sempre falou sobre o quanto vocês são inspiradores para ele.
O casal pareceu lisonjeado, destacando um sorriso de orelha a orelha.
— Engraçado, –Jane começou, chamando a atenção do filho. — Nosso menino arranjou uma garota linda, e só soubemos por causa da Cindy.
— Mãe. –Meu namorado falso tentou intervir, parecendo ficar envergonhado.
— Na verdade, senhora, a culpa foi minha. Eu insisti para sermos discretos.
— Eu entendo ela. Quem em sã consciência namoraria o Stu? –Cindy disse, sua expressão despreocupada demonstrava que ela era acostumada à implicar com o irmão.
— Cindy! Meu Deus... –Stuart choramingou. Prestei total atenção nele, o vendo se virar para a parede e cobrir o rosto com as mãos, numa clara tentativa de dramatizar a situação. Não resisti e acabei rindo com aquilo.
— Querida, não fale assim com o seu irmão, não na frente das visitas. –Jane a advertiu, mas seu tom também era de riso.
— Sabe, eu sempre quis ter uma irmãzinha, ser filha única as vezes cansa. –Confessei, dando um pequeno sorriso.
Mentira. Eu estava muito bem sendo a única, embora as vezes imaginasse como seria minha vida tendo um irmão ou irmã, e eu sempre chegava à conclusão de que: não, melhor não. Ainda bem que isso não aconteceu.
— Eu tenho três irmãos, acho que nunca me senti sozinho. –O pai de Stuart comentou, então sorri para ele.
— Bom, que tal irmos jantar agora? –Jane me perguntou com um sorriso. Confirmei com um aceno de cabeça, então ela praticamente me puxou para a sala de jantar, tagarelando sobre o que havia cozinhado, e em como esperava que eu gostasse.
Antes mesmo que eu me desse conta, já estava sentada em uma das cadeiras da mesa de oito lugares. O cheiro de comida estava agradável, eu não podia negar.
— Eu sou meio suspeito em falar, mas a comida da Jane é a melhor do mundo. –O pai de Stuart anunciou, olhando de um jeito fofo para a esposa.
Sorri em resposta. Não me dando ao trabalho de pensar em alguma coisa para dizer. Não agora.
— Cindy, espere a convidada se servir primeiro. –Jane pediu calmamente. Não pude deixar de notar que ela conseguia ser gentil, mesmo enquanto dava uma espécie de "bronca" na filha.
Olhei em direção à garota, percebendo que ela já estava com o prato nas mãos.
— Tá bem. –Levantou uma das mãos em rendição, colocando o prato calmamente na mesa.
Percebi que todos me olhavam, inclusive Stuart, que estava com uma cara do tipo "fuja, enquanto há tempo". Receosa, peguei a espátula e o prato, me direcionando àquela espécie de massa, com uma aparência de dar água na boca.
Graças à minha falta de habilidade, já que estava acostumada com empregadas me servindo, mal consegui me servir direito. Que droga, eles iriam achar que eu era algum tipo de bobona.
— Deixa que eu coloco. –Stuart estendeu a mão, me lançando um olhar que só nós entenderíamos. Apertei os olhos, entregando o prato para ele com cautela.
Depois que ele me serviu, me aproximei da mesa, já com as talheres em mãos. Percebi Jane me olhar com expectativa, como se esperasse para saber o que eu iria achar da comida dela.
Socorro.
Com cuidado, levei o garfo à boca, e quando senti o gosto daquilo, um misto de sensações ocorreu dentro de mim.
— Hum... –Murmurei, terminando de engolir, então limpei a boca com um guardanapo. – Está uma delícia.
Todos sorriram, principalmente a mãe de Stuart, como se a minha opinião realmente fizesse alguma diferença. Hum, até que era bom saber disso.
— Viu, querida?! É impossível não gostar do que você cozinha. –Nicholas disse carinhosamente para Jane, que continuava sorrindo, e em questão de segundos, os dois se encontravam distribuindo beijinhos.
— Já vai começar. –Cindy reclamou, embora seu tom fosse de riso, enquanto me olhava. — Um fato estranho sobre os meus pais: Eles começam à se beijar à cada cinco minutos.
— Ou até menos. –Stuart completou, me fazendo soltar um riso fraco.
— Tudo bem, meus pais também são assim... Na verdade, eram. –Corriji a última parte em um tom de voz baixo.
— Já que tocou no assunto, o que seus pais fazem? –Nicholas perguntou.
Naquele momento, todos já se encontravam comendo, o que era bom, já que em alguns minutos eu poderia ir embora daquela casa. Não que eu não estivesse gostando dos pais de Stuart, eles eram agradáveis, mas era um tanto estranho estar falando com eles daquela maneira, quando o meu relacionamento com o filho deles não passava de uma mera fachada. Era estranho até para mim.
— Meu pai é advogado, e a minha mãe é atriz. –Contei como se aquilo não fosse nada, e então levei o garfo com comida à boca, podendo observar todos ficarem fascinados com a minha declaração.
— Uau, isso é tão... algum filme que a gente conheça? –Jane perguntou deslumbrada.
— Na verdade, ela está iniciando a carreira agora. –Falei calmamente.
— Então ela está gravando algum filme? –Foi a vez de Cindy perguntar.
— Bem, quando nos falamos, ela não me conta muito sobre os projetos dela, é como uma espécie de surpresa. –Foi a primeira coisa que me veio à mente. — Meus pais são separados.
Uma das coisas que eu mais gostava em mim mesma, era o fato de sempre conseguir elaborar uma resposta em qualquer situação. Céus, eu me saía muito bem sob pressão. Como, por exemplo, eu consegui ocultar o fato de que não falo com a minha mãe há anos.
— Mas e então, por que vocês não falam o que fazem para a Summer? –Stuart contornou. Olhei o garoto, que estava sentado na cadeira ao lado, e esbocei um sorriso sincero, grata por ele desviar daquele assunto um tanto quanto complicado para mim.
— Boa ideia, docinho, eu adoraria saber mais sobre os seus pais. –Falei sorrindo, passando a mão sobre o braço de Stuart por cima da mesa.
Observei o casal à minha frente se olhar sorrindo. Eles deviam estar achando aquilo o máximo. Claro, até porque, o filho deles havia conseguido a primeira namorada, que ainda por cima, era belíssima. Qualquer pai ficaria orgulhoso, eu diria.
Dali em diante, o assunto que se seguiu era totalmente desinteressante para mim. Quero dizer, por mais que eu tenha achado os pais de Stuart legais, pouco me interessava saber que Nick era professor, ou que Jane era uma designer de moda. Na verdade, aquela última parte me deixou um pouquinho curiosa, eu gostaria de ver as criações dela. Talvez fique para um outro dia, isto é, se tiver outro dia.
Mas é claro que, eu sempre procurei me mostrar interessada no que eles diziam, e então logo o assunto mudou.
— E então, já escolheram a música de vocês? –A pergunta de Jane me fez soltar a colher de sobremesa dentro da pequena taça.
— Como? –Questionei sem entender.
Stuart limpou a boca com um guardanapo, então se prontificou em explicar.
— Meus pais têm uma música que marcaram o namoro deles, então eles meio que obrigam os filhos à terem uma também, quando começarem à namorar com alguém.
— Ei, não obrigamos, só achamos legal ter uma música que marque e represente o casal. –Nick se defendeu.
— A nossa é Cherish, do The Association¹, –Jane começou, um enorme sorriso preenchendo seu rosto. — Estava tocando no momento em que eu e o Nick nos conhecemos, por volta do ano de 2000.
— Não sei você, mas no momento em que te vi, eu tive certeza de que queria passar o resto da minha vida com você. –Nick disse, mais para Jane do que para qualquer outra pessoa da mesa.
Torci os lábios sutilmente, notando como os dois se olhavam apaixonados. Eu estava em dúvida se achava aquilo muito fofo, ou muito brega. De qualquer forma, os dois eram adoráveis, me fazendo admitir mentalmente que no fundo, bem no fundo, eu adoraria ter pais como eles.
Depois de comermos a sobremesa, Stuart, Cindy e eu fomos para a sala, enquanto Nick ajudava Jane à retirar a mesa. No entanto, acabei percebendo que tinha esquecido minha bolsa em cima da ilha da cozinha, então acabei voltando.
Assim que adentrei o local, fui recebida pela melodia calma de Cherish, a suposta música tema dos pais de Stuart, e não era tudo, os dois se encontravam dançando agarradinhos, como se estivessem em um baile, mesmo sem terem terminado de limpar tudo, e nem pareceram notar a minha presença ali.
Me peguei os observando por algum tempo, então um sorriso se formou em meus lábios. Brega ou não, eles eram lindinhos, e eu invejava Stuart por ter uma família tão unida e saudável.
— E então, sobrevivemos, hum?! –Stuart anunciou, com as mãos nos bolsos, logo depois de sairmos da sua casa.
Depois de ter pego a minha bolsa na cozinha, não demorou muito para que o casal retornasse, e eu aproveitei para me despedir. Sentia que se ficasse mais um tempo naquela casa, seria contaminada pela síndrome da família perfeita, sem ofensas.
— Seus pais são... –Parei, tentando encontrar a palavra certa. — Excêntricos. Tipo, eles parecem o Gomez e a Morticia Addams.
Stuart soltou uma risada gostosa, me fazendo ter vontade de dizer outra coisa engraçada, só para escutar ele rir novamente.
— Sabe, eu não acho a gente tão gótico como a Família Addams. –Respondeu, ainda rindo.
— Para, você entendeu, eu me referi à eles parecerem um casal de adolescentes com os hormônios à flor da pele. –Fiz careta.
Stuart estava prestes à responder, porém, um barulho dentro da casa chamou a nossa atenção. Olhei o garoto enquanto arqueava uma das sobrancelhas.
— Eu também quero ver. –Era a voz de Cindy.
E não era muito difícil de ver a sombra deles atrás da cortina bege, que cobria a janela da frente.
— Por que será que eu não estou surpreso?! –Stuart murmurou, me fazendo segurar a risada ao notar sua expressão de vergonha.
— Beija ela logo, filhão. –Escutei Nick aconselhar do outro lado, nem se dando ao trabalho de disfarçar que eles nos espiavam descaradamente pela janela.
— É, o que você está esperando?! –Jane reforçou.
Olhei o garoto ao meu lado.
— Isso aí, Stu, –Fiz questão de dar ênfase em seu apelido. — O que você está esperando?
E antes que ele pudesse responder, o puxei pela camisa, logo selando nossos lábios. Pude escutar a família de Stuart comemorando dentro de casa, o que me fez sorrir, sentindo seus lábios macios contra o meu.
Stuart levou suas mãos até o meu rosto, então as segurei com as minhas. Mordi levemente seu lábio inferior, antes de afastar nossas bocas, encontrando ele ainda com os olhos fechados.
Dei alguns passos para trás, olhando de relance para a janela, um pouco sem jeito enquanto passava as mãos ao redor da minha boca. Havia algo muito significativo em beijar Stuart, mesmo estando de batom, e eu queria muito, na verdade, eu adoraria que o único motivo mesmo fosse para impressionar a família dele, caso contrário, acho que eu tinha um novo problema.
¹
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro