35. Pandemônio
Patrícia não conseguia tirar da cabeça a criatura que haviam encontrado no estacionamento da escola de sua filha, Vanessa. O mais perturbador era a semelhança entre as duas. Aqueles olhos, por mais distorcidos e inumanos que fossem, carregavam algo familiar. Um vestígio de sua menina.
Renato, por outro lado, não pareceu tão surpreso. A forma como ele sacou a arma e mirou em um dos monstros apenas reforçou as suspeitas de Patrícia. Ele sabia de algo. Tinha que saber. Renato não era do tipo que atirava sem um motivo sólido. Ainda mais depois do erro que quase custou sua carreira e o fez passar um tempo sob custódia. Ele era metódico demais para agir por impulso.
A dupla dirigia pelas ruas do Butantã, a cidade agora envolta em uma noite pesada e inquieta. O movimento era escasso, salvo pelos ônibus que cumpriam seu itinerário e alguns carros que transportavam passageiros desconhecidos para destinos incertos. Ambos observavam a cidade com extrema atenção. Qualquer sinal poderia levá-los de volta às criaturas.
O carro seguia em silêncio. Renato estava concentrado na direção, os olhos varrendo cada silhueta na calçada. Patrícia também analisava o ambiente, mas não conseguiu evitar um pensamento inquietante: estavam agindo como se fossem dois estranhos. Mas não eram. Compartilhavam um segredo terrível — monstros caminhavam entre eles.
Um zumbido insistente quebrou o silêncio. Primeiro, um. Depois outro. E outro. Mensagens disparavam incessantemente em seus celulares. Patrícia pegou o telefone, franzindo o cenho ao ver o anúncio de notificações. Os grupos de mensagens fervilhavam com imagens de duas criaturas se enfrentando no estacionamento da escola. E não só isso. Havia mais vídeos circulando. Pessoas sendo atacadas. Criaturas semelhantes a Vanessa surgindo em outros pontos da cidade. O caos estava se espalhando.
— O que foi? — Renato perguntou, percebendo a expressão sombria da parceira.
Patrícia virou a tela do celular para ele.
— Melhor você ver por si mesmo.
Renato encostou o carro no acostamento, pegou o próprio telefone e viu as mesmas mensagens pipocando. Seu peito se apertou ao notar os grupos familiares entre as notificações. Abriu uma das mensagens.
Mãe: Querido, você está bem?
Mãe: Tem muitos vídeos estranhos circulando por aí.
Mãe: As ruas estão caóticas, tá todo mundo assustado.
Renato olhou pela janela. A avenida ainda parecia normal, mas algo estava diferente. Pessoas estavam paradas nas calçadas, vidradas nas telas dos celulares, algumas trocando olhares atordoados. Havia confusão, descrença. Medo.
O mundo estava desmoronando.
Renato apertou o volante com força, a frustração evidente.
— Mais essa agora...
Patrícia aproveitou o momento.
— Você sabe de alguma coisa, não sabe?
Renato inspirou fundo e apontou para o envelope sob a blusa no banco de trás.
— Está tudo ali.
Patrícia arqueou a sobrancelha e pegou o envelope. Dentro, uma série de fotos. O rosto do rapaz nas imagens lhe pareceu vagamente familiar. Mas quando reconheceu, seu coração gelou.
— Esse menino... ele estava no estacionamento.
— Sim, era ele. E também estava envolvido no caso do apartamento. Só não sei se tem ligação com o caso da garota sequestrada na frente do namorado.
— O que são essas marcas? Ele estava morto? — Patrícia virou outra foto, sentindo um incômodo crescente.
— Não sei. Mas as mesmas marcas estavam no ombro de Diego, o menino do apartamento. E eu as vi novamente em Caio.
— Espera... Caio? O namorado da menina raptada? Você o encontrou?
— Por acaso. No mercado. Ele esbarrou em mim e parecia à beira de um colapso. As mesmas marcas estavam no pescoço dele.
— E como conseguiu essas provas?
— Apareceram em minha porta — revelou, fazendo uma pausa para respirar. Ele não sabia se a parceira acreditaria em suas palavras. — Alguém deve saber de algo que não sabemos...
O telefone de Patrícia tocou, interrompendo a conversa. Renato também recebeu uma chamada simultaneamente. Mensagens continuavam chegando sem parar.
— Lemos falando — Patrícia atendeu rapidamente.
Renato afastou o celular do ouvido, suspirando ao ouvir a voz preocupada da mãe do outro lado da linha.
— Estou bem, mãe. Fica calma. Tranque as portas e se precisar, me liga.
A ligação terminou. Patrícia também encerrou a dela.
— E então? — Eles perguntaram ao mesmo tempo, trocando olhares tensos.
— Minha mãe. Ela está apavorada.
— O delegado quer que nos apresentemos na Delegacia Geral. É uma ordem de cima. Todos devem estar de prontidão.
Renato passou a mão no rosto, sentindo o peso da situação.
— Então o mundo realmente virou de cabeça pra baixo — comentou, exibindo um sorriso que mais salientava o quão exausto estava, e ele mal sabia se tudo isso se resolveria ou não.
Ele ligou o motor, voltando para a estrada. O caminho seguiu em silêncio. O medo nas ruas era palpável. O mundo inteiro parecia prestes a explodir. Enquanto isso, Patrícia mantinha os olhos na tela do celular, assistindo aos vídeos que continuavam a chegar.
As criaturas estavam destruindo bares, restaurantes, casas. O caos estava se alastrando.
E tudo o que ela conseguia pensar era em sua filha. Vanessa estaria segura?
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