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39. Segredos desvelados


O rugido feroz reverberou pelas paredes de pedra, fazendo-as tremer. Gabriel gelou. O que mais a vida noturna ainda lhe reservava?

— Vocês ouviram isso? — Ele perguntou, a voz trêmula. — Se apressem, não quero ficar aqui pra descobrir!

Miguel e Ana trocaram um olhar rápido, mas não responderam. Gabriel ficou ainda mais inquieto. Eles sabiam o que era.

De repente, uma criatura alada emergiu das sombras. Era gigantesca, com asas membranosas que lembravam as de um morcego. A pele, escamosa e escura, cobria um corpo robusto e sem pelos. Gabriel sentiu o estômago revirar. Nunca tinha visto algo tão aterrorizante.

A besta girou no ar, suas asas cortando o espaço com força brutal. Ghouls que tentavam se segurar nela foram lançados longe. Um deles caiu próximo de Gabriel, espatifando-se no chão com um baque surdo. Ele não teve tempo de reagir antes que a criatura esmagasse outro ghoul com as próprias garras, partindo-o ao meio como se fosse de papel.

O jovem vampiro sentiu o peso do olhar da fera sobre ele. Outro rugido sacudiu o ambiente, o som reverberando dentro de seu peito.

— Me diz que essa coisa tá do nosso lado? — Gabriel perguntou pelo elo telepático, tentando controlar o pânico.

— Não se preocupe, é só o Marquês — Ana respondeu com indiferença. — E isso porque ele tá num dia bom...

Gabriel engoliu em seco enquanto via o monstro voar em direção aos inimigos.

— Me lembra de nunca cruzar com ele num dia ruim.

Outros ghouls surgiram dos assentos inferiores. O número deles crescia rapidamente, e Gabriel teve dificuldade para afastá-los. Seu olhar percorreu o local. O trio ainda estava preso ali, enquanto Miguel tentava resolver o quebra-cabeça da passagem secreta.

— Nada ainda? — Ele perguntou, a voz carregada de urgência.

— Vocês nunca vão sair daí se ficarem só admirando a parede — uma voz feminina soou ao lado de Miguel.

Gabriel se virou e reconheceu a garota. Ele a tinha visto no julgamento, ao lado de Ophélia. Pele morena como a dele, um pouco mais baixa, cabelos curtos e encaracolados. Havia algo de singular nela, mesmo entre vampiros tão marcantes como Miguel e Ana.

— Por que tá nos ajudando? — Ele quis saber.

— O Conselheiro ordenou que evacuássemos. As portas da frente não são uma opção. Vamos pelo salão de conferência. — A garota respondeu sem demonstrar interesse nele.

— E depois?

— Depois a gente vê. O foco é sair vivo. — Ophélia apareceu ao lado da jovem, e atrás dela outros vampiros feridos surgiam. Ferimentos ainda cicatrizavam em seus corpos.

A loira pisou em uma placa solta. Uma porta secreta se abriu atrás do assento do Conselheiro. O barulho da batalha lá fora aumentava. Gritos ecoavam, o cheiro de sangue impregnava o ar. Gabriel não sabia mais distinguir se pertencia aos vampiros ou às criaturas que os atacavam.

— Sigam até o outro salão. Há um túnel que leva à rua — Ophélia instruiu. Ela encarou Miguel antes de se virar para Gabriel com um olhar afiado. — Aproveite sua liberdade enquanto pode. Vou caçar cada inimigo dos Sete Clãs.

Ana captou os pensamentos da loira, mas apenas a olhou, desafiadora.

— Vamos! — Miguel ordenou, mergulhando na escuridão da câmara secreta.

— Cássia, vá com eles — Ophélia disse, se dirigindo à garota dos cabelos cacheados. — O Conselheiro quer que você guie os nossos para um local seguro. Você sabe o que procurar.

— Eu... — Cássia hesitou.

— Você é capaz. Já está na vida noturna há um ano. Confie nos seus instintos.

Aquela cena surpreendeu Gabriel e Ana. Quem diria que Ophélia teria um lado fraternal?

Um a um, os vampiros entraram na passagem. Gabriel, prestes a seguir Ana, sentiu um peso estranho no pescoço. Olhou em volta. Muitos vampiros o observavam com desconfiança. Para eles, ele ainda era uma ameaça.

Outro rugido sacudiu a câmara. Gabriel se virou e viu vários pares de olhos avermelhados brilhando na escuridão. Guinchos estridentes ecoaram. O perigo se aproximava.

— Eles estão entrando na câmara! — Ele gritou pelo elo mental.

— Mais rápido! — Miguel ordenou. Seus olhos brilharam e, num piscar de olhos, ele desapareceu.

O primeiro ghoul mal teve tempo de reagir antes que Miguel surgisse diante dele e decepasse sua cabeça com um golpe limpo. Sem hesitar, atravessou o peito de outro e arrancou-lhe o coração, esmagando-o entre os dedos.

Gabriel se colocou na retaguarda, cobrindo os companheiros que corriam pelo corredor estreito. Os ghouls continuavam avançando. Os dois vampiros precisavam ganhar tempo para que Ana, Cássia e os outros fugitivos se afastassem.

Outro rugido reverberou na câmara. Gabriel sentiu um calafrio. Uma silhueta enorme surgiu à entrada. A pouca luz dos candelabros tremeluziu, revelando um rosto bestial e tomado pelo ódio.

Miguel congelou ao reconhecer Aloísio. Naquela forma monstruosa, e carregado de rancor, ele não hesitaria em matar Gabriel.

Miguel segurou o novato pelo ombro.

— Corra! — Disse, e avançou para a escuridão oposta.

Ao olhar para trás mais uma vez, o vampiro experiente notou que a enorme silhueta aos poucos perdia tamanho, assumindo novamente a forma de um homem de estatura mediana, não fosse pela postura curvada. Ao seu lado, um enorme cão negro o acompanhava. Pelo cheiro, Miguel sabia que se tratava de Isabelle. Logo atrás, Mateus também surgia em sua forma animal. A luta do outro lado da câmara devia estar chegando ao fim; os líderes estavam se retirando.

— Precisamos ser rápidos! — Miguel alertou através do elo mental.

— Problemas? — Ana perguntou, curiosa.

— Se nos encontrarem, sim.

— Como vamos fugir? E melhor, para onde? — Gabriel indagou, aflito.

— Conheço um lugar onde o Conselho demoraria para nos encontrar.

— Se você está pensando no que eu acho que está... Ela não vai ficar nada contente — Ana comentou, com seu tom caracteristicamente provocador. Não que tivesse opinião no assunto; apenas gostava de aborrecer o vampiro mais velho. Era sua atividade favorita.

Miguel e Gabriel logo alcançaram o grupo fugitivo, liderado por Cássia. Ana diminuiu o passo, juntando-se a eles. Por curiosidade, a garota de cabelos descoloridos olhou para trás e viu algumas silhuetas se aproximando. O cheiro denunciava quem eram.

— O que fazemos? — Ana cochichou.

— Já vejo as luzes dos postes. Agora ou nunca — disse Miguel, trocando um olhar com a garota e depois com o jovem vampiro ao seu lado, que assentiu.

O trio se desmaterializou novamente, atravessando os outros vampiros pelas sombras. Os mais experientes os perceberam de imediato, mas isso não importava. O foco era encontrar um local seguro e decidir os próximos passos.

Ao se aproximarem da saída do Nexus, Miguel sentiu algo errado. Sirenes ecoavam por todos os lados. Gritos. O cheiro de sangue impregnava o ar. Um arrepio percorreu sua espinha. Um mau presságio se apoderava dele.

— Vocês estão ouvindo isso?

— Não só ouvindo. Estou sentindo — Ana respondeu, enquanto Gabriel parecia estranhamente eufórico.

— Algo está errado — Miguel murmurou.

— Jura?! — Ana ironizou.

Miguel lhe lançou um olhar reprovador. Gabriel apenas observava a troca, enquanto o grupo de Cássia finalmente os alcançava. Todos estavam tensos. E para piorar, alguns dos líderes dos Sete Clãs também haviam chegado à saída.

Mas nada os preparou para o que encontraram do outro lado.

A cidade tomada pelo caos.

O cheiro de sangue era avassalador. Além de parecer um cenário devastador de guerra — lojas e estabelecimentos destruídos, cadáveres espalhados pelas ruas, carros abandonados às pressas. O centro de São Paulo não parecia ser o mesmo de horas atrás, havia ghouls perambulando e atacando qualquer um — humano ou vampiro — que cruzasse seus caminhos.

Ana correu até um dos corpos. O morto ainda segurava um celular. Mensagens continuavam chegando. Usando a digital do falecido, a vampira desbloqueou o aparelho. O sinal de internet estava forte. Gabriel e Miguel se aproximaram, seguidos por outros vampiros que, por ora, deixaram suas diferenças de lado.

Ana abriu o YouTube. Uma transmissão ao vivo do BandNews exibia o caos na cidade.

"Estamos aqui na porta da Delegacia Geral do Estado de São Paulo. Há poucos minutos, o delegado entrou acompanhado do governador. Rômulo Cervantes, delegado geral da polícia militar, dará uma entrevista a qualquer momento.

Como podem ver pelas imagens, desde as vinte e uma horas, vídeos estão circulando em diversos grupos, mostrando o que parecem ser monstros invadindo casas, bares e estabelecimentos abertos. E às vinte e duas horas e trinta e quatro minutos, vários pontos da cidade começaram a reportar o surgimento dessas criaturas e a ferocidade de seus ataques. Como podem ver, isto mais parece uma cena de um filme de terror, mas infelizmente não é. Estas imagens são reais e estão acontecendo agora mesmo em diversos bairros do centro da cidade."

— Me dê isso! — Jonathan disse, tomando o aparelho da mão da garota. O vampiro estava em farrapos; sua túnica rasgada e manchada de sangue. Seus cabelos grisalhos, sempre muito bem arrumados e alinhados, estavam bagunçados, e seu rosto sujo.

Gabriel estremeceu ao ver o conselheiro diante de si, acompanhado de Aloísio, Afonso e Lúcia, que também não pareciam estar em seu melhor estado.

— O que faremos? — Gabriel perguntou, encarando o vampiro.

Jonathan o ignorou e continuou encarando a tela do telefone. Os outros vampiros sobreviventes, junto dos líderes dos clãs, também aguardavam uma resposta.

— E o que faremos com essa prole maldita? — Lúcia aproximou-se de Gabriel, segurando-o pelo ombro esquerdo e machucando o garoto, que sequer ofereceu resistência.

— Eu posso exterminá-lo aqui e agora. Pelo menos levaria mais um desses malditos — disse Ophélia, tomando a frente, sendo apenas observada por Aloísio, que permanecia em silêncio, apenas assistindo ao desfecho daquela situação.

— Conselheiro, o que faremos agora? — A voz de Cássia somou-se às demais vozes que agora discutiam as implicações daquela situação: o ataque sem precedentes contra o Conselho e, sobretudo, a revelação da existência do mundo sobrenatural.

Gabriel debatia-se, tentando se soltar do aperto de Lúcia. Seu peito apertava e o coração batia ferozmente, como se fosse explodir a qualquer momento. O garoto não sabia o que esperar daquela situação, e a certeza de que acabaria morto estava ainda mais presente.

— Jon? — chamou Isabelle ao tocar no braço do vampiro de cabelos grisalhos.

— Voltem para seus refúgios. Em breve entrarei em contato. O importante agora é fazermos a contagem de quantos dos nossos perdemos.

— Mas e esse garoto? Vai permitir que ele ande entre a gente?

— Por ora, deixem-no — ordenou Jonathan, que mantinha-se vidrado na tela do celular. — Precisamos saber o que está acontecendo e a gravidade disso para nossa comunidade. Não queremos voltar aos dias sombrios.

— Dias sombrios? — Gabriel cochichou para Miguel.

— Quando fomos perseguidos pelos humanos nojentos e sua maldita Inquisição — revelou Aloísio, ouvindo a pergunta do menino a contragosto.

— Céus, Lúcia! Vocês não instruíram esse menino direito! — Isabelle disse, provocando-a.

— Pra que instruí-lo agora? Ele não viverá por muito tempo... — disse Mateus, com seu típico sorriso zombeteiro.

— O que estamos esperando, conselheiro? — Cássia perguntou, aflita, vendo como a união do Conselho estava caindo por terra.

— O depoimento do Delegado Geral — respondeu Senador Campos, um dos líderes do Conselho dos Sete.

— E o que tem de importante nesse daí?

— Ele, melhor do que ninguém, saberá nos responder a gravidade da situação.

De repente, o som de flashes sendo disparados começou a ser ouvido. Da porta da delegacia saía um homem alto, de aparência jovial, junto do governador de São Paulo. A repórter que estava cobrindo as notícias através do BandNews aproximou-se do homem de pele tão alva quanto a neve, junto de mais outros repórteres.

— Senhor Delegado, poderia nos dizer qual é a real situação de nossa cidade?

— Bem, como vocês bem sabem, diversos cidadãos de bem foram vitimados nesse ataque covarde de rebeldes que desejam acabar com a ordem das coisas. Até descobrirmos onde esses monstros estão se escondendo e de fato lidarmos com essa situação, aconselho que todos mantenham-se em casa, junto de seus familiares, amigos ou vizinhos.

— Quais são os planos da polícia para conter esses monstros?

— Antes de virmos até aqui responder às perguntas que, assim como você, milhares de espectadores aflitos estão se fazendo...

— Nós pedimos uma colaboração direta com as forças armadas — dizia o governador, interrompendo o Delegado Geral.

— É isso?! Iremos pedir a ajuda deles? — Aloísio bradou, novamente mudando de forma e ganhando o mesmo aspecto aterrorizador de quando estava transformado na besta alada.

— Se essa é a alternativa que ele encontrou para esse problema, então nos resta fazer o possível para segurar as pontas — revelou Jonathan, desgostoso. — Voltem para seus clãs, reabasteçam suas proles com sangue humano. Tenho certeza que a Casa dos Espinhos e Afonso ficarão felizes em nos fornecer suas mercadorias.

— Como desejar, Conselheiro — disse Lúcia, curvando-se em sinal de respeito e gratidão.

— Mandarei um carregamento com os melhores espécimes antes do sol raiar! — Afonso disse, com sua voz esganiçada e seu jeito espalhafatoso.

— E quanto a eles?

— Miguel irá resolver esse problema. Afinal, ele está com a Guarda do Alvorecer — disse Lúcia, desgostosa, acenando para que seu capacho a escoltasse em segurança para casa.

Os demais líderes entreolharam-se e fitaram Lúcia, como se exigissem que ela se explicasse melhor, mas a matriarca da Casa dos Espinhos deu as costas aos demais líderes e partiu silenciosamente pela noite caótica e barulhenta. Gabriel engoliu em seco. Não sabia o que esperar dessa situação toda, nem mesmo se a tal Guarda do Alvorecer o manteria seguro das garras sedentas do Conselho dos Sete.

Seja como for, restava apenas apostar suas fichas na ordem que Miguel servia, pensou o garoto.


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