18. Alguém poderoso
Rodrigues viu o reflexo de alguém no vidro do carro que observava. Virou-se de imediato, pistola em punho, e apontou para o balconista que o atendera momentos atrás.
— Oh, calma, amigo! — disse o rapaz, levantando as mãos. O policial o encarava fixamente, enquanto o jovem dava um passo para trás.
— O que está fazendo aqui?
— Eu te vi parado, parecia que estava procurando algo... — explicou o balconista, com o peito prestes a explodir pela tensão. — Achei que talvez precisasse de ajuda... — continuou, juntando as mãos em um gesto suplicante.
— Para o seu bem, espero que esteja falando a verdade — respondeu Rodrigues, abaixando a arma lentamente, sem desviar os olhos do rapaz.
— Eu juro que é verdade... — disse o jovem, desesperado, quase gritando.
O balconista deixou as mãos caírem até a altura das coxas, enquanto o policial o observava mais uma vez. Em seguida, Rodrigues lançou o olhar para a rua deserta, como se buscasse alguém.
— O que você está procurando? — perguntou o balconista, quebrando o silêncio incômodo.
— Isso é assunto da polícia — respondeu Rodrigues, voltando a analisar o entorno. — Acho que, agora que sabe que não preciso de ajuda... — Ele deu alguns passos hesitantes para frente, começando a dispensar o rapaz. — Você já pode...
Antes que pudesse terminar a frase, uma sombra atravessou a rua em alta velocidade. Rodrigues sentiu uma corrente de ar gélida passar por ele, seguida por uma sensação de desconforto súbito, como se algo se revirasse dentro de seu próprio corpo.
Seus braços e pernas ficaram dormentes, mas, de alguma forma, ele se manteve de pé. O sangue parecia ter congelado em suas veias, apesar da noite não estar fria o suficiente para justificar aquilo. Com grande esforço, ele conseguiu se virar e, ao olhar para trás, viu uma figura alta e encapuzada atrás do balconista.
A silhueta, de ombros largos, usava um capuz preto que ocultava quase todo o rosto, exceto por dois olhos escarlates que brilhavam na escuridão. Rodrigues levantou a pistola, apontando para o estranho, enquanto o balconista, paralisado pelo terror, recuava lentamente.
De repente, o encapuzado segurou o jovem pela nuca. Rodrigues jurou ter ouvido uma risada macabra ecoar pela rua antes que a figura desaparecesse, levando o balconista consigo.
No susto, o policial disparou a esmo, atingindo a vitrine de um estabelecimento do outro lado da rua. O tiro quebrou o silêncio, atraindo a atenção da vizinhança, que em minutos surgiu como formigas atraídas por açúcar.
— Que diabos está acontecendo? — murmurou Rodrigues, incrédulo.
Logo, a polícia foi acionada. Sem resistência, Rodrigues se entregou ao flagrante, consciente de que cooperar era sua melhor chance. Com sorte, as câmeras de segurança poderiam confirmar sua versão dos fatos.
Ainda assim, o policial não conseguia afastar da mente a presença perturbadora daquela figura. Ele recordava as imagens das gravações do prédio de Diego. E se tudo estivesse conectado?
Rodrigues encarava a mesa vazia, salvo pelas mãos algemadas sobre ela. Aguardava o retorno de um colega que viria colher seu depoimento. Assim que chegou ao distrito vizinho, ligou para Patrícia.
Ela ficou transtornada, e suas palavras ainda ecoavam em sua mente:
— Caralho, Rodrigues! O que deu em você? Você não costuma agir assim!
Entre a repreensão da parceira e as cenas do confronto com o encapuzado, Rodrigues não conseguia encontrar paz. Nada fazia sentido. Nenhuma pessoa normal aparecia e desaparecia em meio às sombras. Nenhuma pessoa normal tinha olhos tão diabólicos quanto os daquele estranho.
Ele acreditava que o encapuzado do vídeo estava conectado ao desaparecimento da namorada de Caio e ao caso de Diego. Restava apenas descobrir como as peças daquele quebra-cabeça se encaixavam.
Rodrigues ouviu a porta da sala se abrir. O rangido discreto foi seguido pela entrada de outro policial, um homem mais velho, com cabelos grisalhos que denunciavam sua longa experiência. Ele carregava uma prancheta e um gravador. Logo atrás, entrou um segundo indivíduo. Este usava roupas chamativas, exageradas para uma simples coleta de depoimento, e exalava uma aura de autoridade. Apesar de não ser muito mais jovem que o policial veterano, sua postura sugeria que não era do tipo que acreditava facilmente em histórias improváveis.
— Pode nos contar o que aconteceu naquela rua? — O policial mais velho quebrou o silêncio.
Rodrigues olhou para suas mãos algemadas e depois para os dois homens à sua frente.
— Poderia retirar as algemas? Acho que não são necessárias, já que cooperei até agora... — pediu, balançando os pulsos.
O veterano lançou um olhar ao homem de terno, que assentiu brevemente.
— O que o levou a realizar os disparos? — perguntou o homem de terno marrom, direto e incisivo.
— Eu estava perseguindo um suspeito de um caso que minha parceira e eu pegamos dias atrás — respondeu Rodrigues. Era verdade que perseguia alguém que julgava suspeito, mas preferiu omitir as partes mais estranhas do que havia presenciado.
— E por que atirou? — insistiu o oficial.
Rodrigues o encarou, exausto, antes de responder:
— Dei voz de prisão, mas ele não obedeceu. Atirei para adverti-lo.
— Então você pretendia ferir um civil que considerava suspeito?
— Não.
— Por que, então, o disparo não foi para o alto? Por que atirou na direção dele?
Rodrigues respirou fundo, esforçando-se para manter a calma.
— Julguei que ele fosse perigoso. Ele estava com um civil. Um balconista que havia me atendido momentos antes.
— E o que aconteceu com o balconista?
— Foi levado pelo suspeito. Um homem vestindo uma capa de chuva preta.
— Tem um retrato falado dele?
Rodrigues balançou a cabeça negativamente.
— Esse mesmo sujeito foi visto em outro desaparecimento dois dias atrás — acrescentou.
O homem de terno marrom inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos na mesa. Seu olhar fixo tornava o ar na sala quase irrespirável.
— Oficial Renato Rodrigues — disse, pausando para dar peso às palavras. — O senhor está ciente de que falso testemunho pode levá-lo à prisão, correto?
Rodrigues assentiu, sem se intimidar.
— Sei que parece difícil de acreditar, mas estou dizendo a verdade. Minha parceira pode confirmar a existência dessa figura que mencionei. — Ele fechou os olhos por um momento, respirando fundo, sem disfarçar o cansaço que começava a tomar conta de seu corpo.
Subitamente, a atenção de todos foi desviada por uma movimentação do lado de fora. O policial veterano foi o primeiro a se levantar, seguido pelo homem de terno marrom. Os três olharam para a porta de vidro da sala.
Uma figura distinta, vestida com elegância similar à do homem de terno, caminhava tranquilamente pelo corredor. Ele era seguido por vários policiais curiosos, além de Patrícia e o delegado do distrito de Rodrigues.
— Delegado Geral? — perguntou o veterano, visivelmente surpreso.
Rodrigues franziu a testa, tão confuso quanto os demais.
— Delegado... — murmurou o homem de terno marrom.
O recém-chegado era de aparência jovial, com cabelos negros penteados para trás. Sua presença tinha algo de inquietante. Havia uma força intangível ao redor dele, algo que fazia o ambiente parecer mais pesado. Rodrigues reconheceu a mesma sensação que tivera ao encarar o homem da capa de chuva preta.
— O que traz o senhor até aqui? — indagou o homem de terno, visivelmente desconfortável.
— Por favor, soltem o rapaz — ordenou o Delegado Geral, sem sequer olhar para Rodrigues. Sua voz era fria, como um vento cortante em pleno inverno.
— Mas, senhor... — tentou argumentar o veterano.
— É uma ordem.
Rodrigues não conseguia entender o que estava acontecendo. Por que alguém com tanta autoridade estaria interessado em sua liberação? Apesar da confusão, sentiu-se aliviado ao perceber que estava sendo solto.
Contrariado, o veterano aproximou-se e retirou as algemas, enquanto o homem de terno marrom observava em silêncio absoluto. Rodrigues levantou-se, agradecendo em silêncio ao Delegado Geral.
— Senhores, se me dão licença... — disse o Delegado Geral, saindo da sala sem mais explicações.
Rodrigues o acompanhou com o olhar, sentindo um desconforto crescente. Algo naquele homem era perturbador, quase sobrenatural. Mas, ao mesmo tempo, ele não podia deixar de sentir gratidão por sua intervenção.
— Anda, você está livre... — murmurou o veterano, visivelmente desgostoso.
Sem hesitar, Rodrigues pegou suas coisas e saiu da sala. Patrícia o esperava do lado de fora, cabisbaixa. O delegado do distrito o observava com um olhar duro e crítico.
— Precisamos conversar... — disse o superior, em tom frio e desanimado.
Rodrigues sabia que aquela conversa não seria nada agradável, mas tinha certeza de que era apenas o início de algo muito maior.
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