30. Aquele com a Ameaça
Às vezes eu não falo bem, mas ainda assim, sei do que estou falando
Por que nós não podemos ser amigos?
(Why Can't We Be Friends? - War)
Toda aquela situação com Marcus, por mais estressante que tenha sido, acabou me trazendo uma coisa boa: A confiança de Nancy. É claro que, eu não precisava de um evento tão trágico para fazê-la confiar em mim, mas já que aconteceu, não podia bancar a cínica em não admitir que estava gostando da nossa recente aproximação.
Sorri enquanto olhava a garota do outro lado do refeitório, com uma bandeja em mãos enquanto comprava o seu almoço, e imediatamente tratei de caminhar até lá e colocar meu novo plano em ação.
— Obrigada por ter guardado o meu lugar. –Sorri para um garoto qualquer, depois de pegar seu lugar na fila da cantina. Ele chegou a abrir a boca para retrucar, mas depois de ter visto de quem se tratava, quase babou. Garotos...
— Ah, oi. –Nancy me cumprimentou sorrindo e então deu alguns passos para a frente, conforme a fila andava. Fui forçada à segui-la.
— Quero que almoce comigo hoje, e não aceito um não como resposta. –Tentei soar o mais animada e convincente possível.
Nancy mordeu o lábio, parecendo pensativa. Segui com o olhar para onde ela estava olhando, percebendo que o que chamava a sua atenção era a mesa em que Edward estava, acompanhado de Susan, Jennifer e mais dois garotos desconhecidos do time.
— Tá legal. –Por fim, ela cedeu. — Eu só preciso avisar ao Eddie primeiro.
Fiz careta, me segurando para não rolar os olhos, e então fingi uma risada.
— Sua boba. Você não nasceu colada com ele. –Devolvi sorrindo, enquanto a arrastava para sair da fila. Nancy não protestou, se deixando ser guiada por mim.
Ao passar pela mesa deles, não pude deixar de notar as expressões de Jennifer, o quanto ela estava se achando insuperável, era de dar pena. E Edward, bem, mantinha o olhar vidrado em nós. Primeira etapa do plano concluída.
Parei na mesa em que Stuart e Jason estavam e então me sentei ao lado do meu falso namorado. Olhei Nancy, que ainda estava parada com a bandeja nas mãos, e sorri.
— Senta. –Apontei para a cadeira ao lado de Jason, ela sorriu sem graça e fez o que eu pedi. Boa garota.
— Oi. –Nancy sorriu timidamente para os garotos, que a cumprimentaram de volta.
E foi só olhar a expressão no rosto de Jason, para saber que ele reprovava a minha atitude de trazer Nancy aqui. Idiota.
— Desde quando são amigas? –Perguntou desconfiado. Dei de ombros e sorri.
— Desde essa semana, eu acho. –Olhei Nancy, e ela concordou. — Mas eu sempre disse que queria ser amiga dela. Você sabe disso, ursinho. –Passei as mãos carinhosamente pelos ombros de Stuart, ele pareceu ter sido pego de surpresa com o meu ato, e engoliu a comida de uma vez, o fazendo beber seu suco enquanto concordava rapidamente com a cabeça.
Era incrível como Stuart ainda não era acostumado com as nossas demonstrações de afeto em público. Céus, tinha que parecer natural. A princípio, franzi as sobrancelhas, mas logo tratei de sorrir, não foi tão ruim assim. Talvez só eu tenha percebido. Ok, talvez só eu e Jason, que éramos mais próximos do garoto.
— Claro, Summer falava sempre do quanto queria se aproximar de você. –Ele finalmente falou, sorrindo em direção à garota. Ri, pendurando os braços em seu pescoço e beijando a bochecha de Stuart em seguida. Meu olhar logo foi parar na mesa de Edward, e foi impossível não sorrir com o seu olhar atento sobre nós.
Desviei o olhar para Nancy, à tempo de vê-la sorrir e levar uma colher com sua comida à boca. Esperei que ela dissesse alguma coisa, mas nada saiu daquela tonta.
— Nossa, que cabeça a minha. –Comecei. — Esse é o Jason, vocês ainda não foram apresentados.
— Oi. –Disseram ao mesmo tempo, e até pareceram ficar meio constrangidos com aquilo. Sorri comigo mesma enquanto observava aquela cena, era assim que acontecia naqueles romances bregas, certo?!
— Que merda, acho que estou arrependida por não ter pego alguma coisa para comer. –Fiz biquinho, fingindo estar chateada enquanto apoiava a mão sobre o meu rosto. — Docinho, quer ir à cantina comigo?
Olhei Stuart, esperando que ele respondesse algo. O garoto piscou, então jogou a sua colher no prato e sorriu, o que me pareceu ser um sorriso forçado.
— Claro.
— Ótimo. –Comemorei enquanto me levantava, e olhei Nancy e Jason. — A gente já volta. Não saiam daí.
E então comecei à caminhar, antes que os dois pudessem dizer alguma coisa, sendo acompanhada por Stuart. Só parei quando cheguei na cantina, me virando para o meu falso namorado.
— O que você pretende com tudo isso, Summer? –Questionou, parando ao meu lado. Dei de ombros, esboçando um sorriso.
— Presta atenção. –Ergui a mão para ele, enquanto olhava em direção às mesas do refeitório cheio, logo sorrindo quando vi o que queria. — Olha só a cara do Edward.
Stuart franziu as sobrancelhas, mas passou a olhar na mesma direção que eu, onde Edward, por mais que conversasse as vezes com as pessoas da sua mesa, quase sempre mantinha seu olhar em Nancy e Jason. Já esses dois, mesmo que parecessem não estar conversando, conseguiram atrair a atenção, e talvez até ciúmes de Edward.
— Qual é, não me diga que quer juntar o Jason e a Nancy... –Stuart apontou, enquanto olhava para a mesa que estávamos há poucos minutos, parecendo incrédulo.
— Bem, é uma possibilidade.
Na verdade, não tinha passado pela minha cabeça juntar os dois. Céus, eu só queria que Ed sentisse ciúmes da sua adorável Nancy, e que isso desencadeasse uma briga, que seria o início do desgaste do relacionamento deles.
— Não acho que daria certo, e além do mais, em todo esse tempo que somos amigos, nunca vi Jason namorando alguém.
Senti Stuart me olhar, mas ele não foi o único, já que mesmo de longe, consegui ver Nancy virar a cabeça em minha direção, o que me fez o puxar rapidamente para nos virarmos em direção à cantina, então apoiei minhas mãos no balcão.
— Claro, porque ele é insuportável. –Concluí.
— Você também é, e mesmo assim todo mundo quer namorar com você. –Escutei Stuart resmungar, e a minha boca se abriu involuntariamente, me fazendo olhar o garoto devagar, como se analisasse minuciosamente a sua audácia, ou a falta de noção.
— Em primeiro lugar, –Comecei, gesticulando enquanto tentava falar baixo para não chamar a atenção do refeitório inteiro. — Eu não sou insuportável. E em segundo lugar, eu estou pouco me fodendo para quem quer me namorar. No momento, só uma pessoa me interessa.
E involuntariamente, como se eu não tivesse controle sobre o meu próprio corpo, minha cabeça se virou para trás, e eu me peguei olhando para Edward, o que fez eu me arrepiar por completo quando fui correspondida.
— Entendeu? –Perguntei depois de desviar o olhar rapidamente, tentando manter o foco, e por um segundo, me peguei olhando para a boca de Stuart. Talvez eu devesse beijá-lo agora, pela farsa, é claro.
— Então eu acho que você deveria estar com ele, ao invés de ficar aqui comigo. –Deu de ombros, enquanto parecia olhar para algo atrás de mim.
Então o sinal tocou, e Stuart se afastou, não dizendo mais nada. Pisquei algumas vezes, tentando raciocinar, mas o que eu fiz foi ir atrás de Nancy.
— Foi mal não ter voltado à tempo. –Comecei, parando no meio do caminho quando a encontrei levando a bandeja em direção ao lixo.
Vi Jason lançar um último olhar em nossa direção e então sumir no meio da multidão.
— Tudo bem. –Nancy sorriu, passando uma mão na outra, e então começamos à caminhar juntas.
— Espero que Jason tenha sido uma boa companhia.
— Ele é bem legal. –Ela confirmou. Que patético, os dois realmente se merecem.
Depois de mais alguns passos em silêncio, finalmente estávamos nos corredores.
— Sabe, podíamos sair nós qua... –Antes que eu pudesse terminar, fui interrompida por um grito de Nancy, e depois de entender a cena, notei Edward a rodopiando pelo corredor, enquanto ambos riam.
Olhei para os lados, com vergonha alheia e sentindo ânsia de vômito em presenciar aquela cena horrenda. Coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha, enquanto forçava um sorriso e pensava aonde eu iria enfiar a minha cara.
Edward finalmente soltou Nancy, mas mesmo fazendo isso, os dois ainda pareciam super ocupados em pleno corredor, trocando beijinhos e sorrisos. Eca.
— A gente se vê por aí. –Voltei à caminhar em passos rápidos, antes que um dos dois dissesse alguma coisa e eu parecesse ainda mais patética.
Entrei na sala com receio, enquanto analisava tudo ao redor. Haviam apenas quatro alunos, segurando livros que eu não consegui identificar quais eram.
Escolhi uma mesa no meio da sala, não muito perto para o Sr. Jones se gabar por eu finalmente ter aceitado entrar nessa porcaria, e nem muito longe para ele não achar que eu estava me escondendo.
— Ai, meu Deus, aquela ali não é a Summer Woodsen? –Escutei uma garota sussurrar com a outra.
— Fala baixo! –A outra exclamou, quase no mesmo tom que a amiga. Acabei soltando um riso anasalado e olhei de relance em direção às duas, fazendo elas desviarem rapidamente.
Fiquei mais alguns minutos ali sentada, revezando entre mexer no celular e olhar os poucos alunos que entravam na sala, até que, um em especial me chamou a atenção.
Stuart McGreen chegava despreocupadamente, até que seu olhar se cruzou com o meu. Naquele momento ele pareceu ficar estático, e eu quis rir quando ele finalmente se mexeu, dando alguns passos para trás e parando em frente à entrada, como se verificasse se estava entrando na sala certa. Logo observei ele caminhar em minha direção.
— Juro por Deus que achei que tivesse errado de sala. –Confessou o que eu já sabia, me fazendo sorrir.
— Antes tivesse. –Dei de ombros, ainda sorrindo, então percebi que ele ia falar alguma coisa. — E nem pense em dar uma de garoto propaganda dessa aula.
— Eu não ia dizer nada. –Comprimiu os lábios, me lançando um olhar zombeteiro.
O Sr. Jones logo entrou na sala, o que fez Stuart ir para o seu lugar. Cruzei os braços sobre a mesa, esperando o professor, que me olhava com um sorriso de satisfação, começar à falar. Ele esperou que todos se sentassem e então apontou em minha direção, me fazendo entrar em estado de alerta.
— Bom, pessoal, temos uma aluna nova. –Continuou sorrindo e então me olhou novamente. — Fico feliz por ter resolvido se juntar à nós, Summer.
Forcei um sorriso, inclinando a cabeça e então a aula começou.
— Como combinado, hoje iremos debater Hamlet, e como vocês são alunos exemplares, eu tenho certeza de que leram a obra.
Observei os alunos, que no máximo eram quatorze ou quinze, colocarem seus livros na mesa, que eu deduzi serem emprestados da biblioteca. Voltei à olhar para a frente, tentando me lembrar do porquê eu estava ali, quando podia estar tentando ganhar a confiança de Nancy e prosseguindo com o meu plano.
— Você já leu, Summer? –Escutei o professor perguntar.
— Tem filme disso? –Perguntei despreocupada e então escutei risadas ao redor. — Olha, não me leve à mal, mas eu acho as obras de Shakespeare um saco, e não entendo por que a gente tem que ler todo ano.
Um garota sentada na carteira ao lado soltou um suspiro de espanto tão alto, que achei que ela fosse voar em cima de mim.
— Eu nunca escutei tanta besteira na minha vida, você com certeza não entende nada sobre literatura! –A garota de óculos e cabelos castanhos exclamou.
— Assim como você não entende nada sobre moda. –Fiz careta, notando a combinação bizarra de estampa e listras que a garota havia feito.
— Calma, meninas. –O Sr. Jones ergueu a mão com calma, o que fez a garota se virar para a frente novamente. — É uma opinião bastante curiosa, Summer. –Se encostou em sua mesa.
— Ela deve ser mais uma dessas analfabetas funcionais. –Escutei um garoto zombar, mas antes que eu pudesse retrucar, o Sr. Jones prosseguiu.
— O que você sugeria para lermos então?
— Para começar, algo desse século.
E então, a sala se preencheu por várias vozes falando ao mesmo tempo, de modo que eu não conseguia ouvir nem meus próprios pensamentos. Massageei minhas têmporas por alguns segundos, percebendo a gravidade da situação que a minha simples opinião havia causado.
É, definitivamente seria uma longa aula.
— Você causou um caos naquela sala. –Stuart comentou comigo, depois de me alcançar no corredor.
— É, não foi bem a minha intenção. –Respondi, sem parar de caminhar, enquanto me lembrava da garota louca obcecada por Shakespeare, que passou à citar todas as obras dele para provar que eu estava errada.
— Só uma dica: Na próxima aula, tente não irritar amantes da literatura. –Disse, me fazendo rir.
— Você sabe que isso é meio difícil de cumprir. –Parei em frente ao meu armário para guardar uma cópia de Hamlet, que o Sr. Jones havia me obrigado a ler em uma semana e fazer um resumo sobre a obra.
Stuart sorriu.
— Quer uma carona? –Perguntou, enquanto eu abria o meu cadeado. Não precisei olhá-lo para saber que o garoto tinha total atenção em mim, enquanto esperava por uma resposta.
— Na verdade, o meu pai vem me buscar. Vamos almoçar juntos. –Esbocei um sorriso, parando o que estava fazendo e então me virei em sua direção.
Stuart balançou a cabeça e então limpou a garganta, olhando para os lados. Pelo o que eu conhecia dele, podia apostar que estava querendo dizer alguma coisa, mas não sabia como.
— Cospe logo, Stuart. –Revirei os olhos.
— Bom, é que... por falar em comer juntos...
— Relaxa, eu ainda vou jantar com os seus pais. –O interrompi. — Ora, eu prometi, não foi?! Quando vai ser, no domingo?
— Isso.
— Ok, nos veremos lá. Não se atrase.
Ele franziu as sobrancelhas, à princípio, mas então sorriu e acenou, começando à se afastar. Acenei em sua direção e o olhei até que sumisse no corredor, então voltei à minha função de abrir o meu armário. Quando consegui, joguei o livro lá dentro e o fechei, mas antes que eu pudesse sair, ouvi um estrondo na porta dele, fazendo eu me assustar e me virar, dando de cara com Marcus, que me lançava um olhar quase mortal.
— Eu sei que foi você. –Meu coração ainda batia descontroladamente com o susto que levei quando o garoto asiático socou o meu armário, no entanto, fiz de tudo para não deixar transparecer o medo que estava sentindo ao ficar ali à sós com ele.
Eu nunca tive medo de garotos, muito menos de Marcus. Poxa, ele podia ser um babaca, mas eu não podia negar que às vezes as suas atitudes infantis me faziam rir pra caralho. Mas agora, depois de toda aquela história envolvendo Nancy, eu havia conspirado contra ele, e Marcus parecia ter descoberto.
— Pode ser mais específico? –Questionei, fingindo não estar nem um pouco abalada. Eu ainda estava encostada em meu armário, com Marcus à centímetros de distância de mim.
— Não se faça de idiota, Summer. –Rosnou, em um tom que nunca havia usado comigo, o que de certa forma fez alguma coisa dentro de mim se quebrar. — Eu sei que foi você quem inventou aquele boato sobre mim.
— E por que acha que eu desperdiçaria algum tempo da minha vida para ferrar você? –Respondi enquanto o olhava. Eu estava estática, parecia que os meus pés estavam colados ali.
Ele soltou um riso amargo, antes de me olhar novamente.
— Me diz você.
— Você sabe muito bem o que fez. –Retruquei em um tom baixo, começando à ficar mais calma. Ele não podia me machucar.
Marcus estreitou os olhos, como se vasculhasse bem no fundo da sua memória, buscando algo que talvez tenha sido a razão para ele receber tamanho castigo. Revirei os olhos, vendo que ele não se lembraria tão fácil. Típico de homens, fazem uma grande merda e se esquecem, ou fingem esquecer.
— A Nancy. –O nome dela fez Marcus levantar o olhar novamente. — O que deu em você, seu cretino?!
— O que ela te contou? –Deu alguns passos para trás, me fazendo soltar um suspiro baixo, como se estivesse tendo de volta o ar que ele havia me roubado.
— Céus, você a assediou, como pode ser tão cínico?! –Questionei incrédula. Eu tinha que ser a mais cínica, e não ele. Marcus passou as mãos no cabelo enquanto dava algumas voltas, até que parou na minha frente novamente.
— Não fode, Summer. Eu devia estar bêbado, acha que eu teria feito o que fiz estando sóbrio? –Perguntou, apontando para si mesmo.
— O fato de supostamente estar bêbado não justifica você ter agido feito um completo imbecil. —Cuspi amargamente enquanto o encarava, e então, passei à olhar para os lados, checando se alguém ouvia a nossa conversa.
Direcionei meu olhar para Marcus novamente, à tempo de vê-lo engolir em seco. Ele passou as costas da mão na boca, soltando um riso amargo e carregado de ironia.
— Vejo que a Nancy conseguiu uma defensora. –Ironizou, me olhando por alguns segundos em completo silêncio. — Tem ideia do que fez comigo? Você quase estragou a porra da minha vida!
— E não me arrependo nem um pouco. –Murmurei, então me forcei à rir. — Eu enviaria aquele áudio para a escola inteira de novo, sem nem pensar duas vezes. E então, o que vai fazer à respeito? –Desafiei, com uma das sobrancelhas arqueadas.
Ele não precisava saber que haviam mais pessoas envolvidas naquela vingança, e no futuro, talvez, eu poderia citar uma ocasião em que não fui uma completa egoísta e insensível.
— Vai se arrepender de ter feito isso, sua cadela. —Falou calmamente, me lançando um olhar de nojo e reprovação.
Sorri, não me deixando abalar com o insulto de Marcus, e permaneci assim, enquanto ouvia seus passos se afastando pelo corredor. Quando não ouvi mais nada, desfiz o sorriso em fração de segundos.
Eu deveria me preocupar com aquilo, afinal?!
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