Epílogo
Charlotte caminhava apressada pelos enormes e vazios corredores do Castelo de Furcsa. Estava voltando do banheiro, preferiu ir sozinha o que se mostrara um grande erro já que pelo visto se encontrava perdida. Andava apressada torcendo para que fossem embora logo, não que a festa estivesse ruim, até porque eles estavam servindo comidas deliciosas, porém ela possuía seus motivos para querer ir. Em primeiro lugar nem queria ter ido ao casamento de Furcsa, porém a insistência de Schwoz a deixou com a consciência pesada e toda a equipe resolveu tirar o dia de folga para participar da festa. Em segundo lugar, possuía um imenso motivo para não querer ter posto seus pés ali e o motivo era que seu rosto esteve estampado por meses em cada local daquele reino estranho após o pedido insano do jovem, agora, rei.
Dobrou a direta, saindo em outro corredor decorado por enormes quadros, tapeçarias extensas e decorações claramente valiosas. Tentava escutar algum som dos músicos que tocavam uma melodia desconexa, mas nada se podia ser ouvido. O som de seus passos eram abafados pelo tecido macio do tapete em que pisava, a barra de seu longo vestido em um aquarela de laranja e amarelo, arrastava ao chão provocando um leve ruído. Charlotte parou no meio do corredor, as mãos na cintura enquanto olhava ao redor tentando lembrar por onde havia vindo. Todos aqueles corredores pareciam ter saído de Hogwarts, se moviam e mudavam a direção ao seu bel prazer.
- Está perdida, querida?
Virou assustada ao ouvir a voz melodiosa vinda de suas costas. Fez uma pequena reverência diante do olhar perfurador de Elis; a nova rainha estava deslumbrante em seu vestido de festa, o corpete prata acentuava suas curvas e a saia cravejada de peças afiadas de aço a dava um ar perigoso. Elis parecia pronta para uma batalha e aquele detalhe fez um calafrio descer pela espinha de Charlotte.
- Estou um pouco, rainha Elis. - confessou, mantendo uma distância segura dela.
A rainha estreitou os olhos escuros em sua direção, as mãos elegantemente unidas em frente ao corpo.
- Ezis.
- O quê? - perguntou confusa.
- Meu nome é Ezis. - repetiu, com uma clara simpatia forçada.
Charlotte franziu o cenho, então inclinou um pouco a cabeça e indagou:
- Tem certeza que não é Elis? Eu posso jurar que ouvi o dia todo a chamarem de Elis.
- Acredito que eu saiba o meu próprio nome. - assegurou em um tom frio.
A Bolton assentiu rapidamente e deu um passo para trás. O corredor estava vazio e ela não sentia uma boa vibração vinda da rainha.
- Claro, claro. Estou meio perdida hoje.
- Imagino que ver seu pretendente casar com outra não seja o melhor entretenimento.
O sorriso de Ezis era sombrio e Charlotte tratou logo de se explicar.
- Não tem nada a ver com o Furcsia...
- Rei Furcsia.
- Certo, desculpe. - pediu apressada, sentindo sua garganta apertar quando a viu passar a mão lentamente pela saia do vestido. - Só para esclarecer qualquer mal entendido, eu não tenho nenhum interesse romântico pelo seu marido. O que aconteceu foi um tremendo mal entendido e se você quiser procurar culpados é melhor ir atrás do Schwoz ou da Piper e do Jasper.
Declarou, tentando manter sua voz despreocupada, porém era difícil quando a via retirar devagar uma adaga com a bainha cravejada de rubis de um bolso escondido.
Ah, merda.
- Creio que temos contas a acertar...
- Duvido muito. - afirmou, dando passos vacilantes para trás.
- O problema, Cherlotte. - começou sua fala, passando lentamente o dedo indicador pela ponta possivelmente bem afiada da adaga. - O grande e real problema é que eu teria acreditado em você, nessa sua encenação...
- Não estou mentindo!
- Nesse seu joguinho de garota incompreendida se você não tivesse vindo com esse vestido.
Charlotte olhou para a própria roupa, um vestido longo de tecido leve e colorido, depois olhou para a roupa da rainha, em tons de cinza fechado que combinava com os enfeites letais. A encarou em uma clara confusão.
- Não sei onde você quer chegar.
Ezis bufou, um bufo bastante delicado e digno.
- Você quer que eu acredite que você não sabia que vestir cores quentes em um casamento é desejar uma má vida aos noivos?
Charlotte demorou alguns segundos para processar a informação e quando a fez, teve que segurar a língua para não falar o que realmente queria, afinal, aquela era a rainha de um reino que ela não fazia ideia de como escapar.
- É claro que eu não sabia. Eu nem moro aqui.
- Mas quis casar com o rei e pelo visto ainda quer tirá-lo de mim.
A rainha começou a caminhar em sua direção, Charlotte então escolheu a única saída que a livraria de mais conflitos. Ela então correu, porém Ezis era rápida e ágio e a seguiu pelos corredores enfeitados e vazios, ali a Bolton teve a certeza de que a rainha deveria ter ordenado a todos que não passassem por aquela ala.
- Por que tudo acontece comigo? - perguntou em um resmungo, dobrando a direita e saindo em um corredor sem saída e com inúmeras portas fechadas.
Começou a testar todas as maçanetas e quando chegou a última porta, escutou uma risada levemente histérica à entrada do corredor. Ezis vinha em sua direção com a adaga em mãos, praticamente desfilava pelo tapete vinho com uma expressão satisfeita no rosto.
- Será que não podemos conversar como duas pessoas racionais? - tentou, se aproximando devagar de uma estátua estranha de quase dois metros feita de gesso.
Ezis parou a alguns metros dela, girando a adaga entre os dedos, ela então abriu um enorme sorriso quando percebeu que Charlotte estava encurralada. A luz do fim de tarde atravessava as enormes janelas da parede oposta aos quartos, refletiam no vestido da rainha e a davam um ar quase mágico se não fosse o sorriso psicótico em seu rosto.
- Não precisamos conversar, Cherlotte. Você ainda quer tirar o meu Furcsia, envolvê-lo em algum feitiço de luxúria e tomar meu reino.
- Desde quando? Se eu quisesse esse reino eu teria aceitado o pedido dele há séculos atrás. - rebateu irritada, ela não iria morrer em um país estranho por culpa de uma alucinação de uma rainha insana.
- Talvez seu plano envolva mais do que penso. - falou, quase como para si mesma, analisando Charlotte minuciosamente. - Será que...
A hesitação pensativa dela a fez sentir novamente que algo muito errado estava para acontecer. Ezis balançou a cabeça lentamente e a encarou com um brilho diferente no olhar.
- Talvez devêssemos manter você, tenho certeza de que meu marido irá adorar tê-la sob os nossos cuidados.
Charlotte semicerrou os olhos para a outra, podia apostar sua vida de que os cuidados que ela estava falando seriam os piores possíveis. E para escapar dali talvez tivesse mesmo que apostar sua vida.
- Eu não vou ficar. - declarou firme.
- Você não tem escolha, querida, ou fica ou morre agora. - informou, a encarando entediada.
- Você fala como se eu não fosse me defender. - desdenhou, subindo a barra de seu vestido por um detalhe na cintura e retirando rapidamente seus saltos, agradecida por ter escolhido um par sem amarras.
- Ah, estou contando com isso.
Ezis abriu novamente o sorriso ligeiramente maníaco e apontou a adaga para ela. Charlotte esperou pelo golpe que sabia que iria vir, a rainha não parecia alguém que a deixaria tentar primeiro. Como o esperado, Ezis correu em sua direção, a adaga indo direto para o seu pescoço, porém Charlotte desviou com agilidade e a fez acertar o ar. A rainha girou rapidamente, conseguindo acertar o braço da Bolton e provocando um corte que começara a sangar no mesmo instante.
Ezis sorriu animada ao ver o sangue e tentou outro golpe, Charlotte a segurou pelo pulso e torceu seu braço, a rainha puxou a ponta de seu vestido enquanto a Bolton a empurrava em direção à estátua. Ezis bateu a lateral de seu corpo contra o braço da estátua, os detalhes de aço do corpete provocaram uma dor aguda. Charlotte aproveitou a distração e correu o mais rápido que podia, porém a rainha logo se recuperou e começou a persegui-la.
A Bolton dobrava a esmo pelos corredores, torcendo para encontrar alguém e tentando desviar das peças afiadas de aço que Ezis a lançava. Finalmente encontrou um corredor familiar, onde um enorme quadro com a família real ocupava uma parte razoável da parede. Tinha certeza de que só precisava virar à direita e encontraria o salão de festa, mas assim que chegou ao meio do corredor, sentiu algo prender seu pé a fazendo cair de cara no tapete macio.
Só teve tempo de assimilar sua queda e logo sentiu o peso de Ezis contra seu corpo. Ela a prendia contra o chão, imobilizando seus braços e provavelmente pensando no que iria fazer a seguir. Charlotte tentou se mover, porém era impossível na posição em que estava. Tentou relembrar tudo o que Ray a havia ensinado. A rainha estava praticamente respirando em sua orelha, Charlotte então sussurrou algo que chamou a atenção dela e quando Ezis se aproximou mais para pedir um esclarecimento, a Bolton fez um movimento rápido com a cabeça e a acertou com a presilha de metal que usava.
Ezis levou a mão a bochecha, sentindo o sangue começar a sair do corte. Charlotte então forçou suas mãos contra o chão e arqueou seu corpo a pegando de supresa, assim que a rainha rolou de cima dela, a Bolton se pôs de pé ao mesmo tempo que ela. As duas se encararam ofegantes, sujas se sangue e completamente irritadas com a outra. Ezis avançou contra Charlotte, a Bolton puxou o tapete com força a fazendo cair de costas e voltou a correr.
Um sorriso aliviado apareceu em seu rosto quando viu as portas do salão de festa abertas. Correu, ignorando os olhares dos guardas e dos convidados sentados nas inúmeras mesas pelo salão ricamente decorado. Buscou seus amigos e os encontrou rindo animados em uma mesa mais ao canto, sentia o mármore frio sob seus pés e parou à mesa ofegante, com uma expressão nervosa estampada em seu rosto.
- Que merda aconteceu com você?
- Precisamos ir embora agora. - disse, ignorando a pergunta de Piper e os olhares confusos.
- Char, o que houve?
Charlotte olhou para as portas e viu Ezis perto dos guardas, ordenando algo em uma clara raiva. Ela só possuía alguns segundos.
- Embora. Agora!
Mandou impaciente, os empurrando para se levantarem e começando a andar apressada para trás do palco quando viu os guardas saírem de seus postos e caminharem em sua direção. Seus amigos devem ter percebido que algo bem errado estava acontecendo, então todos os cinco a acompanharam para trás do palco onde os músicos ainda tocavam alheios. Schwoz foi rápido ao abrir o portal e em questão de segundos eles pularam para dentro dele e fora das mãos dos guardas que por pouco não os agarraram.
Charlotte caiu de joelhos assim que o portal se fechou, ofegante e dolorida. Sentiu a mão firme de Henry em seu ombro e logo os olhos carinhosos e preocupados a fitavam em uma pergunta muda que Jasper verbalizou em alto e bom som.
- Mas o que foi isso?!
- Nunca... mais... vou pra nada da família dele. - declarou, apontando para Schwoz que logo correu para atender o telefone antigo em cima da mesa.
- Eu estava a um ponto de conseguir um herdeiro! Só precisava de mais alguns minutos. - Piper declarou inconformada.
- Da próxima vez talvez você queira ficar com a rainha louca. - resmungou, levantando com a ajuda de Henry, fazendo uma careta quando o corte em seu braço ardeu. - Ótimo, ainda está sangrando.
- Vem, vou cuidar de você. - Henry afirmou, envolvendo sua cintura com um braço e a levando para um quarto da Caverna.
Jasper estava tentando acalmar Schwoz que discutia em uma língua estranha com alguém do outro lado da linha, Piper tentava falar com seu herdeiro e Ray ainda encarava a todos confuso.
- Não tô entendendo nada. - disse em voz alta, não obtendo nenhum explicação e logo correndo atrás de Henry e Charlotte. - Você saiu na mão com a rainha, foi isso? Charlotte?!
- Agora eu tenho um problema diplomático pra resolver. - Schwoz falou com a voz arrastada, saindo de perto de Jasper e abrindo outro portal.
- Ah, ótimo. Vou com você. - Piper afirmou animada, pulando no portal antes que o cientista abrisse a boca para negar.
- Argh, agora vou ter que impedir ela de acabar presa ou morta.
O Dunlop empurrou o amigo para que atravessasse e os dois sumiram antes do portal fechar. Ray voltou correndo animado para a sala de controle, porém olhou ao redor e percebeu que não tinha mais ninguém para quem contar a nova fofoca.
- Por que todos me deixam só? - murmurou irritado, dando meia volta e retirando o celular do bolso para procurar alguém que quisesse escutar sobre o seu dia.
Alguns segundos depois...
Piper atravessou o portal de volta para a Caverna man com uma expressão contrariada no rosto, Jasper veio em seguida com um sorriso satisfeito. Os saltos da Hart provocavam um sonoro ritmo enquanto ela caminhava em direção à sua amiga no outro cômodo.
- Porcaria de consciência.
Resmungava a cada passo que dava, ignorando as risadinhas de Jasper e tendo a certeza de que havia perdido seu herdeiro completamente.
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